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domingo, 2 de novembro de 2014

A Defesa Heróica de Tiro (1187)


Contexto

Tiro tinha sido uma das últimas terras conquistadas pelos cruzados, no pós-Primeira Cruzada. A sua tomada ocorreu em 1124, com o auxílio militar duma frota veneziana, no decurso do reinado de Balduíno II. Desde então, continuou a assumir uma vocação comercial bastante apelativa aos mercadores europeus, nomeadamente italianos. 
A cidade revelava ainda uma história invejável. Foi fundada no 3º milénio a. C., o que revela a sua indiscutível antiguidade, e assumiu um papel determinante na era fenícia (sobretudo nos tempos de Hiram I no séc. X a. C.), sendo conquistada, mais tarde, pelas tropas macedónias de Alexandre, o Grande, em 332 a. C., após um longo e desgastante cerco de 7 meses. De acordo com a tradição cristã, São Paulo de Tarso (5-67 d. C.) teria passado cerca de uma semana nesta cidade.
Em suma, pela sua tradição comercial e histórica e consequente localização estratégica, Tiro seria uma das principais cidades do reino medieval cristão de Jerusalém. Todavia, a investida do sultão aiúbida Saladino em 1187 originará a queda de várias praças latinas do Levante. A cidade será alvo de dois cercos, embora o derradeiro assédio militar tivesse sido notoriamente o mais relevante.




Imagem nº 1 - As ruínas de Tiro, cidade considerada como Património Mundial da UNESCO. Alcançara o auge na época fenícia e, na era das cruzadas, estava incorporada no reino cristão de Jerusalém que ameaçava ruir definitivamente, dados os últimos avanços militares de Saladino.
Retirada de: https://www.pinterest.com/pin/338051515753726715/, (Afixada por Darlene Talley/Pettit Pettit)




Rendição bem encaminhada até à chegada do Marquês


Depois da batalha de Hattin, os responsáveis muçulmanos apresentavam duas alternativas aos aglomerados francos locais: ou rendiam-se pacificamente (e a sua vida seria poupada) ou arriscavam-se a tombar pela espada com a possibilidade de massacres e abusos por parte do exército sitiador, caso este furasse as muralhas. É evidente que muitas praças cristãs, expostas ao isolamento e sem meios militares suficientes, preferiram acordar a rendição e entregar a praça ao sultão, evitando qualquer derramamento de sangue. O espírito derrotista era evidente em muitos dos senhores cristãos que não se atreviam em enfrentar Saladino, o imparável soberano muçulmano, bem como o seu reputado e moralizado exército.
Em Tiro, o processo de negociação tendo em vista uma rendição harmoniosa parecia encontrar-se numa fase já bastante avançada. Reginaldo de Sídon era agora o principal barão cristão da cidade e estava mesmo disposto a entregar a praça em breve, todavia a chegada dum barco ao porto de Tiro iria mudar todo este cenário. Nele vinha um peregrino cristão influente e originário do Ocidente: o seu nome era Conrado, marquês de Montferrat (curiosamente era irmão de Guilherme de Montferrat, que havia sido o primeiro marido da rainha Sibila de Jerusalém, e ainda tio da falecida criança Balduíno V) que logo se encontrou estarrecido ao deparar-se com a realidade precária dos estados cruzados no Levante. Como as notícias naquele tempo não circulavam tão depressa como hoje, não é de estranhar que Conrado não tivesse sequer conhecimento do desastre de Hattin e do aprisionamento do rei Guido. Antes de alcançar Tiro, o marquês, de origem italiana (piemontês), teria passado primeiro por Acre onde se fez passar por comerciante e aí estranhou imediatamente a ausência dos típicos rituais francos inerentes à recepção dum navio recém-chegado, e após um primeiro contacto exploratório, constatou prontamente que esta localidade estratégica já se encontrava nas mãos dos muçulmanos. Pelo que depois se dirigiu então a Tiro que afinal não era ainda controlada por Saladino, mas que estava bem encaminhada para o ser muito em breve.
Ao chegar a Tiro, depois da sua travessia marítima, Conrado não se resigna ao status quo derrotista que personificava quase todos os nobres cristãos que haviam escapado ou até evitado a sua participação na desastrosa batalha de Hattin. Devido à sua influência nobiliárquica, o marquês puxará dos seus galões e tomará as primeiras decisões concretas que alterariam o rumo dos acontecimentos. No seu entender, era vital preservar Tiro nas mãos cristãs, e para isso acontecer, revela estar disposto a tudo.
Dentro deste contexto, Conrado demonstrou a sua total irritação quando se deparou com estandartes muçulmanos aiúbidas (que deveriam então ser hasteados na cidade a pedido daqueles), inerentes ao negociado processo de rendição, tendo atirado estes para um fosso, em sinal de repúdio. De facto, Conrado vai impor a sua influência e utilizará todos os meios possíveis para convencer a população de Tiro a tentar a sua sorte pelas armas, o que acabará por acontecer.





Imagem nº 2 - A chegada de Conrado a Tiro, depois duma passagem fugaz por Acre, onde testemunhou, com uma preocupação gritante, os recentes avanços dos aiúbidas no Levante.
Gravura retirada do Brevis Historia Regni Hierosolymitani (séc. XII).




O primeiro cerco (Verão de 1187 - Julho?)


Para assegurar a protecção de Tiro, o recém-chegado marquês de Montferrat investe muito do seu dinheiro na melhoria ou reparação das imponentes estruturas defensivas da cidade. Além disso, organiza um sistema de comunas à moda italiana, responsável assim por garantir a defesa da cidade. Conta igualmente com o apoio das comunidades mercantis italianas que estavam estabelecidas em Tiro, cujo porto estava em incessante actividade comercial com o Ocidente, encontrando-se este incluído em muitas das rotas mercantis do Mediterrâneo. É ainda provável que, mesmo em tão pouco tempo, tivesse ainda havido lugar ao recrutamento de mercenários para engrossar as forças disponíveis que estavam longe de ser numerosas para suportar um cerco dirigido pela super-moralizada armada de Saladino. De facto, encontra-se registada a presença de três navios de Pisa no porto de Tiro, os quais abasteceram a cidade com soldados e alimentos.
Como já mencionamos, a cidade de Tiro resistirá a dois cercos. O primeiro, talvez não tão significante (há quem designe apenas este episódio bélico como um mero ataque ou incursão militar do que uma empresa propriamente planeada), foi perpetrado algures no Verão de 1187, mas durou muito pouco tempo, porque Saladino, ao deparar-se com as boas estruturas defensivas da cidade, optou antes por rumar a outras paragens, cuja conquista seria mais acessível e recomendada, e até porque na data em que esta primeira tentativa ocorrera - Jerusalém ainda não havia caído nas mãos muçulmanas pese a vitória já registada em Hattin. Assim sendo, Tiro ainda não era o alvo prioritário de Saladino. Logo que este abandonou os muros da cidade, Conrado enviou Joscius, arcebispo de Tiro, num navio rumo ao Ocidente, de forma a divulgar as últimas novidades preocupantes da Terra Santa e proceder à pregação e difusão da propaganda cruzadística. Os cronistas muçulmanos acusam, embora sem termos noção do grau de veracidade dos seus argumentos, Conrado de ter chegado ao ponto de utilizar imagens bastante fanáticas e chocantes: algumas alegadamente retratavam a presença dum estábulo na Igreja do Santo Sepulcro com um dos cavalos do exército de Saladino a urinar naquele lugar sagrado para os cristãos, ou a dum sarraceno que esbofeteava o rosto de Cristo. O objectivo destas imagens ofensivas, se é que elas foram mesmo divulgadas (como defendem os cronistas muçulmanos), passaria por sensibilizar, naquele tempo, os cristãos do Ocidente que, assim indignados, deveriam acorrer à cruzada, e é evidente que Conrado necessitava urgentemente de reforços para garantir a defesa de Tiro. Aliás, é certo que Saladino, depois da conquista da Cidade Santa, voltaria muito em breve para tentar novamente a sua sorte, e desta vez, terá mais tempo para encetar a abordagem aos muros daquela cidade.






Imagem nº 3 - Conrado, Marquês de Montferrat, inverteu o processo de rendição pacífica de Tiro que deveria cair nas mãos de Saladino, não fosse a sua chegada ao Levante. 
Quadro da autoria de François-Édouard Picot, 1843, Salles des Croisades, Versalhes
(Imagem disponível em Wikipédia)




O segundo cerco (Novembro 1187 - 1 ou 2 de Janeiro de 1188)


Saladino volta então, por uma segunda vez, a visar a conquista de Tiro em Novembro de 1187, dispondo agora de mais tempo, porque já havia então conquistado Jerusalém (no mês anterior - em 2 de Outubro de 1187) e muitas outras praças. O seu exército transportará 17 máquinas de assédio (catapultas e balistas), que procurarão danificar ao máximo os altivos muros de Tiro. Além disso, o sultão contará, em breve, com o apoio duma pequena frota egípcia, comandada pelo berbere Al-Faris Bedran, que bombardeará o porto da cidade bem como os navios de guerra cristãos aí instalados.
Todavia, as defesas de Tiro, durante o escasso tempo em que gozaram duma relativa acalmia, foram reforçadas: muitos tinham sido os francos que entretanto haveriam de afluir a este bastião, o seu novo refúgio, desde nobres, burgueses, civis modestos que foram evacuados doutras terras e que rumaram a esta cidade fortificada, à qual em breve aportariam ainda os primeiros reforços cruzados que provinham dos reinos cristãos ocidentais. A nível estrutural, procederam-se novamente a reparações das muralhas, torres e demais estruturas defensivas. Além disso, Conrado ordenou a abertura de valas/fossos em redor das muralhas exteriores, de forma a dificultar a abordagem do exército aiúbida, e como já assinalamos, dispunha igualmente de alguns navios que a partir do litoral, procurariam bombardear as posições terrestres ocupadas pelas forças de Saladino, através do lançamento de pedras (com engenhos instalados nessas embarcações) e do assédio perpetrado por arqueiros e besteiros.
Rapidamente podemos constatar que a batalha pelo controlo de Tiro prometeria ser renhida e bastante violenta. Aferimos pois que o verdadeiro cerco começava realmente agora com movimentações mais coerentes e planeadas de ambos os lados que iriam assim ser testados até aos limites, durante praticamente os próximos 2 meses. E será neste capítulo que Conrado marcará a sua própria página na história, recusando-se a todo o custo a entregar esta praça.
Os confrontos junto às muralhas são intensos, com um número significativo de mortes. Os primeiros assaltos muçulmanos esbarram contra a rigidez dos muros e o empenho máximo duma guarnição que tudo faria para evitar qualquer penetração inimiga.
Mas Conrado não se limitava apenas em assegurar a integridade da guarnição, pelo que recorreu igualmente a sortidas, isto é cargas de cavalaria que, pelos portões da cidade, saíam para carregar sobre os contingentes aiúbidas. Aqui há a destacar a liderança que foi conferida a Sancho Martin, designado como o Cavaleiro Verde, de origem hispânica (desconhecemos o seu lugar concreto de nascimento, mas suspeita-se que este cavaleiro ibérico teria anteriormente combatido os muçulmanos do al-Andalus), o qual com a sua bravura desmedida comandava estas acções de elevado risco. Saladino reconheceria mesmo o valor deste cavaleiro, o qual até terá tentado mesmo contratar, mas em vão.
Ficou rapidamente claro para Saladino que era necessário que a frota muçulmana composta por 10 galés e comandada por Al-Faris Bedran se aprestasse o mais depressa possível, de forma a derrubar os navios cristãos que se encontravam no mar a bombardear os contingentes muçulmanos que se moviam no plano terrestre. Os sucessos desta recém-chegada frota egípcia são inicialmente claros, forçando os navios cristãos a recuarem praticamente até ao porto de Tiro, depois de terem sofrido claras baixas.
Saladino julgava que o processo poderia agora seguir outro rumo que levaria à queda da cidade, mas desta vez, o sultão estava iludido. Conrado preparou uma cilada que consistiria na simulação duma rendição totalmente fictícia. Ele usou um jovem muçulmano que havia desertado para o campo cristão (após sérias incompatibilidades com seu pai), e que foi envolvido neste plano, lançando aquele uma flecha para o campo inimigo, a qual estava envolvida por uma mensagem. Segundo o teor desta, os francos comprometiam-se a abandonar em massa a cidade na noite de 29 para 30 de Dezembro de 1187, e se os muçulmanos não acreditassem na informação, então deveriam escutar o barulho emanado do porto quando começasse a escurecer. No campo muçulmano, houve quem acreditasse na veracidade desta mensagem, pelo que a frota muçulmana estava prestes a investir sobre os navios cristãos que pudessem sair a qualquer momento do porto de Tiro. Todavia, tudo não passava, como disséramos, duma armadilha montada por Conrado. Este tinha mobilizado um número considerável de homens disfarçados e ocultados pela escuridão, posicionados nas proximidades dos muros do porto, enquanto outros teatralizavam à vista uma aparente fuga precipitada. Os capitães dos 10 navios muçulmanos carregaram sobre o porto que julgavam desprotegido perante uma aparente tentativa de saída descoordenada por parte dos cristãos. Cinco embarcações muçulmanas tomam entretanto a iniciativa e são as primeiras a entrar no porto visto que a corrente protectora (que permitia ou recusava o acesso) estava naquele momento em baixo. Todavia, esta é levantada imediatamente depois da entrada daqueles, encurralando os ditos navios no interior. Os combatentes cristãos, até então escondidos, caem em seguida sobre essas embarcações, desferindo golpes atrás de golpes nos soldados muçulmanos que estavam a bordo. Dum momento para o outro, metade da frota muçulmana tinha sido aniquilada. Aliás, as 5 embarcações capturadas agora passariam a ser utilizadas pelos cristãos. Depois foi a vez da frota cristã até então "adormecida" (pois fora colocada numa "posição mais defensiva") entrar em acção, causando danos materiais e humanos às embarcações restantes da frota islâmica que, totalmente desintegrada e em desvantagem, se colocou imediatamente em fuga rumo a Beirute.
Saladino ao aperceber-se de duros combates junto ao litoral e acreditando que os cristãos estavam mais concentrados no porto de Tiro, ordenou um forte assalto às muralhas, esperando que a guarnição estivesse descompensada pelos conflitos ocorridos na outra parte da cidade. Com recurso a escadas móveis, muitos são os combatentes muçulmanos que tentam a todo o custo penetrar nas altivas estruturas defensivas. De acordo com o autor W. B. Bartlett, alguns conseguem mesmo fazê-lo, mas a guarnição, confrontada fatidicamente entre os destinos de glória ou morte, preferiu resistir com valentia e total tenacidade numa luta corpo-a-corpo que poderia pender para qualquer um dos lados. O assalto muçulmano acabaria por fracassar, não sem se registarem várias baixas de ambas as facções. O sultão aiúbida não desiste ainda e ordena agora aos seus sapadores para minarem as muralhas, de forma a abrir uma brecha que lhes possibilitasse a penetração na cidade. Os trabalhos começaram a bom ritmo, e tudo parecia indicar que, desta vez, os muçulmanos conseguiriam mesmo abrir uma brecha algures na extensa e quase inexpugnável muralha que cobria Tiro. Temendo o pior, Conrado não consegue ficar parado, e programa desesperadamente uma grande sortida, de forma a encetar um duro golpe nas hostes de Saladino. Neste momento crítico, os portões da cidade abriram-se para muitos pela última vez de forma a participarem numa operação cujas possibilidades de retorno não eram nada animadoras. Morte ou glória eram novamente os únicos cenários possíveis para cavaleiros e civis cristãos armados que integravam esta iniciativa militar de alto risco. Não sabemos se Conrado liderava pessoalmente este batalhão ou se confiou mais uma vez a iniciativa ao valoroso Cavaleiro Verde. A batalha foi mais uma vez intensa e confusa, porque a primeira linha muçulmana, talvez surpreendida pela reacção impetuosa dos cristãos, desintegrou-se por completo. Houve perseguições mútuas e momentos em que a vitória poderia sorrir a qualquer um dos partidos beligerantes. Mas esta batalha "anárquica" teria sido seguramente inconclusiva, não fosse o facto das incidências bélicas terem comprometido presumivelmente o trabalho dos sapadores muçulmanos (teriam sido estes mortos ou optaram pela deserção?), e por isso, o contra-ataque cristão terá conseguido, ao menos, arrancar este derradeiro trunfo ao sultão aiúbida.
Esta dupla vitória cristã registada no mar de Tiro e no exterior das muralhas desgastou definitivamente o moral das forças muçulmanas. Agastado, Saladino apercebe-se que não haveria muito a fazer. Do mar de Tiro, já não poderiam vir boas notícias porque os responsáveis muçulmanos já teriam conhecimento de que nas próximas semanas ou meses afluiriam ali novas embarcações repletas de cruzados que engrossariam as forças de Tiro e cujas galés intensificariam os bombardeamentos sobre as posições aiúbidas, caso estas se mantivessem.
Pelo meio, Saladino teria ainda procedido a uma artimanha para ver se a praça se rendia, fazendo desfilar um homem velho que alegava ser o pai de Conrado de Montferrat (efectivamente capturado em Hattin), e que estava disposto a executá-lo se o marquês não entregasse a praça de Tiro. Mas Conrado afirmou, embora mais em jeito de afirmação da sua posição do que em se rever propriamente em tais intenções, do alto das muralhas: "Amarra-o a uma estaca e eu serei o primeiro a abatê-lo. Ele já viveu muito tempo, e agora não me serve de nada" (pelo que se suspeita, o alegado pai de Conrado teria aplaudido corajosamente ao longe a reacção do seu filho porque não queria que este entregasse a praça em troca da sua vida), pelo que a cidade não se rendeu mesmo perante este cenário. Parece-nos evidente que tudo não passou duma manobra de ilusão (bluff?), pois Saladino não executaria afinal o pai de Conrado (se é que era mesmo ele que estaria a ser exibido a alguma distância das muralhas), pois tanto o progenitor como o seu filho voltariam a encontrar-se em breve com boa saúde. Por outro lado, as máquinas de assédio muçulmana apenas tinham servido para causar estragos mínimos nas muralhas imponentes de Tiro. O trabalho dos sapadores poderia ter gerado frutos, mas a verdade é que a prontidão da acção cristã comprometeu todos os seus avanços.
Saladino convocou finalmente os seus emires para uma conferência decisiva. O consenso estava longe de existir, mas o sultão tomaria a posição evidenciada por alguns dos seus conselheiros que já estavam cansados das incidências improdutivas dos últimos tempos. O sultão procedeu à retirada das suas tropas no dia 1 ou 2 de Janeiro de 1188, queimando os engenhos de assédio para que assim estes não caíssem nas mãos de Conrado.
Não há dúvidas de que se tratou duma derrota, que embora não colocasse em causa aquele ano de ouro de 1187 para Saladino e seus seguidores, marcaria um novo ciclo naquela região. Conrado havia demonstrado que os cristãos, mesmo isolados, poderiam ainda fazer frente às forças poderosas do sultão aiúbida. Aliás, segurar o porto de Tiro permitiria que, nos próximos anos, aportassem aí vários navios, carregados de cruzados europeus, que haviam tomado a cruz na sua peregrinação incerta. Uma nova etapa no Levante iria começar. Tratava-se da Terceira Cruzada (1189-1192) que iria obrigar Saladino à guerra defensiva.
Por seu turno, Conrado adquiriu bastante prestígio neste episódio bélico, pois fora o único barão cristão que ousara desafiar o rumo derrotista dos acontecimentos que favoreciam inteiramente Saladino nas suas intenções de se apoderar de todos os estabelecimentos francos. Não será pois surpresa observar que Conrado terá um papel igualmente determinante na Terceira Cruzada, tornando-se mesmo rei nominal de Jerusalém, embora por pouco tempo, pois seria assassinado incredulamente por membros da Ordem dos Assassinos (há a possibilidade destes terem sido contratados por outro barão cristão que não nutria simpatia por Conrado, e que seria talvez partidário da manutenção do rei Guido à frente dos destinos da Terra Santa, ou melhor, dos estabelecimentos cruzados que ainda restavam nas mãos dos cristãos).





Imagem nº 4 - O Cerco de Tiro em 1187: a sortida final dos cristãos. Ao longe, observamos a frota franca a arremeter sobre os contingentes aiúbidas.
Jean Colombe - Sébastien Mamerot, Les Passages d’Outremer, Fr. 5594, BnF (in Wikipédia)




Imagem nº 5 - O mítico Cavaleiro Verde - Sancho Martin que encabeçou as inenarráveis sortidas face ao exército sitiante. A sua bravura mereceu inclusive o reconhecimento elogioso de Saladino.
Supostamente este cavaleiro hispânico utilizaria chifres colados ao seu capacete, além duma armadura essencialmente de cor esverdeada (tanto o seu manto como o escudo).
Gravura meramente exemplificativa da autoria de Daniel Eskridge, retirada de: http://fineartamerica.com/featured/the-green-knight-daniel-eskridge.html



Notas adicionais:


1- Os cronistas árabes não poupam nas palavras para amaldiçoar Conrado, denegrindo-o mesmo com insultos. Todavia, nenhum deles hesitou em reconhecer a bravura e a determinação enérgica deste barão que voltou a fazer com que Saladino voltasse a provar o sabor amargo da derrota, algo que já não acontecia desde os tempos da batalha de Montgisard. Por exemplo, o cronista muçulmano Ibn al-Athir (1160-1233) refere-se a ele desta forma: "Ele era um diabo encarnado na sua capacidade de governar e defender a cidade, e um homem de extraordinária coragem".

2- Antes da sua chegada ao Levante, Conrado tinha passado ainda alguns anos no Império Bizantino, onde se destacara ao serviço do imperador Isaac II Ângelo, desempenhando um papel fundamental ao derrotar o general revoltoso Alexios Branas. As intrigas vividas em Constantinopla instaram-no à peregrinação rumo ao Outremer, onde alguns membros da sua família já mantinham íntimas ligações, nomeadamente o seu pai bem como o seu irmão Guilherme (este já falecido).

3- A batalha por Tiro foi igualmente marcada por uma intensa guerra de cariz psicológico e de artimanhas à mistura.

4- A existência do Cavaleiro Verde (Martin Sancho) não nos parece oferecer muitas dúvidas, porque o mesmo é realmente citado por alguns historiadores reputados: W. B. Bartlett, Steven Runciman ou Peter Edbury. 



Referências Consultadas:

  • BARTLETT, W. B. - Downfall of the Crusader Kingdom. The History Press, 2011. Este livro fornece-nos uma descrição pormenorizada sobre o assédio em torno de Tiro.
  • Chroniques arabes des Croisades. Ed. Francesco Gabrieli. 4ª Ed. Trad. Viviana Pâques. Sindbad - Actes Sud, 1996. Destaque aqui para o relato, também ele preciso, de Ibn al-Athir.
  • JAQUES, Tony - Dictionary of Battles and Sieges: P-Z, 2007. Este autor propõe que o primeiro cerco em torno de Tiro tenha acontecido em Julho.
  • MAALOUF, Amin - As Cruzadas vistas pelos árabes. 15ª ed. Lisboa: Difel, 2008. 
  • WALDIE, Adam - Waldie's Select Circulating Library: The best popular literature. Vol II. Filadélfia, 1836.
  • http://europeanhistory.boisestate.edu/crusades/Outremer/34.shtml, (Consultado em: 02-11-2014).
  • http://www.cristoraul.com/ENGLISH/readinghall/GalleryofHistory/Saladin/LIFE_15.html, (Consultado em: 02-11-2014).

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