D. Manuel I foi um dos reis mais carismáticos da História de Portugal. Durante o seu reinado, estabelecido entre 1495 e 1521, os navegadores portugueses descobririam o caminho marítimo para a Índia, arribariam ao Brasil, e também atingiriam as Molucas no Extremo Oriente. Esboçava-se assim uma primeira pintura daquilo que viria a ser um império grandioso que aglutinaria possessões nos continentes africano, americano e asiático. Seria igualmente no seu tempo que se verificariam as primeiras grandes transformações no âmbito religioso. Em 1496, o monarca português assinaria um decreto que ordenava a expulsão dos judeus e muçulmanos que não se convertessem à fé católica. O cenário de implementação futura da Inquisição em Portugal começava então a ganhar forma.
Por outro lado, o soberano assumiu um papel notável na promoção da cultura, tendo criado novos planos educativos e bolsas de estudo. No seu tempo, desenvolveram-se diversas áreas, muitas delas inspiradas pelas directrizes do Renascimento, nomeadamente: a cartografia, a matemática, a astronomia, a literatura, o teatro, a música, a pintura, a arquitectura (nasce aqui o "estilo manuelino"), a filosofia, a iluminura, a ourivesaria, etc.
De facto, no seu tempo, pontificaram notáveis nomes da cultura portuguesa, a saber: Pedro Nunes, Abraão Zacuto, Simão Álvares do Renascimento, Damião de Góis, Sá de Miranda, Garcia da Orta, Bernardim Ribeiro, Garcia de Resende, Gil Vicente, Nuno Gonçalves, Grão Vasco, Duarte Barbosa, Gaspar Correia, Duarte Pacheco Pereira, António Galvão, João de Barros, Tomé Pires, entre outros.
Portugal congregava assim os seus feitos e as novidades provenientes dos Descobrimentos com as tendências artísticas renascentistas em voga. Culturalmente, Portugal entrava assim numa nova era.
No entanto, os planos de acção de D. Manuel I incluiriam uma visão bem mais alargada, alcançando rapidamente outros sectores. Dentro deste contexto, o Venturoso seria um verdadeiro reformador no panorama administrativo. A primeira reforma (e talvez mesmo a mais importante) a arrancar foi a dos forais. Tal não é de estranhar, visto que, antes de Maio de 1496, já tinha sido criada uma comissão para esse efeito. A 22 de Novembro de 1497, o monarca promulgaria uma carta régia a respeito desta reforma. A mencionada comissão seria então composta por Rui Boto (chanceler-mor), João Fogaça (Desembargador), Fernão de Pina (filho de Rui de Pina, cronista-mor do reino).
Este empreendimento de grande fôlego prolongar-se-ia por todo o reinado de D. Manuel I. Aliás, Fernão de Pina só abandonaria este trabalho em 1522 para substituir o seu pai no cargo de cronista-mor do reino.
Esta comissão reunia-se regularmente e tinha por objectivo a modernização e a uniformização dos propósitos inerentes à administração local. Neste cômputo, encontramos, por exemplo, antigos textos que deveriam sofrer reformulações por três razões que passamos a enunciar:
1- Em vários documentos medievais encontrávamos referências a diversos sistemas monetários já abandonados e, por isso, era imperioso proceder às consequentes actualizações. O rei desejava ainda criar um sistema único de pesos e medidas.
2- Muitos eram os textos elaborados em latim (o que poderia originar más leituras e interpretações), pelo que se exigia a implementação do português vigente naquela época.
3- Vigoravam ainda outros diplomas cujas disposições eram já tão antigas que já não correspondiam à realidade política, económica e social dos finais do século XV.
Fernão de Pina, figura que assumiria um papel relevante neste processo, iria então colocar mãos à obra. Ele consultaria os documentos que regulavam a vida dos municípios e visitaria a maioria das localidades visadas com a finalidade de ouvir os povos e realizar inquirições. A morosidade do processo levou D. Manuel a dar ordens para que Fernão de Pina não visitasse todos os lugares. O monarca português estaria já algo impaciente até porque estava ansioso por completar esta reforma tão vasta e complexa. Aliás, esta mesma reforma reforçaria o seu poder, visto que os forais novos se transformaram exclusivamente em pautas alfandegárias, perdendo assim o carácter político e diferenciador, base do poder local.
Até 1520, foram reformados 589 forais e ainda se retiraram diversas informações para muitas terras que não seriam incluídas na reforma dos forais novos.
Em jeito de análise final, o historiador João Paulo Oliveira Costa, autor de um monografia sobre D. Manuel I, enalteceu a política do Venturoso em relação a este prisma, afirmando que a reforma se pautaria pela adequação dos textos antigos (relativos aos municípios e à legislação em geral) aos tempos modernos. Defende ainda que esta iniciativa se traduziu num claro progresso administrativo, fazendo cessar inúmeras disposições retrógradas que ainda regiam a realidade de variados concelhos desde há alguns séculos para "cá"!
No entanto, a reforma manuelina não gerou opiniões unânimes no seio dos profissionais da história, isto é, encontramos igualmente historiadores que duvidaram da sua eficácia prática. Um desses historiadores é Luís Miguel Duarte, que num artigo intitulado Os "Forais Novos": uma reforma falhada?, detecta muitas deficiências em todo este processo reformador. A partir da análise efectuada aos forais, ele argumenta que os textos diplomáticos, jurídicos e administrativos são muito imperfeitos. Lamenta ainda que se tenham incorporado direitos patrimoniais e obrigações contratuais nos próprios forais, algo que terá gerado confusão entre direito público e privado. Mas pior ainda no meio disto tudo é que as relações que deviam ser do foro do direito privado, tornaram-se públicas. No seu entender, a reforma dos pesos e medidas foi um total fracasso. Assim, o investigador vianense alega que a tão desejada uniformização não se verificou na prática. Por outro lado, são ainda criticados os forais (sobretudo aqueles que foram atribuídos pela primeira vez a uma localidade) que se resumem apenas a contratos de exploração (temos aqui supostamente os exemplos de Maia e Penafiel) ou a respostas a capítulos especiais dos povos em cortes (caso de Vila do Conde). A visão que Luís Miguel Duarte então nos fornece sobre os forais novos não é a mais positiva, ressalvando que estes deixaram imensos problemas e lacunas por resolver. Aliás, aquele historiador chega ainda a afirmar que esta reforma em vez de acabar com numerosos e longos litígios, acabou por ter o efeito contrário, isto é, reacenderam-se novas disputas e dúvidas que ficariam à espera das decisões dos tribunais ou das novas inquirições que se viessem a realizar. Na óptica deste erudito vianense, estes documentos seriam também juridicamente toscos, inacabados e contraditórios, embora razoáveis no levantamento dos principais direitos a pagar pelas povoações.
Por isso, ao apresentarmos duas versões algo contraditórias entre historiadores reputados, chegamos à conclusão de que muito ainda existe para estudar e descobrir em relação à reforma manuelina dos forais novos e ao seu impacto na sociedade daquele tempo.
Imagem nº 1 - Foral Manuelino de Monsaraz, datado de 1512.
Retirada de: http://www.sulinformacao.pt/2012/05/monsaraz-comemora-foral-manuelino-com-recriacao-da-entrega-ao-alcaide/
Referências Consultadas:
- COSTA, João Paulo Oliveira – D. Manuel I. Mem Martins: Círculo de Leitores, 2005, pág.133,ISBN:972-42-3440-1 3
- DUARTE, Luís Miguel – Os “Forais novos”: uma reforma falhada? in Revista Portuguesa de História, tomo 36, vol.I, Coimbra: Universidade de Coimbra, 2002/2003, p. 391-400.
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