É com agrado que apresentamos mais um intelectual muçulmano que residiu no al-Andalus. Ibn Abdun terá nascido em Évora em meados do século XI. Embora seja bastante difícil redesenhar o seu trajecto de vida (pois encontramos poucos dados a seu respeito), a verdade é que se tratou de mais uma individualidade que se destacou na poesia e na prosa, além de ter usufruído de vivências cortesãs que lhe conferiram um protagonismo político relevante.
A sua formação terá sido desenvolvida em Badajoz e Córdova, o que lhe permitiu dotar do enriquecimento imaterial veiculado nesses pólos culturais. Desde cedo, revelou bom domínio da língua árabe, além de deter uma considerável capacidade de memória.
Durante a sua carreira, terá servido com máxima lealdade o príncipe de Évora e depois soberano do reino taifa de Badajoz - Omar al-Mutawakkil. Ibn Abdun foi mesmo encarregado de criar uma corte paralela em Évora, retornando depois à capital Badajoz para exercer os papéis de secretário pessoal, vizir e de ministro de confiança. Todavia, a história reservaria um final negro à Dinastia Aftássida que reinava em Badajoz. Omar até então um líder culto, o qual se dedicou por exemplo à construção de vários jardins de recreio, onde se reuniam círculos de erudição que promoviam a literatura (essencialmente a poesia) muçulmana, acabou por ser derrubado pelos conquistadores almorávidas, sendo mesmo morto por aqueles. Ibn Abdun não deverá ter digerido bem o processo de deposição do seu senhor, tendo inclusive redigido um poema de nostalgia ou lamentação dedicado à dinastia que caiu barbaramente.
Apesar deste desgosto, Ibn Abdun resignou-se à nova realidade, e até acabaria por servir os novos senhores almorávidas, nomeadamente o general Abu Bakr, o emir Yusuf ibn Tashfin e seu filho e igualmente sucessor Ali ibn Yusuf.
O seu elevado valor político e cultural deverá ter justificado a sua permanência na transição entre as duas dinastias mencionadas. A sua utilidade foi pois tida em conta.
Sabemos ainda que compilou o seu diwan, isto é, uma colecção de poemas da sua autoria. De acordo com Maria Ávalos, Ibn Abdun versava sobre as suas vivências do quotidiano e diversos estados de alma, a sátira, o amor, elegias...
Mas esta personalidade que aqui abordamos inseriu-se igualmente na designada prosa dos secretários, lavrando em nome dos senhores que serviu, várias cartas oficiais e outros documentos de chancelaria. De forma a agradar aos soberanos do seu tempo, Ibn Abdun redigia em forma de prosa rimada. Recorria constantemente à utilização de sábias metáforas e respeitava rigorosamente as regras gramaticais.
Mas esta personalidade que aqui abordamos inseriu-se igualmente na designada prosa dos secretários, lavrando em nome dos senhores que serviu, várias cartas oficiais e outros documentos de chancelaria. De forma a agradar aos soberanos do seu tempo, Ibn Abdun redigia em forma de prosa rimada. Recorria constantemente à utilização de sábias metáforas e respeitava rigorosamente as regras gramaticais.
Por volta dos anos de 1134-1135, Ibn Abdun teria perecido na sua terra natal - Évora.
Poema de Ibn Abdun
BEM CEDO o destino nos fustiga...
E para trás rastos vão ficando.
Esconjuro-te! Deixa que te diga:
Não chores por sombras, tudo é ilusão.
Ai de quem com quimeras vai sonhando
Entre as garras e os dentes do leão!
Que a vida não te iluda e entorpeça já.
Para a vigília são teus olhos feitos.
Ó noite, que do teu ócio nos afaste Alá.
E dos que ao teu feitiço estão sujeitos!
Teu prazer engana, víbora escondida
Detrás da flor: morde quem a quer colher.
Quanta geração foi de Alá querida!
O que ficou? - Poderá a memória responder?
Quem pode a menor coisa pretender.
E talentoso ou bom, deveras, ser?
Quem pode dar recompensa ou castigar?
Quem põe fim ao sopro da desgraça?
Quem é que a Danação pode afastar
Ou a tragédia que o Destino traça?
Ó vã generosidade, ó vão valor!
Quem me defenderá do opressor
- Calamidade em noite sem aurora -
Quem? Se já não há regra a respeitar
E o que resta é um silêncio imposto?
Quem é que apagará o amargo gosto
Que nunca ninguém pode apagar?
(Tradução proposta por Adalberto Alves)
Imagem nº 1 - A criatividade artística constituiu uma realidade permanente do al-Andalus, reunindo-se mesmo grupos de cariz cultural que assim se cingiam a várias temáticas.
Retirada de: http://classes.bnf.fr/idrisi/grand/0_15.htm
Referências Consultadas:
- REBOLLO ÁVALOS, Maria José - Ibn Abdun de Évora (M. 530 H./1135 J. C.), Prosista y Poeta del Reino Aftasi de Badajoz. Universidade de Extremadura. Artigo digitalizado em: http://dehesa.unex.es:8080/xmlui/bitstream/handle/10662/1476/0210-8178_20_341.pdf?sequence=1
- Itinerario Cultural de Almorávides y Almohades. 2ª ed. Junta de Andaluzia: Fundación El Legado Andalusí, 2003.
- http://evoraoculta.blogspot.pt/2009/04/ibn-abdun-d-evora.html, (Consultado em: 07-01-2015, este link refere-se ao poema citado em cima bem como ao seu tradutor).
- https://emabertasena.wordpress.com/2007/10/27/intemporalidades/, (Consultado em: 07-01-2015).
Notas-Extra:
1- Tal como Santarém (referido no artigo anterior, a propósito do caso de Ibn Sara), também Évora pertencia ao reino taifa de Badajoz.
2- A poesia encontrava-se bastante divulgada no al-Andalus, contudo os poetas procuravam o mecenato ou a protecção debaixo dum emir ou governador muçulmano poderoso ou influente, de forma a conseguir driblar uma vida de miséria. Ibn Abdun parece ter contado com alguma sorte neste capítulo, todavia também chegou, por exemplo, a ser desconsiderado pelo afamado e também genial rei-poeta de Sevilha - al-Mutâmid que não parece ter demonstrado grande interesse nos seus talentos de escrita.
1- Tal como Santarém (referido no artigo anterior, a propósito do caso de Ibn Sara), também Évora pertencia ao reino taifa de Badajoz.
2- A poesia encontrava-se bastante divulgada no al-Andalus, contudo os poetas procuravam o mecenato ou a protecção debaixo dum emir ou governador muçulmano poderoso ou influente, de forma a conseguir driblar uma vida de miséria. Ibn Abdun parece ter contado com alguma sorte neste capítulo, todavia também chegou, por exemplo, a ser desconsiderado pelo afamado e também genial rei-poeta de Sevilha - al-Mutâmid que não parece ter demonstrado grande interesse nos seus talentos de escrita.
Boa investigação!
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