Em Guilhade, lugar da freguesia de Milhazes (Barcelos), nasceria um dos primeiros vultos da literatura portuguesa. Trata-se de João Garcia de Guilhade, um nobre com talento invulgar para o ofício da escrita.
No século XIII, a maior parte esmagadora da população portuguesa era iletrada ou analfabeta, pelo que a cultura evidenciada por esta personalidade inseria-se no círculo restrito das sábias excepções.
João Garcia (ou Joan Garcia) estava incluído no grupo de cavaleiros que terá servido a nevrálgica linhagem dos Sousa. A partir das suas composições poéticas, depreende-se igualmente que teria frequentado, em algum momento, a corte castelhana de Afonso X. Poucos dados mais se apuraram sobre a sua existência, contudo deixou-nos os seus manuscritos, onde nos confidencia as suas paixões, emoções, sentimentos, desavenças, ironias...
As origens da arte trovadoresca galego-portuguesa remetem-nos para a emancipação dos trovadores provençais, responsáveis pelo movimento artístico que irrompeu no sul da França entre os finais do século XI e os inícios do século XII, e que posteriormente se difundiu por outras regiões da Europa. Após serem compostas, as cantigas seriam cantadas nas cortes e casas aristocráticas que procuraram proteger e patrocinar esta nova tendência. O reino de Portugal não foi alheio a estas novas influências culturais. Inclusive, até o próprio rei português D. Dinis iria compor as suas próprias trovas.
Enquanto trovador, João Garcia de Guilhade cultivou os géneros da época: cantigas de amor, de amigo e de escárnio e mal dizer. O seu espírito satírico e mordaz é, por exemplo, merecedor do nosso apontamento. Privilegiou ainda a temática do amor cortês, imbuído da própria originalidade (ou estilo pessoal) do poeta, e valorizou ainda o poder criador da sensualidade. Ao todo, conservaram-se 53 ou 54 textos deste erudito (datados talvez de meados do século XIII), sendo que um dos mais conhecidos é o que listamos de seguida.
João Garcia seria mesmo digno de figurar nas páginas da nossa literatura por vários séculos, embora os seus dados biográficos sejam praticamente nulos.
Cantiga de Escárnio e Mal Dizer
Ai dona fea, fostes-vos queixar
que vos nunca louv'en[o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei todavia;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, se Deus mi perdom,
pois havedes [a]tam gram coraçom
que vos eu loe, em esta razom
vos quero já loar todavia;
e vedes qual será a loaçom:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
em meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já um bom cantar farei
em que vos loarei todavia;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
Imagem nº 1 - Os trovadores medievais portugueses abrilhantaram a literatura nacional nos primórdios da sua existência.
Retirada de: http://www.primeiramao.pt/2012/06/01/feira-medieval-de-moreira-da-maia-entre-hoje-e-domingo/
Referências Consultadas:
- OLIVEIRA, António Resende de - Depois do espectáculo trovadoresco. A estrutura dos cancioneiros peninsulares e as recolhas dos séculos XIII e XIV. Lisboa: Edições Colibri, 1994.
- http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?cdaut=68, (Consultado em: 12/02/2015).
- http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp, (Consultado em: 12/02/2015).
- http://www.escritas.org/pt/biografia/joao-garcia-de-guilhade, (Consultado em: 12/02/2015).
- http://pt.scribd.com/doc/244178081/Cantigas-de-Joan-Garcia-de-Guilhade-Iba-Mendes-pdf#scribd, (Consultado em: 12-02-2015).
- http://www.filologia.org.br/pub_outras/sliit02/sliit02_93-98.html, (Consultado em: 12/02/2015).
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