A lagoa possuiu em tempos mais recuados um meio de passagem/ponte que assegurava a ligação entre Esmoriz e Paramos. Hoje, e como testemunhas da sua presença de outrora, restam-nos as ruínas dos seus pegões ou alicerces.
A principal referência que encontramos da sua existência encontra-se na extensa e memorável obra de Júlio Dinis (1839-1871), vulto do Romantismo Português do século XIX, o qual no livro “O Canto do Sereia” efectua menção à presença duma ponte sobre a Barrinha. De acordo com o autor citado, esta pautava-se por quatro arcos que se exibiam então sobre o fundo esverdeado das águas da lagoa.
Quisemos explorar mais profundamente esta questão, e na obra “Esmoriz e a sua história” (p. 264-270), Aires de Amorim concede-nos dados preciosos a esse respeito. Em primeiro lugar, menciona a existência duma ponte em 1806, sobre a qual pouco ou nada se sabe, e por isso, as origens (romanas, medievais ou modernas? teria sido o primeiro meio de passagem construído sobre a Barrinha?) e o formato desta remetem-nos para as páginas perdidas da História, ou seja, para o desconhecimento total. Apenas sabíamos que servia a estrada de Ovar rumo ao Porto pelo areal. Todavia, e devido ao seu estado degradante e, cada vez mais, inseguro e intransitável, foi necessário proceder à “refação da ponte da Barrinha” (termos utilizados no documento oficial), segundo o que havia sido determinado em 1812. Assim sendo, a situação deve ter-se arrastado até 1854, ano em que finalmente começou a ser construída uma “segunda” ponte sobre a Lagoa, sobre a qual possuímos mais informações. É provável que tenha sido esta que Júlio Dinis teria avistado, pois não só se insere no seu período de vida, como a descrição dos quatro arcos por parte deste autor bate certo com a caracterização de Aires de Amorim em relação a esta última ponte promovida em 1854. O que sabemos é que, desde logo, foi cobrada a portagem sobre as pessoas e mercadorias que atravessavam a ponte, de forma a saldar as despesas da sua (re)construção. Por exemplo, os passageiros a pé chegaram a pagar 5 reis, enquanto que carros de um boi ou besta teriam de despender 20 reis. Como conclui acertadamente Aires de Amorim, a “ponte foi sonho de pouca dura” porque o caminho-de-ferro viria a fazer-lhe concorrência; deixou-se de se preocupar com a sua conservação ou restauro, e entre 1864-1867, já temos mesmo notícias da venda de madeiras velhas e pedras da “moribunda” ponte da Barrinha. Em 1877, já só restavam os pegões, tal como hoje ainda podemos testemunhar.
Pela curta distância compreendida entre os ditos pegões, denotamos claramente que se tratariam de duas pequenas pontes de passagem (tanto a de 1806 como a posterior de 1854 que a substituiu – ambas foram provavelmente construídas em madeira, mas com encontros de pedra), as quais corresponderiam às necessidades de algum tráfego populacional que já se registaria entre Paramos e Esmoriz. Todo este meio de passagem, mesmo de dimensões reduzidas, resolvia uma importante questão de segurança, visto que muitos outrora atravessavam duma margem para a outra, recorrendo a modestas embarcações, a jangadas ou até faziam o trajecto a nado. O risco de afogamento era pois lógico, mas a ponte veio facilitar o intercâmbio e o diálogo seguros entre as comunidades envolvidas.
Sobre as origens deste meio de passagem, existem alguns que tendem a defender a sua existência desde o período romano, hipótese que não descartamos de todo, mas que está muito longe de nos convencer, dado o facto de não termos em mão qualquer avaliação arqueológica nesse sentido. Acreditamos mais depressa que este meio de passagem remontaria à Idade Média (onde até existia um porto na Barrinha no decurso do século XIII) ou à Época Moderna (séculos XV-XVIII). Infelizmente, não dispomos de dados que nos permitam estabelecer uma sequência cronológica segura, pelo que apenas podemos concluir que tal meio de passagem existiu, pelo menos, no século XIX.
Actualmente, está projectada a reconstrução duma nova ponte que devolverá justiça a um passado até então ocultado algures no subconsciente das povoações locais. Além de estabelecer a conexão entre Esmoriz e Paramos, a ponte permitirá aos utilizadores efectuar saudáveis caminhadas, desfrutar dum miradouro contemplando a paisagem natural e as múltiplas aves que sobrevoam o meio envolvente, e ainda combater o cenário de abandono da lagoa, muito frequente após o término da época balnear. Esta tem sido igualmente uma causa defendida pela colectividade esmorizense - o Movimento Cívico Pró-Barrinha, fundado no ano 2000.
Por fim, e em jeito de curiosidade para o leitor, resta-nos salientar a coincidência de existir actualmente uma Ponte românica de Esmoriz (assim designada na toponímia) que se situa na freguesia de Ancede (concelho de Baião, distrito do Porto) que banha o rio Ovil (outra coincidência, já que a Barrinha de Esmoriz no passado também era conhecida primitivamente como Lagoa de Ovil).
Imagem nº 1 - A Barrinha e o seu meio envolvente integram o actual território das freguesias de Paramos e Esmoriz. É assim conhecida popularmente como Barrinha de Esmoriz ou Lagoa de Paramos.
Foto da autoria de Rubim Almeida (Movimento Cívico Pró-Barrinha)
Imagem nº 2 - Os antigos pegões da ponte do século XIX que encimava a lagoa.
Foto da autoria de Magda Moreira (Movimento Cívico Pró-Barrinha)
Imagem nº 3 - O dique fusível que permite ou barra a ligação natural entre a lagoa e o mar.
Foto da minha autoria
Publicado previamente no Jornal A Voz de Esmoriz. Dir. Lília Marques. Propriedade: Comissão de Melhoramentos de Esmoriz. Edição de 28 de Outubro de 2014, p. 18.
Referências Consultadas:
- AMORIM, Aires de - Esmoriz e a sua História. Esmoriz: Comissão de Melhoramentos de Esmoriz, 1986.
- DINIS, Júlio - O Canto da Sereia. Leia-se com atenção o seguinte site: http://www.veredaliteraria.com/2013/09/julio-dinis-o-canto-da-sereia.html
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