Um dos momentos mais inacreditáveis da História da Humanidade aconteceu no pontificado do Papa Estêvão VI, cuja eleição foi apoiada pela família poderosa de Spoleto. O seu curto pontificado estendeu-se entre Maio de 896 e Agosto de 897, ou seja, durou pouco mais de um ano. Estêvão não era um homem com vocação e aptidão suficientes para merecer a honra de representar a Cristandade.
Como prova dessa realidade, encontramos imediatamente menção sobre o repugnante Sínodo do Cadáver (também conhecido como Julgamento do Cadáver) que constitui uma das histórias mais absurdas daqueles tempos mais obscuros.
Com o apoio do rei italiano Lamberto II de Spoleto (governa entre 896-898), Estêvão decidiu julgar Formoso (891-896), um dos Papas que lhe tinha antecedido, o problema é que este último já havia falecido há 8 ou 9 meses... Mesmo assim, nada demoveu o novo sumo pontífice de desrespeitar o descanso dum dos seus antecessores, ordenando então que o seu túmulo fosse aberto de forma a extrair o corpo mumificado, sendo o mesmo presente no Sínodo realizado em Fevereiro de 897.
Estêvão, que presidia o julgamento, acusou o desafortunado Formoso (cujo corpo foi colocado no trono) de perjúrio, ambição desmedida e de ter acedido ao Papado de forma ilegal (recorde-se que Formoso chegou a ser excomungado pelo Papa João VIII que liderou a Igreja entre 872 e 882). Como é evidente, o acusado não proferiu nenhuma palavra em sua defesa. Aliás, Estêvão chegou ao ponto de questionar várias vezes o falecido que se encontrava reduzido a um prudente silêncio.
Formoso foi considerado culpado no final da sessão: os seus actos foram declarados nulos, as suas vestes papais foram despidas e três dedos da sua mão direita (os quais utilizava para benzer) foram impiedosamente cortados. Os seus restos mortais foram lançados ao rio Tibre, sendo que alguns destes terão sido encontrados na localidade de Portus, onde havia sido bispo e na qual o povo lhe garantiu um enterramento provisório. Mais tarde, as "sobras" do seu corpo terão sido transferidas dignamente para a Basílica do Vaticano onde já jaziam outros papas. A sua memória foi efectivamente reabilitada pelos papas Romano (exerce o seu ofício entre Agosto e Novembro de 897), Teodoro II (foi Papa por apenas 20 dias entre Novembro e Dezembro de 897) e João IX (lidera a Igreja entre 898-900).
Provavelmente, Formoso foi igualmente vítima do poderio e da influência da Casa de Spoleto que nunca digeriu bem o seu pontificado, aliás este episódio parece ser mesmo resultado duma luta entre facções que reivindicavam maior protagonismo em Roma. O Papa Formoso seguia uma política tendencialmente pró-carolíngia e tinha convidado Arnolfo de Caríntia (Imperador do Sacro-Império Romano Germânico) a tomar a Coroa de Itália. Por seu turno, a família de Spoleto nunca terá perdoado a decisão tomada por este Papa, aproveitando talvez a eleição do inapto Estêvão para descredibilizar Formoso.
Em relação ao Papa Estêvão VI, que nunca se alheou da ingerência dos partidos políticos civis, a verdade é que a vida lhe reservaria, poucos meses depois, um fim ainda mais triste, visto que cairia no descrédito e isolamento totais, sendo detido e depois estrangulado. Parece que a ocorrência dum abalo sísmico que causou sérios estragos na basílica onde se tinha realizado o inqualificável sínodo, foi interpretado pelo povo como um presságio divino contra a ultrajante acção de Estêvão, o que poderá ter contribuído igualmente para o seu rápido declínio nos tempos imediatamente posteriores ao julgamento. Aliás, naquela era excessivamente supersticiosa, qualquer acção boa ou má que se sucedesse era encarada como um indiscutível sinal do agrado ou repúdio de Deus.
Foi sucedido pelo Papa Romano que no seu curtíssimo pontificado começou o trabalho de reabilitação do Papa Formoso cuja memória tinha sido tão mal tratada pelo seu antecessor.
Imagem nº 1 - No decurso do Sínodo, o Papa Estêvão VI lançou várias acusações e impropérios contra Formoso, cujo corpo, em plena decomposição, estava colocado na cadeira.
O Quadro é da autoria de Jean Paul Laurens (1870)
Referências Consultadas:
- PLATINA, Bartolomeo - The lives of the popes from the time of our Saviour Jesus Christ to the accession of Gregory VII. Londres: Griffith Farran, 1900 (originalmente publicado em 1479).
- http://historiarrc.blogspot.pt/2013/11/el-sinodo-horrendo.html, (Artigo da autoria do Dr. Rámon Campillo; consultado em: 17-07-2014).
- http://www.infoescola.com/biografias/papa-estevao-vi/, (Artigo da autoria do Dr. António Júnior, consultado em: 17-07-2014).
- http://jefferson.freetzi.com/Mat-esp-Papa-Formoso.html, (consultado em: 17-07-2014).
- http://ec.aciprensa.com/wiki/Papa_Formoso#.U8g6JfldVRE, (consultado em: 17-07-2014).
Notas Extra:
1- Spoleto também conhecida como Espoleto.
2- Entre os pontificados de Formoso (891-896) e de Estêvão VI (896-897), houve ainda o de Bonifácio VI que, imagine-se, só durou 2 semanas.
Nota para fins interpretativos - Quando nos referimos ao "seu antecessor" (últimas palavras do artigo), estamos obviamente, nesse preciso contexto, a fazer menção ao antecessor do Papa Romano (Estevão VI). Embora o derradeiro parágrafo nos pareça ainda assim entendível para os leitores, decidimos deixar esta nota para evitar interpretações que possam vir a ser confusas.
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