Na segunda metade do século XI, a Igreja assistirá a uma enorme revolução interna, ao nível da sua organização e prioridades assumidas. É um novo ciclo instaurado que se repercutirá em várias vertentes. Trata-se evidentemente da então designada (embora de modo impreciso) "Reforma Gregoriana" que se prolongará até ao século XIII, a qual tentará alcançar diversos objectivos, entre os quais destacamos os seguintes:
- A afirmação do poder supremo da Igreja. No plano político, a instituição reclama a supremacia universal, exigindo a obediência ou a vassalagem dos restantes reis e do imperador germânico. Por outro lado, o poder de decisão que anteriormente cabia às grandes famílias romanas e ao imperador alemão foi anulado, assegurando-se assim a eleição interna sem pressões exteriores. O Papa está acima de qualquer outro soberano da Cristandade, e só presta contas a Deus. A Igreja declara assim a sua independência perante o poder imperial que nos séculos anteriores fora responsável por diversas intromissões.
- Abolição de ritos pagãos introduzidos nos padrões da religiosidade católica. Ao nível do rito, a Igreja procura assegurar uma uniformidade ou conformidade dos rituais católicos (liturgia), evitando disparidades devido a influências culturais alheias. O canto gregoriano é uma das novidades que adquire exponencial destaque nesta era.
- Combate às práticas desviantes da simonia e do nicolaísmo. Por outras palavras, as transacções de cargos clericais ou o não-cumprimento do celibato jamais poderiam ser tolerados, e a Reforma Gregoriana canalizará assim uma maior atenção para punir estas irregularidades que, em nada, dignificavam a instituição clerical. Neste capítulo moral, procurou-se ainda regressar ao Cristianismo Primitivo.
- Repúdio da investidura laica. Antigamente, muitos nobres ingressavam na Igreja por mera influência das suas famílias, contudo muitos o faziam sem deterem formação e vocação prévias, cenário que propiciava habitualmente um desempenho limitado daqueles novos clérigos.
- A eleição pontifícia realizada pelo Colégio Cardinalício. Os cardeais da Igreja Romana passariam a participar, de forma independente e interna, na eleição do novo sumo pontífice, evitando assim ingerências do exterior.
Imagem nº 1 - A "Reforma Gregoriana" (designamos sempre a mesma entre aspas, devido à limitada precisão de tal designação, pois a reforma não se deveu apenas a Gregório VII) garantiu o início dum novo e importante ciclo histórico para a Igreja Romana.
Retirada de: http://www.global-ethic-now.de/gen-eng/0b_weltethos-und-religionen/0b-01-02-christentum/0b-01-0211-mittelalter.php
Os Grandes Papas Reformistas do Século XI
Apesar do Papa Clemente II (1047-1048) ter procurado adoptar as primeiras acções contra a simonia, a verdade é que o seu pontificado foi demasiado curto (cerca de 9 meses de pontificado) para ser considerado um pioneiro indiscutível do espírito reformista que engrandeceria a Igreja Católica. Por isso, não o incluímos na lista que apresentaremos de seguida, embora fiquem bem patentes as suas primeiras tentativas para garantir um futuro melhor à instituição que servia.
Papa
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Pontificado
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Feitos Reformistas
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Leão IX
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1049-1054
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Um grupo de importantes reformadores acompanhou-o em muitas das decisões que teria tomado no decurso do seu pontificado: Frederico da Lorena, Hugo o Branco, Pedro Damião, Humberto de
Moyenmoutier e São Hugo de Cluny. Contará ainda
com a importante colaboração do monge germânico Hildebrando (futuro Gregório
VII). Combateria a simonia (troca de dinheiro por favores eclesiásticos ou venda
de cargos clericais) e defende intransigentemente a castidade clerical. Foi o
primeiro papa do seu tempo que conseguiu implementar os ideais reformistas.
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Vítor II
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1055-1057
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Continuou a obra do seu antecessor. No concílio de Florença (1055),
condena o concubinato/nicolaísmo, a simonia e a usurpação dos bens da Igreja.
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Estevão IX
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1057-1058
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Zelou pela autonomia da Igreja e, de novo, condenou a simonia a qual
se atribuía à ingerência laica.
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Nicolau II
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1059-1061
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Estabelece poderes únicos aos cardeais-bispos para que estes elejam os futuros pontífices de forma autónoma e privada (começam a ser então construídas as bases do nascente Colégio Cardinalício). Criticou novamente as
práticas nefastas já referidas que corroíam a credibilidade da Igreja. Enviou
ainda diversos legados em inúmeras viagens para que nas variadas regiões se
assegurasse a imposição duma liturgia ou rito católico unificado na
Cristandade.
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Alexandre II
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1061-1073
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Prosseguiu com as causas defendidas pelos papas antecessores.
Implementou ainda a missa comunitária nos mosteiros. A ruptura com o Poder
Imperial foi total no seu pontificado. Condenou as investiduras feitas sem
autorização superior e procurou proibir a presença de sacerdotes, que não
tinham respeitado o voto de castidade, nas missas. O raio de acção da Igreja
será agora maior durante estes anos.
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Gregório VII
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1073-1085
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O principal vulto da Reforma, embora não tivesse sido o
único pontífice a zelar pela causa. Com o nome de nascimento de Hildebrando, é
factual que já teria prestado uma contribuição importante nos pontificados
anteriores. Fora ainda monge da célebre abadia de Cluny.
Seria eleito Papa muito devido ao grande apoio popular.
Defendeu a primazia da Igreja de Roma no plano universal e a infalibilidade papal, condenou o concubinato, a simonia e as investiduras
laicas. Pretendeu impor rigor máximo nas eleições eclesiásticas. É do seu
tempo – o famoso documento do Dictatus Papae, onde a Igreja Romana é considerada como detentora do poder supremo. Pugnou até à exaustão por tais
ideais, enfrentando os sectores clericais mais acomodados ou relaxantes e os nefastos interesses imperiais. Chegou mesmo a ser detido em 1075, todavia o povo
revoltou-se de tal forma que Gregório VII acabaria por ser libertado.
As relações com o imperador germânico Henrique IV (apesar da
penitência deste em Canossa, o entendimento durou pouco tempo) não foram as
melhores, e Gregório VII foi mesmo obrigado a deixar Roma, quando as tropas
alemãs tomaram esta cidade entre 1083-1084. Todavia, a sua morte no exílio em
Salerno não seria em vão, pois os seus ideais e a sua glória asseguraram a
continuidade da linha reformista. No leito da sua morte, terá dito “Amei a justiça e odiei a iniquidade, por
isso morro no exílio”.
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Vítor III
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1086-1087
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Antigo monge beneditino. Contra a sua própria vontade, tornou-se
Papa com uma idade algo avançada e uma saúde debilitada. Destacou-se pela sua
generosidade e serenidade.
No seu pontificado é excomungado o anti-Papa Clemente III, apoiado pelo
partido germânico/imperial, bem como é confirmada a excomunhão de Henrique
IV. Também Roma voltaria a ser recuperada através duma força normanda que
expulsaria a milícia imperial, todavia a enorme instabilidade da época fez com que
Vítor terminasse os seus últimos dias no mosteiro de Montecassino.
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Urbano II
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1088-1099
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Pontífice enérgico que voltou a condenar as investiduras laicas, o
nicolaísmo e a simonia. Novamente, envolveu-se em conflitos com o imperador
Henrique IV, o qual pretendia controlar os assuntos da Igreja, o que não ia
de encontro às pretensões de independência e supremacia da instituição
católica. Em 1092, teve de abandonar Roma, todavia conseguiria voltar no ano
seguinte.
A manifestação poder papal tornou-se clara quando chegou o pedido
de auxílio do imperador bizantino Aleixo I (líder daquele império cristão oriental que tinha perdido
vários territórios nas últimas décadas para os turcos seljúcidas), e que em jeito de resposta, Urbano II mandou convocar o Concílio de Clermont, o qual promoveria o lançamento e a pregação da Primeira Cruzada. Este
empreendimento militar foi um sucesso, com a Cidade Santa de Jerusalém a ser
recuperada pelos cruzados em 1099, poucos dias antes da morte de Urbano II.
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Tabela nº 1 - Os pontífices reformistas da segunda metade do século XI.
Imagem nº 2 - Embora o termo "Reforma Gregoriana" seja impreciso porque existiram outros Papas que contribuíram para a revolução da Igreja, a verdade é que não podemos negar que Gregório VII (na imagem) foi a personalidade que talvez alcançou maior destaque, contribuindo para o amadurecimento dos ideais reformistas.
Retirada: http://www.pliniocorreadeoliveira.info/DIS_SD_640525_saogregorio7dictatuspapae.htm#.VBbRj_ldVRE, (veja-se aqui ainda as disposições do Dictatus Papae)
Evidentemente, a Reforma da Igreja Romana (talvez uma designação que achamos mais correcta, abrangente e eficaz do que o término "Reforma Gregoriana") prosseguiu nos pontificados seguintes, bem como as querelas entre Papado e Império.
Referências Consultadas:
- GUIJARRO-RAMOS, Luis Garcia - Papado, cruzadas y ordenes militares: siglos XI-XIII. Madrid: Cátedra, 1995. Este escritor defende, e bem no nosso entender, que o termo "Reforma Gregoriana" é demasiado restrito, e por isso, os feitos reformistas não se cingem apenas a Gregório VII, apesar da contribuição igualmente decisiva deste pontífice.
- ORLANDIS, José - Historia de la Iglesia: La Iglesia antigua y medieval. Madrid: Ediciones Palabra, 2003.
- http://www.infopedia.pt/, Infopédia, Porto Editora. Aqui encontramos igualmente descrições sobre a Reforma bem como a vida e obra dos seus pontífices empreendedores.
- http://www.infoescola.com/historia/reforma-gregoriana/, (artigo da autoria de Antonio Gasparetto Júnior, consultado em: 15-09-2014).
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