Curiosidade Histórica XV - O "Seppuku" do Primeiro Samurai
Os samurais encaravam a morte como uma certeza iminente, e inspirando-se no Código de Honra do "Bushido", deveriam demonstrar uma lealdade inequívoca e incondicional ao seu Senhor Feudal, estando preparados para dar a sua vida a qualquer momento pela causa do seu clã. A fuga era vista como um caminho de covardia na ideologia destes guerreiros nipónicos. Por isso, quando estavam cercados ou encurralados pelo inimigo tinham duas hipóteses: ou lutavam até à morte (quase inevitável) ou suicidavam-se (de forma a não serem capturados e executados de forma humilhante pelos adversários).
De acordo com as fontes hoje conhecidas, o primeiro grande samurai a ter cometido tal procedimento foi Minamoto Yorisama em 1180.
Não conseguindo travar a perseguição do exército do clã Taira, refugiou-se, por fim, no templo de Byōdō-in (Uji, Quioto) juntamente com alguns dos seus homens e o príncipe Príncipe Mochihito (apoiado pelo clã Minamoto).
Cercados por todos os lados e por um exército superior, Minamoto Yorisama (1106-1180) escreveu um pequeno poema de despedida deste mundo (era costume muitos samurais saberem ler e escrever, o "Bushido" incentivava-os a isso) e depois suicidou-se para não ser capturado e/ou executado pelos Taira, no âmbito das Guerras Genpei (1180-1185).
Este seu procedimento extremo iria inspirar muitos combatentes japoneses nos séculos posteriores que recusariam assim a fuga e a rendição nos cenários mais adversos. A morte era inevitável, logo a honra militar na "hora do adeus" era essencial, no entender dos samurais.
Os kamikazes japoneses da Segunda Guerra Mundial (1938-1945) iriam também seguir, por várias ocasiões, esta tradição, embora a hegemonia samurai tivesse terminado já anteriormente em 1868.
A lealdade e a fidelidade a uma causa foi algo que indubitavelmente acompanhou toda uma cultura social do País do Sol Nascente.
Em jeito de curiosidade, este era o teor do poema de despedida de Minamoto Yorisama antes de cometer o seu "seppuku":
埋もれ木の/花咲くことも/なかりしに/身のなる果てぞ/悲しかりける
"Como uma árvore fóssil, De onde não colhemos flores, Triste tem sido a minha vida, Não predestinou frutas para produzir"
Gravura: O acto de "seppuku" (suicídio de honra) cometido por um samurai.
(Xilogravura "Ukiyo-e" do período Edo 1850-1860).
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Curiosidade Histórica XVI - O Triunfo da Barbárie (A Queda de Bagdade - 1258)
Em 1251, subia ao trono mongol "Mongke Khan", neto de Genghis Khan que havia sido o primeiro grande edificador de um autêntico império oriental.
Após inúmeras conquistas violentas, os mongóis acabariam por chegar aos antigos redutos persas. E em breve, visariam várias regiões que hoje correspondem a territórios do Irão e do Iraque.
Hulegu (ou Hulagu) Khan, irmão de Mongke, liderava um exército de 150 mil homens, o qual acamparia nas imediações de Bagdade, cidade que seria o seu próximo alvo aliciante.
No mês de Novembro de 1257, Hulegu procurou negociar uma rendição pacífica, mas al-Mustasim, califa abássida, recusou tais termos. O príncipe de Bagdade enviou inclusivamente uma força de 20 mil homens para confrontar os invasores no exterior das muralhas. Mas a sortida não corre bem. Os mongóis deram imediatamente cabo das barragens e dos diques, inundando de água o campo de batalha e limitando os movimentos das forças abássidas (muitos dos seus soldados morreram até afogados). No momento oportuno, a cavalaria pesada mongol interveio e dizimou o inimigo. Imediatamente, os soldados de Hulegu se apoderaram dos subúrbios (arrabaldes) ocidentais da cidade. No dia 30 de Janeiro de 1258, os mongóis iniciaram os bombardeamentos sobre Bagdade, recorrendo a explosivos chineses e a novas catapultas modernas capazes de disparar mísseis flamejantes. Construíram igualmente uma paliçada.
No dia 6 de Fevereiro, os mongóis conseguem um grande avanço ao tomarem a muralha oriental de Bagdade. A restante guarnição abássida bem como alguns civis procuraram conter e até inverter o rumo dos acontecimentos, mas não havia nada a fazer dado o poderio do inimigo.
A 10 de Fevereiro, Bagdade apresenta a sua rendição, mas o pior estava ainda por acontecer.
O califa e os seus correctores foram feitos prisioneiros. Os restantes membros da guarnição de Bagdade que haviam lutado com coragem e sobrevivido até então foram prontamente executados.
No dia 13 de Fevereiro, começaria um dos piores episódios da história mundial. Os mongóis começaram a saquear e a destruir a cidade histórica que fora fundada em 762 d.C., não poupando sequer a sua sociedade e a sua cultura. Algumas fontes apontam que 2 milhões de habitantes foram mortos durante o massacre. Bagdade que até então era um centro de artes e de cultura no mundo islâmico ficou reduzida a cinzas. As suas esplendorosas bibliotecas e universidades foram incendiadas, perdendo-se obras que versavam áreas como a Filosofia, a Poesia, a Medicina e a Astronomia. De acordo com um relato, as águas do rio Tigre que banhavam a cidade ficaram mesmo escuras devido à tinta (utilizada então na escrita) absorvida e que estava então presente num número quase infindável de antigos manuscritos e livros que foram assim arremessados naquele curso fluvial.
Palácios, hospitais, mesquitas e jardins foram também reduzidos a pó.
O abássida al-Mustasim foi forçado a assistir à destruição da sua cidade, e como se não bastasse, os mongóis enrolaram-no num tapete, tendo sido pisoteado até à morte pelos cascos dos cavalos invasores.
A vingança muçulmana ocorreria apenas 2 anos depois, quando os mamelucos do Egipto ousaram travar as forças do Império Mongol numa das batalhas mais decisivas da Idade Média (Ain Jalut).
(Veja-se: CHARLES, Phillips - Fall of Baghdad (1258) in 1001 Battles that changed the course of History, Londres, Quintessence Editions, 2011, p. 175).
Gravura: Iluminura datada do século XIV que retrata o cerco dos mongóis sobre Bagdad.
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Curiosidade Histórica XVII - A Lendária Mumadona
Mumadona Dias foi uma dama galega que se evidenciou no século X. Era filha dos Condes de Portucale Diogo Fernandes e Onega.
Pouco apurámos sobre a sua vida, dado que viveu numa época muito recuada, para a qual escasseiam as fontes manuscritas.
Sabemos sim que esta senhora provinha de um meio familiar bastante abastado e que mantinha relações muito próximas com a corte e a família governante do reino de Leão.
Contrairia matrimónio, talvez algures entre 915 e 920, com Hermenegildo Gonçalves (também conhecido como Mendo Gonçalves), o qual desempenhara o papel de conde de Tui e do Porto, além de ser tenente de Deza.
Em 926, ambos receberam de Ramiro II, rei de Leão, a vila de Creixomil situada perto de Guimarães. Mumadona Dias era curiosamente tia deste soberano.
Entretanto, o seu marido Hermenegildo falecera algures entre os anos de 943 e 950, deixando-a viúva.
Mas isso não demoveu Mumadona de consubstanciar muitos projectos de benfeitoria que tinha em mente, tendo ficado expressa a devoção que nutria pela sua herdade de "Vimaranes". Primariamente, ali mandou fundar um mosteiro em honra de Santa Maria (outros referem que seria de invocação a São Mamede). Posteriormente, e de forma a garantir a protecção deste espaço de culto cristão, sobretudo diante de potenciais ataques normandos, determinou a construção de um castelo (que viria a ser o de Guimarães).
A partir da criação destas duas estruturas nasceria mais tarde o burgo de Guimarães. Mais do que isso até: materializaram-se as condições necessárias para o futuro estabelecimento da corte do Condado Portucalense naquela terra, missão que viria a ser desempenhada mais tarde pelo Conde D. Henrique (1066-1112) e por D. Teresa (1080-1130).
Não se sabe a data do falecimento de Mumadona, mas sabemos que deixou descendência: Gonçalo Mendes (o qual se tornaria Conde de Portucale), Diogo Mendes, Ramiro Mendes, Onega Mendes, Nuno Mendes e Aires Mendes.
Acredita-se que a condessa terá passado os seus últimos dias no mosteiro vimaranense que então fundara. Mumadona ficou ainda conhecida por ter deixado inúmeras doações ao mencionado cenóbio.
Foto - Estátua da Condessa Mumadona - Guimarães (blogue: "Cidade de Guimarães").
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Curiosidades Históricas XVIII - Paulo Orósio, o Historiador Cristão
Nascido provavelmente na região de Bracara Augusta (Braga) por volta dos finais do século IV, Paulo Orósio seria um dos mais notáveis pensadores do seu tempo.
Orósio provinha de uma família abastada, pelo que teve acesso a uma boa educação, além de estar ao corrente da cultura rural que então proliferava. De imediato, se tornou clérigo cristão e chegou mais tarde a ser ordenado presbítero. Mas por volta de 409 d. C., é forçado a abandonar a Galécia devido às invasões bárbaras que começavam a subtrair os domínios de um Império Romano em desintegração avançada.
Atribui-se a ele o primeiro grande tratado de história universal sob a perspectiva cristã, A sua obra intitulada "Historiarum adversus paganos libri VI", talvez escrita em 417, aborda a história, não do ponto de vista das nações, mas sim da evolução do homem universal. A sua obra mereceu mais de mil reproduções manuscritas por parte dos copistas, e chegou mesmo a ser traduzida em árabe. Chegaria a ser citada, durante séculos, por eminentes vultos da Literatura Mundial (São Bráulio e Dante Alighieri chegaram a mencionar a sua obra).
O historiador José Mattoso revela-nos que Orósio foi ainda autor de uma série de pequenos tratados, visando reflectir o ambiente de agitação intelectual que se registava na Galécia (noroeste peninsular) e no restante mundo cristão. O erudito opôs-se ainda a algumas filosofias e interpretações teológicas que iriam resvalar para o campo das heresias. Dentro deste contexto, combateria o priscilianismo, o origenismo e o pelagianismo, tendo até participado em debates quentes na Cidade Santa de Jerusalém, sob a égide de São Jerónimo de Estridão.
Foi igualmente um discípulo directo de Santo Agostinho (354-430) com quem privou de perto em Hipona (Norte de África). Junto a este grande vulto da Igreja Universal não apenas conversou sobre temas teológicos, como colaborou com ele na elaboração da monumental obra "A Cidade de Deus". Aliás fora o próprio Santo Agostinho que recomendara Paulo Orósio a São Jerónimo de Estridão na viagem que encetaria à Palestina, tendo redigido inclusive uma carta de apresentação.
Nos seus manuscritos, Orósio procurou defender que o Cristianismo não foi o principal responsável pela queda de Roma nas mãos de Alarico, rei dos Godos (o terrível saque de Roma ocorrera em 410). Esta acusação era habitualmente dirigida pelos pagãos que, desde o édito de Teodósio (380), deixaram de adorar livremente os seus deuses clássicos no Império. Orósio refuta ainda as insinuações destes, alegando que antes de Roma existiram três impérios, e todos eles caíram sem que a religião cristã estivesse presente em algum deles.
Apesar das depredações cometidas pelos invasores bárbaros, Orósio dava a entender que era possível a vitória de um povo ou de uma nação sobre a ruína, o sofrimento ou o desespero, podendo assim reerguer-se e nascer dali futuras civilizações ou impérios.
Por outro lado, se a historiografia romana glorifica os vencedores das batalhas, Orósio presta na sua sua narração uma especial atenção ao sofrimento e à tragédia visível nas facções derrotadas. Uma novidade clara do seu estilo peculiar em encarar a própria história.
Ainda no seu entender, o presente é sempre melhor que o passado, porque este último estivera durante largos milénios afastado da verdadeira religião.
De acordo com algumas fontes antigas, deve-se ainda a ele a descoberta das relíquias do primeiro mártir cristão, Estêvão (apedrejado por volta do ano de 37, pouco antes da conversão de Paulo de Tarso), aparecidas no final de 415, sendo parte destas encomendadas a Orósio para as deslocar posteriormente até Braga. Contudo, acabou por trazê-las até Minorca, ilha balear mediterrânica, onde foram usadas para converter a comunidade judaica local.
Teria falecido, algures no Norte de África (ou até mesmo nas ilhas baleares onde estivera), em data não posterior a 423, pelo que na altura deveria ter entre 30 a 40 anos de idade.
Gravura - Miniatura presente no Códice de Saint-Epure.
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Curiosidade Histórica XIX - Srinivāsa Aiyangār Rāmānujan, o Génio Improvável
Imaginem uma pessoa que, sem formação académica, nasce e vive num lugar precário com possibilidades sociais e educacionais bastante reduzidas, conseguindo ainda assim desenvolver pesquisas e investigações matemáticas capazes de superarem inclusivamente aquelas que foram efectuadas pelos grandes matemáticos de Cambridge?
Srinivāsa Aiyangār Rāmānujan (1887-1920) foi essa pessoa.
Nascido em Erode (localidade indiana que fazia naturalmente parte do Império Britânico da altura) e oriundo de um seio familiar humilde, Rāmānujan começou por ter acesso à escola básica e a liceus de pequena ou média reputação.
Nem sempre o seu aproveitamento fora o melhor. Por exemplo, chegou a ter dificuldades em dominar o inglês. Contudo, na fase da sua adolescência, entre os 12 e os 15 anos, começa a interessar-se por áreas como a matemática, a geometria e/ou a aritmética. Os seus colegas ofereceram-lhe inclusive um livro ("Synopsis of Elementary Results on Pure Mathematics", obra do autor George Shoobridge Carr, professor da Universidade de Cambridge, sendo que esta incluía cerca de 6 mil teoremas já conhecidos e compilados) que o inspiraria definitivamente a contribuir com novos teoremas e equações matemáticas (ao todo, e durante a sua curta existência de 32 anos, Rāmānujan logrará produzir 3900 fórmulas, quase todas novas e resolvidas de forma correta, e algumas delas, determinantes mais tarde como pontos de partida para investigações fulcrais). Posteriormente, em 1913, e sendo já conhecidos alguns dos seus trabalhos, Rāmānujan foi finalmente convidado a frequentar uma universidade local e a colaborar igualmente com as investigações matemáticas em curso. Impressionados com o seu talento, os professores indianos enviam até Cambridge os seus teoremas e sistemas matemáticos. A Índia era, na altura, uma colónia do Império Britânico, e Godfrey Harold Hardy, Professor de Matemática Pura naquela prestigiada universidade inglesa, fica imediatamente rendido à sabedoria do então "leigo" indiano (que os havia superado em muitas das suas capacidades) e convida-o a deixar o seu país de origem de forma a vir à metrópole, podendo assim usufruir de melhores condições para potenciar e aprimorar ainda mais todo o seu conhecimento.
Durante cinco anos (1914-1919), Rāmānujan estivera então em Cambridge, oferecendo todos os seus préstimos à Matemática que era o berço de toda a sua inspiração. O génio indiano viria a ingressar na Royal Society de Ciências, além de se ter tornado professor no Trinity College (Cambridge).
Em 1919, contrairia tuberculose, tendo sido forçado a regressar à Índia, onde viria a falecer no ano seguinte.
Ao nível da herança da sua obra, Rāmānujan formulou uma imensidão de enigmas abstractos, estudaria as noções dos números (em especial, os primos), promoveria partições matemáticas, analisaria a base natural dos algoritmos e a própria função das fracções.
Esta é a síntese da história de um "leigo" que, proveniente de um meio com poucos recursos, se tornou num matemático autodidacta de classe mundial.
Postal Indiano que retrata Srinivāsa Aiyangār Rāmānujan (1887-1920), o génio indiano que brilhou em Cambridge. (Imagem retirada de: matematicautodidata.com)
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Curiosidade Histórica XX - O Temperamento Difícil do Rei D. Pedro (1357-1367)
O assassínio de D. Inês de Castro ocorrera nos inícios do ano de 1355. O rei D. Afonso IV aproveitara a ausência momentânea do seu filho, D. Pedro, para consumar os planos de execução, levando consigo três ou mais carrascos. Apesar das súplicas de misericórdia (e sabendo que Inês era já mãe de quatro filhos contraídos com D. Pedro) que quase levaram o velho Afonso IV a voltar atrás na decisão, o rei foi pressionado por membros da aristocracia tradicional a "cortar o mal pela raiz" já que se temia a ingerência da Família dos Castro na linhagem dinástica portuguesa. O Rei D. Afonso IV procurava sim um matrimónio para o seu filho que viesse a normalizar ou até fortalecer as relações políticas e diplomáticas com Castela. E daí os exemplos dos dois matrimónios anteriores que arranjara para o filho: Branca de Castela e Constança Manuel (esta filha do príncipe e duque João Manuel de Castela). Branca foi repudiada por D. Pedro, Constança nunca foi verdadeiramente amada e faleceria precocemente em 1345, vítima de um parto atribulado, quando dera à luz o seu terceiro e último filho (D. Fernando, o qual viria inclusivamente a suceder a D. Pedro) que contrairia com o príncipe português já então apaixonado por Inês. A morte de Constança, fez com que Inês regressasse desde o exílio forçado no Castelo de Albuquerque (Badajoz) e fosse assim viver com o príncipe D. Pedro, gerando já descendência. O escândalo rebentou na corte, e a ameaça da ingerência dos Castro tornou-se real pelo que se exigiu uma decisão mais ominosa.
A execução clandestina e dramática de Inês, ocorrida então em 1355, fez com que o príncipe D. Pedro entrasse em rebelião contra o seu pai durante largos meses até que a situação acabou por se estabilizar.
Em 1357, D. Afonso IV morreria e D. Pedro se tornaria então no seu sucessor.
O novo rei, talvez afectado por tudo o que vivera anteriormente, procurou imprimir um elevado sentido de justiça. Viveu obcecado e fez de tal causa uma exigência no seu reinado. Mas ninguém pode negar que o soberano foi conhecido pela brutalidade de algumas das sentenças que proferiu.
Mal sobe ao poder, o rei persegue os carrascos de Inês de Castro. Um foge para França, os outros dois, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves, não têm a mesma sorte. Seriam capturados e torturados até serem executados de uma forma hedionda. O rei havia mandado arrancar os corações dos dois (um pelo peito, o outro pelas costas) enquanto se consolava a comer num banquete público.
No entanto, os excessos de justiça de D. Pedro não se ficaram por aqui, e daí para muitos, ter merecido os cognomes de “Justo ou Justiceiro”, mas também o de “Cruel”.
D. Pedro mandou castrar Afonso Madeira, seu fiel escudeiro (ao qual havia agraciado até então com várias mercês), quando descobrira que este dormia com uma mulher casada. O facto de este último se ter apaixonado por Catarina, mulher de um Corregedor, e de ter consumado a traição motivou a ira do rei português que ordenou a sua emasculação. De acordo com a historiadora Cristina Pimenta, o rei português não demonstrava muita tolerância quando se debruçava perante casos de adultérios. Outros casos similares seriam reportados no seu reinado, e D. Pedro voltaria a ser implacável.
Segundo a Revista Sábado, conhecem-se, pelo menos, mais três ou quatro casos em que D. Pedro agiu de forma brutal. Assim sendo, o rei mandou imediatamente degolar dois dos seus criados por terem roubado e morto um judeu que andava a vender especiarias, despiu ainda o bispo do Porto e queria açoitá-lo/chicoteá-lo por andar com uma mulher casada, e ainda ordenou que uma mulher adúltera fosse queimada viva bem como exigiu a morte por degolação do seu amante envolvido então na traição, e neste último caso, o "marido traído" parece ter sido o último a saber do sucedido, segundo os documentos medievais.
D. Pedro descobrira ainda que uma lavradora de Santarém fora violada por um frade confessor, tendo contraído um filho fora do seu casamento. O rei mandou meter o violador num caixote e serrá-lo ao meio! De nada lhe valeria o seu estatuto clerical...
D. Pedro era temível quando anunciava as sentenças, mas é certo que procurou imprimir uma justiça mais equitativa, não diferindo muitas vezes o estatuto social de cada um. Nobres, religiosos e plebeus estavam todos sujeitos à sua punição. Por isso, terá sido admirado por uns, e temido por outros.
D. Pedro reinara em Portugal entre 1357 e 1367, sobressaindo assim a imagem de um soberano com sede de justiça, desde o assassinato cruel da sua amada Inês de Castro, mas também um homem que não olhava a meios para infligir os castigos mais severos ou cruéis.
Durante o seu reinado, evitou guerras, e conseguiu igualmente aumentar o tesouro, tendo cunhado moedas de ouro e prata.
D. Pedro falecera em 1367. Seria sucedido por D. Fernando, filho do matrimónio contraído anteriormente com D. Constança Manuel.
"Aquando da sua morte, o povo dizia que ou não havia de ter nascido, ou nunca havia de morrer"
Retrato do Rei D. Pedro I que viveu entre 1320 e 1367. Foi soberano de Portugal nos seus últimos dez anos de vida.
Direitos da Foto - Retirada do Site Vortexmag (veja-se ainda Revista Sábado e Portal Arqnet)
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Curiosidade Histórica XXI - D. Dinis e o Urso Pardo
D. Dinis foi um dos reis mais sábios de Portugal. Reinou entre 1279 e 1325. Um excelente administrador do reino que também compôs poesia trovadoresca. No entanto, e de acordo com uma lenda que poderá ser verídica, o soberano português teve de travar um duelo inesperado de sobrevivência.
Relata-se que um dia, andava o rei D. Dinis à caça num lugar chamado Belmonte que hoje integra os domínios da freguesia de São Pedro de Pomares, distrito de Beja, quando se perdeu dos seus companheiros. Ao passar próximo de um penhasco, foi imediatamente surpreendido por um urso pardo que o derrubou do seu cavalo. O rei rebolou pelo solo, enquanto o urso se aproximava lentamente para desferir o golpe fatal. Naqueles segundos de aflição, D. Dinis lembra-se de São Luís, jovem Bispo de Toulouse (ou Tolosa) que tinha já fama de santo e que ainda era vivo. D. Dinis pede a sua intercessão e promete construir um mosteiro caso consiga sobreviver ao episódio. De imediato, surge-lhe a visão talvez imaginária do bispo francês (ou italiano, segundo outras teses para o seu nascimento) que o insta a sacar do punhal que levava à cintura. D. Dinis pega no seu punhal e quando a fera se preparava para lhe dar o golpe final, consegue virar-se e espetá-lo em cheio no coração. O rei sobreviveria a este duelo improvável e quase desigual com muita bravura à mistura. Quanto aos ursos pardos, sim ainda existiam naqueles tempos em número razoável em Portugal e na restante Península Ibérica. Aliás, o último urso pardo em Portugal terá sido somente morto em 1834.
Tendo sobrevivido ao ataque, o rei reencontrou rapidamente os seus companheiros de caça. Mais tarde, em 1295, fundaria um mosteiro de vocação cisterciense na Quinta das Flores, em Odivelas, que seria consagrado a São Luís de Toulouse, o santo que "miraculosamente o acudira" no momento de aflição, segundo a lenda. D. Dinis seria inclusivamente sepultado ali em 1325.
Curiosamente, no seu túmulo então jazente no Mosteiro de Odivelas surge a representação da alegada contenda entre o homem e a fera, o que parece reforçar a ideia de que a lenda poderá ter algum fundo de veracidade.
Recentemente, o Mosteiro de Odivelas foi palco de más notícias, dado que alguns dos seus azulejos foram roubados perante a inércia das entidades que deveriam tutelar e preservar a integridade deste monumento lendário de origens medievais.
Túmulo de D. Dinis no Mosteiro de Odivelas com representações nos seus alicerces que aludem à presença de uma fera. (Imagem retirada de: http://capeiaarraiana.pt/)
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