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segunda-feira, 23 de março de 2020

A Batalha de Kadesh (1275 a. C.): a disputa entre dois colossos


No deserto, colidirão num enfrentamento terrífico as duas maiores potências do seu tempo. Ambas querem dominar o mundo e ditar o futuro da civilização, os seus soberanos almejam a glória, milhares morrerão, mas o Sol, no dia seguinte à batalha, não será diferente para ambas as nações, excepto para aqueles que caíram no conflito, cravados de flechas ou trucidados pelos carros de combate”.


Contexto Histórico

A Batalha de Kadesh foi travada perto do rio Orontes, mais concretamente na zona que hoje corresponde à localidade síria de Tall an-Nabi Mind, no ano de 1275 a. C., colocando frente a frente egípcios e hititas, as duas maiores civilizações do seu tempo. Esta foi, sem dúvida, uma das maiores batalhas da Antiguidade, tendo em conta o número de combatentes envolvidos e os meios militares mobilizados. 
No entanto, importa aferir o contexto, de forma a percebermos os motivos que provocaram este enfrentamento. 
Em primeiro lugar, é necessário mencionar que subsistia, nos séculos XIV e XIII a. C., um precário equilíbrio no Próximo e Médio Oriente. Vários principados e pequenos reinos ali localizados se encontravam sob a órbita das dinastias egípcias ou hititas, e os confrontos, acompanhados de rebeliões, estimuladas pelas duas potências dominantes, eram frequentes.
Em segundo lugar, tanto egípcios como hititas reivindicavam a necessidade estratégica de exercer controlo sobre as rotas comerciais marítimas e terrestres, essenciais para a prosperidade e segurança que deveriam constituir os pilares dos seus almejos expansionistas. 
Em terceiro lugar, o elevado interesse pela região da Síria alimentava, de uma forma mais particular, acérrimas disputas. Esta área era rica em trigo, além de gozar de uma notável efervescência comercial e mercantil com mercadorias transaccionadas a partir dos Mares Mediterrâneo e Egeu. Pela Síria circulavam vários produtos: cobre, estanho, madeiras, têxteis, alimentos, vidro, louça, porcelana e metais preciosos. 
Na passagem do século XIV para o século XIII a. C., a entrada de soberanos mais ambiciosos e versados nas questões militares irá propiciar uma maior escalada de enfrentamentos que culminará na Batalha de Kadesh. 





Mapa nº 1 - Os Império Hitita (a vermelho) e Egípcio (a verde), nas vésperas da Batalha de Kadesh (1275 a. C.). Como podemos constatar, Kadesh ficava na fronteira entre os dois territórios, sendo disputada por ambas as civilizações.
Direitos - Wikipédia




O renascer do Egipto na frente militar

O Egipto era, na altura, a civilização mais avançada do mundo a quase todos os níveis, sobretudo no plano arquitectónico e no que concerne à concepção de uma estrutura social devidamente estratificada. Apesar de inúmeros casos de incestos e traições, os faraós eram venerados como deuses e usufruíam de uma grande fortuna ao seu dispor. 
No entanto, uma sombra pairava no seu horizonte. Ainda nos reinados frutuosos do faraó Aquenáton e da rainha Nefertiti (que, no século XIV a. C., introduziram uma reforma religiosa centrada na adoração única do Deus Aton, desvalorizando o politeísmo, e que fundaram a cidade de Amarna, a qual seria a sua capital), os hititas começaram a conquistar territórios que eram então vassalos do Egipto. De origem ainda incerta, esta nova civilização irá, em breve, ocupar os portos da Fenícia, além de absorver os Mitânios, um povo influente talvez localizado no norte da Síria. Como se não bastasse, alguns povos beduínos aproveitaram para se instalar em algumas regiões do Médio Oriente, tornando mais complexa a realidade estratégica.
Por volta de 1292 a. C., Horemebe falece sem deixar herdeiros. Começaria assim a XIX Dinastia que passaria a ser assumida por Ramsés I, o qual havia sido alegadamente sugerido como sucessor por Horemebe e que possivelmente tinha sido vizir ao serviço deste. 
Ramsés I estaria na casa dos 50 anos, idade que se pode considerar avançada para aqueles tempos mais remotos, e na verdade, ele não teve muito tempo para reinar. Efectivamente, governaria o Egipto entre 1292-1290 a. C., debatendo-se se terá mesmo chegado a completar dois anos de liderança. Ele mandaria construir alguns templos, contudo pouco mais faria, sendo que, do ponto de vista militar, não aconteceria nada de relevante.
A história muda com a sucessão. O seu filho Seti I (1290-1279 a. C.) irá fazer renascer a chama belicista do Egipto. Ele virá a submeter Canaã, e relativamente à Síria, assumirá o controlo total sobre o país dos amorritas (Amurrú) bem como da cidade de Kadesh (esta arrancada aos domínios hititas). As suas campanhas chegariam igualmente à Palestina e à Fenícia. Os seus sucessos são consideráveis, contrastando com várias governações anteriores pautadas pelo impasse ou pela pouca visão por parte dos líderes egípcios. Contudo, Seti não avançará demasiado para Norte, de forma a não desafiar o coração do Império Hitita, cujos altos dirigentes políticos e militares não estavam certamente satisfeitos com a recente perda de influência territorial. 
Contudo, Seti terá um desgosto. Quando já estava no Egipto, é informado de que Kadesh, a cidade que havia reconquistado há pouco tempo para os domínios dos faraós, voltaria a ser recuperada pelos hititas que trataram ainda de fortalecer as suas defesas. 
Não será ainda nos tempos de governação de Seti que se travará a grande batalha inevitável entre estas civilizações. Mas a rivalidade com os hititas voltava a atingir um novo pico.
Em 1279 a. C., Seti morre e será sucedido por Ramsés II, um dos faraós mais profícuos que sempre procurou engrandecer o Egipto nos mais diversos sentidos. Segundo as fontes antigas (manuscritos e baixos relevos gravados nos templos), Ramsés II teve seis mulheres e mais de 90 filhos, venerou os deuses de forma ímpar e dedicou-lhes as suas vitórias militares. Para reforçar o seu prestígio, investirá num prodigioso programa de construção de templos, palácios e monumentos, sendo que estes exaltariam, através de imagens e hieróglifos gravados nas paredes, o seu nome e os seus feitos por todo o Egipto. Claro que aqui encontramos alguma propaganda faraónica, mas não há dúvidas de que, pesem alguns exageros, Ramsés II tinha uma visão abrangente para colocar a sua nação noutro patamar. Reformaria a administração, tornando-a mais eficiente. 
No entanto, antes de realizar muitos desses projectos, Ramsés II dará prioridade à frente militar e o poderio hitita é algo que o preocupa, tal como já havia inquietado o seu pai que lhes tinha feito frente. Dentro deste contexto, Ramsés irá lançar uma primeira expedição militar exploratória em direcção à Fenícia, no ano de 1276 a. C., tendo chegado a erguer junto ao Rio Cão (perto da actual Beirute, Líbano) uma estela cuja inscrição é hoje indecifrável. 
Uma nova campanha iria ser lançada no ano seguinte de 1275 a. C., com o faraó a rumar até às imediações de Kadesh, de forma a procurar infligir uma pesada derrota ao seu “inimigo nortenho”.
Na altura da batalha, Ramsés II estava na flor da idade, a qual se situaria talvez entre os 25 e os 30 anos.





Imagem nº 1 - Ramsés II seria faraó do Egipto entre 1279 e 1213 a. C., correspondendo a um dos períodos mais prósperos da civilização egípcia.
Retirada do Site Pinterest




O advento dos hititas

Os hititas teriam chegado à Anatólia (região hoje correspondente a grande parte da Turquia) por volta da Idade do Bronze. Em breve, expandiriam os seus domínios, desenvolveriam uma escrita hieroglífica e assentariam a sua capital em Hattusa, após terem derrotado os hatitas (embora tivesse existido posteriormente alguma assimilação da cultura deste povo).
Do ponto de vista arquitectónico, o seu Império não possuía construções tão sonantes como às das Dinastias Egípcias. Ainda assim, podemos ver hoje as ruínas das suas cidades bem como inúmeros monumentos e artefactos que confirmam o seu crescimento enquanto civilização nestes tempos mais antigos.
No entanto, na vertente militar, os hititas pareciam ter igualado, senão superado até ligeiramente, os egípcios em determinados momentos históricos. Durante o reinado de Supiluliuma I (1344-1322 a. C.), detectamos essa realidade. Este soberano fará campanhas bem-sucedidas contra as forças egípcias, e sobretudo, contra os aliados destes. Será responsável pela construção de um Império. As suas façanhas são incríveis, desde a sua vitória diante do Reino dos Mitani (ou Reino dos Hurritas) até à conquista de vários territórios no Levante. No entanto, ele falecerá devido a uma praga que ceifaria várias vidas, quando liderava uma campanha contra as tropas egípcias, de forma a vingar a morte de um filho seu que alegadamente havia sido morto por um general do faraó. 
O seu filho mais velho na altura, Arnuwanda II, governará por muito pouco tempo, dado que será igualmente vítima da praga. Segue-se Mursili II, filho mais novo de Supiluliuma I, que irá assumir a liderança de forma consistente entre 1321 a. C. e 1295 a. C. 
Com Mursili, a estabilidade no território hitita será total. O soberano consolidará o seu poder sobre as regiões conquistadas recentemente e sufocará alguns actos de rebeldia (nomeadamente ocorridos na Síria) que seriam apoiados de forma dissimulada pelo Egipto. Mursili foi igualmente um líder de vocação religiosa, pedindo perdão aos deuses por alguns dos momentos negros que assombravam a história da sua família, nomeadamente traições e assassinatos ocorridos. Ele preocupou-se ainda com o aproveitamento económico do território, forçando a deslocação de povoados para certos lugares que estariam sem mão-de-obra suficiente para os campos.
Mas Mursili falecerá por volta de 1295 a. C., sendo sucedido pelo seu filho Muwatalli II, o soberano que irá então travar a Batalha de Kadesh diante do faraó egípcio Ramsés II.
Muwatalli confiou ao seu irmão (e um dos seus futuros sucessores) Hattusil III os cargos de mordomo-mor, general da divisão dos carros de combate e de governador das terras altas. Desde cedo, o seu reinado seria atribulado, dado que foi obrigado a conter rebeliões e a defrontar as tribos kaskas (ou gasgas) que ameaçavam, mais a norte, a integridade territorial dos hititas. 
No entanto, o rejuvenescimento militar do Egipto pelas mãos de Seti I e Ramsés II fez preocupar ainda mais o soberano hitita que queria conservar a sua influência sobre vários territórios no Levante e na Síria. Aliás, os confrontos pelo poder nessas regiões passaram a ser frequentes. Muwatalli irá mudar a capital de Hattusa para Tarhuntassa, situada mais a sul, e por conseguinte, direccionada para a frente egípcia. 
Após três anos de combates desgastantes, o seu irmão Hattusil irá finalmente derrotar os povos Kaskas, e a preocupação agora de Muwatalli passará a ser exclusivamente canalizada para a ameaça, localizada mais a sul, proveniente do Egipto. Seti I ainda era o faraó, à data dos acontecimentos, e os seus feitos militares quebraram o impasse belicista das dinastias egípcias. O rei hitita reagirá, apoiando de forma dissimulada, uma revolta dos palestinianos contra os egípcios, embora estes últimos tenham neutralizado os intentos dos rebeldes. Muwatalli testemunhará a ocupação de Kadesh pelos egípcios, contudo os hititas voltariam a recuperar, pouco tempo depois, o domínio sobre esta terra. Mas a verdade é que, neste primeiro embate, os hititas tiveram sérias dificuldades em travar o poderio do Egipto e dos seus aliados. 
Entretanto, um novo acontecimento iria fazer despoletar ainda mais instabilidade na região. Adad-nirari I, soberano dos assírios, adoptou também uma política de conquista, anexando mesmo a região de Hanigalbat. Apesar de tudo, o soberano assírio procurou imprimir uma postura diplomática para com os hititas que não tinham visto com bons olhos a sua ascensão. No entanto, Muwatalli percebeu que tinha de agir, de forma a impor a hegemonia da sua civilização. Assim sendo, ele reunirá os apoios de mais de 20 povos integrados em principados integrados na Ásia Menor e na Síria, e marchou em direcção a Kadesh, praça-forte que já se encontrava sob domínio hitita mas que tinha sido disputada pelos egípcios. 
O enfrentamento será inevitável. 





Imagem nº 2 - Muwatalli II (1295-1272 a. C.) e o seu irmão Hattusil III (1267-1237 a. C.) tiveram que travar duras batalhas para defender os interesses do Império Hitita. 




A Batalha

Ramsés II desejava o apogeu militar e os hititas eram os verdadeiros inimigos das suas aspirações.
Durante os seus primeiros anos de reinado (e já durante o governo de seu pai Seti I), os egípcios tinham procurado modernizar as suas armas, aproveitando algumas das invenções dos povos inimigos que haviam defrontado. O exército ampliaria o número de armas disponíveis, usufruindo assim de arcos e flechas, maças (uma espécie de porrete), machados, espadas, punhais, cimitarras curvas, lanças e escudos. Além disso, tinham ao seu dispor uma infinidade de carros de combate (bigas) movidos a cavalos e que eram ocupados por arqueiros exímios. 
Depois de uma primeira campanha na Síria no quarto ano do seu reinado, o faraó volta à carga, desta feita (e já no quinto ano de seu reinado), para travar o enfrentamento decisivo. Estávamos no ano de 1275 a. C., Ramsés II lidera uma força estimada em 20 mil homens (composta maioritariamente por egípcios, mas incluindo também cananeus, núbios, líbios, nearins e sherdens), a qual se encontra dotada com 2 mil carros de combate (bigas). As forças egípcias atravessarão Canaã (Palestina) e a Fenícia, o vale do rio Orontes, até que, numa mobilização direccionada mais para o interior, se aproximaram de Kadesh, local onde decorreria a batalha.
Por seu turno, os hititas e a coligação de tribos aliadas, então comandados por Muwatalli II, dispunham de uma força heterogénea composta por 36 mil efectivos (nomeadamente, grandes corpos de infantaria) e 2500 carros de combate. Como podemos logo constatar, os hititas estavam em superioridade numérica. Além disso, tinham outras vantagens a seu favor. Por um lado, tinham acesso a fontes de abastecimento desde Carchemish, enquanto que, por outro, a cidade de Kadesh, detida pelos hititas, era suficientemente grande para acomodar o seu exército numeroso, usufruindo ainda de uma boa posição defensiva instalada sobre uma elevação e apoiada no rio Orontes. 
Entretanto, nas imediações de Kadesh, dois beduínos pertencentes a uma tribo designada de “ahasu” (ou "shasu"), foram capturados pelas tropas egípcias que acabavam de chegar à região. Ramsés II e os generais egípcios desejaram saber as informações que estes tinham para oferecer sobre o posicionamento do inimigo. O faraó é informado por aqueles dois beduínos de que o rei hitita tinha fugido e que as suas tropas se tinham retirado para Alepo (situada 200 km a norte), visto que alegadamente teriam receado a manobra poderosa de Ramsés. No entanto, tudo isto não passava de um logro ou ardil. A informação transmitida pelos “falsos espiões” não tinha qualquer fundo de credibilidade. 
Na verdade, o exército hitita estava localizado a este de Kadesh, devidamente posicionado e apetrechado para lançar uma grande emboscada. Ramsés II desconhece essa movimentação e volta a cruzar o rio Orontes juntamente com as suas quatro divisões que estavam sob o patrocínio dos grandes deuses – Ámon, Rá, Ptah e Sutekh (Seth). Ele instalará o seu acampamento na zona ocidental de Kadesh, esperando que todo o seu exército se reorganize para depois encetar um ataque às muralhas daquela urbe. 
Contudo, as divisões acabam por se separar, desconhecendo por completo a realidade que as envolve no terreno.
Entretanto, dois soldados hititas são capturados durante as movimentações, e por ironia do destino, são estes que informam o faraó de que as forças de Muwatalli II estavam mesmo ali perto já a preparar um golpe de surpresa sobre o exército egípcio que, naquele preciso momento, se achava disperso. 
Ramsés II pede aos seus vizires para que divulguem urgentemente esta informação pelas divisões militares egípcias. Uma delas, a dedicada ao Deus Rá, não foi avisada a tempo, deslocando-se até ao acampamento da divisão de Ámon, sem ter conhecimento do perigo em que incorria. Aproveitando a oportunidade, os hititas lançaram-se, com as suas bigas, sobre o corpo militar consagrado à divindade Rá, atacando o seu flanco direito. Os militares egípcios que seguiam naquela divisão foram completamente surpreendidos por esta manobra súbita, retrocedendo em debandada e sofrendo consideráveis baixas. A desordem foi tanta que até a divisão de Ámon, detentora de um importante acampamento, sofreu igualmente com as consequências deste ataque devastador. Os hititas atropelavam os egípcios ou cravavam de flechas os seus corpos.
Todavia, os soldados de Mutawalli cometerão o erro de subestimar o inimigo, e como em muitas histórias similares que acontecerão mais tarde noutros palcos bélicos, irão agora tentar saquear os bens e os despojos das divisões que haviam aniquilado. Esta distracção proporcionou tempo suficiente para que Ramsés II acalmasse os soldados do seu acampamento e reorganizasse um contra-ataque. O faraó ainda não se dava por derrotado e, em vez de procurar uma retirada minimamente segura, preferiu envergar o seu uniforme, e dando o exemplo, saltou para um carro de combate e lançou-se em direcção ao inimigo, liderando uma nova investida juntamente com os seus soldados. Ao todo, terá tentado seis assaltos perante os hititas que, estando algo dispersos, agora se demonstrarão surpreendidos com a sua capacidade de reacção. Mas ainda assim, as forças de Ramsés estão em inferioridade numérica e o adversário responde com novas chuvas de flechas, causando novas baixas entre os egípcios. Além disso, os hititas parecem reagrupar-se e começam a cercar gradualmente o faraó que, apesar do seu heroísmo e da lealdade da sua aguerrida guarda-pessoal, parecia estar quase com o destino traçado. No entanto, a salvação chegaria de este. Os “nearin”, uma espécie de destacamento de elite asiática, veio em seu socorro imediato, obrigando o adversário a recuar antes de completar um cerco total no campo de batalha.
Ramsés viu a oportunidade de assumir um derradeiro assalto, sendo que o choque entre os dois exércitos voltaria a ser brutal, só que desta feita, os hititas começam a ser empurrados para trás, e o caos apodera-se de algumas das suas linhas. Muitos dos seus soldados atiram-se ao rio Orontes de forma a tentarem sobreviver a um inimigo que, aparentemente derrotado ao início, os perseguia agora ferozmente. Uns são atingidos fatalmente pelas flechas ou lanças egípcias, outros afogam-se e poucos são os que conseguem escapar a nado. 
Uma segunda leva de carros hititas tentou ir em socorro dos seus companheiros que estavam a ser desbaratados pela nova investida egípcia, contudo será em vão. As suas tropas de cavalaria voltariam a ser derrotadas. 
Mutawalli que se encontrava seguro na margem oposta do rio decidiu dar ordens para que a sua infantaria não avançasse, talvez receando a possibilidade de todo o seu exército ser trucidado, caso sofresse novo desastre. 
Ramsés II apoderou-se do campo de batalha, contando já com a ajuda da divisão Ptah que ajudou a confirmar o triunfo. No entanto, o seu inimigo não estava derrotado e a conquista de Kadesh ainda não tinha sido concretizada.
De acordo com o poema de Pentaur, um novo enfrentamento aconteceria no dia seguinte, no entanto, o mesmo seria inconclusivo. Os egípcios apenas tinham duas divisões disponíveis para combate, enquanto os hititas tinham perdido muitos carros e soldados, apesar de contarem ainda com alguma infantaria.
O impasse perduraria.
Ramsés II sabe que, em campo aberto, está em vantagem, contando com uma força disciplinada e bem organizada tacticamente. No entanto, poderá não ter homens suficientes para aniquilar os hititas e conquistar a praça-forte de Kadesh. Além disso, não tem ao seu dispor grandes fontes de abastecimento.
Por seu turno, Muwatalli II tem consciência de que será difícil vencer um adversário poderoso que, nas últimas incidências belicistas, se tinha superado às suas tropas. 
Terá sido mesmo o soberano hitita a oferecer um acordo de tréguas ao faraó egípcio, de forma a suspender as hostilidades.
Interpretando talvez este gesto como uma espécie de declaração de rendição, Ramsés II aceitou a proposta e regressou triunfalmente ao Egipto, onde foi recebido de uma forma pomposa. Vários dos relevos (ou inscrições) gravados nos templos engrandeceriam este seu “êxito” militar em Kadesh. A propaganda seria total.
No entanto, poderá afirmar-se, do ponto de vista histórico, que o faraó foi o grande vencedor da Batalha de Kadesh? 
De acordo com aquilo que já tivemos a oportunidade de ler, é justo afirmar que o conflito se traduziu efectivamente numa espécie de empate. 
Por um lado, Ramsés II que teve a coragem e o mérito de inverter um cenário militar inicialmente adverso, não conseguiu tomar Kadesh e destruir definitivamente o exército imperial hitita. 
Por outro lado, Muwatalli II logrou preservar aquela praça-forte e a integridade do seu império mas deixou fugir a possibilidade de derrotar o seu arquirrival, após uma emboscada trituradora que semeou o caos em duas das quatro divisões egípcias mas que foi depois silenciada pela reacção enérgica de Ramsés II. Por outras palavras, o líder hitita não soube retirar proveito das vantagens que tinha inicialmente ao seu dispor.
As consequências estratégicas e territoriais serão praticamente nulas, pese o número pesado de baixas sofridas por ambos os exércitos. 
No entanto, a batalha representou o confronto entre dois colossos da Antiguidade sedentos por glória. 



Local: Imediações do Rio Orontes e de Kadesh (hoje Tall an-Nabi Mind)
Data: 1275 a.C.
Forças Beligerantes


XIX Dinastia do Egipto




Império Hitita

Comandantes, Generais, Protagonistas
Ramsés II
Muwatalli II  

Número de Combatentes/Navios
20 mil soldados
2 mil carros
36 mil soldados
2500 carros
Baixas Estimadas:
Milhares (?)
Milhares (?)
Resultado: Inconclusivo. Egípcios superiores do ponto de vista táctico, mas incapazes  de aniquilar as forças hititas e tomar Kadesh. As consequências estratégicas serão praticamente nulas.

Tabela nº 1 - Dados conhecidos da Batalha de Kadesh (1275 a.C.)
Direitos das Imagens: A gravura presente na tabela para representar as forças egípcias é da autoria de Steve F-E-Cameron (Merlin-UK), enquanto a imagem inerente ao artefacto hitita (Museu das Civilizações da Anatólia) é da autoria de Klaus-Peter Simon





Imagem nº 3 - Uma das cargas das bigas egípcias, e demais infantaria, na Batalha de Kadesh.





Imagem nº 4 - O choque entre os carros de combate hititas e egípcios seria brutal, causando uma grande mortandade.




Posterioridade

Após a batalha de Kadesh, o faraó Ramsés II voltaria a encetar campanhas na Síria nos anos seguintes, e apesar de alguns sucessos iniciais, dificilmente conseguiria manter as possessões tomadas, dado que os hititas reagiriam sempre com igual êxito na região.
Tendo em conta o impasse duradouro nas áreas estratégicas, ambos os lados começaram a considerar a possibilidade de uma aproximação política. E foi exactamente esse o caminho seguido.
Dezasseis anos depois da terrível batalha, em 1259 a. C., seria firmado o primeiro Acordo de Paz conhecido da História da Humanidade (ou pelo menos, o mais antigo que se conservou até aos dias de hoje) – o Tratado de Kadesh. O compromisso diplomático foi assumido entre Ramsés II, faraó do Egipto, e Hatusil III, rei hitita que havia sucedido a Muwatalli II e ao seu filho Urhi-Tesub. Os termos do tratado foram escritos numa tabuleta de prata que seria oferecida a Ramsés II por diplomatas hititas.
Este tratado surge num contexto em que novos inimigos surgem no horizonte. O Egipto começa a sentir a ameaça crescente dos “Povos do Mar” e os Hititas levam cada vez mais a sério o crescimento dos Assírios. 
Este acordo irá perdurar até ao colapso do Império Hitita em 1178 a. C., quando as rebeliões internas e a afirmação dos Povos do Mar e dos Assírios na região ditaram o fim do seu apogeu.
Quanto à civilização egípcia, esta iria manter-se como o corolário da civilização por muito mais tempo. O seu esplendor iria prolongar-se até ao ano de 30 a. C., data em que a rainha Cleópatra e o seu aliado Marco António (ex-cônsul romano) se suicidaram, depois de terem sido derrotados pelas forças leais a Octaviano (Augusto) na Batalha de Ácio. Os romanos iriam doravante controlar a região.





Imagem nº 5 - O Tratado de Kadesh permitiu firmar a paz entre hititas e egípcios.




Referências Consultadas:

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