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quarta-feira, 20 de maio de 2015

Ladislau, o rei santo da Hungria


Um cenário atribulado no início da sua vida


Filho do príncipe Bela e de Riquilda, Ladislau nasceu na Polónia, por volta do ano de 1046. Naquela altura, a conjuntura não era nada promissora visto que os conflitos internos pelo poder eram frequentes e minavam a estabilidade. Nos seus primeiros anos de vida, Ladislau testemunhara a rivalidade feroz que o seu pai Bela mantinha com o seu tio e rei da Hungria - André I. 
A disputa bélica pelo trono magiar até parecia ter ficado apaziguada aquando da promessa de André que, sendo o soberano em exercício, estaria disposto em transmitir, por herança, o ofício régio ao seu irmão Bela. Contudo, o nascimento de Salomão, primeiro filho do rei André, em 1053, inverteu este processo de entendimento, pois o líder magiar logo procurou defender os interesses do seu filho numa eventual sucessão, postura que decerto irritou Bela. O recurso às armas voltou então a verificar-se. Em 1060, dá-se uma dura batalha junto ao rio Tisza, na qual o soberano André é derrotado pelo príncipe Bela. Apesar da fuga, o rei húngaro tinha sofrido ferimentos que lhe seriam fatais e, assim sendo, viria a perecer em Moson nesse mesmo ano. 
Como a monarquia húngara era electiva, Bela (pai de Ladislau) seria então convidado a suceder na liderança do reino, até porque Salomão (filho do rei André I) era ainda demasiado jovem para assumir tais responsabilidades. Todavia, o reinado de Bela seria curto e terminaria logo em 1063, após o derrube inesperado do suporte de madeira do seu trono, acidente que lhe causaria diversos ferimentos que seriam também suficientes para ditar a sua morte. Coincidindo com o ano do falecimento daquele rei, chegariam igualmente as forças de apoio germânicas lideradas por Salomão que retornava agora para reclamar os seus direitos. Os três filhos de Bela - Géza, Ladislau e Lampert tiveram de procurar refúgio por algum tempo fora do reino. Contudo, em 1064, este trio de príncipes regressou com um exército polaco e conseguiu então firmar um acordo com o seu primo e novo rei Salomão que lhes cedeu uma porção territorial no nordeste do reino húngaro.  
Durante este processo, Ladislau não hesitou em reconhecer a legitimidade real de Salomão, até porque nunca aceitara bem o facto do seu pai (Bela) ter sido responsável directo pela morte do seu tio - o rei André I.
Apesar de algumas façanhas militares (sobretudo contra invasores cumanos, pechenegues e bizantinos), o rei Salomão acabaria por revelar uma conduta déspota, sanguinária e cruel, o que causou indignação popular. A nobreza húngara apresta-se à rebelião para defender os seus direitos, não se revendo na gestão autoritária do filho de André. Entretanto, o mal-estar e a desconfiança de Salomão também visará os seus próprios primos, não hesitando em planear o assassinato destes, embora os seus intentos tivessem saído frustrados. A rivalidade interna acentuava-se então vertiginosamente. No campo diplomático, o titular do reino da Hungria conta com o apoio dum aliado de peso ao qual está disposto a prestar vassalagem - o Sacro Império Romano Germânico. Todavia, os filhos de Bela não se deixam ultrapassar neste cômputo e conseguem obter o auxílio de polacos, russos e ainda do Papa Gregório VII (1073-1085) que mantinha um braço-de-ferro com as instâncias imperiais alemãs por causa da querela das investiduras. 
A guerra travada entre as duas facções culminaria na batalha decisiva de Mogyoród (1074), a qual seria vencida pelos irmãos Géza e Ladislau que, no pós-batalha, poupariam a vida a Salomão. Enquanto irmão mais velho, Géza seria coroado como novo rei, porém só governaria por três anos, tendo morrido em 1077. Abriam-se as portas do poder para Ladislau...





Imagem nº 1 - A Batalha de Mogyoród (1074) terminará com o reinado autoritário de Salomão, filho do rei André I, abrindo em simultâneo as portas do poder real para Géza e Ladislau, filhos do rei Bela. 
 Gravura da Chronicon Pictum (século XIV).




Ladislau I, o modelo de rei-cavaleiro (1077-1095)


Após a morte de Géza, os nobres húngaros voltaram a reunir-se para determinar quem seria o sucessor, e a escolha recairia sobre Ladislau. A sua sobriedade, sentido de justiça e elevada conduta moral eram virtudes apreciadas por parte da assembleia de barões influentes. Mesmo assim, Ladislau só aceitou a coroa após inúmeras pressões nesse sentido, visto que considerava ainda o seu primo Salomão (ainda vivo!) como herdeiro legítimo ao trono.
Chegado ao poder em 1077, Ladislau promoveu o crescimento do Cristianismo, tendência que se espelhou no decurso do seu reinado através da construção de várias igrejas e mosteiros (podemos aqui destacar a criação da célebre basílica de Nossa Senhora de Waradin). Foram ainda fundadas duas dioceses - a de Várad e a de Zagreb. Redefiniu igualmente os deveres que deveriam nortear os bispos e demais dignidades eclesiásticas. Ladislau sabia articular a sua hábil acção tanto nos assuntos laicos como nas temáticas eclesiásticas, o que lhe granjearia respeito por parte das mais diversas esferas da sociedade. Na sua vida privada, o soberano jejuava constantemente e orava por largas horas, o que confirmava a sua sólida formação cristã, talvez herdada por via da educação maternal
No campo da política interna, privilegiou a pacificação total do seu território, devolvendo harmonia ao reino após vários anos de tensão. Elaborou leis rígidas sobre furtos e assassínios, e demonstrou ainda solidariedade para com os órfãos e mais carenciados.
Ao nível da diplomacia no exterior, Ladislau continuava a reconhecer o Sacro Império Romano Germânico como principal inimigo do seu reino, e por isso, não hesitará em reforçar a aliança com o Papa Gregório VII e com Rodolfo da Suábia, adversário directo do imperador Henrique IV. Após ter ficado viúvo, Ladislau contrairia um segundo matrimónio com Adelaide, filha de Rodolfo, da qual terá algumas filhas, entre elas - Santa Piroska da Hungria (também conhecida como Irene).
Ladislau sempre procurou manter uma convivência sensata com o seu primo Salomão. Concedeu-lhe uma pensão proporcional ao seu nascimento privilegiado, e enviou ainda altos prelados ou homens de Estado que o tentavam chamar à razão e aos caminhos da fé cristã. O monarca húngaro estava inclusive disposto a devolver-lhe o trono, caso ele imprimisse uma postura bem mais assertiva e equilibrada. Mas Salomão não tinha mudado, e por isso, não tardaria em envolver-se em conspirações para destronar o rei santo. Contudo, os seus planos foram descobertos e Ladislau mandou-o encerrar numa praça forte, mas não por muito tempo. De acordo com uma lenda então narrada, Ladislau queria trasladar e exumar os restos mortais do antigo rei magiar Estêvão (este governara entre os anos 1000 e 1038; seria mesmo considerado o primeiro grande promotor do Cristianismo na Hungria), porém os seus operários não conseguiam sequer abrir o túmulo de pedra. Uma monja do convento de Kökénysomyló terá aconselhado o rei a libertar Salomão e a devolver-lhe todos os seus bens, para que as intervenções acabassem por ser bem sucedidas. Foi o que efectivamente aconteceu. Salomão foi libertado e morreria poucos anos depois (talvez em 1087), desconhecendo-se os detalhes das suas últimas vivências. De acordo com uma narração lendária (embora não fundamentada do ponto de vista científico), ele teria possivelmente seguido uma vida solitária em regiões florestais, acabando por abraçar o Cristianismo e demonstrando ainda arrependimento pelos seus anteriores desmandos. Quanto às contrariedades em torno do túmulo real de Estêvão, foram finalmente contornadas, tornando assim possível o transporte das suas relíquias, o que se traduziu numa crescente veneração à sua figura. Segundo se julga, foi encontrada ainda a sua mão direita que se achava desaparecida no reino, a qual seria colocada no novo mosteiro de Szentjobb que havia sido fundado para o efeito. Muitos populares passaram a relatar milagres que seriam da autoria de Estêvão, pelo que o rei Ladislau tentou influenciar a sua canonização bem como a de seu filho - o príncipe Emerico (ou Emérico), e ainda de outros três bispos (Gerardo Sagredo, Bystrík e Buldus), vítimas dum terrível levantamento pagão ocorrido em 1046. Todos os processos conheceram luz verde da Santa Sé no ano de 1083. Graças a estas cinco canonizações, a Hungria consolidava assim a fé cristã e reforçava ainda mais a estreita ligação com a Santa Sé - aliás, estas foram as metas (religiosas e políticas) que Ladislau pretenderia almejar no seu reinado. Neste caso concreto, é de salientar ainda a magnanimidade do monarca húngaro que não hesitou em apoiar este intenso culto em torno de São Estevão, o qual outrora teria presumivelmente mandado cegar Vazul, avô de Ladislau, nos inícios da década de 1030.
Apesar da sua índole moderada e piedosa, Ladislau teve que enfrentar alguns ataques provenientes do exterior, nomeadamente por parte de pechenegues e cumanos, tribos bárbaras que continuavam a semear o pavor nas zonas fronteiriças nas décadas de 1070, 1080 e 1090. Bem sucedido nas batalhas, o soberano magiar, caracterizado pela sua alta estatura e robustez física, foi prontamente visto como um defensor do mundo cristão e em particular do reino húngaro, sendo ainda admirado pela sua benevolência para com os invasores pagãos, pois preferia que estes fossem cristianizados em vez de chacinados. A partir do reinado de Ladislau, o estado magiar experimentará agora alguma acalmia face aos eventuais perigos oriundos do exterior, cenário que se manterá até 1241, ano da aterradora invasão mongol.
No ano de 1091, a morte do derradeiro rei da Croácia - Dmitar Zvonimir, casado com Helena (irmã de Ladislau), permitiu ao soberano magiar ocupar grande parte daquela região bem como da Dalmácia, proporcionando assim a expansão dos seus domínios. Preocupado com a cristianização destas novas áreas, estabeleceria a já mencionada sede episcopal de Zagreb.
Ladislau falecerá no dia 30 de Julho de 1095, deixando para trás 18 anos prósperos de reinado. Segundo rumores talvez circulados postumamente, teria sido convidado, por altura da Páscoa desse mesmo ano, para liderar o projecto da Primeira Cruzada, contudo é pouco provável que tal tivesse acontecido, visto que o seu falecimento ocorreria meses antes do Concílio de Clermont, onde o Sumo Pontífice Urbano II convocaria toda a Cristandade para aquilo que seria o início das peregrinações armadas rumo à Ásia Menor, de modo a liberar a Terra Santa do jugo muçulmano.
Em jeito de balanço do seu governo, é indesmentível que Ladislau terá assumido, com sucesso, o protótipo ou modelo de "monarca cristão", tal como já havia sido evidenciado no passado pelo reputado imperador Carlos Magno (742-814). Não só promoveu o rápido desenvolvimento do Cristianismo na Hungria (dando continuidade à missão que já tinha sido iniciada pelo rei santo Estêvão), como ainda recorreu à conversão ou à acção bélica para tentar extinguir o paganismo. Ladislau procurou ainda incutir virtudes morais na sua sociedade, preocupando-se com a estabilidade e integridade do seu estado.
Muito devido à popularidade e legado que havia assim deixado, este rei magiar passaria a ser venerado, e em breve, muitos cidadãos húngaros e polacos começaram a atribuir-lhe milagres supostamente realizados por sua intercessão. No ano de 1192 (quase um século depois da sua morte), Ladislau seria canonizado pelo Papa Celestino III, após solicitação do rei húngaro da altura - Bela III.
Actualmente, o culto de São Ladislau permanece activo na Hungria (onde reinou) e na Polónia (onde nasceu), sendo patrono de inúmeras igrejas. O dia da sua festividade é 27 de Junho.




King St. Ladislaus.jpg

Imagem nº 2 - Relicário medieval do rei santo Ladislau I na Catedral de Győr.




A knight riding a horse and taking a lance

Imagem nº 3 - Ladislau em perseguição a um guerreiro cumano que levava consigo uma menina como refém. Segundo a lenda, o rei teria conseguido libertá-la das suas garras.
Mural da Igreja of Székelyderzs (Roménia)





       Imagem nº 4 - Estátua do Rei Ladislau I em Püspökszentlászló (Hungria)
Retirada do Wikipédia




Nota-Extra: Ladislau foi sucedido no poder pelo seu sobrinho Colomán (ou Colomano), filho de Géza.


Referências Consultadas:


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