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domingo, 12 de março de 2017

Ilha da Páscoa e a sua História esculpida pelo Mistério


Contexto Geográfico, Administrativo e Climático

A Ilha da Páscoa, assim baptizada posteriormente pelos navegadores europeus (aquando da sua descoberta), situa-se no Oceano Pacífico, mantendo um distanciamento de mais de 3700 km face à costa do Chile, nação que detém hoje o seu domínio administrativo. 
Considerada igualmente uma ilha da Polinésia Oriental, possui uma limitada área de 163,6 km², residindo no seu território apenas 5 800 habitantes (segundo dados estatísticos de 2012), sendo que a maior parte esmagadora destes vive na capital Hanga Roa. 
Do ponto de vista económico, a Ilha da Páscoa denota sérios problemas de auto-suficiência. Por um lado, é de realçar o seu isolamento geográfico, o que não favorece o intercâmbio comercial e o crescimento económico. Além disso, a ilha de pendor vulcânico é ainda um alvo vulnerável dos climas intempestivos – embora seja quente na generalidade do ano, acaba por ser visada por intensas rajadas de vento e aragens álgidas que não só evitam o desenvolvimento promissor de determinados frutos (como por ex: o coco – muito presente nas restantes ilhas da Polinésia), como fazem com que o Oceano, então frio no seu redor, não propicie a consubstanciação de recifes de coral, cenário que, por seu turno, não viabiliza a presença abundante de peixes na área marítima envolvente. Por outro lado, a água da chuva infiltra-se facilmente no solo vulcânico da ilha, o que torna difícil o seu aproveitamento por parte dos habitantes.
Hoje, a pequena ilha depende naturalmente do apoio proveniente do Chile, mas também do próprio turismo, pois a sua história invulgar desperta em qualquer mortal uma curiosidade que se apodera do espírito, incitando-o à aventura e à redescoberta de uma pequena terra que outrora fora alvo de um culto singular, traduzido na criação de elegantes estátuas – os moais – cuja interpretação histórica ainda não gerou sequer consenso entre os investigadores, adensando assim o mistério em torno da sua construção. 





Imagem nº 1 – Os “moais” – gigantescas esculturas – são o principal cartão-de-visita da Ilha da Páscoa.
Fotografia da autoria de Marko Stavric Photography / Getty Images





Mapa nº 1 - A Ilha da Páscoa situa-se a meio do Oceano Pacífico (parte sul), estando a uma distância enorme da costa chilena. A sua denominação deve-se ao facto do explorador holandês Jacob Roggeveen ter descoberto a ilha num domingo de Páscoa (5 de Abril de 1722). Na ilha, existem três vulcões importantes (Rano Aroi, Rano Kau, Rano Raraku), embora nenhum deles tenha entrado em erupção, desde que se implantou a presença humana.




O Advento dos Rapanui

À semelhança da colonização medieval verificada no Havai, ilha igualmente isolada no Oceano Pacífico (embora situada mais a norte e numa área ainda mais central do oceano) e sobre a qual havíamos já dedicado um artigo, também não existem muitas informações precisas em torno do povoamento primitivo da Ilha da Páscoa, embora subsistam teorias que não deixaremos de apresentar aqui.
Dentro deste contexto, debate-se se a ilha teria sido, numa primeira fase, ocupada entre os séculos IV e V, contudo esta primeira proposta cronológica de ocupação indígena está longe de ser partilhada por todos os investigadores e historiadores.
Mais credíveis parecem ser os estudos que apontam para uma presença humana na Praia de Anakena que seria anterior ao ano de 900 d. C. – esta teoria é reforçada por datações radio-carbónicas extraídas através de amostras de carvão e ossos de golfinhos – que serviriam de alimento para seres humanos. Ainda a reforçar esta linha de ideias, subsiste o argumento de que as restantes ilhas da Polinésia Oriental (Ilhas Cook, Ilhas da Sociedade, Ilhas Marquesas, Austrais, Tuamotu, Havai, Nova Zelândia e Pitcairn) haviam sido colonizadas entre 600 e 800 d. C. 
Na pior das eventualidades, e caso esta última teoria (embora a rotulemos como muito válida) não se tenha verificado em termos práticos, podemos, pelo menos, inferir que a ilha da Páscoa teria sido colonizada, o mais tardar, até ao ano de 1200 d. C.
Os novos ocupantes da ilha seguiriam os padrões generalizados da cultura polinésia, utilizando inclusive dialectos associados. Parece estar portanto descartada a hipótese dos primeiros colonizadores da ilha serem provenientes de uma civilização indígena avançada da América do Sul. Os testes de ADN realizados em 12 esqueletos antigos que se achavam enterrados na ilha confirmam que os seus portadores de outrora detinham uma “mandíbula oscilante”, característica bastante comum entre as sociedades polinésias. Por isso, os primeiros indígenas que arribariam à Ilha da Páscoa seriam muito provavelmente oriundos de outras ilhas da Polinésia, embora aqueles tivessem, ainda assim, que empreender uma larga e penosa viagem em alto mar, dado o inequívoco isolamento geográfico daquele pequeno espaço insular. Aliás, tal como no caso histórico do Havai, é de vincar uma vez mais a audácia dos navegadores polinésios que, através das suas embarcações frágeis, não hesitaram em desafiar novamente o vasto oceano que era até então pouco conhecido. 
Exposto isto, o povo nativo que vivia na Ilha da Páscoa, antes da chegada dos navegadores europeus no século XVIII, ficaria conhecido pela designação de Rapanui (ou Rapa Nui).
Esta comunidade primitiva detinha o seu próprio dialecto (embora, como disséramos, não muito desconectado da tradição expressionista das tribos polinésias), destacando-se aqui o seu sistema glífico – designado de Rongorongo - o qual poderá ter constituído uma versão ancestral da língua rapanui. Todavia, a sua decifração ainda hoje permanece como um mistério por desvendar. Alguns eruditos, baseando-se em relatos orais contemporâneos  dos anciões rapanui, julgam que aquelas escrituras poderiam estar associadas a hinos religiosos, façanhas e relatos de personagens importantes, e ainda, a genealogias históricas. No entanto, a sua interpretação está longe de ser acessível, até mesmo para os sábios e especialistas que se têm debruçado, em particular, sobre este ponto em concreto. Devemos ainda realçar que estes glifos poderiam ser gravados em objectos de madeira ou até sobre as próprias pedras e rochas que ali jaziam.
Por outro lado, registamos também a presença de gravações rupestres incrustadas sobre as rochas, plasmando desenhos de peixes, aves, tartarugas, embarcações, figuras humanas com grandes olhos, o homem-pássaro, o deus Makemake, etc. Supostamente, existiram ainda pinturas murais similares dentro das habitações dos rapanui mais abastados ou influentes.
Em termos de estrutura social, o ariki era o rei da tribo, embora este estatuto também pudesse designar a rainha, os príncipes e até os próprios nobres. Esta elite detinha um elevado poder político e reivindicava ainda uma vocação mágica e sobrenatural - a mana - que fazia crescer os frutos e os animais na terra e no mar, permitindo a prosperidade e estabilidade da comunidade. A hierarquia real obedeceria aos critérios de primogenitura. Nos tempos áureos dos rapanui, é provável que tivessem existido - chefes militares, polícias (embora rudimentares), professores, sacerdotes, construtores de casas, escultores, agricultores, pescadores, pequenos artesãos, etc. 
No plano religioso e mitológico, os ilhéus prestariam culto a variados deuses, seguindo assim uma vocação politeísta, tal como era apanágio de muitas civilizações polinésias e ameríndias.  De acordo com as suas antigas histórias, encontramos referência a Hotu Matu'a, personagem mítica (ou soberano lendário) que os rapanui julgam ter sido o primeiro colonizador da Ilha da Páscoa. Também o culto de Tangata manu (assunção mitológica do homem-pássaro) fora visível, atribuindo-se a sua iniciativa ao deus supremo e criador da humanidade - Makemake. 
Do ponto de vista económico, já elencámos algumas das lacunas que fariam a ilha padecer dos recursos necessários. Ainda assim, o povo rapanui introduziu plantações de batata-doce e porongo (cabaça) na ilha, cenário que poderá ter sido provocado por esporádicos contactos encetados com tribos da América do Sul. A terem existido tais permutas civilizacionais, é provável que as mesmas tivessem decorrido entre os anos de 1200 e 1300.
Os autóctones cultivariam ainda inhame, taro, banana e cana-de-açúcar. As galinhas, talvez trazidas pelos primeiros colonos, seriam o seu único animal doméstico. Recorreriam a instrumentos modestos como arpões, anzóis, enxós de pedra e limas de coral para assegurar a sua sobrevivência num ambiente geográfico e climático pouco convidativo. Adoptaram alguns sistemas de irrigação e poços de compostagem, e procuraram empilhar pedregulhos de forma a barrar as recorrentes rajadas de vento que prejudicavam os intentos agrícolas. Além disso, também se dedicavam à caça de aves, à recolha de moluscos e à própria pesca (nomeadamente do atum), embora estas operações fossem, muitas vezes, inglórias, dada a reduzida biodiversidade no panorama insular.





Imagem nº 2 - A presença de petroglifos (sinais esboçados nas rochas) e o respectivo culto ao homem-pássaro jazente nos ilhéus observados mesmo junto à costa da Ilha da Páscoa. O deus Makemake era a figura suprema da religião rapanui, embora existissem outras divindades e heróis venerados. 
Foto da autoria de Robin Atherton




O expoente máximo da arte rapanui – os "moais"

Como qualquer civilização, a comunidade rapanui desenvolveu as suas próprias expressões culturais. Através de cânticos em coro e objectos de som rudimentares, recriaram a sua própria criatividade musical. Apesar de serem uma sociedade indígena, lograram ainda confeccionar mantilhas de penas, tecidos de casca, enxós, etc. 
No entanto, a expressão por excelência da sua arte prende-se com a sua vocação para a escultura. Ao todo, existem hoje na pequena Ilha da Páscoa 887 moais (outros asseguram que até poderão ser mais do que 900!), estátuas altivas de madeira ou formatadas em pedra/rocha que visam retratar alegadas figuras humanas ou deidades. Julga-se que terão sido maioritariamente erguidas entre 1250 e 1500 d. C. (poderão existir algumas excepções de moais mais antigos), embora a sua simbologia seja ainda hoje motivo de debates entre os profissionais da história e da arqueologia.
De acordo com os especialistas, é provável que os Rapanui tivessem erigido tais monumentos de forma a homenagearem os seus líderes mortos. Repare-se que as esculturas foram erguidas de costas para o mar, encontrando-se viradas para o interior da ilha onde ficavam as aldeias. Esta disposição poderá indiciar um apelo aos senhores ancestrais de Rapa Nui para que zelassem pela protecção do seu povo face às inúmeras adversidades. 
Outra explicação possível radica na possibilidade dos moais terem servido como pára-raios da ilha, visto que a incidência de chuvas e trovoadas seria considerável. O pukao, espécie de chapéu, feito a partir de uma pedra vulcânica avermelhada e porosa, presente nas estátuas mais próximas à costa, teria servido como condutor de electricidade, ajudando a preservar aquelas esculturas.
Por outro lado, perduram ainda moais com presumível conotação religiosa, estando associados a construções cerimoniais ou funerárias (“ahu”). O caso mais flagrante na ilha parece prender-se com o centro ritual de Vinapu, onde as estruturas parecem obedecer a um formato semelhante a variadas construções incaicas situadas em Cusco. Alguns investigadores esboçaram mesmo a possibilidade de um contacto entre aquela civilização ameríndia e os nativos da Ilha da Páscoa, talvez ainda no reinado de Túpac Yupanqui (imperador inca que governou entre 1471 e 1493).
Como casos mais particulares encontramos também os moais de Ahu Akivi que presumivelmente seguiriam uma orientação astronómica e que haviam sido erguidos durante o século XVI.
Segundo o historiador Rainer Sousa, é possível que alguns moais tivessem servido ainda "para demarcar terras ou vincar a liderança política de algum líder que tenha vivido na ilha".
Em termos de dimensões, os moais compreenderiam uma altura média de 4,5 metros, embora algumas estátuas tenham atingido excepcionalmente os 10 metros! No que diz respeito ao peso estandarte, este rondaria as 5 toneladas, mas poderiam existir casos de moais que pesassem bem mais do que 10 toneladas (pelo menos, conhecemos o caso de um moai que atingiria o peso de 27 toneladas!). Aliás, no que diz respeito ao peso, os números poderiam ser completamente variáveis.
Em jeito de curiosidade, os moais Ahu Tongariki são os mais conhecidos da ilha, visto que assumem uma localização relevante junto à costa. Ao todo, são 15 estátuas erguidas, o que revela o esforço do empreendimento indígena. Apesar de terem sido em parte derrubados por conflitos civis entre os nativos e por um tsunami posterior (já no século XX), a verdade é que foram reabilitados durante a década de 1990.






Imagem nº 3 - Os moais Ahu Tongariki: 15 estátuas gigantes viradas para o interior da ilha, estando de costas para o mar. 





Imagem nº 4 - Os moais impressionam pela sua grandeza e comprovam os dons escultóricos do povo rapanui.
Foto da autoria de Frank Kehren






Imagem nº 5 - Um moai que alberga no seu cimo um pukao - espécie de cilindro avermelhado. Não se sabe ao certo qual seria o seu significado. Seria uma espécie de chapéu, cocar, peruca ou turbante que os indígenas mais eminentes da tribo utilizariam para se evidenciarem socialmente? 
Alegadamente, o pukao era feito a partir de pedras extraídas da cratera ou do cone de escória de Puna Pau, e o seu processo de talhamento poderia levar dois ou três meses.





Imagem nº 6 - Os moais encontram-se dispersos pela ilha, tanto junto ao litoral como no seu interior. Muitos apelidam, mais tarde, a Ilha da Páscoa como a "Ilha das Estátuas". 





O declínio do povo Rapanui

Quando os europeus arribaram à ilha no século XVIII, a tribo Rapanui parecia viver num estado bastante precário, encontrando-se num inequívoco retrocesso social. A ilha estava, cada vez mais, depauperada de recursos, tornando assim mais crítica a sua auto-sustentabilidade. 
A sobre-exploração da ilha, motivada pela limitação de bens essenciais e por uma população em expressão crescente (visível em séculos precedentes), poderá ter originado uma grave crise económica e até mesmo conflitos internos. Esta teoria é, pelo menos, adoptada por Jared Diamond na sua obra “Collapse” (2005). De acordo com esta linha de raciocínio, a desflorestação da ilha (devido à necessidade constante de madeira) e o condicionamento em torno das fontes de alimento (a biodiversidade era reduzida e as cultivações seriam precárias devido ao clima vigente) podem explicar a decadência dos Rapa Nui. Além disso, este povo tinha despendido tantas energias e materiais ao erguer os seus célebres “moais”. 
O desmatamento excessivo provocou ainda a erosão do solo e a ausência de madeira para a construção de novas habitações bem como de pequenos barcos que seriam utilizados na pesca.
Também algumas plantas insulares teriam desaparecido. Das 48 que supostamente existiriam outrora, apenas passariam a restar 22, aquando da chegada europeia. De acordo com relatos ancestrais, teria inclusive ali existido uma das maiores palmeiras do mundo – a “Palmeira Rapa Nui”, a qual não resistiria talvez à exacerbada exploração tribal. 
Esta realidade seria assim presenciada por Jacob Roggeveen, o primeiro europeu a chegar, embora que acidentalmente, à Ilha da Páscoa a 5 de Abril de 1722. O navegador holandês teria permanecido na ilha durante alguns dias, estimando que a população nativa rondaria entre os 2 e os 3 mil habitantes (embora este número terá sido bem superior nos séculos anteriores). Em 1770, seria a vez do espanhol Felipe González de Ahedo arribar ao território, demonstrando a sua intenção de anexar a ilha aos domínios espanhóis. Também o inglês James Cook e o francês Jean-François de Galaup se deparariam com a ilha em 1774 e 1786 respectivamente. 
Os séculos XVIII e XIX revelar-se-iam ainda mais nefastos para estes nativos. Tal como já se havia sucedido com as sociedades ameríndias, os contactos com os europeus e com os seus súbditos colonizadores da América traduziram-se em vários dissabores. Por um lado, os rapanui foram vítimas de algumas doenças trazidas pelos europeus (como por exemplo, a temível varíola), enquanto que, por outro, passaram a ser um alvo vulnerável por parte de todos aqueles que se dedicavam ao tráfico esclavagista. Além disso, é provável que entre os séculos XVII e XVIII tivessem rebentado conflitos internos entre a própria tribo Rapanui, devido à falta de recursos para satisfazer as suas necessidades. A violenta guerra travada entre os vários clãs ocasionou mesmo a destruição de vários moais, os quais seriam reconstruídos ou reparados mais tarde. Em tempos passados, adoptaram-se também práticas de sacrifícios humanos e canibalismo, de forma a agradar ao deus supremo Makemake.
A ilha acabaria por ser anexada pelo Chile em 1888 através da iniciativa do comandante Policarpo Toro Hurtado. Aquando desta efeméride, apenas viveriam ali pouco mais de uma centena de nativos (101 ou 111, de acordo com testemunhos cronológicos ligeiramente separados), um número alarmante que confirmava o declínio demográfico, social e económico dos rapanui. Na altura, as autoridades chilenas firmariam um acordo com Atamu Tekena, o líder da tribo. Em troca da sua autonomia, os ilhéus estariam agora mais a salvo de eventuais ataques por parte de esclavagistas europeus e americanos (sobretudo peruanos). Em 1966, os habitantes da ilha passaram a ter finalmente direito à cidadania chilena. Actualmente, e apesar das adversidades registadas ao longo dos últimos cinco séculos e do facto da maior parte dos habitantes se expressar hoje em espanhol, a verdade é que cerca de 60% da população residente na Ilha da Páscoa (recorde-se que, ao todo, são mais de 5 mil os habitantes da ilha) é descendente daquele povo aborígene, cujas tradições se mantêm ainda vivas, motivando o entusiasmo de todos aqueles que tencionam conhecer a produção cultural original patente naquele território. E claro, os seus moais embelezam ainda mais o seu legado, perpetuando-o para a eternidade.






Imagem nº 7 - Teatralização recente que visava imitar as tradições da comunidade rapanui.
Direitos da Foto - OREALC/UNESCO Santiago / Foter / CC BY-NC-SA





Imagem nº 8 - Uma sessão de dança tradicional rapanui. Este povo sempre manifestou um orgulho especial pelo seu passado, pelas suas tradições e pelos seus antigos líderes.




Referências Consultadas: