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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

William Marshal, Conde de Pembroke e Cavaleiro por excelência


Contexto

A história de William Marshall é digna de ser recordada no período medieval. Foi um cavaleiro que deu provas da sua categoria e lealdade nos mais diversos palcos a que foi submetido. Apresentou provas da sua habilidade militar em diversos torneios nobiliárquicos, onde o risco de morte tinha de ser levado em conta. No plano político, serviria 4 ou 5 reis ingleses, o que elevou claramente o seu prestígio. O seu contributo foi essencial numa época em que a instabilidade e a insurreição interna no seio do reino inglês constituíram uma realidade muito frequente.



O seu início de vida atribulado e a aventura pela Normandia


William nascia em 1147 e era o 4º filho de John FitzGilbert, um marechal da corte do rei Estêvão. Ao contrário do que se possa julgar, e apesar da sua indiscutível ascendência nobre, o nosso biografado não advinha dum meio excentricamente abastado, visto que a influência política e o património possuído estavam longe de ser gigantescos ou impressionantes. Alegadamente este terá sido o motivo pelo qual a sua família, e nomeadamente o seu pai, se rebelaram contra o rei Estêvão, naquele período de guerra civil e anarquia, tomando assim o partido de Matilde na disputa pelo trono inglês. Estêvão reagiu energicamente, colocando John numa situação delicada, sendo que este enviou o seu filho (na altura com 5 anos!) como refém de forma a conseguir uma trégua com o rei inglês contestado. O acordo estipulado visaria a rendição do pequeno castelo de Newbury por parte de John FitzGilbert que assim o teria de entregar ao soberano inglês, em troca da libertação posterior do seu filho. Mas o pai de William rapidamente rompeu o acordo, referindo presumivelmente que não teria problemas em fazer mais e melhores filhos. Esta postura irreflectida colocou em causa a vida de William, mas o rei Estêvão decidiu poupar a criança porque parecia admirar a sua inocência.
Com 12 anos contados em 1159, e já em total liberdade, rumará à Normandia (no actual Norte de França, embora no final do século XI e no decurso do século XII tivessem existido vários momentos em que fora considerada um feudo da Inglaterra), mais concretamente para casa do primo da sua mãe - William de Tancarville, mordomo da Normandia. Aí começa a envolver-se em torneios com outros cavaleiros. É evidente que a brutalidade poderia deixar os participantes em mau estado ou até levar à sua morte, mas foi através desta experiência que o jovem William começou a preparar-se para as acções intensas e desgastantes de combate. Assimilou depressa a arte da guerra, rubricando performances invejáveis em vários torneios então realizados. Assim, ele juntava algum dinheiro e alcançava o respeito da comunidade, e logo praticando aquilo que ele mais apreciava. Todavia, William sofreria uma grande decepção que o obrigaria a deixar, pelo menos por agora, esta vida que provavelmente ele tão adorava, para se mostrar finalmente ao mundo. O assassinato do seu tio, o conde Patrick de Salisbury (ao qual também havia servido), que ocorreria em França em 1168, no âmbito duma rebelião da família Lusignan, deixou William revoltado que, em vão, tentou protegê-lo por via do combate, mas acabou ferido e capturado. Todavia, como havia sido partidário da rainha Leonor da Aquitânia (além desta ter ficado impressionada com a sua bravura e lealdade), teve a sorte daquela prestigiada senhora lhe pagar o seu resgate, abrindo-lhe automaticamente as portas de acesso à corte e comitiva reais. O próximo capítulo seria passado ao serviço do rei Henrique II de Inglaterra, ou melhor, ser-lhe-ia atribuída a missão concreta e prioritária de zelar pelo jovem filho deste, também ele designado de Henrique.




Imagem nº 1 - William Marshal participou em vários torneios na Normandia.
Fonte original da imagem(?) - Georges Duby. Guillaume le Maréchal ou le meilleur chevalier du monde, chapitre IV, in Féodalité. Gallimard, 1996. Collection Quarto. Première publication: 1984. Sébastien Nadot, Rompez Les lances ! Chevaliers et tournois au Moyen Âge, éditions AUTREMENT, Paris




Ao serviço de Henrique II e do seu filho Henrique, o Jovem


Em 1170, Henrique II coroou o seu filho Henrique como rei. Este último, dada a sua juventude, privilegiava antes os torneios em detrimento das questões políticas. Despendia muito dinheiro para encontrar o caminho para a glória. E assim sendo, partilhava da mesma preferência já evidenciada por William, sendo que este demonstrou a disposição de conceder-lhe os ensinamentos da cavalaria medieval. Desenvolveu-se uma grande relação de respeito e proximidade entre os dois, sendo que o jovem rei Henrique pediu a William que o ordenasse cavaleiro. Todavia, as lutas pelo poder entre o rei Henrique II e o já coroado príncipe Henrique colocaram William numa situação ingrata, pois devia máxima lealdade a ambos. Nesta altura, o nosso biografado não evitará desconfianças e inimigos na corte. Por conseguinte, chegaria a ser acusado de ter dormido com a mulher de Henrique, o jovem rei, além de outros o criticarem por se concentrar mais na participação nos reputados torneios do que no dever de proteger o dito príncipe. Ele refutou prontamente tais insinuações ou acusações, mas em vão, pois seria afastado da corte.
Sem servir agora a ninguém, William voltou a frequentar torneios reputados e recebeu inclusive propostas lucrativas da parte de homens poderosos como o Conde da Flandres e o Duque da Burgúndia. Devido ao facto de ser um dos melhores do mundo nesses torneios cavaleirescos, ninguém ficava indiferente perante a habilidade e versatilidade do cavaleiro. Todavia, chegariam em breve novas notícias da corte inglesa.
Em 1183, sucede-se uma nova querela entre Henrique II e o seu filho, e William volta a ter uma oportunidade de reingressar nos assuntos da corte real. Paradoxalmente, no meio desta escaramuça, o cavaleiro solicitou a Henrique II que lhe cedesse permissão para servir o seu filho (talvez por ter mantido com este uma ligação mais próxima) contra ele, o que até foi curiosamente autorizado pelo rei, até porque este acreditava que William poderia ser uma influência positiva junto do seu filho, podendo até demovê-lo da revolta que estava a encetar. Contudo, a história seguiria um rumo diferente daquilo que muitos na altura previam. Henrique, o Jovem, com 28 anos, faleceria devido a doença (talvez disenteria), ainda no ano de 1183, causando um grande desgosto a seu pai Henrique II e ao seu leal servidor e amigo William.





Imagem nº 2 - William Marshal seria um exímio cavaleiro que deixaria a sua marca no seu tempo.




A Peregrinação de William à Terra Santa


No leito de morte, o príncipe Henrique terá pedido a William que concretizasse o voto de cruzada que havia feito, objectivo que não poderia agora cumprir dado o seu estado de desaparecimento iminente. Além disso, requereu ao seu mestre e, em simultâneo, seu leal servidor, a necessidade de levar o seu manto (confeccionado com uma cruz de cruzado que teria sido entregue ao jovem rei para o cumprimento do voto que afinal o destino não lhe permitira viabilizar) até ao Santo Sepulcro em Jerusalém.
Em nome da honra e pelo zelo de salvação por Henrique, William partiu em cruzada para a Terra Santa, onde de acordo, com algumas fontes, terá permanecido por dois anos (1183-1185, 1184-1186 ou 1185-1187?). Infelizmente, os detalhes desta aventura (financiada por Henrique II, pai do jovem rei falecido), talvez mais pessoal do que uma jornada com finalidade colectiva, repousam nas páginas perdidas da História, pois infelizmente, muito pouco ou mesmo nada se sabe sobre esta sua viagem. É provável que tenha visitado Jerusalém e os lugares santos, onde pediria pelo acolhimento divino da alma do jovem Henrique, além de ter evidenciado alguma aproximação à causa dos templários, não estando excluída a possibilidade de ter colaborado com aquela famosa organização militar de cavaleiros. O que podemos adiantar é que terá regressado à Europa nas vésperas da Batalha de Hattin, pelo que os anos de 1186 ou até de 1187 se afiguram como os mais prováveis para a sua viagem de retorno a Inglaterra. Se consideramos todo este raciocínio como verdadeiro, então William havia exercido a sua vocação guerreira no decurso dos reinados de Balduíno IV (o rei leproso) e Balduíno V. A morte deste último em 1186 abriu as portas a Guido (ou Guy) de Lusignan, casado com Sibilla, que assumiria o trono da Cidade Santa, com resultados trágicos no plano político. E esta pode ter sido uma das razões possivelmente invocadas para que William tivesse regressado. Aliás, tinha sido a casa de Lusignan, com o envolvimento do mencionado Guido e de seus irmãos, que havia sido directamente responsável pela rebelião, emboscada e consequente morte do seu tio em França, episódio que, ocorrido na sua juventude, o marcaria negativamente para sempre. Assim sendo, é possível que William Marshal não se revisse no novo responsável político de Jerusalém, o qual estava conectado então com o assassinato do seu tio. Todavia, é notório que nos escasseiam informações exactas que permitam confirmar esta eventualidade. Aliás, a passagem de William pelo Oriente é a parte menos conhecida da sua vida, pelo que é difícil caracterizar a sua actuação nesse palco de guerra tremendamente exigente. Mesmo assim, não subsistem grandes dúvidas quanto à sua participação nesta aventura, visto que algumas técnicas de construção praticamente exclusivas das fortificações levantinas seriam posteriormente aplicadas no Castelo de Pembroke, o qual seria, mais tarde, confiado a William Marshal.





Knight by jeckham.deviantart.com on @deviantART

Imagem nº 3 - William Marshal teria possivelmente colaborado com os templários na Terra Santa.
Encontrado em jeckham.deviantart.com



O regresso e os serviços prestados a Henrique II, Ricardo I, João Sem Terra e Henrique III


De regresso a Inglaterra, Henrique II recebeu-o com respeito e gratidão, promovendo-o a conselheiro e abrindo-lhe caminho para um bom casamento que seria contraído com Isabel de Clare, herdeira de vastas terras no sul de Gales e Irlanda. Com este matrimónio (o qual seria posteriormente confirmado e viabilizado pelo rei sucessor - Ricardo Coração de Leão), William acabaria por se tornar Conde de Pembroke. Todo este cenário permitiu-lhe um enriquecimento frenético. Ao contrário de muitos dos casamentos medievais, os quais eram arranjados/combinados, William e Isabel de Clare mantiveram uma séria relação de amor até às suas mortes.
Entretanto, novas brigas rebentavam entre o rei e os seus filhos. Agora era Ricardo (mais tarde ganharia o epíteto de Coração de Leão) que encabeçava a revolta. Numa das vezes, William teve de fazer mira contra o filho do rei (acertando no seu cavalo), de forma a garantir que Henrique II conseguisse retirar-se em segurança. É claro que esta acção de William poderia, no futuro, custar-lhe bastante caro, pois Henrique II não iria durar muito mais tempo, e Ricardo seria o futuro rei de Inglaterra, o qual poderia procurar ajustar contas por causa deste incidente.
Em 1189, o rei Henrique II falece, e alguns dos amigos de William começam a temer pela vida dele, mas Ricardo, apesar de o ter confrontado com aquele momento, respeitava bastante a lealdade (e William tinha tomado aquela atitude apenas para proteger a vida de Henrique II no decurso duma rebelião, além de alegar que tinha acertado propositadamente no cavalo e não directamente em Ricardo), e assim sendo, não hesitou em depositar confiança em William que o ajudaria agora nos assuntos do reino. Aliás, ele integraria o recém-criado conselho de regência em Inglaterra quando o rei Ricardo Coração de Leão partira, em 1190, para o Levante, no âmbito da Terceira Cruzada (1189-1192). Seria ainda responsável pelo pagamento do resgate quando o soberano inglês fora detido na Áustria/Império Sacro-Romano Germânico (já na viagem de regresso), demonstrando assim a sua inequívoca lealdade. Entretanto, em 1199, Ricardo é abatido por uma flecha enquanto cercava um castelo inimigo em Châlus (França).
Sucede-lhe seu irmão (e também filho do já referido Henrique II), João Sem Terra, cujo reinado se pautou por vários e intermináveis falhanços. João demonstrava uma clara hostilidade e desconfiança para com os barões do reino, incluindo William, o qual sentiu desconforto pelo constante isolamento e até paranóia do  novo rei inglês. O nosso conceituado cavaleiro e conde de Pembroke foi inacreditavelmente quase visto como um traidor. Em jeito de consequência de todo este braço de ferro, rebenta em 1211 uma grave crise entre o próprio rei e os barões, e William, talvez esquecendo todas as acusações injustas que lhe haviam sido feitas e pelo dever de lealdade máxima ao rei, foi um dos poucos nobres que veio em auxílio de João, de forma a encontrar uma solução para o problema. No ano de 1215, o rei inglês assina contra a sua vontade a Magna Carta, documento histórico e inédito que faria com que o soberano deixasse de estar acima da lei, mas sim sujeita a ela. Mas João quis depois anular este compromisso, causando uma rebelião civil (1215-1257). Os rebeldes chegaram ao ponto de convidar o príncipe Luís de França (futuro Luís VIII) para a sua causa. Pelo meio, em Outubro de 1216, João falece num estado de descrédito total, embora algumas das suas últimas palavras tivessem sido dirigidas, segundo se consta, a William, elogiando a serventia sincera deste nobre. Afinal e apesar deste cavaleiro não ter apreciado a forma antipática e até desrespeitosa como João se posicionava diante dos outros membros da alta nobreza, a verdade é que William procurou ser neutro, não desejando integrar ou estimular qualquer movimento revoltoso. A sua postura diplomática foi respeitada por ambos os lados do conflito e o seu prestígio, na altura, já era enorme. Por isso mesmo, e após a morte de João Sem Terra, foi-lhe confiada a educação do filho deste último - Henrique, na altura com 9 anos. Seria o futuro Henrique III.
A situação em Inglaterra era caótica no ano de 1217. As forças rebeldes apoiadas pelo futuro rei de França (Luís VIII) controlavam uma considerável parte do reino. E é aqui que o papel de William, já na casa dos 70 anos, será vital, tanto no plano diplomático como militar. Devido ao seu comportamento e gestos cavaleirescos, conseguirá atrair o apoio de barões neutros e até convencer alguns dos nobres rebeldes a aderir à defesa do reino contra uma potencial e atormentadora invasão francesa de grande escala. Mas a sua glória militar ficaria definitivamente reservada para a batalha de Lincoln (20 de Maio de 1217), onde com a sua idade avançada, liderou a carga contra as forças francesas que procuravam sitiar o castelo local, impondo-lhes uma grande derrota. Esta sua vitória representou um claro rombo nas intenções francesas, cujo cenário de invasão terminaria com derrotas a nível naval ainda nesse mesmo ano, nomeadamente nas batalhas Batalha de Dover e de Sandwich. Foi firmado posteriormente um tratado de paz em que William demonstrara o seu lado estadista, sendo mesmo algo generoso nos termos fixados em relação a Luís e aos rebeldes que o apoiavam. Nestes dois ou três anos exigentes e decisivos de regência, o reputado barão reassumiria ainda os compromissos teóricos da Magna Carta.
A 24 de Maio de 1219, William fecharia os olhos para a eternidade em Caversham, sendo que antes de perecer tomaria o voto de cavaleiro templário. Antes de falecer, terá relembrado no seu leito de morte que havia vencido, pelo menos, 500 cavaleiros em todos os torneios que havia participado, estatística curiosa que o tornava seguramente num verdadeiro e incontestável campeão.
É consensual que o percurso de William Marshal fora excepcional, equiparando-o a um dos melhores cavaleiros de sempre da Idade Média. A sua lealdade poderá ter sido decisiva em variadas situações (por exemplo: a sua acção foi decisiva de forma a que o rei João não fosse destronado). Após a sua passagem pela Normandia, ele serviria as casas de Henrique II, Henrique - o Jovem, Ricardo Coração de Leão, João Sem Terra e Henrique III. Ele demonstrara sensatez e inteligência nos mais diversos palcos onde fora protagonista, e isso seria fundamental para a sua sobrevivência no restrito círculo cortesão, onde convivera com reis de péssimo temperamento, e onde a intriga, a inveja e as desconfianças de potenciais traições eram bastante frequentes.





Imagem nº 4 - A efígie de William Marshal na Igreja do Templo (Londres). 




Imagem nº 5 - Túmulos (?) de quatro membros da Família Marshal na Igreja do Templo (Londres). Ainda hoje se discute se realmente por debaixo das efígies não estariam os restos mortais das vítimas retratadas. Por isso, não podemos apurar com certeza se estamos perante 4 enterramentos, ou se apenas contemplamos meras efígies com carácter meramente simbólico.




Referências Consultadas:


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