Nowa
Nieszawa foi o nome de uma localidade polaca implantada na margem oeste
do rio Vístula que conheceria uma elevada prosperidade durante a
primeira metade do século XV. No entanto, esta comunidade não resistiria
às incidências do conflito terrível que viria a opor forças polacas e
prussianas contra o excessivo poderio da Ordem Teutónica. Em 1454, os
habitantes prussianos da cidade rival de Torun, que haviam findado com o
anterior domínio teutónico, exigiram ao rei polaco Casimiro IV a
destruição de Nieszawa, como contrapartida necessária para viabilizar a
integração da confederação prussiana no reino medieval polaco e
formalizar assim uma aliança contra um inimigo que partilhavam em comum.
O soberano terá cedido à exigência. No ano de 1464, Nieszawa já se
encontrava praticamente em ruínas, restando apenas o seu castelo.
Durante a sua existência, Nowa Nieszawa albergaria essencialmente
construções civis de madeira ou de pau a pique (taipa de mão), contudo
as estruturas municipais e religiosas, consideradas mais importantes,
seriam revestidas de tijolo. Nos anos compreendidos entre 1427-1430, o
rei polaco ordenaria ainda a construção, também em tijolo, do castelo de
Dybów, situado nos arredores da cidade.
Em termos económicos,
Nieszawa conseguiu um significativo desenvolvimento mediante a
transacção de diversas mercadorias, tais como o grão, o peixe, o azeite
e a cerveja. O rio Vístula favorecia igualmente o acesso estratégico ao
Mar Báltico que se achava repleto de recursos. A concorrência no plano
comercial era então enorme e fez com que esta localidade fosse
profundamente odiada pela vizinha cidade (inicialmente teutónica e
posteriormente "prussiana") de Torun, resultando mesmo num conflito que
assumiria uma natureza política e belicista.
Na vertente social, a
localidade em análise foi ainda uma porta de entrada para vários
refugiados que escapavam da opressão asfixiante do Estado Teutónico.
Nieszawa era habitada por cavaleiros, religiosos e camponeses (tal como
qualquer outra comunidade medieval), mas distinguia-se em particular por
congregar sociedades multi-culturais tais como alemães, ingleses,
checos, holandeses e ainda uma comunidade judaica.
Depois de
destruída, a localidade de Nieszawa reemergiria mais tarde a 30 km a
este do lugar onde residiam as suas origens medievais.
As reconstituições digitais que se seguem desta cidade medieval polaca
do século XV são da autoria de J. Zakrzewski, S. Rzeznik, P. Wroniecki,
T. Mełnicki e M. Jaworski (
www.medievalists.net), todos eles responsáveis pelo estudo.
Curiosidade Histórica XI - O Desastre de Badajoz (1169)
D.
Afonso Henriques e Geraldo Sem Pavor estavam em alta nos finais da
década de 1160, devido aos méritos belicistas que haviam alcançado no
âmbito da Reconquista Portuguesa.
O rei português, além do estatuto
de fundador da nacionalidade, tinha conquistado aos muçulmanos urbes
importantes tais como Santarém ou Lisboa (1147), enquanto Geraldo, e o
seu grupo de salteadores, tomaram por iniciativa própria Évora (1165)
bem como outras praças alentejanas (como por exemplo: Serpa ou
Juromenha). O cenário parecia ser então promissor até porque Geraldo
acumularia novos êxitos na região da Estremadura, tomando Cáceres,
Trujillo (1165) e Montánchez (1166) aos muçulmanos.
Em Maio de 1169,
o primeiro rei de Portugal contava já com cerca de 60 anos de idade.
Nessa altura, D. Afonso Henriques teve conhecimento duma nova investida
de Geraldo Sem Pavor que estaria prestes a tomar Badajoz aos árabes. O
rei mouro bem como os seus guerreiros estavam entrincheirados na
alcáçova, resistindo com bravura às investidas dos soldados portugueses.
D. Afonso Henriques decidiu ir em auxílio de Geraldo, de modo a
conquistar rapidamente esta praça. As forças portuguesas eram igualmente
comandadas por Fernando Afonso (filho ilegítimo de D. Afonso Henriques
que, mais tarde, viria a ser Grão-Mestre da Ordem do Hospital) e D. Pêro
Pais da Maia (Alferes-mor do reino).
No entanto, os muçulmanos,
mesmo que sufocados pela asfixiante pressão portuguesa, recusaram o
cenário de rendição e mantiveram-se assim aquartelados nas fortalezas da
alcáçova. Por outro lado, as tropas portuguesas cairiam na
desorganização e até na indisciplina (registou-se a ocorrência de orgias
e de noites repletas de bebedeiras). O rei português teve igualmente
conhecimento da ocorrência de rixas entre os próprios cavaleiros
portugueses. Muitos encontravam-se então alcoolizados. No entanto, o
pior ainda estava para acontecer...
Ao fim de três ou quatro dias,
as tropas do rei leonês D. Fernando II (genro de D. Afonso Henriques)
irromperiam surpreendentemente pela cidade, surgindo em auxílio dos
mouros cercados. Esta acção deve-se ao facto daquele monarca cristão ter
assinado um pacto de defesa mútua com o califa de Sevilha. Além de
mais, Badajoz ficaria na margem esquerda do Guadiana, reclamada como
área de influência leonesa.
Neste âmbito, as forças leonesas,
devidamente coordenadas, varreram os contingentes portugueses que se
achavam completamente desorganizados.
Na sua tentativa de fuga, D.
Afonso Henriques embateria com o seu cavalo contra uma das portas da
muralha da cidade, ficando com mazelas graves, nomeadamente numa perna
(talvez fracturada devido à queda).
Detido pelas forças leonesas,
foi presente ao rei D. Fernando II que o tratou com respeito e lhe
disponibilizou assistência médica. O rei português só seria libertado
mediante o pagamento de um resgate em dinheiro e a cedência das praças
de Trujillo, Cáceres e Montánchez (anteriormente conquistadas por
Geraldo Sem Pavor).
A carreira militar de D. Afonso Henriques tinha
ficado seriamente comprometida. O rei português nunca mais recuperou
totalmente da lesão profunda que havia sofrido em Badajoz, algo que o
impediria de retornar à sua anterior preponderância militar.
Diminuído fisicamente, o "Conquistador" viveria, ainda assim, até ao ano de 1185.
Legenda - Túmulo de D. Afonso Henriques na Igreja de Santa Cruz em Coimbra.
Curiosidade Histórica XII - O Massacre de Judeus em Lisboa (1506)
Nos finais do século XV, a Península Ibérica testemunhou um cenário de
total intolerância religiosa. Em 1492, os judeus e os muçulmanos tinham
sido expulsos de Espanha por parte dos reis católicos. Entre os anos de
1496-1497 (durante o reinado de D. Manuel I), acabaria por acontecer o
mesmo em Portugal. O Tribunal do Santo Ofício (ou Inquisição) seria
estabelecido no nosso país em 1536 para punir os desvios à fé católica.
Pelo meio, um episódio em 1506 espelharia o lado mais negro de todo
este processo. Os relatos existentes sobre o acontecimento que
passaremos a narrar baseiam-se nas descrições então fornecidas por
Damião de Góis e Garcia de Resende.
Tudo começou no âmbito de uma
eucaristia realizada no Convento de São Domingos de Lisboa, quando um
dos crentes jurou ter visto no altar o rosto de Cristo iluminado,
"prodígio" que foi encarado como uma bênção divina por parte da multidão
de fiéis que, por seu turno, ansiava por um sinal promissor numa
conjuntura bastante adversa. No entanto, um cristão-novo (judeu
recém-convertido ao cristianismo por imposição legal) que assistia
igualmente à missa, contestou tal interpretação e tentou justificar o
acontecimento através de um mero reflexo de luz (alimentado talvez por
uma candeia acesa do convento) que havia então incidido sobre o
crucifixo de Jesus, projectando uma ilusão de óptica. Furiosa com a sua
versão apresentada, a turba de fiéis espancou-o até à morte.
Desde
logo, dois frades do referido convento dominicano incitaram a uma
perseguição sangrenta contra os hereges, prometendo aos participantes a
absolvição dos pecados cometidos nos últimos 100 dias. Ao todo, mais de
500 cristãos aderiram a este repto clerical, incluindo marinheiros
holandeses, alemães e zelandeses que se achavam, naquele momento, na
capital do reino. É possível que o número dos fanáticos perseguidores
tivesse ainda aumentado nos dias posteriores.
Os judeus ou cristãos
novos seriam o bode-expiatório. A eles se imputava a responsabilidade de
todos os males terrenos, nomeadamente a peste, a fome e a seca que
assolavam na altura a região.
Durante três dias (19-21 de Abril; na
Semana Santa), inúmeras famílias de judeus ou de cristãos novos foram
assassinadas nas ruas lisboetas. Outras foram torturadas e queimadas
vivas nas fogueiras improvisadas junto à ribeira do Rio Tejo e ao
Rossio. Homens, mulheres e crianças padeceram da forma mais aterradora
só porque alegadamente tinham diferentes convicções religiosas. Além
destas execuções em massa, os perseguidores não hesitaram em entrar nas
suas moradias, furtando vários bens (nomeadamente objectos de ouro e
prata).
Naquela altura, a corte de D. Manuel estava estabelecida em
Abrantes (de modo a fugir à peste que se vislumbrava em Lisboa), mas
tentou reagir logo que teve conhecimento das hediondas incidências. Um
primeiro grupo de alcaides e magistrados tentou serenar os ânimos na
capital, mas dada a sua desvantagem numérica para travar a "insurreição
colectiva", tiveram que se retirar para sua própria segurança. A
normalidade só foi reposta com a chegada das tropas reais. Alguns dos
perseguidores foram presos e enforcados, e os dois frades dominicanos
instigadores da chacina seriam queimados na fogueira.
Garcia de
Resende estima que 4 mil judeus teriam morrido no decurso daqueles três
dias negros. No entanto, a historiografia moderna sugere que o número de
vítimas do massacre teria sido bem inferior àquele que foi estimado
inicialmente (situando-se talvez na ordem das centenas).
Independentemente das estatísticas propostas, este foi um dos episódios
mais negros da História de Portugal. E o rastilho de todo este enredo
tinha começado com uma simples opinião...
Legenda - Memorial em
Lisboa às vítimas do massacre judaico (19-21 de Abril de 1506).
Foto: Blogue Crónicas Portuguesas
Curiosidade Histórica XIII - A Cidade Portuguesa de Mazagão
Quando em 1415 os portugueses conquistaram Ceuta, iniciariam todo um
processo de expansão territorial que resultaria subsequentemente na
conquista de diversas praças no norte de África aos muçulmanos. Praças
como Arzila, Tânger, Alcácer Ceguer, Safim, Mogador e Azamor foram então
tomadas ou ocupadas, em nome da fé cristã, pelas forças portuguesas.
Mas neste pequeno artigo iremos abordar em concreto a história da pra
ça-forte
de Mazagão, hoje denominada como El Jadida, que se situava a 90 km a
sudoeste da actual cidade de Casablanca. Dentro deste contexto, Mazagão
foi uma das principais possessões territoriais portuguesas, tendo conservado
esse estatuto entre os inícios do século XVI e 1769 (isto é, quase três
séculos!). Ao longo deste período, as guarnições portuguesas resistiram
com valentia e heroísmo a poderosos cercos movidos pelas numerosas
tropas berberes. Após a retirada portuguesa em 1769, a localidade
ficaria abandonada durante meio século até ser finalmente reabilitada
pelo sultão Moulay Abderrahmane.
Mazagão, terra então fundada pelos
portugueses (e não conquistada pelas armas ao contrário de muitas
outras), seria construída obedecendo aos arquétipos da própria
arquitectura militar portuguesa do Renascimento. A vila, então
localizada na costa ocidental africana, serviria ainda de entreposto
comercial e marítimo nas rotas marítimas dirigidas à Índia, o que lhe
conferia importância estratégica. De acordo com uma descrição contida na
Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), "a fortaleza de Mazagão
apresentava a forma de um quadrilátero irregular, rematado por quatro
frentes abaluartadas (...) duas das faces estavam viradas à costa e duas
ao eixo terrestre, facto que traduz o carácter iminentemente militar e
defensivo da construção". Além disso, o "fosso da fortaleza permitia a
entrada de embarcações através do sistema de comportas (...), e no
interior da praça, localizavam-se vários equipamentos de assistência
como o hospital, a vedoria, os celeiros, o palácio do governador, os
armazéns, a cisterna, o chafariz, igrejas e ermidas".
Da sua
primitiva construção em inícios do século XVI, apenas permanecem hoje
como testemunhos da duradoura presença portuguesa, uma antiga
fortificação com as suas muralhas e baluartes, um primitivo castelo, uma
cisterna e uma Igreja de Nossa Senhora da Assunção erigida em estilo
manuelino. A localidade é assim fruto do intercâmbio entre as culturas
europeia e marroquina, facto que motivou em 2004 a classificação de
Património Mundial por parte da UNESCO.
Esta foi a história da
Cidade Portuguesa de Mazagão, glorificada pela sua originalidade que
rodeou a sua construção militar e disposição urbanística.


Fotos: Visão sobre a "praça fortificada de Mazagão" (site Património
Cultural - DGPC) e imagem da célebre cisterna manuelina (site -
VortexMag).
Leiam mais em:
http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-mundial/origem-portuguesa/cidade-portuguesa-de-mazagao-el-jadida/
Curiosidade Histórica XIV - Os Escaldos
A civilização viking
assumia uma vocação especial para a arte militar e para a sua fascinante
construção naval (daí o célebre "drakkar", embarcação que percorreria
oceanos e rios de difícil navegação independentemente do seu caudal).
No entanto, e ao contrário do que muitos possam julgar, existia um
núcleo de intelectuais que, além de combater, também se dedicavam à
escrita. Eram os célebres "escaldos", indivíduos que, durante a Idade M
édia,
redigiam poemas ou narravam histórias/sagas. Graças aos seus raros
conhecimentos, esta pequena "elite" de poetas e cronistas usufruía da
presença regular em cortes escandinavas e islandesas. Naturalmente,
muitos deles dedicaram "panegíricos" aos seus reis, exaltando os seus
feitos alcançados em batalha.
Como meros exemplos de escaldos,
teríamos Egill Skallagrímsson, Bersi Skáldtorfuson, Gunnlaugr Illugason,
ou Óttarr svarti. Entre os anos de 800 e 1200, estariam documentados
mais de 300 escaldos.