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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Segredos Históricos do Havai "Medieval"


Descrição Histórica Pós-Descobrimentos

O Havai é um arquipélago que se localiza no meio do Oceano Pacífico, sendo actualmente domínio integrante dos Estados Unidos da América. Geograficamente, o Havai encontra-se completamente distanciado face a qualquer área continental e, por isso, o seu isolamento terá sido natural ao longo de sucessivos milénios. É constituído por oito ilhas principais e numerosos ilhéus, atóis e recifes. Deste grupo, destacam-se, pela sua aceitável dimensão territorial e pela respectiva ocupação populacional, a Grande Ilha do Havai e as ilhas de Maui e Oʻahu. O arquipélago alberga ainda alguns vulcões.
Os europeus avistaram, pela primeira vez, as ilhas no decurso do século XVI, embora sem procederem, desde logo, a uma efectiva colonização e exploração dos lugares citados, talvez desencorajados pela sua localização adversa. Terá sido o caso do navegador espanhol Juan Gaetan que, em 1542, se deparou com o arquipélago, aquando de uma das suas viagens de reconhecimento pelo Oceano Pacífico. Muitos lhe atribuiriam, mais tarde, a “descoberta” do Havai. Por outro lado, também o afamado explorador inglês James Cook desembarcaria naquele território em 18 de janeiro de 1778. Segundo rezam as crónicas, este navegador viria a ser ali assassinado, no ano seguinte, por um grupo de indígenas enfurecidos. 
Efectivamente, o principiar de contactos com os “haole” (palavra havaiana que significa “forasteiros” ou “outsiders”) significou gradualmente o início de uma nova era.
No início do século XIX, mais concretamente em 1810, o arquipélago experimentou o advento de uma monarquia nativa, muito devido ao esforço guerreiro do líder indígena Kamehameha I que se prontificou a unificar todo o arquipélago, combatendo as tribos que ousavam afrontar a sua hegemonia. Para isso, contou com o privilegiado recurso a armas e canhões de origem europeia. Mais tarde, em 1894, o Havai tornar-se-ia ainda numa república independente, embora por pouco tempo, visto que quatro anos depois, em 1898, o arquipélago foi invadido por forças norte-americanas que o submeteriam definitivamente no ano de 1900 (embora o Havai só tenha alcançado o estatuto de estado norte-americano em 1959). Foi a partir daí que, além dos próprios nativos (de origem ancestral polinésia), se instalaram também no arquipélago massas populacionais de ascendência europeia bem como inúmeras vagas de imigrantes asiáticos, consubstanciando um cenário multi-cultural. 
A 7 de Dezembro de 1941, a base naval norte-americana de Pearl Harbor, aí localizada, foi arrasada por um feroz ataque aéreo japonês, facto que ocasionou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. 
Estes foram então os traços históricos mais importantes do Havai relativos aos últimos séculos. No entanto, este artigo visará em específico o Havai na era dos Pré-Descobrimentos e daqui nascerão certas interrogações - como é que um arquipélago situado no meio do Oceano Pacífico, completamente isolado, já se achava ocupado por tribos? De onde provinham estas? Que práticas sociais e culturais adoptaram? Questões essas que procuraremos responder em seguida. 





Mapa nº 1 - A constituição do Arquipélago do Hawai.
Retirado de: http://www.infoplease.com/atlas/state/hawaii.html  (Magellan Geographix)





Mapa nº 2- O Arquipélago do Havai situa-se na zona central do Oceano Pacífico.
Retirado do Wikipédia




A Lenda dos “Menehune”

A mitologia havaiana remete-nos para a crença de uma presença bastante remota no arquipélago. De acordo com esta sequência de ideias, teria existido uma fixação populacional muito anterior à chegada das primeiras tribos polinésias (estas arribariam ao Havai no final da Antiguidade ou no decurso da Idade Média, isto sob a perspectiva cronológica europeia). 
Dentro deste contexto, é sobejamente conhecida a lenda dos “Menehune”, isto é, de uma pequena comunidade que teria vivido de forma recôndita, durante vários séculos, em florestas densas ou vales escondidos das ilhas do Havai. Aos seus indivíduos, era curiosamente atribuída uma reduzida estatura física, muitas vezes, comparada com situações de nanismo. Os “Menehune” adoravam alimentar-se de bananas bem como de peixe extraído do mar e dos rios. De acordo com a mitologia, privilegiavam o artesanato, mas também teriam sido responsáveis pela criação de templos, casas, ruas, canoas, viveiros de peixes… 
Segundo as narrações lendárias então veiculadas, a chegada das primeiras tribos polinésias teria forçado estes primitivos habitantes a procurarem outros refúgios mais ocultos ou praticamente inacessíveis no arquipélago, de forma a sobreviverem, por mais alguns séculos, ao assédio dos novos colonizadores. 
Num plano mais científico, a verdade é que não houve até hoje qualquer descoberta arqueológica que confirmasse a existência desta remota povoação bem como de qualquer outra que tivesse precedido as vagas migratórias oriundas da Polinésia. Aliás, a própria narração assume uma faceta fantasiosa, o que nos obriga a catalogar os “Menehune” como uma presumível invenção mitológica, talvez até influenciada mais tarde pelo contacto com a própria mitologia europeia.




Imagem nº 1 - A lenda versada sobre a suposta existência dos "Menehune" (então descritos como anões) animou alguns dos debates históricos. 




Os colonizadores da Polinésia

Durante inúmeros milénios, o arquipélago do Havai teria sido um paraíso natural desprovido de qualquer sintoma da presença humana. Praias e recantos florestais de enorme fascínio conservavam uma pureza até então intocável. Ali afluíam diversas aves que desfrutavam da serenidade ali concebida. 
A história só mudará quando um primeiro grupo migratório de indígenas decidiu abandonar as Ilhas Marquesas para se aventurar numa viagem rumo ao desconhecido. Através de canoas ou barquetas de dimensões frágeis, fizeram um percurso de quase quatro mil quilómetros no Oceano Pacífico. A fazer fé nos estudos actuais, estes aventureiros guiavam-se pela observação posicional das estrelas durante a noite e até pelo próprio sobrevoar das aves (se estas fossem observadas nos céus, seria um indício de que estariam próximos de alguma terra). 
Escusado será dizer que muitos terão provavelmente sucumbido à ferocidade das ondas, sobretudo nos dias mais adversos ou tempestuosos. Não obstante, é verdade que pouco ou nada sabemos sobre esta primeira ousada viagem indígena. A título de exemplo, não é possível avançar uma datação concreta (embora existam teorias que iremos expor já de seguida), nem sequer deslindar os motivos que levaram esta corajosa tribo a desafiar um oceano desconhecido. Sabemos sim, pela tradição histórica, que houve, mais tarde, uma segunda vaga migratória (talvez até mais importante), desta feita, oriunda das Ilhas Taiti. Novamente, é de enaltecer o heroísmo dos indígenas polinésios que, através dos seus modestos (ou até medíocres!) meios de navegação, alcançariam novamente o Havai. 
Também não descartamos a possibilidade destas expedições terem sido acidentalmente desviadas pelas tempestades para a zona central do Pacífico, quando os seus navegadores intentavam chegar a outras ilhas ou territórios da Polinésia. No entanto, e como já dissemos anteriormente, desconhecemos as motivações que estiveram por detrás das referidas viagens.
Em relação às cronologias propostas para estes acontecimentos, alguns autores situam as vagas migratórias para o extenso período cronológico situado entre os anos 300 e 800 d. C., porém a ocupação poderá ter sido mais tardia. De acordo com estudos recentes, baseados em experimentações de datação por radiocarbono de alguns artefactos, surgiu a hipótese de que o início da ocupação humana remontaria ao século XIII, mais precisamente aos anos estabelecidos entre 1219 e 1266. 
Independentemente das incontornáveis imprecisões cronológicas, não podemos negar a chegada destes novos colonizadores que logo introduziriam um sistema social semelhante àquele que se verificava nos seus territórios de origem. Desflorar aquele paraíso perdido fora o prémio merecido para quem se atrevera a desafiar quase inconscientemente um Oceano que poderia conceber ondas terríveis e que albergava nas suas águas profundas sérias armadilhas ou predadores temíveis (como por exemplo: tubarões ou baleias).





Imagem nº 2 - Os navegadores polinésios recorriam a largas canoas para encetar as suas viagens mais exigentes.




Características da colonização tribal: aspectos socioeconómicos 

As ilhas do Havai foram ocupadas gradualmente pelas tribos que então haviam instalado o seu domínio. Em breve, e como consequência natural do crescimento populacional verificado nos séculos posteriores, se registariam divergências e divisões entre os indígenas mais influentes. Aliás, é igualmente provável que a tribo proveniente do Taiti tivesse chocado já militarmente com os primeiros colonizadores indígenas, oriundos das Ilhas Marquesas, que ali se tinham instalado previamente.
Dentro deste contexto, as vindouras dinâmicas bélicas do arquipélago poderiam ditar que uma ilha estivesse sob o domínio de uma tribo, bem como também poderia acontecer o contrário – com uma ilha do arquipélago a reunir alguns grupos tribais rivais, sendo cada um destes regido pelo seu próprio chefe. Como é lógico, e apesar de estarmos perante suposições lógicas, a verdade é que escasseiam dados concretos sobre a evolução política e militar no arquipélago do Havai na era das Pré-Descobertas, mas parece-nos ser assertiva a tese da multiplicação demográfica da população, cenário que terá ocasionado o aumento do número de tribos, embora todas elas derivassem de uma matriz cultural polinésia. Aquando do primeiro contacto europeu, crê-se que a população total indígena no arquipélago seria de entre 200 mil a 1 milhão, número certamente bastante superior às centenas (ou poucos milhares) que outrora desembarcaram para abrir o primeiro capítulo da presença humana no Havai.
Exposto isto, iremos agora proceder à elaboração de uma síntese sobre a realidade socioeconómica que acompanhou a instalação e sobrevivência destas tribos durante sucessivos séculos. 
Os novos colonos que então se tornariam nativos das ilhas trouxeram consigo – as suas vestes, algumas plantas típicas da Polinésia e inclusive determinados animais. Fixariam as suas modestas habitações ao longo da costa ou até nos vales mais amplos. Desde cedo, se dedicariam à criação de gado. Sabe-se que domesticavam porcos, galinhas e cães. Além disso, alimentavam-se de bananas, taros, cocos e frutos do mar. Cultivavam batata-doce (curiosamente bastante enraizada na América do Sul) e também se dedicavam naturalmente à pesca. Criaram igualmente viveiros piscatórios junto a estuários e rios, demonstrando sérios conhecimentos na área da aquacultura. Utilizaram ainda canais para garantir a irrigação necessária para o cultivo do taro. 
Naturalmente, a sua chegada provocou um primeiro grande impacto no ecossistema existente. Os novos colonos, acompanhados então com os seus animais (porcos, cães, galinhas e ratos), colocaram em causa o equilíbrio natural, comprometendo a sobrevivência de muitas aves nativas, plantas e inclusive caracóis terrestres de considerável dimensão. 
Em termos de estrutura social, cada tribo viveria num sistema semelhante ao de castas. No topo, estaria naturalmente o seu chefe (“aliʻi”) que assumiria funções de liderança, sendo-lhe creditado algum poder divino (“mana”). Nessa acção de governação, poderia ser coadjuvado por outros chefes de menor importância. Seguiam-se depois os sacerdotes (“kahuna”) que conduziam as cerimónias religiosas de teor politeísta. Estes eram ainda vistos como curandeiros ou adivinhadores do futuro. Na sociedade tribal, também existiam grupos profissionais como carpinteiros, construtores navais, cantores, dançarinos e genealogistas. Os plebeus (“maka'āinana”) dedicavam-se à agricultura, à pesca e aos ofícios simples, tendo de garantir o seu sustento e o das suas próprias famílias, além de abastecer os chefes e os líderes espirituais. Por fim, na base desta pirâmide social tribal, se encontrariam os “kauwā”, isto é, todos aqueles cativos que tivessem quebrado as regras estabelecidas ou que tivessem sido capturados em conflitos então travados. Estes seriam escravizados pelos chefes, podendo ser usados para sacrifícios humanos nos templos. 
Num plano físico, cada aldeia tribal seria composta pelas habitações (“hale”), templos (“heiau”; albergavam ídolos lavrados em pedra ou madeira), residência do chefe tribal (“hale ali’i”; normalmente erguida em pedra), casa do tecelão (“hale ulana”), casa das canoas (“hale waʻa; sítio direccionado para o abrigo de embarcações de pesca bem como de canoas), entre outros espaços.
Por seu turno, a educação visava muito a aquisição das práticas religiosas (as crianças eram, muitas vezes, tuteladas pelos “kahuna”) bem como o culto da força (de forma a preparar os jovens para potenciais combates futuros).
Quanto ao sistema de organização económica, verificava-se um enquadramento parcialmente equiparável ao feudalismo então observado na Europa Medieval. A terra era vista como divina, e por isso, era propriedade dos deuses. Mas os “ali’i”, chefes tribais que reivindicavam conotações supra-naturais, assumiam o papel de gestores dessas terras, controlando assim os “makaʻāinana” (trabalhadores comuns – agricultores). Quando um chefe tribal falecia, havia a possibilidade das terras serem novamente redistribuídas pelo sucessor, e por isso, os exploradores de solo não tinham a sua fixação totalmente garantida ou estabilizada. Também o mesmo aconteceria, caso um líder indígena conquistasse terras a um inimigo, recompensando os seus guerreiros com novas porções de terra. No entanto, também em certas situações teria sido possível que alguns agricultores mantivessem as suas terras, caso prestassem obediência e tributo ao novo chefe. 
Com a multiplicação demográfica, terá ocorrido um desenvolvimento económico nos últimos séculos que antecederam os primeiros contactos europeus. Dentro deste contexto, surgiram novas profissões especializadas – construtores de casas, canoas e moinhos de pedra e até colectores de aves, sendo que estas seriam utilizadas para confeccionar os mantos de penas do “ali’i”. Em períodos de tréguas, passaria a ser possível a concretização de algum tipo de comércio estabelecido então entre as ilhas do vasto arquipélago.





Imagem nº 3 - Antigas habitações havaianas ("Hale")
Retirada de: www.surfingforlife.com




Uma religião politeísta de princípios rígidos

A religião havaiana era transversal aos hábitos, costumes, métodos, leis e formas de viver das tribos ali existentes. O sistema então criado radicava em inúmeros tabus que, durante séculos, foram preservados pelas comunidades indígenas. Em primeiro lugar, um homem e uma mulher não poderiam comer juntos, visto que a presença feminina poderia prejudicar o estado espiritual dos primeiros. Em segundo lugar, a pesca só poderia ser praticada em algumas épocas do ano. A sombra do “ali’i” não poderia ser tocada porque tal atitude seria interpretada como uma tentativa de usurpação do seu “mana” (poder divino).
Os sacrifícios humanos oferecidos aos deuses parecem ter sido uma realidade certa aquando da chegada da segunda vaga migratória proveniente do Taiti. Os chefes taitianos extremaram ainda mais este sistema, conferindo maior rigidez e impondo uma maior observação dos ditames espirituais.
Tal como muitas das civilizações que ainda estavam por descobrir pelos europeus, os havaianos da “Idade Média” professavam uma religião de pendor politeísta, estritamente conotada com as expressões da Natureza. Por exemplo, as forças naturais eram personificadas através dos principais deuses havaianos - Kū (Deus da Guerra), Kāne (Deus da Luz e da Vida), Kanaloa (Deus da Morte), Lono (Deus da Paz). Também eram conhecidas Pele (Deusa do Fogo) e a sua irmã Hiʻiaka (Deusa da Água).
As cerimónias honravam igualmente os momentos mais importantes da vida, nomeadamente o nascimento, a concepção, o atingir da idade adulta e a própria morte, além de ser requerida a intercessão ou bênção dos deuses nos futuros confrontos bélicos.
Como já mencionámos no tópico anterior, os “kahuna”, sacerdotes, assumiam o cumprimento dos serviços religiosos nos “heiau” (templos), onde se achavam diversos ídolos para adoração.




File:Jean-Pierre Norblin de La Gourdaine (after Louis Choris), Temple du Roi dans la baie Tiritatéa (c. 1816, published 1822).jpg

Imagem nº 4 - Um templo havaiano ("heiau") repleto de estatuetas e ídolos. Este situar-se-ia na baía de Tiritatéa e contaria com um patrocínio "régio". Daí ser conhecido como o "Templo do Rei".
Quadro da autoria Jean-Pierre Norblin de La Gourdaine/Louis Choris publicado entre 1816-1822





Imagem nº 5 -  A chegada dos primeiros estrangeiros a Kailua-Kona, uma ilha do Havai.
Retirada da Página do Wikipédia




O Surf como expressão social


Os antigos havaianos partilhavam sentimentos muito semelhantes sobre o seu favorito desporto oceânico, e inclusive cantavam poemas sobre os feitos de surf mais sublimes. Apesar dos surfistas modernos não estarem provavelmente a par desta história, o passatempo aquático do «boardsurfing» foi talvez desfrutado, desde cedo, na Idade Média, embora não seria até ao final da década de 1770 que qualquer «haole» (ou outsider) tivera a oportunidade de observar ao vivo este singular desporto de água havaiano” (in LUERAS, Leonard et LUERAS, Lorca - Surfing Hawaii: The Ultimate Guide to the World's Most Challenging Waves, p. 25-33; é citada aqui em particular a perspectiva de Paul Strauch) 


Os primórdios da existência do surf remetem-nos exactamente para a primitiva Polinésia, onde se verificaram as primeiras demonstrações. Jovens rapazes corajosos e até, por vezes, mulheres se aventuravam irracionalmente num mar em convulsão, enfrentando as perigosas ondas levantadas por poderosas forças da natureza. Os polinésios e os havaianos (estes descendentes dos primeiros) reuniam-se nas suas praias favoritas para assim se divertirem perante um sol radiante e para demonstrarem as suas infindáveis proezas perante as ondas. Muitos desafiavam a sua própria sobrevivência, sobretudo nas marés mais adversas ou tenebrosas. 
No entanto, o surf não era apenas um desporto que reivindicava bravura e adrenalina, mas espelhava igualmente toda uma expressão social. Os espectadores mais entusiásticos que assistiam às competições a partir da costa não se cansavam de aplaudir os aventureiros, não hesitando em organizar festas e até pequenas apostas em torno dos seus heróis ou dos seus “surfistas” favoritos. 
Até a religião chegava a ser envolvida nesta prática desportiva. Os “kahuna”, sacerdotes, poderiam, na qualidade de feiticeiros ou xamãs, rezar para que se reunissem boas condições para o surf. Aliás, os “kahuna” cantariam bem alto aos deuses do mar e chicoteariam as videiras da praia até que se propiciasse a ondulação desejada. De acordo com um estudo arqueológico da autoria de John Francis Gray Stokes (1876-1960), existiria um antigo “heaiu” (templo) na Baía de Kahaluu na costa Kona da Grande Ilha do Havai – este edifício religioso, conhecido como o templo de Kuemanu, destacou-se dos demais por ter sido utilizado particularmente pelos “surfistas indígenas” que aí fariam as suas orações de forma a interceder para que os poderes naturais favorecessem a prática do seu desporto preferido.  
Outro desporto de água que terá sido praticado foi o “choroee”, modalidade em que os havaianos recorreriam a pequenas canoas, remando perante as águas do Oceano. 
Ninguém sabe quem inventou o surf ou quem se lembrou de fazer a primeira prancha de madeira para se aventurar em águas sempre imprevisíveis. Podemos apenas adiantar que as diversas tribos polinésias do Centro e do Sul do Pacífico foram as primeiras grandes dinamizadoras, e até provavelmente as criadoras, mas não se sabe em que território ou ilha nasceu esta prática, visto que os relatos orais não esclarecem este enigma. No Havai, o surf, então uma prática que já provinha do período “medieval”, ganharia uma dimensão emblemática que hoje é confirmada através de eventos de elevado prestígio.
Aquando do contacto oficial por James Cook em 1778, os nativos havaianos já possuíam clubes de surf (“huis”) que eram patrocinados pela realeza, participando assim em provas desportivas. Ou seja, os próprios indígenas tinham dotado o seu desporto predilecto com uma adequada organização. 
Contudo, a afluência europeia ao arquipélago durante o século XIX (embora o Havai conservasse ainda a sua independência) não trouxe boas notícias. Em primeiro lugar, os europeus trouxeram do seu próprio continente várias doenças de elevada ou média gravidade, e por conseguinte, suficientes para causar um drástico decréscimo populacional. Por volta da década de 1880, só existiriam 40 mil indígenas a viver no arquipélago, número que contrasta com as centenas de milhares que chegaram a existir nos séculos anteriores à chegada de James Cook. Por causa de tamanha mortandade, o surf perderia assim vários praticantes. Mas um mal nunca vem só – a maior parte dos missionários cristãos, com práticas conservadoras, não encara com bons olhos este arrojado desporto e tentarão mesmo desencorajá-lo. O Surf vivera assim o seu período mais conturbado no Havai porque as tribos estavam a perder a sua influência tradicional. No entanto, havia uma luz ao fundo do túnel – vários estrangeiros, então curiosos, que afluíam ao arquipélago começaram a sentir fascínio por aquele desporto que acabavam de conhecer e decidiram também praticar ou divulgar esta sua nova "descoberta". Até Mark Twain, célebre escritor norte-americano que esteve no arquipélago por volta da década de 1860, se rendeu àquela prática desportiva, relatando inclusive a sua primeira experiência na modalidade que, apesar de tudo, não lhe correra assim tão bem. 
Mesmo com a realidade crítica verificada durante o século XIX, o Surf sobreviveu ao contacto europeu e à anexação norte-americana (esta verificou-se entre 1898-1900!), e mais do que um desporto mundial, é hoje expressão dos seus antepassados que, para conquistarem outrora a admiração dos seus seguidores e das respectivas "musas" das suas tribos, não pensavam duas vezes em avançar sobre as ondas mais assombrosas. Desejavam eles que as suas proezas fossem registadas em poemas cantados e nas memórias orais dos seus descendentes. E talvez esse facto seja hoje o grande tesouro histórico do Havai. 





Imagem nº 6 - A prática desportiva e social do Surf conhece raízes bastante antigas no Havai.
Ilustração datada de 1873 - Wallis McKay :  




Imagem nº 7 - Os indígenas recorriam a pranchas de madeira para desfrutar do seu desporto oceânico preferido. Foto datada para o ano de 1900 (autor - Frank Davey).




Imagem nº 8 – Memorial sobre o venerado surfista havaiano Eddie Aikau que morreu tragicamente no "alto mar" em 1978, quando procurava auxílio (tentou em vão nadar até ilha mais próxima em busca de ajuda) para os restantes tripulantes que tinham visto o seu barco a ser derrubado por ondas implacáveis.
Foto da autoria de Jeff Divine



Notas-Extra

1- James Cook atribuiu ao Havai a designação de “Ilhas Sandwich” de forma a homenagear um nobre inglês - John Montagu, 4º conde de Sandwich, e na altura, Primeiro Lord do Almirantado da Marinha Real Britânica.
2- Em termos de armamento utilizado pelas antigas tribos nos inúmeros combates, destaque para a presença de armas de mão de madeira, lanças, punhais de madeira, armas cortantes (afiadas com dentes de tubarão), armas de arremesso (com um peso ligado a uma corda), fundas para atirar pedras. Em tempos de tréguas, os guerreiros exercitavam artes marciais, lutas livres, danças e corridas, o que favorecia a sua condição física.
3- Optamos pela designação cronológica medieval, porque interpretamos esta era de acordo com a nossa visão histórica europeia, embora reconheçamos que o caso do Havai tenha assumido as suas próprias vicissitudes, visto que a sua evolução foi radicalmente distinta. Muitas vezes, aconselhamos o leitor a pesquisar pela terminologia (também comum) de "Havai Antigo".



Referências Consultadas:

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