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terça-feira, 25 de novembro de 2014

As origens "primitivas" do Halloween

O Halloween, também designado popularmente nos dias de hoje como o Dia das Bruxas, é uma tradição festiva anualmente festejada no dia 31 de Outubro. Normalmente, são os mais jovens que se aprestam à diversão e entretenimento durante uma longa noite em que o frenesim e a adrenalina estão garantidos naquilo que se traduzirá definitivamente numa procura incessante pelo pavor e cenários sombrios.
Todavia, as raízes deste complexo hábito aparentam ser bastante ancestrais e devem mesmo remontar à remota era dos celtas, civilização milenar que habitara a Grã-Bretanha, o Norte da França (além da Germânia e da zona central europeia) e que viria a alojar-se igualmente na Península Ibérica.
A religião céltica assentava numa base politeísta, e augurava que cada ano oficial terminava em 31 de Outubro, sendo que o posterior iniciava-se em 1 de Novembro (isto correspondendo às concepções actuais do nosso calendário).
Efectivamente, o dia 31 de Outubro não era uma data qualquer na mitologia celta. Naquele dia, os celtas celebravam o Samhain - a épica noite, na qual acreditavam que os espíritos dos seus entes falecidos retornariam fugazmente à dimensão terrestre. Por outras palavras, eles admitiam que era nesta passagem de ano que as cortinas do outro mundo estariam excepcionalmente abertas, permitindo assim a conexão imediata e especial entre vivos e mortos.
O Samhain era pois um marco do calendário pagão e representava então a Festa dos Mortos. Ao contrário do que se possa julgar, a festa não continha tons mórbidos, porque o paganismo não costumava interpretar a morte com tons essencialmente dramáticos, aceitando-a como uma parte do destino da vida humana. Aliás, as comemorações visavam recordar os seus antepassados e homenageá-los, além de convidarem os seus espíritos a comparecer ao evento. Havia igualmente lugar à prática de jogos tradicionais, assegurando assim uma determinada dose de entretenimento. Também não é menos verdade que estaríamos perante um dia importante de reflexão, onde se discutiam inúmeros temas sobre o passado da civilização tribal e as escolhas a tomar nos tempos vindouros.
Os sacerdotes wiccas, autênticos druidas, assumiam notável protagonismo nestas festividades espirituais, julgando inclusive que a presença dos espíritos naquela noite os ajudariam a lançar prognósticos ou vaticínios mais eficazes em relação ao futuro que estava aí à porta. Estes druidas ordenavam ainda que se fizessem fogueiras sagradas (em honra dos mortos e com o intuito de os ajudar na sua viagem ou aventura transcendental), além de se procederem a autênticos banquetes com diversos alimentos, além do visionamento de sacrifícios de animais.
Durante a celebração, os celtas usavam trajes específicos, nomeadamente cabeças de animais e peles.
Naquele derradeiro dia do calendário celta, uma variedade de seres, entre os quais fantasmas/espíritos, fadas e demónios estariam à solta, no entender dos responsáveis espirituais daquele povo.
Esta tradição pagã, embora sofrendo claras alterações com o decorrer dos tempos, não seria extinguida pelas sociedades cristãs, sendo que inspiraria algumas festividades que seriam instauradas posteriormente. Parecem ser os casos dos seguintes marcos especiais:


  • O Halloween - Embora este momento festivo tenha actualmente as suas próprias nuances, não podemos negar o paralelo que encontramos em torno das fantasias supersticiosas, com uma forte componente de espiritismo (espíritos ou fantasmas). É celebrado também na mesma data do Samhain - 31 de Outubro. Apesar desta tradição não ser evidentemente aprovada pela Igreja e pelo teor do Cristianismo, é actualmente encarada como uma tradição inofensiva, e como tal, bastante adoptada por vários cristãos que procuram apenas sobressair-se naquela onda de divertimento.
  • O Dia de Todos os Santos (ou Mártires) - Solenidade religiosa do dia 1 de Novembro, destinado a homenagear todos aqueles que pereceram pela fé cristã, ou que a honraram com a sua santidade. Foi instituída inicialmente no dia 13 de Maio de 609 d. C. pelo Papa Bonifácio IV que dedicou um Panteão em Roma em honra de todos os mártires cristãos. Contudo, o Papa Gregório III (731-741) decidiu incluir igualmente os santos, e alterou a data para 1 de Novembro, curiosamente um dia após o Samhain que igualmente dedicava o seu tributo às deidades da religião céltica. Durante o século IX, o Cristianismo ainda se deparava com uma inegável proeminência dos ritos celtas em algumas regiões (nomeadamente no Norte da Britânia). De acordo com alguns investigadores, julga-se ainda que a celebração do Dia de Todos os Santos era igualmente apelidada de "All-hallows" ou "All-hallowmas", e a noite anterior a esta data, a célebre noite de Samhain, era designada como "All-hallows Eve" e posteriormente, como Halloween.
  • O Dia dos Fiéis Defuntos (ou de todas as Almas) - Evento religioso do dia 2 de Novembro que honra os mortos. Os cristãos visitam os túmulos dos seus entes queridos já falecidos, recordando nostalgicamente as antigas experiências passadas em família e orando pela salvação das suas almas. Em termos históricos, este marco foi instituído pela Igreja por volta do ano 1000, talvez com o intuito de substituir definitivamente o festival céltico da morte em favor dum novo evento cristão promovido e controlado directamente pela Santa Sé. Inicialmente, não havia grandes diferenças deste evento cristão em relação ao Samhain, com grandes fogueiras e paradas, além da reclamada presença de santos, anjos e demónios. Mais uma vez, a data estabelecida é próxima ao marco celta. Em suma, este evento religioso, embora tenha cultivado as suas próprias especificidades inspiradas no modelo cristão, parece conhecer as suas origens primitivas no Festival dedicado aos mortos pela cultura céltica.


É certo que cada um destes eventos reivindica as suas características distintivas, e a sua celebração segue determinados princípios, todavia parece-nos evidente que subsiste alguma relação entre todos estes eventos, e como já puderam constatar, as semelhanças não se baseiam apenas nas datações próximas...
De qualquer das formas, e se o nosso raciocínio não estiver errado (pois aceitamos que esta temática possa ser muito discutível aos olhos de muitos historiadores), não podemos deixar de reconhecer o mérito à Igreja Cristã pois soube tirar proveito duma tradição nativa e moldá-la para representar a sua causa, e não nos podemos esquecer que os celtas constituíam uma civilização com uma cultura avançada para o seu tempo. Na Britânia, o Cristianismo Céltico foi igualmente uma evidência na Alta Idade Média, onde a religião cristã chegou a ser adorada através de práticas exclusivamente típicas da região e diferenciadas na generalidade face aos ritos romanos que vigoravam em grande parte da Cristandade.
Por fim, resta-me salientar que além do seu festival - o Samhain e da sua inseparável mitologia, os celtas marcaram a cultura universal com a sua música e poesia, através da presença de trovadores.





Imagem nº 1 - O Samhain assinalava a passagem do Verão para o penoso Inverno celta, mas mais do que isso, veiculava o ideal mitológico dum reencontro especial entre os vivos e os mortos.
Retirada de: http://www.irish-genealogy-toolkit.com/origin-of-Halloween.html



“IMBOLC” © Hamish Burgess 2011

Imagem nº 2 - A civilização celta evidenciou a sua cultura em vários territórios: Germânia (e zona central europeia), Britânia, Norte da Gália, Península Ibérica...
Retirada de: http://www.mauiceltic.com/celtic-beliefs.htm



Referências Consultadas:

domingo, 16 de novembro de 2014

A Barrinha e as suas pontes

A lagoa possuiu em tempos mais recuados um meio de passagem/ponte que assegurava a ligação entre Esmoriz e Paramos. Hoje, e como testemunhas da sua presença de outrora, restam-nos as ruínas dos seus pegões ou alicerces.
A principal referência que encontramos da sua existência encontra-se na extensa e memorável obra de Júlio Dinis (1839-1871), vulto do Romantismo Português do século XIX, o qual no livro “O Canto do Sereia” efectua menção à presença duma ponte sobre a Barrinha. De acordo com o autor citado, esta pautava-se por quatro arcos que se exibiam então sobre o fundo esverdeado das águas da lagoa. 
Quisemos explorar mais profundamente esta questão, e na obra “Esmoriz e a sua história” (p. 264-270), Aires de Amorim concede-nos dados preciosos a esse respeito. Em primeiro lugar, menciona a existência duma ponte em 1806, sobre a qual pouco ou nada se sabe, e por isso, as origens (romanas, medievais ou modernas? teria sido o primeiro meio de passagem construído sobre a Barrinha?) e o formato desta remetem-nos para as páginas perdidas da História, ou seja, para o desconhecimento total. Apenas sabíamos que servia a estrada de Ovar rumo ao Porto pelo areal. Todavia, e devido ao seu estado degradante e, cada vez mais, inseguro e intransitável, foi necessário proceder à “refação da ponte da Barrinha” (termos utilizados no documento oficial), segundo o que havia sido determinado em 1812. Assim sendo, a situação deve ter-se arrastado até 1854, ano em que finalmente começou a ser construída uma “segunda” ponte sobre a Lagoa, sobre a qual possuímos mais informações. É provável que tenha sido esta que Júlio Dinis teria avistado, pois não só se insere no seu período de vida, como a descrição dos quatro arcos por parte deste autor bate certo com a caracterização de Aires de Amorim em relação a esta última ponte promovida em 1854. O que sabemos é que, desde logo, foi cobrada a portagem sobre as pessoas e mercadorias que atravessavam a ponte, de forma a saldar as despesas da sua (re)construção. Por exemplo, os passageiros a pé chegaram a pagar 5 reis, enquanto que carros de um boi ou besta teriam de despender 20 reis. Como conclui acertadamente Aires de Amorim, a “ponte foi sonho de pouca dura” porque o caminho-de-ferro viria a fazer-lhe concorrência; deixou-se de se preocupar com a sua conservação ou restauro, e entre 1864-1867, já temos mesmo notícias da venda de madeiras velhas e pedras da “moribunda” ponte da Barrinha. Em 1877, já só restavam os pegões, tal como hoje ainda podemos testemunhar.
Pela curta distância compreendida entre os ditos pegões, denotamos claramente que se tratariam de duas pequenas pontes de passagem (tanto a de 1806 como a posterior de 1854 que a substituiu – ambas foram provavelmente construídas em madeira, mas com encontros de pedra), as quais corresponderiam às necessidades de algum tráfego populacional que já se registaria entre Paramos e Esmoriz. Todo este meio de passagem, mesmo de dimensões reduzidas, resolvia uma importante questão de segurança, visto que muitos outrora atravessavam duma margem para a outra, recorrendo a modestas embarcações, a jangadas ou até faziam o trajecto a nado. O risco de afogamento era pois lógico, mas a ponte veio facilitar o intercâmbio e o diálogo seguros entre as comunidades envolvidas.
Sobre as origens deste meio de passagem, existem alguns que tendem a defender a sua existência desde o período romano, hipótese que não descartamos de todo, mas que está muito longe de nos convencer, dado o facto de não termos em mão qualquer avaliação arqueológica nesse sentido. Acreditamos mais depressa que este meio de passagem remontaria à Idade Média (onde até existia um porto na Barrinha no decurso do século XIII) ou à Época Moderna (séculos XV-XVIII). Infelizmente, não dispomos de dados que nos permitam estabelecer uma sequência cronológica segura, pelo que apenas podemos concluir que tal meio de passagem existiu, pelo menos, no século XIX.
Actualmente, está projectada a reconstrução duma nova ponte que devolverá justiça a um passado até então ocultado algures no subconsciente das povoações locais. Além de estabelecer a conexão entre Esmoriz e Paramos, a ponte permitirá aos utilizadores efectuar saudáveis caminhadas, desfrutar dum miradouro contemplando a paisagem natural e as múltiplas aves que sobrevoam o meio envolvente, e ainda combater o cenário de abandono da lagoa, muito frequente após o término da época balnear. Esta tem sido igualmente uma causa defendida pela colectividade esmorizense - o Movimento Cívico Pró-Barrinha, fundado no ano 2000.
Por fim, e em jeito de curiosidade para o leitor, resta-nos salientar a coincidência de existir actualmente uma Ponte românica de Esmoriz (assim designada na toponímia) que se situa na freguesia de Ancede (concelho de Baião, distrito do Porto) que banha o rio Ovil (outra coincidência, já que a Barrinha de Esmoriz no passado também era conhecida primitivamente como Lagoa de Ovil). 





Imagem nº 1 - A Barrinha e o seu meio envolvente integram o actual território das freguesias de Paramos e Esmoriz. É assim conhecida popularmente como Barrinha de Esmoriz ou Lagoa de Paramos.
Foto da autoria de Rubim Almeida (Movimento Cívico Pró-Barrinha)




Imagem nº 2 - Os antigos pegões da ponte do século XIX que encimava a lagoa.
Foto da autoria de Magda Moreira (Movimento Cívico Pró-Barrinha)




Imagem nº 3 - O dique fusível que permite ou barra a ligação natural entre a lagoa e o mar.
Foto da minha autoria




Publicado previamente no Jornal A Voz de Esmoriz. Dir. Lília Marques. Propriedade: Comissão de Melhoramentos de Esmoriz. Edição de 28 de Outubro de 2014, p. 18. 



Referências Consultadas:

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Ricardo Coração de Leão e a Terceira Cruzada


O Contexto


A derrota do rei Guido e do seu principal exército em Hattin no dia 4 de Julho tinha gerado uma inevitável consequência: a queda de várias praças cristãs, entre as quais, Jerusalém que havia caído, mediante rendição, no dia 2 de Outubro de 1187. Ao saber destas novidades, o Papa Urbano III não teria conseguido suportar o desgosto e o choque, acabando mesmo por falecer (sendo discutível se morreu logo no instante em que teve conhecimento da nova realidade dramática, ou se pereceu apenas alguns dias depois). 
Realmente, os avanços claros do sultão aiúbida Saladino (consultar penúltimo artigo) colocavam em causa a permanência dos derradeiros bastiões francos do Levante. Neste novo cenário, os cristãos praticamente só detinham Antioquia, Tripoli, Tiro (aqui destaque para a resistência valorosa de Conrado de Montferrat), as fortalezas imponentes do Krak de Chevaliers, Tortosa e de Margat, e talvez mais um punhado de terras modestas. O rei de Jerusalém Guido estava preso em Damasco, Gerard de Ridefort (Grão-mestre dos templários) também tinha sido detido, Roger des Moulins (Grão-mestre dos hospitalários) havia falecido no martírio de Cresson. Raimundo III, conde de Tripoli, que havia escapado à batalha de Hattin, faleceria pouco tempo depois devido ao seu débil estado de saúde. A situação era pois dramática. Os recursos militares dos francos eram ínfimos e claramente insuficientes para inverter a onda derrotista, pelo que só uma intervenção externa poderia procurar inverter esta conjuntura desvantajosa.
Assim sendo, observaremos três reis que tomarão a Cruz: Frederico Barbarossa (Imperador do Sacro-Império Romano Germânico), Filipe Augusto (Rei de França) e Ricardo Coração de Leão (Rei de Inglaterra; substituiu Henrique II que acabaria por falecer, depois deste ter dado o seu apoio à nova causa). Tratavam-se dos três soberanos mais importantes da Cristandade, totalmente chocada pela queda da Cidade Santa.




Mapa nº 1 - Aos cruzados apenas restava o controlo do principado de Antioquia, do condado de Tripoli e da cidade portuária de Tiro. O resto, exceptuando o independente reino arménio da Cilícia, era já controlado pelas forças fiéis a Saladino, sultão aiúbida.
Retirada de: http://historyofengland.typepad.com/blog/2012/01/47-the-fall-of-jerusalem.html, (o mapa espelha a realidade dos estabelecimentos francos no Levante em 1190).




Ricardo Coração de Leão: um pouco da sua vida inicial, a partida para a cruzada e os vaticínios dum abade místico italiano


Ricardo tinha nascido em 1157, talvez em Oxford. Era filho do rei Henrique II e de Leonor da Aquitânia. A sua educação aparentou ser valiosa, visto que o rei mais tarde redigiria poemas e canções. Todavia, é na vertente militar que exibirá os seus principais feitos, tornando-se num rei guerreiro versado nas armas. Com a morte do seu irmão mais velho, Henrique o Jovem, Ricardo tornou-se o principal herdeiro ao trono inglês. Após ter estado por detrás de algumas rebeliões contra o seu pai, a verdade é que Ricardo acabará por subir ao poder em 1189, após falecimento de Henrique II.
Ricardo estava preocupado com os últimos acontecimentos da Terra Santa, e por isso, não hesitou em aderir à cruzada, algo que já tinha sido evidenciado pelo seu progenitor, cuja morte impediu-o de participar naquele evento bélico.
O Dízimo de Saladino havia sido cobrado em Inglaterra e França de forma a financiar o futuro empreendimento militar rumo ao Levante, e no qual participariam os soberanos destes dois países. O próprio rei Ricardo terá ido mais longe, extraindo dinheiro do tesouro real e vendendo bens e propriedades da coroa, de forma a conseguir juntar uma armada poderosa e bem equipada.
Com o intuito de evitar que uma eventual ausência fosse aproveitada por Ricardo ou Filipe, concordaram ambos em partir praticamente ao mesmo tempo para a cruzada do Outremer, o que asseguraria uma essencial cooperação mas igualmente uma vigilância mútua entre os dois soberanos. Em Julho de 1190, as armadas reais partiram, embora tivessem demorado quase um ano a chegar ao cerco de Acre. A sua primeira paragem ocorre em Messina na Sicília. A situação na ilha era delicada. O rei Guilherme II havia falecido em 1189 sem deixar descendentes, mas antes de morrer terá tentado assegurar os direitos de sucessão da sua tia Constança, a qual estava casada com o novo imperador germânico Henrique VI. Todavia, esta não logrou tutelar o território siciliano. Tancredo, primo do defunto soberano da Sicília, apoderou-se pois da região, contando com um forte apoio populacional. Ele representava claramente a facção anti-imperial. Este novo pretendente chegou ao ponto de aprisionar Joana, viúva do rei Guilherme II da Sicília e irmã de Ricardo - rei de Inglaterra, recusando-se a pagar qualquer herança monetária deixada pelo anterior soberano da ilha. O recém-chegado monarca inglês exigiu prontamente a libertação da sua irmã e obrigou Tancredo a pagar-lhe uma compensação monetária elevada. Apesar de sérias escaramuças entre cruzados e sicilianos nas ruas de Messina, a verdade é que houve um entendimento entre Ricardo e Tancredo (este foi então reconhecido como rei da Sicília) que partilhavam o mesmo rival em comum - Henrique VI, sucessor do falecido Frederico Barbarossa. Todavia, esta aproximação diplomática não parece ter sido do agrado de Filipe Augusto que mantinha uma relação estável com o imperador alemão. Houve pois, desde logo, um mau-estar inicial entre os dois reis.
Foi igualmente na Sicília que Ricardo teve um encontro marcante com o abade místico de Corazzo - Joaquim de Fiore. De acordo com o historiador Carlos de Ayala Martínez, este monge popular transmitiu a Ricardo uma visão que tivera, a qual garantiria, em breve, futuros e decisivos triunfos ao soberano inglês sobre o Islão e o seu representa máximo - Saladino.
Após mais de meio ano de estadia na Sicília, os monarcas de Inglaterra e França haviam de partir em direcção ao Mediterrâneo Oriental. O rei Filipe Augusto é o primeiro a alcançar Acre, mas a viagem não seria entretanto acessível para Ricardo, cuja frota atormentada pelos temporais, teve que aportar e reagrupar-se nas costas do Chipre. Nesta ilha, de influência bizantina e com um forte sentimento anti-latino, o rei inglês não hesitou em proceder à sua conquista. É ainda provável que Ricardo tivesse sido provocado pelo rei cipriota Isaac Comneno, conhecido pela sua tirania, que decidira aprisionar vários dos náufragos sobreviventes que integravam os navios da frota cruzada que se dispersou com a tempestade. Isaac recusava-se a libertar os novos prisioneiros nem estava disposto a devolver o importante tesouro que havia conseguido apreender, subestimando assim Ricardo que não hesitou em derrubá-lo, colocando-o em cativeiro, num curto espaço de tempo. A conquista desta primordial base estratégica para fins cruzadísticos foi efectivamente facilitada pela elevada instabilidade que se vivia no Chipre. Depois de reorganizar a sua frota, o rei inglês partiu finalmente para Acre, onde se viria a juntar, em Junho de 1191, ao já recém-chegado rei francês Filipe Augusto que tinha sido o primeiro soberano ocidental a acudir ao cerco conduzido pelos cristãos que visava então aquela praça.




Imagem nº 1 - O Rei Ricardo Coração de Leão subiu ao trono inglês em 1189, mas a sua principal ambição inicial consistia em recuperar Jerusalém para a Cristandade, e por isso, aderiu à Terceira Cruzada.
Retirada de: http://arrayedingold.blogspot.pt/2011/11/berengaria-of-navarre-english-queen-who.html
(Quadro da autoria de Merry-Joseph Blondel, 1781-1853)




Imagem nº 2 - Joaquim de Fiore (1132-1202) foi um abade cisterciense que enveredou pela filosofia mística, e que terá conversado com Ricardo na Sicília, prevendo que o soberano inglês iria ser bem sucedido nas batalhas que iriam decorrer em breve no Levante.
Gravura do século XV  Codice Chigiano, Biblioteca Apostolica Vaticana, Roma (in Wikipédia)




Mapa nº 2 - As rotas dos três reis cruzados: Frederico Barbarossa (Imperador Germânico), Filipe Augusto (Rei da França) e Ricardo Coração de Leão (Rei de Inglaterra).




O Cerco de Acre (1189-1191)


Após ter sido capturado em Hattin, Guido de Lusignan, o rei deposto de Jerusalém, é libertado em Julho de 1188, cumprindo assim cerca de um ano de cativeiro. Saladino exigiu apenas um juramento daquela personalidade para que não voltasse a pegar em armas contra os muçulmanos. Esta decisão do sultão aiúbida pode justificar-se pelo optimismo resultante dos últimos feitos militares. Possivelmente já não encarava Guido como um elemento verdadeiramente ameaçador aos seus interesses, além de ter adoptado um procedimento idêntico em relação ao grão-mestre da Ordem dos Templários - Gerard de Ridefort, também ele libertado ao fim de pouco tempo. Saladino acabaria pois por subestimar as capacidades destes dois adversários.
Em Agosto de 1189, o rei Guido renega o acordo firmado com Saladino e inicia o cerco de Acre, urbe portuária que havia caído, sem resistência, poucos dias depois da batalha de Hattin (esta ocorrida a 4 de Julho de 1187) nas mãos das forças fiéis a Saladino. Tratava-se duma terra que tinha adquirido nos últimos anos uma condição económica relevante, vivendo das transacções comerciais com o Ocidente. A sua reconquista por parte dos cristãos não se adivinhava fácil face aos obstáculos naturais e às respeitáveis estruturas defensivas daquela cidade. Como afirma Amin Maalouf, "Acre está edificada sobre uma península em forma de apêndice nasal: a sul, o porto; a oeste, o mar; a norte e a leste, duas sólidas muralhas que formam um ângulo recto". A nova guarnição muçulmana que a salvaguarda é indiscutivelmente numerosa e está em condições de resistir por bastante tempo. 
Inicialmente, o contingente liderado por Guido não dispõe ainda dum número impressionante de efectivos para concretizar realisticamente um assalto final aos muros sólidos e bem defendidos de Acre. Mas também não é menos verdade que o agora rei nominal de Jerusalém receberá, nos próximos tempos, vários reforços do Ocidente influenciados pela predicação cruzadística levada entretanto a cabo na Cristandade. 
No dia 4 de Outubro, ocorre uma grande batalha no exterior de Acre. Saladino lidera um exército de libertação estimado em 20 000 homens de forma a romper o cerco cristão e derrotar definitivamente Guido, depois duma primeira incursão fracassada ao acampamento cristão no passado dia 15 de Setembro. O sultão avança agora com três divisões, comandando a do centro, e deixando a ala direita para Taqi ad- Din. Por seu turno, Guido de Lusignan decide igualmente marchar com três divisões, com os templários na secção esquerda. Além disso, o rei nominal de Jerusalém deixa cautelosamente uma força destacada no acampamento cristão, pois teme a ocorrência, em simultâneo, duma sortida que pudesse ser lançada a partir dos portões de Acre. 
Quando as duas armadas finalmente se encontram, os cruzados procuram tirar proveito da sua infantaria e besteiros, complementando com cargas de cavalaria pesada. Dentro deste contexto, os templários levam claramente a melhor sobre o destacamento de Taqi ad-Din, varrendo a mencionada ala direita do exército aiúbida. Os avanços das forças centrais e do flanco direito do exército cristão foram certamente mais lentos, mas a insistência em novas e violentas cargas fez com que a armada muçulmana acusasse uma inevitável desintegração, com muitos dos seus combatentes a procurarem fugir desesperadamente. A vitória até parecia que iria cair para o lado do rei Guido, mas a insensatez das forças cristãs, por pouco, não culminou numa nova derrota humilhante. Efectivamente, a batalha estava nas mãos dos generais cruzados, mas o cenário vantajoso ficaria irremediavelmente comprometido a partir do momento em que os seus efectivos, sedentos de ambição, preocuparam-se apenas em saquear o acampamento inimigo, o que originou toda uma dispersão e desorganização dos contingentes francos que gozavam prematuramente (e por antecipação!) o que aparentava ser uma vitória já assegurada. Ignoravam pois que Saladino estava a reagrupar a sua cavalaria ligeira numa das colinas mais próximas, e que, em simultâneo, 5 mil combatentes muçulmanos acabavam de sair da cidade de Acre para colocar em prática uma sortida que não se dirigiria ao acampamento cristão (o qual estava bem protegido) mas sim em direcção a norte onde estavam os soldados cristãos entretidos com a pilhagem descoordenada. Estes apanhados, de forma desprevenida, sofrem consideráveis baixas, embora a batalha tivesse sido bastante confusa. Ainda nesse mesmo dia, Saladino volta ao ataque, com o destacamento que logrou reunir, infligindo novas mortes na facção cruzada desorganizada. A derrota cristã só não acontece porque o numeroso contingente que guardava o acampamento cruzado avançou em direcção ao adversário, acabando por repelir, embora com inúmeras dificuldades, a ofensiva muçulmana, o que reequilibrou assim o status quo bélico. Segundo os números avançados por Rupert Matthews, os cruzados perderam 6 000 soldados (por morte ou captura), lamentando a detenção e consequente execução de Gerard de Ridefort, grão-mestre dos Templários, além do reputado cavaleiro André de Brienne que pereceu em combate. Por seu turno, Conrado de Montferrat, igualmente presente no empreendimento bélico em Acre, escapara por uma unha negra a um destino semelhante neste dia fatídico de 4 de Outubro.
Esta batalha foi aparentemente inconclusiva (nenhum dos exércitos foi aniquilado, apesar da carnificina), embora o exército de Saladino tenha sofrido um número menor de baixas face às tropas de Guido que chegaram inicialmente a ter a vitória na mão, e que quase deitaram tudo a perder por causa da ganância desmedida e da indisciplina táctica dos seus soldados. O cerco de Acre prosseguiria nos próximos tempos, com ambos os lados a receberem reforços, o que lhes permitiria compensar as baixas entretanto sofridas.




Imagem nº 3 - No dia 4 de Outubro de 1189, trava-se uma batalha violenta no exterior de Acre entre as tropas do rei Guido e as forças de Saladino, ocasionando uma evidente mortandade no campo de batalha.
Retirada de: http://www.traditioninaction.org/History/A_012_FirstCrusade_Urban.htm



As escaramuças continuam num ritmo avassalador, fazendo já parte do modus operandi em redor dos muros de Acre. Além daqueles que tombam em combate, também há os que falecem devido a epidemias (é o que por exemplo, se sucederá algures entre 1190-1191 com Filipe, conde da Flandres, do qual já havíamos falado no artigo dedicado a Balduíno IV, e também com Depolt II, duque da Boémia). 
Além de todo este cenário de guerra, havia ainda lugar para algum convívio entre cavaleiros cristãos e emires muçulmanos que se entregavam aos banquetes e aos jogos, nos dias em que o conflito se encontrava pausado. Chegou mesmo a gerar-se um clima de feira, quando a carnificina não conseguia reinar. 
A morte acidental (por afogamento ou paragem cardíaca?) de Frederico Barbarossa (depois deste ter aplicado anteriormente - no mês de Maio, uma estrondosa derrota ao sultão de Konya) a 10 de Junho de 1190, quando atravessava um dos rios da Anatólia, foi recebida pelos responsáveis muçulmanos como uma notícia aliviadora. Aliás, não era motivo para menos, pois o imperador germânico, um dos mais bem-sucedidos estrategas medievais de sempre, encabeçava um poderoso exército que poderia alcançar as 100 mil unidades (estava igualmente incluída a participação dos temíveis cavaleiros teutónicos). A partir do momento em que Frederico sucumbe inesperadamente num traiçoeiro curso de água, toda a sua armada se desintegra - muitos são os que regressam a casa, e os que se mantêm na campanha repartiram-se por contingentes que acabariam por se dispersar, sem reivindicar notáveis progressos. Apenas um destacamento de 5 mil combatentes, representado por alguns membros da alta nobreza germânica, consegue finalmente juntar-se às tropas cristãs que cercavam então Acre, Podemos facilmente constatar que a ameaça germânica que atormentava Saladino e vários emires deixava agora de fazer qualquer sentido. 
Apesar deste episódio imprevisto, os cruzados não deixam de receber novos reforços do além-mar. O bloqueio marítimo a Acre torna-se cada vez mais apertado com a frota cristã a engrossar o número de navios de guerra que acossavam o porto daquela cidade. Mesmo assim, registam-se casos isolados de embarcações egípcias que, através de ardis bem orquestrados, conseguiram furar este penoso cerco, aportando em Acre e abastecendo assim os sitiados com géneros alimentares. Todavia, estes estratagemas não iriam perdurar por muito mais tempo, porque era cada vez mais difícil ludibriar o bloqueio marítimo interposto pelas frotas ocidentais, o que acabou evidentemente por condicionar bastante a resistência daquela praça.
Entretanto, Saladino também recebe o auxílio militar de novos contingentes oriundos do Egipto, Síria, Mesopotâmia e Norte de África, mas mesmo assim ainda são insuficientes para desalojar as forças até então comandas por Guido de Lusignan e Conrado de Montferrat. 




Imagem nº 4 - O imperador germânico Frederico Barbarossa falecerá em 10 de Junho de 1190, quando atravessava o rio Saleph, à frente duma grandiosa armada.



Como referimos anteriormente, além das inúmeras vidas ceifadas pelos combates, as epidemias também desempenharam um papel determinante no recrudescimento da mortandade. O rápido contágio de doenças fatais foi uma realidade durante o cerco, e deveu-se, em muito, à ausência de higiene e da consequente contaminação das águas e alimentos. 
Dentro deste contexto atribulado, os cruzados lamentam os falecimentos por diversos motivos de Teobaldo V (conde de Blois), Estevão I (conde de Sancerre), Henrique I (conde de Bar), Balduíno de Exeter (arcebispo de Canterbury),  Heraclius (patriarca latino de Jerusalém) e de Sibila (rainha então nominal de Jerusalém; a morte desta privaria definitivamente os argumentos de Guido, rei consorte, ao trono cristão da Terra Santa). Também é certo que alguns generais muçulmanos terão perecido em combate ou por doença durante as derradeiras incidências.
O deficiente abastecimento alimentar já não era só visível no interior da praça cercada (onde a fome grassava no seio da população sitiada) como até já conferia uma difícil realidade dos próprios acampamentos militares sitos no exterior. Saladino procurava sempre que possível aliviar a já penosa condição da guarnição de Acre, com renovados ataques às posições cristãs, tentando entretê-las e desgastá-las ao máximo, mas não lograria qualquer feito bélico decisivo, apesar do descontentamento e das intrigas que já começavam a observar-se no acampamento cruzado.
As chegadas dos reis Filipe Augusto (rei de França) e Ricardo Coração de Leão (rei de Inglaterra) respectivamente em Abril e Junho de 1191, permitiu aos sitiantes contarem com armadas mais motivadas e frescas, além de modernos engenhos de assédio como grandes catapultas ou trabucos que começaram a abrir brechas nas muralhas. Seria ainda construída uma torre móvel de madeira para forçar a entrada no alto das estruturas defensivas de Acre.
Por seu turno, a guarnição da cidade recorre a uma arma de inspiração binzantina - o fogo grego que ameaçava inflamar as máquinas de cerco. Além disso, os efectivos resistentes lançam um ultimato (sob pena de capitulação) a Saladino para que este intensificasse a pressão sobre a retaguarda do exército cristão, de forma a romper finalmente com o bloqueio terrestre. É certo que o sultão aiúbida, em jeito de desespero, pede aos seus arautos para gritarem por todo o acampamento muçulmano para que seja lançado um ataque maciço contra as posições dos cruzados, contudo os emires não o seguem, considerando que seria um suicídio enfrentar as forças ocidentais numerosas e devidamente entrincheiradas. Não havia muito a fazer para inverter o novo rumo dos acontecimentos.
No dia 11 de Julho, dá-se um assalto furioso por parte dos cruzados que, embora tenha sido repelido, evidenciava que a cidade poderia cair a qualquer instante. Os defensores da urbe encontravam-se numa realidade insustentável, estavam esgotados e já não aguentavam mais o esforço físico exigido nesta sua resistência heróica.
No dia seguinte, 12 de Julho, a guarnição da cidade rendeu-se finalmente, reivindicando em troca que as suas vidas fossem poupadas. Em termos práticos, o acordo não foi respeitado, visto que, um mês depois da tomada da cidade, a guarnição muçulmana de Acre foi posteriormente executada bem como alguns familiares destes bravos ex-defensores (terão sido mortas cerca de 2 700 pessoas). Esta última ocorrência deveu-se em muito a um desentendimento na troca de prisioneiros com Saladino (este terá presumivelmente respondido da mesma maneira a Ricardo, ordenando a execução dos prisioneiros cristãos que supostamente iriam ser cambiados). Um episódio absolutamente dispensável.
Apesar da vitória, os desentendimentos também foram visíveis entre os líderes cruzados. Assim sendo, os estandartes hasteados no alto das muralhas ocasionariam uma intriga insanável. Ricardo Coração de Leão terá ordenado imediatamente a retirada do estandarte ducal austríaco e/ou germânico (este instrumento representativo teria sido seguido pelo contingente alemão que havia conseguido alcançar Acre), o qual foi desconsideradamente atirado para fora dos muros, causando uma tremenda indignação no valoroso cavaleiro Leopoldo V, duque da Áustria que, após de ter desempenhado uma perfomance notável durante o cerco de Acre, retornou desgostoso à sua pátria. Apenas as bandeiras do reino de Jerusalém, Inglaterra e França foram permitidas no topo da praça recém-conquistada.
Por seu turno, Leopoldo não foi o único a abandonar a campanha, pois também Filipe Augusto decidiria regressar a França, invocando assuntos internos, nomeadamente os problemas de sucessão na Flandres (o conde Filipe havia perecido nesta cruzada e não deixara descendentes no seu casamento com Teresa de Portugal). O rei francês defendia ainda que já tinha cumprido o seu voto de peregrinação com a recuperação de Acre para a Cristandade, e estava ainda consciente de que não poderia rivalizar com o crescente protagonismo do rei inglês Ricardo Coração de Leão. Apesar do seu inevitável retorno, Filipe Augusto não deixou de autorizar a manutenção duma considerável parte das suas tropas na Terra Santa que seriam, a partir de então, comandadas pelo Duque Hugo da Borgonha.
Por outro lado, havia igualmente um problema institucional em torno da disputada coroa nominal de Jerusalém com Conrado de Montferrat e Guido de Lusignan a projectar a sua rivalidade naquele contexto, angariando ambos apoios externos para a sua causa. O enérgico marquês que havia sido o herói da defesa de Tiro parecia partir à frente nesta argumentação política, canalizando uma maior popularidade confiada por parte dos barões nativos. Esta questão ainda iria arrastar-se nos próximos tempos.
Em jeito de conclusão deste tópico, a conquista de Acre só foi possível após (quase) dois anos bastante severos espelhados num contínuo e persistente assédio que implicou várias baixas de ambos os lados. A cidade alcançaria agora um protagonismo evidente, tornando-se, nos próximos tempos, na nova capital do fragmentado reino cristão de Jerusalém.




Local: Acre
Data: Agosto 1189 - 12 de Julho 1191
Forças Beligerantes

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Cruzados europeus
Reino Cristão de Jerusalém
Ordens militares
  

Império Aiúbida
Comandantes/Generais
Rei Guido de Jerusalém
Rainha Sibila de Jerusalém
Conrado de Montferrat
Rei Ricardo Coração de Leão (Inglaterra)
Rei Filipe Augusto (França)
Leopoldo V da Áustria
Frederico VI da Suábia
Filipe da Flandres
Gerard de Ridefort

Saladino
Al-Adil
Taqi ad-Din
Muzaffar Gobkbori
Emir Hassan Ibn Barik
Aibek al-Akhresh (mameluco)
Shirkuh ibn Bakhel (curdo)
Número de Combatentes
25 000
Entre 15 000 - 20 000
(soldados da guarnição muçulmana de Acre e exército de libertação de Saladino)
Baixas Estimadas
6 000 soldados mortos ou capturados na batalha de 4 de Outubro de 1189.
Números desconhecidos de baixas para os anos de 1190 e 1191.

2 500 – 2700 elementos da guarnição executada após a conquista da praça
2 500 soldados tombados na batalha de 4 de Outubro de 1189
Números desconhecidos de baixas para os anos de 1190 e 1191.

Resultado:  Após quase 2 anos de cerco, Acre cai nas mãos dos cruzados por rendição da desgastada guarnição muçulmana. A batalha foi marcada por uma mortandade que espelhou o impacto dos violentos confrontos e das epidemias letais que rapidamente proliferaram. As estatísticas numerais indicadas em cima devem ser consideradas como mínimas, visto que ambos os exércitos receberam vários reforços ao longo da disputa por aquela praça.


Tabela nº 1 - As estimativas em torno do prolongado Cerco de Acre.




Imagem nº 5 - A entrada triunfante dos reis Ricardo Coração de Leão (Inglaterra) e Filipe Augusto (rei de França) em São João de Acre (Julho, 1191).
Quadro da autoria de Merry-Joseph Blondel 





Imagem nº 6 - O duque Leopoldo V da Áustria foi um dos principais líderes da sobrevivente armada germânica que haveria de perder no decurso do seu longo trajecto Frederico Barbarossa (imperador germânico) e, posteriormente, seu filho Frederico VI (duque da Suábia). O nobre austríaco protagonizou um desentendimento inolvidável com Ricardo Coração de Leão que não autorizou a colocação do seu estandarte no alto das muralhas de Acre, e assim sendo, regressou então ao seu ducado, mas em breve se vingaria do procedimento do rei inglês.
Leopoldo enquanto combatente de alto gabarito, é ainda alvo duma lenda (aparentemente infundada) que consiste no rumor de que a actual bandeira austríaca nasceu da sua incansável actuação no cerco de Acre. Segundo a qual, a sua túnica estava encharcada de sangue (devido às escaramuças acérrimas com as forças muçulmanas) e quando tirou o cinto, apareceu no meio uma faixa branca.
Nesta imagem, vemos no centro o imperador germânico Henrique VI a reconhecer e a entregar a nova bandeira austríaca ao seu vassalo Leopoldo (semi-ajoelhado à esquerda)
Gravura do século XV (Hans Part)




Triunfo Avassalador em Arsuf


No dia 24 de Agosto de 1191, Ricardo Coração de Leão, líder incontestável a partir de agora da Terceira Cruzada, parte com 20 mil homens em direcção a sul, avançando pela costa, em direcção a Jaffa, praça que pretendia conquistar de forma a utilizá-la como base para um final ataque a Jerusalém. A recuperação da Cidade Santa, perdida em 1187 para Saladino, era o principal objectivo dos cruzados, mas era necessário conquistar outras terras, de forma a consolidar o avanço cristão.
A armada cristã avança lentamente e tem de suportar um calor extremo. Todavia, a sua marcha pela costa era acompanhada por navios de abastecimento que ladeavam as margens e se encontravam preparados para qualquer situação imprevista.
Saladino demonstrava preocupação face aos últimos acontecimentos, e estava totalmente a par da nova ameaça. Por isso, parte ao encontro das forças cruzadas, de forma a debelá-las. O sultão aiúbida e a sua armada começam por assediar os cruzados num terreno mais elevado e localizado numa área mais interior. Os muçulmanos lançam uma série de ataques sobre o flanco esquerdo e a retaguarda do exército cristão, tentando fomentar a desintegração deste.
O rei Ricardo comandava uma armada, estruturada em cinco divisões, com os templários a constituírem a força de vanguarda, enquanto os hospitalários eram responsáveis pela protecção da retaguarda. Os cavaleiros eram ainda auxiliados pela infantaria, destacando-se aqui a presença de besteiros. Ao ter conhecimento das provocações do exército de Saladino, o soberano inglês ordena aos seus homens para manter rigorosamente a sua formação e evitar qualquer contra-ataque contra os atiradores aiúbidas.
No dia 7 de Setembro, Saladino abandonou a táctica guerrilheira e promoveu um ataque muito violento contra a retaguarda dos cruzados, procurando atraí-los a um enfrentamento em campo aberto. Os hospitalários reagiram, sem ordem expressa de Ricardo, encetando uma carga sobre o inimigo. O rei inglês, ao temer a desintegração total da sua armada, optou então por promover uma carga geral que deveria ser concretizada por todos os cavaleiros presentes, excepto os templários que deveriam manter a sua posição. Os aiúbidas não esperavam uma reacção tão intempestiva e brutal do exército cristão. Muitos cavaleiros muçulmanos foram apanhados desprevenidos, alguns deles estavam mesmo desmontados, e por isso, constituíram alvos fáceis para os cruzados. Muitos batedores muçulmanos que até então acossavam as forças de Ricardo foram igualmente varridos pela cavalaria pesada cristã. O próprio rei Ricardo envolveu-se no ardor da batalha, desferindo vários golpes nos adversários que impiedosamente perseguia.
O exército aiúbida foi obrigado a retirar-se depois de várias baixas sofridas. Estima-se que tenham tombado em combate 7 mil combatentes muçulmanos, além de 7 emires (e não 32 como as crónicas medievais cristãs reivindicam em jeito de excesso) que acompanhavam Saladino. No lado cristão, registaram-se 700 baixas mortais. O resultado não deixou pois margens para dúvidas. Ricardo tinha agora caminho aberto, sem ser molestado, até Jaffa. Graças a esta vitória decisiva, o soberano inglês percorre livremente a costa e conquista novas localidades, devolvendo-as ao até então "esquelético" reino cristão de Jerusalém.
Efectivamente Saladino abandona Ascalona, Gaza, Blanche-Garde, Ramleh e Lydda que cairão assim nas mãos dos cruzados. Ricardo conquista ainda a fortaleza de Darum. Faltava pois encetar o ataque final a Jerusalém, e Saladino, apesar de dispor ainda de recursos militares, já não goza do mesmo prestígio que o acompanhara no seu ano áureo de 1187. Os últimos desaires (Tiro, Acre e Arsuf) haviam inclusive desmotivado as forças aiúbidas que já começavam a temer o pior, pois a dinâmica vencedora já não existia sequer. O ascendente estava do lado cristão, e os membros integrantes da expedição acreditavam que Jerusalém poderia ser brevemente recuperada pelos cristãos, moralizados pelas últimas façanhas.



Local: Arsuf
Data: 7 de Setembro de 1191
Forças Beligerantes

 Resultado de imagem para crusader cross
Cruzados europeus
Reino Cristão de Jerusalém
Ordens militares


Império Aiúbida
Comandantes/Generais
Rei Ricardo Coração de Leão (Inglaterra)
Hugo III da Borgonha
Garnier de Nablus
(Grão-Mestre da Ordem do Hospital)
Robert de Sablé
(Grão-Mestre da Ordem do Templo)
Saladino
Al-Adil
Taqi ad-Din
Al-Afdal ibn Salah ad-Din
Musek, Emir dos Curdos
Número de Combatentes
20 000
Entre 25 000 - 45 000
Baixas Estimadas
700
7 000
(7 emires mortos em combate)
Resultado:  A batalha de Arsuf atestou a superioridade técnica militar dos cavaleiros cruzados que infligiram pesadas baixas no exército muçulmano, quantitativamente numeroso devido à presença de vários emires. Com esta vitória, os cruzados tinham caminho aberto até Jaffa, conquistando assim novas terras.

Tabela nº 2 - Os números da Batalha de Arsuf.





Imagem nº 7 - A marcha triunfante do Rei Ricardo Coração de Leão desde Acre até Jaffa. 




Imagem nº 8 - A carga final dos cruzados em Arsuf dizima os lanceiros, arqueiros, batedores e cavaleiros desmontados aiúbidas que são apanhados de surpresa.




A frustração diante dos muros de Jerusalém


Este será provavelmente o capítulo mais enigmático e menos claro da Terceira Cruzada.
Quando Ricardo chegou vitorioso a Jaffa, deu ordens expressas para que o porto desta terra fosse reabilitado, bem como as suas defesas, julgando que esta cidade seria um estratégico ponto de apoio para uma empresa rumo a Jerusalém. Além disso, incumbiu ainda a reconstrução de Ascalona (abandonada e demolida por Saladino). Efectivamente, o rei inglês acaba por conceder uma pausa ao seu exército, e surpreendentemente, começa a entabular negociações com Saladino, chegando mesmo a propor a sua irmã Joana, antiga rainha da Sicília, em casamento a al-Adil, irmão do sultão aiúbida e intermediário no processo diplomático. Apesar deste gesto contrariar o fervor religioso existente na armada, Hans Eberhard Mayer salienta o pragmatismo do rei inglês que envidava esforços políticos no sentido de assegurar uma paz duradoura e minimamente benéfica para os cristãos do Levante. Mesmo assim, as negociações não chegariam ainda a bom porto, pelo que conflito continuaria.
Por duas vezes, veremos nos próximos tempos Ricardo a marchar em direcção ao interior, tentando alcançar Jerusalém, mas em ambas as situações não concretiza curiosamente qualquer assédio, mesmo sabendo que as muralhas da Cidade Santa se encontravam bastante danificadas pelo cerco muçulmano de 1187. Nem sequer é consensual entre os historiadores se aquele rei cristão teria chegado a deparar-se com os muros da Cidade Santa (ou se apenas se ficou pelas localidades próximas como Beit Nuba), antes de formular a decisão final de abandonar a operação bélica.
Não é seguramente uma tarefa fácil encontrar argumentos para justificar esta posição desistente do soberano inglês. Mesmo assim, tentamos elencar alguns condicionalismos que podem ter contribuído para este desfecho:

  • A estratégia de guerrilha constante por parte dos muçulmanos degastava os cruzados nas suas marchas penosas.
  • As condições climatéricas não favoreceram, nos timings mais oportunos, uma empresa militar de grande envergadura destinada a tomar a Cidade Santa.
  • As divisões internas entre os próprios líderes cruzados eram claras. Continuava o pleito entre o ainda rei Guido de Lusignan e o pretendente Conrado de Montferrat que disputavam o trono nominal de Jerusalém: o primeiro era apoiado por Ricardo Coração de Leão e pelos pisanos, enquanto que o segundo merecera o apoio de Filipe Augusto e dos genoveses.
  • Profundo receio sobre a possível chegada iminente dum poderoso exército árabe de libertação que poderia frustrar as intenções dos cruzados em conquistar e segurar a Cidade Santa, colocando talvez em causa todos os avanços anteriores concretizados pelos cristãos. A pausa do exército cruzado em Jaffa terá permitido a Saladino reagrupar e juntar novas forças de maneira a assegurar uma feroz resistência.

Além disso, o rei Ricardo tem igualmente conhecimento de rumores oriundos do Ocidente que mencionavam que o seu irmão e rival João Sem Terra estaria a tentar tirar proveito do vazio de poder em Inglaterra, e que contava com o apoio discreto do já regressado da cruzada - o rei de França Filipe Augusto. Também no Chipre, ilha que havia sido conquistada por Ricardo Coração de Leão durante a sua viagem até à Terra Santa, começam a suceder-se revoltas contra os novos funcionários ingleses. É evidente que o líder da cruzada sentia-se pressionado a regressar o mais depressa possível ao seu reino, mas não o fará sem antes resolver dossiers de extrema importância no Outremer.
Ricardo decide vender aos templários a ilha do Chipre, e poucos meses depois (devido a uma gestão arbitrária e igualmente deficitária da Ordem do Templo naquele espaço), também cederá o poder cipriota ao seu aliado Guido de Lusignan que iniciará assim uma nova dinastia naquele reino.
Contra a sua vontade, o rei inglês teve de reconhecer oficialmente Conrado de Montferrat como novo rei virtual de Jerusalém, visto que a popularidade deste entre os barões cristãos era agora inversamente proporcional ao descrédito do inoperante Guido de Lusignan.
Apesar destas resoluções de notória importância, o agora oficializado rei de Jerusalém (embora já reivindicasse tal estatuto desde 1190), Conrado de Montferrat, é assassinado poucos dias depois da sua coroação formal às mãos de dois membros da Ordem dos Assassinos que se lançaram impiedosamente sobre ele em Tiro. Este fatídico episódio decorreu no dia 28 de Abril de 1192, e originou uma interminável polémica sobre quem teria sido o principal mentor de tal acontecimento nefasto. Além da possibilidade de se ter tratado duma vingança daquela ordem temível que não teria perdoado a Conrado o facto dele ter capturado um navio da seita carregado de valiosas mercadorias, perduram igualmente teorias dum eventual envolvimento camuflado de Ricardo Coração de Leão (a relação com o marquês estava longe de ser a melhor) ou de Henrique de Champagne que sucederia ao trono através do casamento com a rainha Isabel (filha do rei Amalrico de Jerusalém, esposa do assassinado rei Conrado e assim sendo, única herdeira legítima). O que é certo é que o mistério em torno desta conspiração seria bastante discutido nos próximos tempos, mas nunca resolvido.





Imagem nº 9 - O rei Ricardo hesitaria numa potencial conquista de Jerusalém, abdicando do alvo mais ambicioso da sua campanha.




A bravura de Ricardo em Jaffa


As conversações prosseguiam com Saladino, mas ainda não haviam chegado a bom porto. Ao saber da desistência de Ricardo diante de Jerusalém, o sultão aiúbida lança um contra-ataque nos finais de Julho de 1192 contra Jaffa, recupera mesmo a cidade (menos a cidadela fortificada) e demonstra assim total disposição em inverter o rumo dos acontecimentos.
Nesta altura, o rei inglês estava em Acre e já planeava um retorno ao seu país, mas quando teve conhecimento da gravidade da situação em Jaffa, decidiu intervir urgentemente.
De forma surpreendente, o rei parte com um pequena armada por via marítima e aportará em Jaffa com uma força de 80 cavaleiros e 400 besteiros que forçou os combatentes muçulmanos a recuarem e a abandonarem as ruas da cidade, reposicionando-se agora estes no exterior.
Poucos dias depois, Saladino decidiu atacar, de madrugada, o acampamento que o soberano inglês havia montado fora da cidade.
Ricardo colocou a infantaria na linha da frente (aqui estavam incluídos 63 cavaleiros sem cavalos), e os besteiros seguiam logo atrás com ordens para alvejar os cavaleiros aiúbidas. Na retaguarda, o soberano inglês estava acompanhado por 17 cavaleiros de reputada qualidade, e totalmente preparados para qualquer investida sobre o adversário.
As cargas muçulmanas sobre as posições cristãs acabaram todas elas repelidas com consideráveis baixas. Agora era a vez do rei Ricardo partir para o contra-ataque, fazendo retroceder ainda mais as tropas maometanas.
O sultão Saladino bem como o seu irmão al-Adil (também conhecido por Saphadin) ficaram bastante admirados com a bravura e tenacidade do soberano inglês, e inclusive, enviaram-lhe, num gesto cavaleiresco e deveras singular, um cavalo fresco, quando souberam que o seu havia sido ferido.
A meio da tarde, Saladino preparou um derradeiro ardil para tomar a cidade de assalto - montou uma coluna disfarçada de cavalaria, fazendo veicular a falsa sensação de que esta seria integrada por reforços cristãos que desejavam auxiliar o rei inglês, quando na realidade era composta por soldados turcos e egípcios que teatralizariam ficticiamente uma entrada pacífica. Ricardo apercebeu-se à última da hora do estratagema e regressou a tempo com os seus cavaleiros ao interior da cidade, mandando encerrar os portões de Jaffa e garantindo então a máxima atenção da guarnição cristã.
As escaramuças ainda prosseguiriam até ao anoitecer, quando Saladino optou por retirar-se de Jaffa e abrir negociações de paz.
Ricardo havia recuperado novamente Jaffa, sem antes evidenciar novamente os seus dotes de excelente estratega e a sua intrepidez guerreira. Havia enfrentado nos olhos e com sucesso um exército muçulmano numericamente superior, e o seu prestígio, até aos olhos de Saladino, cresceria exponencialmente nesta batalha. Aliás, o respeito entre ambos havia avolumado bastante. Sem dúvida, dois soberanos enérgicos e determinados que tiveram o seu próprio momento de glória na história.



Local: Jaffa
Data: Finais de Julho até 5 a 8 de Agosto de 1192
Forças Beligerantes

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Cruzados europeus
Reino Cristão de Jerusalém
Ordens militares

 

Império Aiúbida
Comandantes/Generais
Rei Ricardo Coração de Leão (Inglaterra)
Saladino
Número de Combatentes
80 cavaleiros
400 besteiros
2 000 infantes
7 000
Baixas Estimadas
2 cavaleiros mortos e um número reduzido de baixas entre a infantaria
700

Resultado:  Controlando uma armada numericamente inferior, mas bem organizada e coesa, Ricardo Coração de Leão soube manter a disciplina táctica dos seus soldados. As forças de Saladino caíram várias vezes numa dispersão radical, o que facilitou a missão do rei Inglês que conseguiu recuperar e manter Jaffa em mãos cristãs.

Tabela nº 3 - As estatísticas da vitória cristã em Jaffa, anulando o contra-ataque muçulmano.




Imagem nº 10 - O desembarque bem-sucedido dos cruzados em Jaffa, de forma a libertar a cidade das mãos de Saladino. Mais uma vez, o rei Ricardo exibiu-se com valentia e destemor na batalha pelo controlo da praça.




Imagem nº 11 - O rei Ricardo Coração de Leão viu o seu prestígio aumentar após a batalha de Jaffa, contornando com mestria a sua inferioridade numérica diante dum exército superior comandado por Saladino, sultão aiúbida.




Tratado de Paz e suas Consequências


Visivelmente agastados por uma guerra que corria o risco de não ter fim à vista, Ricardo e Saladino chegaram finalmente a um acordo sólido que seria respeitado nos próximos anos. O Tratado de Jaffa (rubricado em inícios de Setembro de 1192) colocaria fim ao conflito e estabelecia os dois seguintes propósitos firmados:


  • Jerusalém continuaria nas mãos dos muçulmanos, mais concretamente, no controlo do sultão aiúbida. Apesar desta realidade, as peregrinações cristãs rumo ao Santo Sepulcro seriam toleradas. A liberdade de culto seria pois respeitada na Cidade Santa
  • A zona costeira desde Tiro até Jaffa seria reconhecida com pertença do fragmentado e diminuído reino cristão de Jerusalém. Já em relação a Ascalona, esta seria devolvida a Saladino. 


A 9 de Outubro de 1192, Ricardo deixava Acre e realizava sua viagem atribulada de retorno, visto que perto de Viena foi mesmo capturado pelo já mencionado Leopoldo V da Áustria que não lhe perdoara o anterior desentendimento ocasionado pela questão das bandeiras hasteadas nos muros de Acre e que o acusava agora do assassinato de Conrado de Montferrat, o qual era supostamente primo do duque austríaco. Todavia, tanto o duque austríaco como o imperador germânico Henrique VI, que mantinham Ricardo em cativeiro, foram ameaçados pelo Papa Celestino III que recordava que tais procedimentos violavam a imunidade concedida pela Santa Sé a todos os cruzados que partissem para a aventura bélica da Terra Santa. Após o pagamento dum elevado resgate, Ricardo foi libertado e assim conseguiu regressar ao seu reino. Em 1199, morreria ao ser atingido por uma flecha fatal enquanto cercava o castelo francês de Châlus. Seria sucedido pelo seu irmão e governante desastroso João Sem Terra.
Por seu turno, Saladino, o herói do Islão e conhecido pela sua postura de respeito perante os seus adversários, faleceria em 1193 em Damasco. O seu prestígio, apesar de se encontrar um pouco apagado sobretudo nos últimos 2 ou 3 anos, era ainda enorme. O modelo de soberano que havia imprimido inspirou muitos do seu tempo que o tentaram imitar de certa forma. O mundo muçulmano ainda hoje recorda o seu legado.
De facto, testemunhamos o confronto entre dois grandes soberanos - Ricardo e Saladino que tiveram a oportunidade de se encontrar no palco bélico mais grandioso e reservado para as estrelas militares do Medievo. Apesar de nunca se terem encontrado, acabou por subsistir, à distância, uma notável cortesia mútua, e até chegou a verificar-se trocas de presentes entre ambos.





Mapa nº 3 - A realidade dos Estados Cruzados em 1200, alguns anos após a Terceira Cruzada. Comparando com o primeiro mapa relativo a 1190, denotamos a recuperação de praças importantes que haviam caído no decurso da investida triunfante de Saladino em 1187. O reino de Jerusalém (ou de São João de Acre) voltou a contar com uma faixa minimamente digna (embora sem conseguir reaver a Cidade Santa) e o reino do Chipre passou a constituir igualmente uma espécie de estado cruzado.
Retirado de:  http://www.explorethemed.com/Crusades.asp?c=1, (também presente no Wikipédia)




Análise dos resultados da Terceira Cruzada (1189-1192)


A Terceira Cruzada tinha como objectivo primordial a recuperação de Jerusalém que havia caído nas mãos de Saladino em 2 de Outubro de 1187. Podemos rapidamente aferir que este objectivo não foi sequer tentado pelos cruzados, pois não houve qualquer assédio tendo em vista a reconquista da Cidade Santa. Alguns historiadores criticaram, ao longo dos tempos, a postura do rei inglês em não ter tirado proveito da desmoralização aiúbida depois da vitória estrondosa de Arsuf. Todavia, ainda hoje é discutível se o soberano tomou ou não a melhor decisão. À primeira vista, parece-nos evidente que o líder por excelência da Terceira Cruzada poderia ter conseguido tomar Jerusalém, dados os cruciais avanços que havia materializado. Contudo, não é menos verdade que se tal acontecesse, Saladino acabaria por reagir e provavelmente voltaria com um poderoso exército, pelo que os cruzados poderiam não segurar a cidade, caso a tivessem conquistado previamente. Uma derrota poderia deitar tudo a perder e todas as praças até então reconquistadas pelos francos poderiam cair novamente nas mãos do sultão. Ricardo optou por ser pragmático e cauteloso, mesmo contra a sua própria vontade, visto que recusar-se-ia a visitar o Santo Sepulcro em Jerusalém mesmo depois da paz firmada: o soberano só aceitava entrar na Cidade Santa enquanto conquistador (e não apenas como peregrino!), como havia jurado. Assim sendo, a meta principal desta campanha de grande envergadura não havia sido alcançada, e neste ponto, Saladino levou indiscutivelmente a melhor, pois conseguiu segurar nas suas mãos a terceira cidade sagrada para o Islão.
Mesmo assim, consideramos invariavelmente desadequado adjectivar esta campanha como uma multi-expedição fracassada. Efectivamente, os cruzados conseguiram vencer as três batalhas decisivas que tiveram de travar no Levante: São João de Acre (agora a capital efectiva do rejuvenescido reino de Jerusalém), Arsuf e Jaffa (estes dois últimos triunfos permitiram ao reino de Jerusalém controlar uma zona costeira relativamente aceitável). Não há dúvidas de que a Terceira Cruzada refreou o ímpeto vencedor de Saladino e dos aiúbidas (causando mesmo razias no seu exército até então praticamente imbatível), e garantiu a sobrevivência do estados cristãos da Palestina por mais cem anos. Além disso, há a acrescentar ainda as vitórias extra-Levante registadas em Silves e Alvor (onde frotas de cruzados oriundas do Norte da Europa auxiliaram o rei D. Sancho I na sua "cruzada algarvia" em 1189 no âmbito da Reconquista Portuguesa; todavia o domínio cristão de Silves acabaria por ser bastante efémero) e no Chipre (Ricardo Coração de Leão transformou, a partir de 1191, esta ilha estratégica mediterrânica numa importante base de domínio latino).
Em suma, a Terceira Cruzada conheceu os seus pontos altos e baixos, o que impede, a partir do nosso prisma de observação, definir este complexo evento com avaliações de sucesso maximizado ou de fracasso retumbante.




Imagem nº 12 - As rotas seguidas por peregrinos e caravaneiros seriam agora respeitadas e protegidas no Próximo Oriente. Os próximos anos serão marcados por uma paz minimamente estável que se traduzirá nalguma prosperidade comercial que beneficiará mercadores muçulmanos e cristãos.
Pintura da autoria de David Roberts (1796 - 1864) in Wikipédia




Referências Consultadas: