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sábado, 3 de janeiro de 2015

Ibn Sara - o poeta muçulmano de Santarém

Além do majestoso al-Mutâmid (rei-poeta de Sevilha nascido na Beja muçulmana) sobre o qual já traçamos aqui a sua criatividade cultural, partilhamos agora com os nossos leitores o nome de mais um vulto que revelou ser uma fonte de erudição notável nos tempos do al-Andalus (designação conferida ao conjunto dos domínios muçulmanos da Península Ibérica).
Ibn Sara As-Santarini nasceu em Santarém em data aparentemente incerta (embora algumas teorias proponham o ano de 1043). Devido à intervenção bélica dos almorávidas, abandonou a sua terra natal para se refugiar em Sevilha, mas terá igualmente passado por Córdova, Granada, Múrcia, e finalmente, Almeria. Ao longo da sua vida algo atribulada, tentou alimentar a sua sobrevivência exercendo os ofícios pouco rentáveis de copista e gramático, embora procurando igualmente o potencial reconhecimento por parte de personalidades mais poderosas ou influentes. Demonstrou ainda as suas inequívocas qualidades de prosador e poeta. Os estudiosos modernos afirmam que Ibn Sara foi um homem bastante culto, não hesitando em servir-se da crítica e da sátira como meio de expressão artística.
Foi efectivamente na poesia que alcançou maior protagonismo, sendo que alguns dos seus poemas são ainda bastante actuais, o que confere uma riqueza ímpar à sua obra.
Este intelectual mourisco faleceria provavelmente em Almeria (porém outros alegam que teria chegado a perecer na terra que o viu nascer - Santarém) no ano de 1123, ao que parece com cerca (ou até mais) de 80 anos de idade. 
Para a história da literatura muçulmana ficou essencialmente a sua obra "Poemas do Fogo e outros Casidas" que foi publicada ou editada por Teresa Garulo da Universidade Complutense de Madrid, sendo que ainda há a destacar os estudos efectuados nesta área por António Borges Coelho.



LARANJEIRA
(Poema da autoria de Ibn Sara)

São as laranjas brasas que mostram sobre os ramos
a suas cores vivas
ou rostos que assomam
entre as verdes cortinas dos palanquins?
São os ramos que se balouçam ou formas delicadas
por cujo amor sofro o que sofro?
Vejo a laranjeira que nos mostra os seus frutos:
parecem lágrimas coloridas de vermelho
pelos tormentos do amor.
Estão congeladas mas se fundissem seriam vinho.
Mãos mágicas moldaram a terra para as formar.
São como bolas de cornalina sobre ramos de topázio
e na mão de zéfiro há martelos para as golpear.
Umas vezes beijamos os frutos
outras cheiramos o seu olor
e assim são alternadamente
rostos de donzelas ou pomos de perfume.



Este poema encontra-se inserido na edição monumental "Portugal na Espanha Árabe" (vol. IV, 1975) da autoria de António Borges Coelho. 
O mesmo é igualmente citado por Eduardo Raposo no seu trabalho "Fundamentos Históricos da Poesia Luso-Árabe (No século de Al-Mutâmide) na Nova Música Portuguesa, o Amor e o Vinho ", cuja versão pode ser consultada digitalmente.




Imagem nº 1 - O al-Andalus deixou um legado cultural vasto, em termos de poetas, músicos, filósofos, médicos, historiadores...
Gravura andaluza do século XIII retirada de: http://www.trazegnies.arrakis.es/andalusi.html



Referências Consultadas:



Nota extra - O seu apelido de Santarini está relacionado com o facto de ter nascido em Santarém que, na altura, estava incluído no extenso reino taifa de Badajoz.

2 comentários:

  1. É bom conhecer o lado bom dos muçulmanos muitas vezes desprezado, na realidade são pessoas bastante instruidas e sensiveis...

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