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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

A Lenda do Preste João

A Idade Média foi uma era que também se pautou pelas profecias, superstições e lendas prontamente difundidas pelas mais diversas comunidades. Neste extenso manancial de relatos, há seguramente aqueles que mais se popularizaram, assegurando a transmissão do mito para as gerações vindouras, durante tempo indeterminado.
A lenda do Preste João insere-se pois nesse contexto específico, e as suas origens remontam à Idade Média, como constataremos minuciosamente em seguida.
Sabe-se que este mito foi citado por Marco Polo no seu diário de viagens e já seria igualmente veiculado na época das cruzadas. De acordo com Eduardo Amarante, é mesmo possível elencar uma lista de algumas fontes medievais que se referem à existência mítica deste ser teocrático, um soberano altamente prestigiado que conseguiria concentrar em si os poderes temporal e espiritual.
Neste âmbito, comecemos pela Crónica de Otão de Freising lavrada em 1145, cujo autor se refere a João como "um rei sacerdote que vivia para além da Arménia e da Pérsia no Extremo Oriente". Também o cronista Alberico das Três Nascentes (também designado como Aubry de Trois-Fontaines) em 1165 acusa nos seus escritos uma carta do suposto Preste João endereçada a Manuel I Comneno, imperador bizantino. Por seu turno, o imperador germânico Frederico Barbarossa terá sido igualmente agraciado por misteriosas mensagens provenientes algures do Oriente. Os arquivos do Vaticano também guardam sigilosamente alguma desta correspondência. Em 1177, o Papa Alexandre III enviou mesmo uma carta "ao ilustre e magnífico rei das Índias" (o termo Índias era, neste altura, abstracto dados os escassos conhecimentos cartográficos) dirigindo a sua bênção apostólica. Não sabemos como se processou a entrega da carta pontifícia, pois o Mestre Filipe, encarregado de o fazer, partiu de forma célere mas nunca mais deu notícias.
Em alguns dos mapas medievais, é mesmo assinalada a existência deste Reino do Preste João, embora a sua localização variasse consoante a descrição geográfica proposta. Por exemplo, veremos este lendário estado a ocupar o Turquestão, o Tibete e os Himalaias, incluindo-se ainda o deserto de Gobi (nos primeiros tempos associaram-se muito estas terras da Ásia Central à incessante e inglória busca pelo rei que se julgava ser um fervoroso cristão e cujo poder não conhecia barreiras).
Logicamente, o mito foi facilmente alimentado pela fantasia. E para demonstrarmos esse facto, basta citarmos dois parágrafos da autoria do já mencionado historiador Eduardo Amarante que dedicou um alargado estudo à história dos templários, embora não tenha ficado indiferente a esta lenda:

"O reino mítico de Preste João assemelha-se muito às descrições feitas sobre Shambhala do Norte: Dragões voadores que circulam nos ares levando pessoas para fora dos limites terrestres ou a grandes distâncias. Possuía a Fonte da Eterna Juventude e, graças a ela, diz-se que Preste João viveu 562 anos. 
Este era um reino de sabedoria e paz que possuía outras maravilhas dignas da ciência-ficção. A Pedra Mágica, que também se incluía entre os seus pertences, ofuscava a vista do alto da torre em que se encontrava"


Pelo que se especulou ainda, Preste João seria soberano dum reino cristão poderoso (o qual incluía numerosos exércitos) que conseguiria subsistir diante duma área envolvente fortemente islamizada, pelo que o mesmo estaria aparentemente circundado ou pressionado por estados muçulmanos. Uns situariam tal senhor cristão nestoriano bem como o seu território na Ásia, outros o colocariam em África. Todavia, as tentativas de contacto com este alegado rei-sacerdote do Oriente saíram todas frustradas. 
A história chegou intacta até à época moderna dos Descobrimentos, e tomou parte activa na expansão portuguesa, fazendo com que muitos navegadores portugueses procurassem tal aliado estratégico sobretudo no âmbito das guerras travadas contra os muçulmanos. Além disso, esperava-se que o afamado Preste João pudesse fornecer informações privilegiadas sobre a cosmografia, potencialidades económicas e demais realidades daqueles lugares mais distanciados.  
É certo que a figura mítica do Preste João poderá ter sido associada ou atribuída, de acordo com inúmeras interpretações ao longo dos tempos, a algumas personalidades que reivindicaram protagonismo em espaços mais longínquos, apenas explorados pelos aventureiros mais audaciosos. Mas não é menos verdade que o mito nunca visou na realidade um soberano em concreto, e por isso, como este não existia na realidade, certamente nunca seria encontrado, independentemente das múltiplas interpretações que foram então efectuadas.
Mesmo assim, a sua história é muitas vezes associada, talvez devido às semelhanças derivadas da narração lendária, aos soberanos da Dinastia Salomónica da Etiópia (ou Abissínia) que reivindicavam na sua génese uma descendência directa/linear a partir de Salomão, considerado biblicamente o terceiro rei de Jerusalém, e da rainha de Sabá. Efectivamente, os etíopes que seguiam o Cristianismo Ortodoxo sofriam ataques constantes por parte de forças muçulmanas provenientes de sultanatos vizinhos, além do Mar Vermelho ser alvo duma intensa e sangrenta disputa. A guerra pela sobrevivência do Império da Etiópia constituía uma realidade crítica, como acabou por testemunhar o diplomata e navegador português Pêro da Covilhã que aí residiu, enquanto conselheiro dos imperadores etíopes, entre os anos de 1494 e 1530. Em abono da verdade, este português tinha sido enviado por D. João II para encontrar a referida personagem lendária da qual tanto se falava naquela época, e assim ele, depois duma longa viagem, acabará por aportar na Etiópia, talvez julgando de que teria encontrado a chave do mito até então reproduzido incessantemente pelos mercadores e exploradores europeus. Mas a verdade é que esta foi só mais uma interpretação, esta de teor português, que visava identificar e revestir de feitos heróicos a personalidade lendária que, na realidade, estava completamente vazia de fundamento.
A lenda do Preste João circulou por bastante tempo no imaginário das populações, estando bem presente, pelo menos, até meados do século XVI. 


Imagens: A primeira gravura retrata o mítico soberano e pertence a um atlas português de Diogo Homem concretizado no século XVI. Por seu turno, a segunda imagem encontra-se inserida num atlas catalão de 1375, o qual também procura representar aquela figura lendária. Esta derradeira gravura foi extraída a partir de: http://www.infopedia.pt/$preste-joao.



Referências Consultadas:

  • AMARANTE, Eduardo - Templários. De Milícia Cristã a Sociedade Secreta. Vol. IV - Do Portugal Atávico ao Segredo do Quinto Império. Portimão: Apeiron Edições, 2014.
  • CLIFF, Nigel - Guerra Santa: As Viagens Épicas de Vasco da Gama e o Ponto de Viragem em Séculos de Confrontos entre Civilizações. Alfragide: Texto Editores Lda, 2011.
  • THOMAZ, Luís Filipe - De Ceuta a Timor. 2º ed. Algés: DIFEL, 1994.
  • http://www.infopedia.pt/$preste-joao, (Artigo do Infopédia, consultado em: 31-12-2014).
  • http://www.aast.ipt.pt/pt/index.php?s=white&pid=271, (Artigo da autoria de Samuel Schwarz, consultado em: 01-01-2015).

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