Este site foi criado com o intuito de divulgar os feitos mais marcantes no decurso da história mundial

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Avempace, o exímio precursor da Filosofia no al-Andalus


Contextualização Introdutória


Avempace, como reza a denominação latinizada, foi talvez o primeiro filósofo de inequívoca categoria a revelar-se no Al-Andalus. Nascido no reino taifa de Saragoça por volta de 1085, não demorou muito a deixar influenciar-se pelo pensamento de autores helénicos tais como Platão ou Aristóteles (aliás, terá traduzido algumas obras deste último, além de ter efectuado comentários). 
Com o nome árabe de Ibn Bâjja (ou Ibn Bajjah), este erudito abriu novas luzes em vários campos do conhecimento tais como a filosofia, a medicina, a matemática, a astronomia, a botânica e até a própria música. Por outras palavras, assumiria uma vocação intelectual digna de um verdadeiro polímata. 
No entanto, e como já havíamos referido, seria certamente na área da filosofia onde o seu contributo seria mais evidente e até mesmo decisivo. De acordo com Josép Puig Montada, investigador de filologia da Universidade Complutense de Madrid, o desenvolvimento inicial das matérias filosóficas no seio das sociedades muçulmanas corresponderam a um processo moroso ou lento. Por outras palavras, até ao tempo de Avempace, a filosofia não tinha gerado elevado interesse dentro das constelações intelectuais islâmicas, tendo florescido apenas timidamente em regiões periféricas. Ibn Sina (ou Avicena; 980-1037) fora talvez uma das principais excepções desse séquito intelectual de genialidades muçulmanas, mas até esse erudito desenvolveria a sua obra e o seu pensamento filosófico nas zonas periféricas da extensa Pérsia. 
No Al-Andalus, o cenário não tinha sido até então muito diferente, visto que o credo sunita e os ensinamentos legais da escola maliquita haviam prevalecido vincadamente até então. A filosofia encontrava-se ali praticamente no esquecimento ou num estado de letargia, salvando-se apenas modestas excepções refugiadas nos trabalhos descontinuados de alguns estudiosos. Com o aparecimento de Avempace (c. 1085-1139), um novo ciclo, bem mais luminoso, iria ser então proporcionado, contrastando assim com um passado pouco produtivo em termos de reflexões sobre o próprio pensamento humano. A Filosofia haveria de libertar-se daquele penoso enclave em que se achava, começando a cultivar o conhecimento no seio das elites culturais muçulmanas.
Mas quem fora Avempace? Em que contexto vivera? E que conhecimentos nos legou? 




Imagem nº 1 - Até meados do século XI, a filosofia não tinha cativado ainda grandes seguidores no al-Andalus e em muitas outras regiões do Mundo Árabe. Era assim considerada uma ciência pouco atractiva. Nomes como Avempace ou Averroes iriam mais tarde instaurar um novo paradigma.



A Vida de Avempace (Ibn Bâjja)


Sobre a vida de Avempace, restam-nos poucos factos concretos e alguns exercícios especulativos. A ausência de registos escritos em torno das suas vivências constitui certamente uma realidade que não podemos ignorar, tornando quase impossível traçar com rigor o seu percurso biográfico.
Sabemos que nascera por volta de 1085 no reino taifa de Saragoça, o qual se encontrava nas mãos da dinastia dos Banû Hûd. Talvez descendente de uma modesta família de prateiros, Avempace não herdaria um contexto político favorável. Yusuf al-Mutaman Ibn Hud tinha reinado anteriormente entre 1081-1085, não hesitando em favorecer as artes, as ciências e a cultura muçulmana. No entanto, os tempos de esplendor da Saragoça muçulmana estavam prestes a terminar. O seu sucessor al-Musta'in II testemunhará a chegada dos almorávidas que, a troco de obediência a Marraquexe e da reunificação dos reinos taifas, procurarão travar ou até inverter o avanço cristão na Península Ibérica. É verdade que o reino taifa de Saragoça permanecerá ainda independente por algum tempo, fruto das boas relações de al-Musta’in II com os novos protagonistas. Ainda assim, a pressão intensificava-se, cada vez mais, sobre o seu reino fronteiriço. Em 1110, o sultão da taifa de Saragoça tomba na batalha de Valtierra, onde fora derrotado pelas forças do destemido rei D. Afonso I de Aragão. 
É possível que Avempace tenha estado ao serviço de al-Muta’in II e até do seu sucessor Abdelmalik Imad al-Dawla que apenas reinaria por poucos meses. Entretanto, os almorávidas haveriam finalmente de se apossar da taifa sobrevivente à fusão já levada a cabo no al-Andalus. Ibn al-Hach ou Ibn al-Hayy (1110-1115) seria, por conseguinte, o novo governador, não descurando a sua faceta guerreira e desafiando assim o principal inimigo dos interesses muçulmanos naquela região oriental da Península Ibérica – o rei Afonso I de Aragão, “o Batalhador”.
O falecimento de Ibn al-Hayy abrirá as portas do poder a Ibn Tifilwit (1115-1117), e será durante o curto reinado deste último que encontraremos finalmente informações mais concretas a respeito de Avempace. Sabemos que o notável filósofo seria nomeado vizir pelo novo soberano almorávida. O seu pensamento heterodoxo não foi aqui obstáculo para a sua promoção social, algo que constituiria uma raridade, tendo em conta a linha de pensamento conservadora dos almorávidas. E a retribuição não se fez esperar – fazendo jus aos seus dotes poéticos (que também os tinha), Avempace compôs panegíricos dirigidos ao novo senhor de Saragoça. Neste ambiente de amizade recíproca, Ibn Tifilwit e Avempace desfrutaram dos prazeres do vinho e da música. Mas este período de maior notoriedade atribuída ao intelectual de Saragoça tinha os dias contados. Numa visita, alegadamente diplomática, ao Castelo de Rueda (ou às adjacências deste), onde se havia refugiado o anterior governador deposto pelos almorávidas - Abdemalik Imâd ad-Dawla, Avempace não seria muito bem recebido, tendo o vizir de Saragoça ficado encarcerado por alguns meses [1]. No inverno de 1117, o governador almorávida Ibn Tifilwit falece, o que motivou Avempace a redigir algumas elegias em sua memória. 
Pouco tempo depois, em 18 de Dezembro de 1118, Afonso I de Aragão consegue finalmente apoderar-se de Saragoça, aproveitando o vazio de poder que então se vislumbrara. Não sabemos se Avempace ainda se achava na cidade ou se já havia abandonado a mesma. Aliás, entre 1118 e 1136, existe um interregno na biografia deste filósofo, sobrando apenas especulações.
Supostamente, terá percorrido doravante as regiões de Játiva (ou Xátiba), Almeria, Granada e Orão. Neste momento de maior indefinição histórica em relação à sua vida, decidimos, uma vez mais, socorrermo-nos dos apontamentos do filólogo - Josép Puig Montada. 
Dentro deste contexto, Ibn Bâjja teria procurado abrigo em Játiva, mais concretamente na corte de Abû Isḥ'âq Ibrahîm ibn Yûsuf Ibn Tâshufîn, conhecido como Ibn Tâ'yâsht. Acredita-se que as relações com aquele soberano e seus respectivos conselheiros não terão sido as mais profícuas, e Avempace teria sido novamente preso em data indeterminada. Esta situação menos favorável do nosso biografado poderá ter-se devido à influência de inimigos que ali conquistara naquela corte. Por um lado, sabemos que o físico Abu l-'Alâ' Zuhr, pai do médico Abû Marwân 'Abd Malik bn Abîl-Al-Zuhr (este cientista notabilizou-se rapidamente ao serviço do governador de Játiva), nutria um ódio de estimação por Avempace. Como se não bastasse, na corte de Játiva, pontificava igualmente o poeta Abû Naṣr al-Fatḥ Ibn Muḥammad Ibn Khaqân que não só dedicou uma antologia ao senhor de Játiva (denominada “Qalâ'id al-iqyân”), como não hesitou em colocar intencionalmente Avempace nos últimos lugares, talvez em sinal de descrédito. 
Apesar das sucessivas agruras, Ibn Bâjja terá permanecido ao serviço dos almorávidas até ao resto da sua vida, tendo alegadamente exercido, de novo, o posto de vizir (talvez já em Fez) na corte de Yaḥyà ibn Yûsuf Ibn Tâshufîn, irmão do sultão magrebino Sultan ‛Alî Ibn Yûsuf Ibn Tâshufîn. Mas continuamos a saber muito pouco sobre os seus feitos, as suas deslocações e as suas relações com outros protagonistas políticos e culturais do al-Andalus. 
Em 1136, temos finalmente notícias mais credíveis com Avempace a encontrar-se em Sevilha, onde estaria com o seu grande discípulo - Abû l-Ḥasan Ibn al-Imâm, também ele natural de Saragoça, e com o qual trocara, ao longo da sua vida, correspondência de natureza filosófica. 
No ano de 1139, acabaria por falecer em Fez, já em pleno solo marroquino. Julga-se que a sua morte fora provocada por envenenamento através de um ardil promovido por algum dos seus inimigos. 
Se a sua vida inspira muitas interrogações derivadas da escassez de testemunhos documentais, a sua vasta obra ajuda-nos, pelo menos, a conhecer a sua visão sobre o homem e o mundo que o rodeava. 




Imagem nº 2 - Avempace (1085-1139) foi vizir em Saragoça e talvez ainda em Fez. Ao longo da sua vida, contraiu um número considerável de inimizades. Ainda assim, a sua intelectualidade seria apreciada por muitos.
Retirada do Site Pinterest





Imagem nº 3 - O Palácio de Aljaferia em Saragoça foi utilizado pelos reis taifas e sucessores almorávidas. Um ambiente que certamente Avempace conheceu bem.




O Legado de Avempace

Avempace terá sido responsável pela produção de mais de 40 obras, tendo a maior parte destas não resistido até aos nossos dias. Ainda assim, os seus trabalhos mais importantes seriam: “O Regime do Solitário”, “O Tratado da União do Intelecto com o Homem” e a “Carta do Adeus”.
Do ponto de vista filosófico, Avempace foi precursor de um pensamento filosófico puro, traduzido num racionalismo que se inspiraria, em parte, na lógica aristotélica. 
Aceitando o princípio de que o homem seria um animal racional, o erudito muçulmano categoriza três estratos de evolução humana. Num primeiro nível, estariam presentes todos aqueles que integravam a “grande massa”, isto é, os que apenas sabem das coisas materiais, singulares, submetidas ao espaço e ao transcorrer do tempo. Num segundo nível, identifica os “homens da ciência”, aqueles que, através da razão, definem as leis e teorias universais, baseando-se na análise das coisas singulares materiais. Por fim, num terceiro e derradeiro nível, dom apenas ao alcance de um punhado de indivíduos, encontraremos os seres humanos, libertos do espaço, tempo e substâncias materiais e completamente direccionados para os seres espirituais e as dinâmicas inteligíveis puras que seriam ministradas pelo Intelecto Agente, fonte da supra-racionalidade e intermediário entre Deus e o Mundo Material. Por outras palavras, o fim dos homens seria a união total com Deus através de uma dupla dimensão cognoscitiva-intelectual e mística. Como podemos constatar, este seu pensamento não diferia muito daquele que já tinha sido apregoado por Avicena e al-Farabi que haviam proclamado o “Intelecto Agente” como o Primeiro Motor do Universo, fonte do conhecimento científico e místico. Esta derradeira ideia causou certamente torrentes de controvérsia junto das linhas mais conservadoras do Islão (o sábio foi inclusivamente acusado de heresia pelos seus mais acérrimos inimigos), visto que Avempace propõe um caminho ascético e místico/esotérico (com alusões ao célebre “regime do solitário” e aos referidos “sábios-solitários”, os quais procurariam seguir uma vida à margem das sociedades corruptas) no qual o ser humano estaria em união absoluta com Deus já nesta vida, colocando assim em causa a imortalidade da outra vida, bem como a individualidade pessoal daqueles que faleciam e rumavam para o além. Conclusões que certamente não agradaram às hostes menos tolerantes do seu tempo. 
Inspirado ainda pela visão social de Platão, Avempace sonhava com uma comunidade na qual imperasse a justiça e a saúde, contrastando assim com as actuais sociedades civis flageladas pela corrupção, e procurando, por conseguinte, a instauração de uma nova realidade regida pela verdade, virtude e amor entre os homens. E quem poderiam ser os promotores dessa nova ordem mais justa? Os mencionados sábios-solitários que estariam no mais alto nível de evolução humana. Inicialmente afastados das sociedades corrompidas, poderiam ser estes que, após um ambiente de solidão relativa, começariam a esboçar o modelo e o gérmen de uma sociedade ideal que substituiria as sociedades imperfeitas. Dentro deste contexto, nessa futura sociedade virtuosa reinaria a felicidade e a paz, e nem sequer seriam necessários médicos corporais (sem vícios, deixariam de existir as enfermidades; e todos aí já saberiam como utilizar as plantas medicinais em caso de fraqueza física), de alma (o espírito estaria em comunhão harmoniosa com o Criador) e sociais (não seriam necessários juízes ou tribunais pois todo o mal estaria irradiado).
Avempace teria assim defendido uma espécie de “Sufismo Intelectual” (designação ousada atribuída por alguns historiadores apenas para efeitos comparativos) em que a razão e a própria fé não se contradizem, mas antes se complementam, conhecendo a mesma origem e conduzindo ao mesmo fim – a descoberta da Verdade. 
No entender de Ibn Bajjah, todas as ciências eram boas porque pertenciam ao conhecimento sublime do homem e à sua alma intelectual. Aliás, o homem distinguia-se dos demais seres pela sua capacidade de reflexão, e por isso, a ciência só poderia ser proveitosa para a sua causa.
A Avempace é-lhe ainda atribuído o grande mérito de ter sido o primeiro filósofo que deu a conhecer certas obras de Aristóteles no Al-Andalus, fazendo com que este começasse a ocupar uma parte influente no pensamento ocidental. Ao difundir e debater o pensamento de consagrados autores helénicos, o nosso erudito acabaria por abrir novos horizontes para uma disciplina até então modestamente desenvolvida pelos povos localizados naquele território e nas suas periferias. 
A aceitação do seu pensamento perduraria por alguns séculos, visto que as suas concepções filosóficas inspiraram outros notáveis eruditos, sendo eles cristãos, muçulmanos ou judeus. As obras de Ibn Bâjja seriam, por exemplo, citadas por grandes eruditos tais como Ibn Tufayl, Averroes, Alberto Magno, Alexandre de Hales, Maimónides, Raimundo Lulio, etc.
Durante a sua vida, julga-se que Avempace também chegara a desempenhar o ofício de médico, cenário que o motivou a deter elevados conhecimentos sobre botânica. A medicina medieval irá essencialmente basear-se no conhecimento existente sobre as propriedades das plantas e ervas, tentando descortinar os benefícios que estas poderiam representar para o ser humano. Neste contexto, Avempace produziu, em colaboração com Abu-l-Hasan Sufyan al-Andalusi, o “Livro das Experiências” (infelizmente desaparecido) e compôs alguns tratados, demonstrando assim interesse pelas características curativas das plantas, as quais se assumiriam, na época, como verdadeiros medicamentos. Numa primeira parte da sua obra, teria procurado expor as características gerais do reino vegetal, enquanto que, numa parte posterior, tentou enunciar as diferenças essenciais e específicas que existem entre as plantas, propondo mesmo uma classificação das mesmas. Aqui deixou alguns exemplos concretos que enriqueceram os catálogos dos botânicos medievais, fossem eles latinos ou árabes.
Sabemos que Avempace teria ainda estudado os ensinamentos de Hipócrates e Galeno, estando igualmente atento aos trabalhos recentes de médicos ocidentais e orientais (tais como Ibn Wafid e al-Razi). Efectivamente, este erudito procurara ser um médico devidamente informado e actualizado, ministrando os tratamentos que julgava ser mais adequados aos seus pacientes na época em questão. 
Na área da astronomia, Avempace escreveu o tratado “Nubad jasira 'ala al-handasa wa-l-hay'a” ("Fragmentos simples sobre geometria e astronomia"), tendo efectuado com rigor uma análise crítica e detalhada à proposta cosmológica de Ptolomeu. Neste capítulo em concreto, o erudito de Saragoça propôs a elaboração de um sistema astronómico sem epiciclos mas com esferas excêntricas. 
No universo da Matemática, terá demonstrado algum interesse pelas noções geométricas. 
Por fim, Avempace demonstraria ainda dotes para o canto e poesia. A ele se atribui um tratado de música e a composição de algumas canções populares. Garcia Gómez, reconhecido investigador arabista, vai mais longe ao inferir que Ibn Bajja foi o criador do zéjel, estilo tradicional da própria poesia árabe que concernia na recitação de um dialecto coloquial, muitas vezes expresso num estribilho de dois versos.
Em jeito de balanço final, Avempace foi alvo das mais diversas opiniões: desde os elogios sem limite até aos maiores desprezos e insultos. Acusado de ser heterodoxo e invejado por médicos (como os Ibn Zuhr, dos quais já havíamos falado) e poetas, chegamos a uma conclusão – os homens afinal também se podem medir pela talha ou pelas credenciais dos seus inimigos, e neste caso em concreto, Avempace só poderia ter sido um pensador de elevado gabarito capaz de desencadear ódios em outras personalidades, também culturalmente bastante relevantes, no panorama do Al-Andalus. 



Afirmações presentes nas suas obras:


“A Sabedoria é o estado mais perfeito das formas espirituais humanas e não se trata de um estado qualquer senão da perfeição mais absoluta” 

“Todo o saber, como diz Aristóteles, é bom e belo. Apesar disso, alguns saberes são mais nobres do que outros… A ciência da alma supera o resto das ciências, físicas e matemáticas em todos os graus da nobreza. Aliás, toda a ciência precisa da ciência da alma, visto que não nos podemos deter nos princípios de uma ciência dada, sem que nos detenhamos antes na alma e a conheçamos com precisão”.

“O homem se não pensa, seus actos serão animais e não participará em absoluto da Humanidade mais que do feito de ser sujeito corporal cujo aspecto externo é de um homem”.

“Aquele que obedece a Deus e faz o que lhe agrada, ele lhe premiará com o Intelecto e colocará ante ele uma luz que o guie. E quem desobedecer a Deus e realizar actos que não o agradem, será privado do Intelecto e permanecerá nas trevas da ignorância”.

“Todo aquele que prefere a sua materialidade a qualquer coisa da sua espiritualidade não poderá alcançar o fim último. Portanto, não haverá um só homem material que seja feliz, enquanto que todo o homem feliz será espiritual”.

“Quando as formas alcançam o [fim] último, alcança-se aquela perfeição motriz, libertam-se de todo e se liberta aquele entendimento a que pertence esta ideia, alcançando algo totalmente imaterial e imóvel. Em nós aparece um entendimento que adquirimos mas que na sua mesma existência é intelecto e somente se faz intelecto em nós, quando chega a ser uma ideia perfeita”.





Imagem nº 4 - Avempace acreditava que o homem poderia estar inserido em três estados diferentes: o corpóreo, o da virtude e o intelectual. Na sua opinião, o conhecimento advinha do Intelecto Agente, fonte divina de toda a sabedoria, contudo para alcançar este derradeiro fim, era necessária a união total com Deus através de uma contemplação solitária e mística.
Retirada de: https://nambiquarablog.wordpress.com/avempace/





Imagem nº 5 - Enquanto médico, Avempace demonstrou grandes conhecimentos na área da botânica, estando assim a par das propriedades curativas das plantas.



Nota de rodapé [1]Outra teoria, embora menos veiculada (e talvez pouco credível), sugere que teria sido o próprio Ibn Tifilwit a prendê-lo em Saragoça, cedendo aos interesses de alguns detractores do filósofo que já ali residiam naquela cidade e que, na corte, haviam feito de tudo para conspirar contra ele. Contudo, esta derradeira versão do aprisionamento em Saragoça a mando do governador, como disséramos, parece não fazer muito sentido visto que está excluída dos principais registos biográficos sobre Avempace. É sim verosímil que tenha sido detido no âmbito da missão diplomática ao derradeiro governador da dinastia dos Banû Hûd - Abdemalik.



Referências Consultadas:


domingo, 12 de março de 2017

Ilha da Páscoa e a sua História esculpida pelo Mistério


Contexto Geográfico, Administrativo e Climático

A Ilha da Páscoa, assim baptizada posteriormente pelos navegadores europeus (aquando da sua descoberta), situa-se no Oceano Pacífico, mantendo um distanciamento de mais de 3700 km face à costa do Chile, nação que detém hoje o seu domínio administrativo. 
Considerada igualmente uma ilha da Polinésia Oriental, possui uma limitada área de 163,6 km², residindo no seu território apenas 5 800 habitantes (segundo dados estatísticos de 2012), sendo que a maior parte esmagadora destes vive na capital Hanga Roa. 
Do ponto de vista económico, a Ilha da Páscoa denota sérios problemas de auto-suficiência. Por um lado, é de realçar o seu isolamento geográfico, o que não favorece o intercâmbio comercial e o crescimento económico. Além disso, a ilha de pendor vulcânico é ainda um alvo vulnerável dos climas intempestivos – embora seja quente na generalidade do ano, acaba por ser visada por intensas rajadas de vento e aragens álgidas que não só evitam o desenvolvimento promissor de determinados frutos (como por ex: o coco – muito presente nas restantes ilhas da Polinésia), como fazem com que o Oceano, então frio no seu redor, não propicie a consubstanciação de recifes de coral, cenário que, por seu turno, não viabiliza a presença abundante de peixes na área marítima envolvente. Por outro lado, a água da chuva infiltra-se facilmente no solo vulcânico da ilha, o que torna difícil o seu aproveitamento por parte dos habitantes.
Hoje, a pequena ilha depende naturalmente do apoio proveniente do Chile, mas também do próprio turismo, pois a sua história invulgar desperta em qualquer mortal uma curiosidade que se apodera do espírito, incitando-o à aventura e à redescoberta de uma pequena terra que outrora fora alvo de um culto singular, traduzido na criação de elegantes estátuas – os moais – cuja interpretação histórica ainda não gerou sequer consenso entre os investigadores, adensando assim o mistério em torno da sua construção. 





Imagem nº 1 – Os “moais” – gigantescas esculturas – são o principal cartão-de-visita da Ilha da Páscoa.
Fotografia da autoria de Marko Stavric Photography / Getty Images





Mapa nº 1 - A Ilha da Páscoa situa-se a meio do Oceano Pacífico (parte sul), estando a uma distância enorme da costa chilena. A sua denominação deve-se ao facto do explorador holandês Jacob Roggeveen ter descoberto a ilha num domingo de Páscoa (5 de Abril de 1722). Na ilha, existem três vulcões importantes (Rano Aroi, Rano Kau, Rano Raraku), embora nenhum deles tenha entrado em erupção, desde que se implantou a presença humana.




O Advento dos Rapanui

À semelhança da colonização medieval verificada no Havai, ilha igualmente isolada no Oceano Pacífico (embora situada mais a norte e numa área ainda mais central do oceano) e sobre a qual havíamos já dedicado um artigo, também não existem muitas informações precisas em torno do povoamento primitivo da Ilha da Páscoa, embora subsistam teorias que não deixaremos de apresentar aqui.
Dentro deste contexto, debate-se se a ilha teria sido, numa primeira fase, ocupada entre os séculos IV e V, contudo esta primeira proposta cronológica de ocupação indígena está longe de ser partilhada por todos os investigadores e historiadores.
Mais credíveis parecem ser os estudos que apontam para uma presença humana na Praia de Anakena que seria anterior ao ano de 900 d. C. – esta teoria é reforçada por datações radio-carbónicas extraídas através de amostras de carvão e ossos de golfinhos – que serviriam de alimento para seres humanos. Ainda a reforçar esta linha de ideias, subsiste o argumento de que as restantes ilhas da Polinésia Oriental (Ilhas Cook, Ilhas da Sociedade, Ilhas Marquesas, Austrais, Tuamotu, Havai, Nova Zelândia e Pitcairn) haviam sido colonizadas entre 600 e 800 d. C. 
Na pior das eventualidades, e caso esta última teoria (embora a rotulemos como muito válida) não se tenha verificado em termos práticos, podemos, pelo menos, inferir que a ilha da Páscoa teria sido colonizada, o mais tardar, até ao ano de 1200 d. C.
Os novos ocupantes da ilha seguiriam os padrões generalizados da cultura polinésia, utilizando inclusive dialectos associados. Parece estar portanto descartada a hipótese dos primeiros colonizadores da ilha serem provenientes de uma civilização indígena avançada da América do Sul. Os testes de ADN realizados em 12 esqueletos antigos que se achavam enterrados na ilha confirmam que os seus portadores de outrora detinham uma “mandíbula oscilante”, característica bastante comum entre as sociedades polinésias. Por isso, os primeiros indígenas que arribariam à Ilha da Páscoa seriam muito provavelmente oriundos de outras ilhas da Polinésia, embora aqueles tivessem, ainda assim, que empreender uma larga e penosa viagem em alto mar, dado o inequívoco isolamento geográfico daquele pequeno espaço insular. Aliás, tal como no caso histórico do Havai, é de vincar uma vez mais a audácia dos navegadores polinésios que, através das suas embarcações frágeis, não hesitaram em desafiar novamente o vasto oceano que era até então pouco conhecido. 
Exposto isto, o povo nativo que vivia na Ilha da Páscoa, antes da chegada dos navegadores europeus no século XVIII, ficaria conhecido pela designação de Rapanui (ou Rapa Nui).
Esta comunidade primitiva detinha o seu próprio dialecto (embora, como disséramos, não muito desconectado da tradição expressionista das tribos polinésias), destacando-se aqui o seu sistema glífico – designado de Rongorongo - o qual poderá ter constituído uma versão ancestral da língua rapanui. Todavia, a sua decifração ainda hoje permanece como um mistério por desvendar. Alguns eruditos, baseando-se em relatos orais contemporâneos  dos anciões rapanui, julgam que aquelas escrituras poderiam estar associadas a hinos religiosos, façanhas e relatos de personagens importantes, e ainda, a genealogias históricas. No entanto, a sua interpretação está longe de ser acessível, até mesmo para os sábios e especialistas que se têm debruçado, em particular, sobre este ponto em concreto. Devemos ainda realçar que estes glifos poderiam ser gravados em objectos de madeira ou até sobre as próprias pedras e rochas que ali jaziam.
Por outro lado, registamos também a presença de gravações rupestres incrustadas sobre as rochas, plasmando desenhos de peixes, aves, tartarugas, embarcações, figuras humanas com grandes olhos, o homem-pássaro, o deus Makemake, etc. Supostamente, existiram ainda pinturas murais similares dentro das habitações dos rapanui mais abastados ou influentes.
Em termos de estrutura social, o ariki era o rei da tribo, embora este estatuto também pudesse designar a rainha, os príncipes e até os próprios nobres. Esta elite detinha um elevado poder político e reivindicava ainda uma vocação mágica e sobrenatural - a mana - que fazia crescer os frutos e os animais na terra e no mar, permitindo a prosperidade e estabilidade da comunidade. A hierarquia real obedeceria aos critérios de primogenitura. Nos tempos áureos dos rapanui, é provável que tivessem existido - chefes militares, polícias (embora rudimentares), professores, sacerdotes, construtores de casas, escultores, agricultores, pescadores, pequenos artesãos, etc. 
No plano religioso e mitológico, os ilhéus prestariam culto a variados deuses, seguindo assim uma vocação politeísta, tal como era apanágio de muitas civilizações polinésias e ameríndias.  De acordo com as suas antigas histórias, encontramos referência a Hotu Matu'a, personagem mítica (ou soberano lendário) que os rapanui julgam ter sido o primeiro colonizador da Ilha da Páscoa. Também o culto de Tangata manu (assunção mitológica do homem-pássaro) fora visível, atribuindo-se a sua iniciativa ao deus supremo e criador da humanidade - Makemake. 
Do ponto de vista económico, já elencámos algumas das lacunas que fariam a ilha padecer dos recursos necessários. Ainda assim, o povo rapanui introduziu plantações de batata-doce e porongo (cabaça) na ilha, cenário que poderá ter sido provocado por esporádicos contactos encetados com tribos da América do Sul. A terem existido tais permutas civilizacionais, é provável que as mesmas tivessem decorrido entre os anos de 1200 e 1300.
Os autóctones cultivariam ainda inhame, taro, banana e cana-de-açúcar. As galinhas, talvez trazidas pelos primeiros colonos, seriam o seu único animal doméstico. Recorreriam a instrumentos modestos como arpões, anzóis, enxós de pedra e limas de coral para assegurar a sua sobrevivência num ambiente geográfico e climático pouco convidativo. Adoptaram alguns sistemas de irrigação e poços de compostagem, e procuraram empilhar pedregulhos de forma a barrar as recorrentes rajadas de vento que prejudicavam os intentos agrícolas. Além disso, também se dedicavam à caça de aves, à recolha de moluscos e à própria pesca (nomeadamente do atum), embora estas operações fossem, muitas vezes, inglórias, dada a reduzida biodiversidade no panorama insular.





Imagem nº 2 - A presença de petroglifos (sinais esboçados nas rochas) e o respectivo culto ao homem-pássaro jazente nos ilhéus observados mesmo junto à costa da Ilha da Páscoa. O deus Makemake era a figura suprema da religião rapanui, embora existissem outras divindades e heróis venerados. 
Foto da autoria de Robin Atherton




O expoente máximo da arte rapanui – os "moais"

Como qualquer civilização, a comunidade rapanui desenvolveu as suas próprias expressões culturais. Através de cânticos em coro e objectos de som rudimentares, recriaram a sua própria criatividade musical. Apesar de serem uma sociedade indígena, lograram ainda confeccionar mantilhas de penas, tecidos de casca, enxós, etc. 
No entanto, a expressão por excelência da sua arte prende-se com a sua vocação para a escultura. Ao todo, existem hoje na pequena Ilha da Páscoa 887 moais (outros asseguram que até poderão ser mais do que 900!), estátuas altivas de madeira ou formatadas em pedra/rocha que visam retratar alegadas figuras humanas ou deidades. Julga-se que terão sido maioritariamente erguidas entre 1250 e 1500 d. C. (poderão existir algumas excepções de moais mais antigos), embora a sua simbologia seja ainda hoje motivo de debates entre os profissionais da história e da arqueologia.
De acordo com os especialistas, é provável que os Rapanui tivessem erigido tais monumentos de forma a homenagearem os seus líderes mortos. Repare-se que as esculturas foram erguidas de costas para o mar, encontrando-se viradas para o interior da ilha onde ficavam as aldeias. Esta disposição poderá indiciar um apelo aos senhores ancestrais de Rapa Nui para que zelassem pela protecção do seu povo face às inúmeras adversidades. 
Outra explicação possível radica na possibilidade dos moais terem servido como pára-raios da ilha, visto que a incidência de chuvas e trovoadas seria considerável. O pukao, espécie de chapéu, feito a partir de uma pedra vulcânica avermelhada e porosa, presente nas estátuas mais próximas à costa, teria servido como condutor de electricidade, ajudando a preservar aquelas esculturas.
Por outro lado, perduram ainda moais com presumível conotação religiosa, estando associados a construções cerimoniais ou funerárias (“ahu”). O caso mais flagrante na ilha parece prender-se com o centro ritual de Vinapu, onde as estruturas parecem obedecer a um formato semelhante a variadas construções incaicas situadas em Cusco. Alguns investigadores esboçaram mesmo a possibilidade de um contacto entre aquela civilização ameríndia e os nativos da Ilha da Páscoa, talvez ainda no reinado de Túpac Yupanqui (imperador inca que governou entre 1471 e 1493).
Como casos mais particulares encontramos também os moais de Ahu Akivi que presumivelmente seguiriam uma orientação astronómica e que haviam sido erguidos durante o século XVI.
Segundo o historiador Rainer Sousa, é possível que alguns moais tivessem servido ainda "para demarcar terras ou vincar a liderança política de algum líder que tenha vivido na ilha".
Em termos de dimensões, os moais compreenderiam uma altura média de 4,5 metros, embora algumas estátuas tenham atingido excepcionalmente os 10 metros! No que diz respeito ao peso estandarte, este rondaria as 5 toneladas, mas poderiam existir casos de moais que pesassem bem mais do que 10 toneladas (pelo menos, conhecemos o caso de um moai que atingiria o peso de 27 toneladas!). Aliás, no que diz respeito ao peso, os números poderiam ser completamente variáveis.
Em jeito de curiosidade, os moais Ahu Tongariki são os mais conhecidos da ilha, visto que assumem uma localização relevante junto à costa. Ao todo, são 15 estátuas erguidas, o que revela o esforço do empreendimento indígena. Apesar de terem sido em parte derrubados por conflitos civis entre os nativos e por um tsunami posterior (já no século XX), a verdade é que foram reabilitados durante a década de 1990.






Imagem nº 3 - Os moais Ahu Tongariki: 15 estátuas gigantes viradas para o interior da ilha, estando de costas para o mar. 





Imagem nº 4 - Os moais impressionam pela sua grandeza e comprovam os dons escultóricos do povo rapanui.
Foto da autoria de Frank Kehren






Imagem nº 5 - Um moai que alberga no seu cimo um pukao - espécie de cilindro avermelhado. Não se sabe ao certo qual seria o seu significado. Seria uma espécie de chapéu, cocar, peruca ou turbante que os indígenas mais eminentes da tribo utilizariam para se evidenciarem socialmente? 
Alegadamente, o pukao era feito a partir de pedras extraídas da cratera ou do cone de escória de Puna Pau, e o seu processo de talhamento poderia levar dois ou três meses.





Imagem nº 6 - Os moais encontram-se dispersos pela ilha, tanto junto ao litoral como no seu interior. Muitos apelidam, mais tarde, a Ilha da Páscoa como a "Ilha das Estátuas". 





O declínio do povo Rapanui

Quando os europeus arribaram à ilha no século XVIII, a tribo Rapanui parecia viver num estado bastante precário, encontrando-se num inequívoco retrocesso social. A ilha estava, cada vez mais, depauperada de recursos, tornando assim mais crítica a sua auto-sustentabilidade. 
A sobre-exploração da ilha, motivada pela limitação de bens essenciais e por uma população em expressão crescente (visível em séculos precedentes), poderá ter originado uma grave crise económica e até mesmo conflitos internos. Esta teoria é, pelo menos, adoptada por Jared Diamond na sua obra “Collapse” (2005). De acordo com esta linha de raciocínio, a desflorestação da ilha (devido à necessidade constante de madeira) e o condicionamento em torno das fontes de alimento (a biodiversidade era reduzida e as cultivações seriam precárias devido ao clima vigente) podem explicar a decadência dos Rapa Nui. Além disso, este povo tinha despendido tantas energias e materiais ao erguer os seus célebres “moais”. 
O desmatamento excessivo provocou ainda a erosão do solo e a ausência de madeira para a construção de novas habitações bem como de pequenos barcos que seriam utilizados na pesca.
Também algumas plantas insulares teriam desaparecido. Das 48 que supostamente existiriam outrora, apenas passariam a restar 22, aquando da chegada europeia. De acordo com relatos ancestrais, teria inclusive ali existido uma das maiores palmeiras do mundo – a “Palmeira Rapa Nui”, a qual não resistiria talvez à exacerbada exploração tribal. 
Esta realidade seria assim presenciada por Jacob Roggeveen, o primeiro europeu a chegar, embora que acidentalmente, à Ilha da Páscoa a 5 de Abril de 1722. O navegador holandês teria permanecido na ilha durante alguns dias, estimando que a população nativa rondaria entre os 2 e os 3 mil habitantes (embora este número terá sido bem superior nos séculos anteriores). Em 1770, seria a vez do espanhol Felipe González de Ahedo arribar ao território, demonstrando a sua intenção de anexar a ilha aos domínios espanhóis. Também o inglês James Cook e o francês Jean-François de Galaup se deparariam com a ilha em 1774 e 1786 respectivamente. 
Os séculos XVIII e XIX revelar-se-iam ainda mais nefastos para estes nativos. Tal como já se havia sucedido com as sociedades ameríndias, os contactos com os europeus e com os seus súbditos colonizadores da América traduziram-se em vários dissabores. Por um lado, os rapanui foram vítimas de algumas doenças trazidas pelos europeus (como por exemplo, a temível varíola), enquanto que, por outro, passaram a ser um alvo vulnerável por parte de todos aqueles que se dedicavam ao tráfico esclavagista. Além disso, é provável que entre os séculos XVII e XVIII tivessem rebentado conflitos internos entre a própria tribo Rapanui, devido à falta de recursos para satisfazer as suas necessidades. A violenta guerra travada entre os vários clãs ocasionou mesmo a destruição de vários moais, os quais seriam reconstruídos ou reparados mais tarde. Em tempos passados, adoptaram-se também práticas de sacrifícios humanos e canibalismo, de forma a agradar ao deus supremo Makemake.
A ilha acabaria por ser anexada pelo Chile em 1888 através da iniciativa do comandante Policarpo Toro Hurtado. Aquando desta efeméride, apenas viveriam ali pouco mais de uma centena de nativos (101 ou 111, de acordo com testemunhos cronológicos ligeiramente separados), um número alarmante que confirmava o declínio demográfico, social e económico dos rapanui. Na altura, as autoridades chilenas firmariam um acordo com Atamu Tekena, o líder da tribo. Em troca da sua autonomia, os ilhéus estariam agora mais a salvo de eventuais ataques por parte de esclavagistas europeus e americanos (sobretudo peruanos). Em 1966, os habitantes da ilha passaram a ter finalmente direito à cidadania chilena. Actualmente, e apesar das adversidades registadas ao longo dos últimos cinco séculos e do facto da maior parte dos habitantes se expressar hoje em espanhol, a verdade é que cerca de 60% da população residente na Ilha da Páscoa (recorde-se que, ao todo, são mais de 5 mil os habitantes da ilha) é descendente daquele povo aborígene, cujas tradições se mantêm ainda vivas, motivando o entusiasmo de todos aqueles que tencionam conhecer a produção cultural original patente naquele território. E claro, os seus moais embelezam ainda mais o seu legado, perpetuando-o para a eternidade.






Imagem nº 7 - Teatralização recente que visava imitar as tradições da comunidade rapanui.
Direitos da Foto - OREALC/UNESCO Santiago / Foter / CC BY-NC-SA





Imagem nº 8 - Uma sessão de dança tradicional rapanui. Este povo sempre manifestou um orgulho especial pelo seu passado, pelas suas tradições e pelos seus antigos líderes.




Referências Consultadas:

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A "Idade de Ouro Georgiana" espelhada por três vultos literários


Contexto


O reino medieval da Geórgia foi fundado no ano de 1008 por Bagrate III, então um dos responsáveis pela fundação da Catedral de Bagrati em Kutaisi (hoje Património Mundial da UNESCO). Durante os séculos XI e XII, o novo estado monárquico, então independente, irá conhecer a sua Idade de Ouro. A partir de épocas distintas, o rei David IV (governou entre 1089-1125) e a rainha Tamara (foi figura central entre 1184-1213) lograram elevar os feitos políticos, militares e económicos georgianos até ao apogeu. De facto, o reino alcançou, no seu expoente máximo, largas dimensões territoriais que aglutinavam o sul da actual Ucrânia, determinadas províncias do norte do Irão, e ainda possessões religiosas na Terra Santa e na Grécia. 
O povo georgiano, à semelhança de hoje, sempre fora fiel ao credo cristão, mais concretamente à vertente ortodoxa. Naturalmente, foi promovida, desde cedo, a criação de igrejas e mosteiros que se disseminariam rapidamente pela região. A arte sacra também conheceu um aprimoramento original, traduzida na implementação de novos moldes arquitectónicos e ainda na produção original de peças religiosas (nomeadamente relicários e trípticos) e de pinturas murais que revestiam as paredes dos templos.
No entanto, as invasões implacáveis dos mongóis, no decurso do século XIII, originariam a queda deste reino até então profícuo. Também a entrada em cena dos turcos nos séculos posteriores trariam mais instabilidade à região do Cáucaso e ao próprio povo georgiano. A queda de Constantinopla em 1453 significara ainda o desaparecimento definitivo do Império Bizantino, até então o tradicional aliado da causa georgiana. Ainda assim, o enclave cristão resistiria, mesmo com elevados custos humanos e materiais, às terríveis depredações turcas e iranianas que se fariam sentir a partir do final da Idade Média.
No entanto, é essencial realçar que os três principais vultos literários que nos propusemos a abordar enquadram-se cronologicamente na Idade de Ouro Georgiana que vigorou com esplendor antes da terrífica expansão mongol.





Mapa nº 1 - O reino georgiano e os seus respectivos estados vassalos entre 1184 e 1230. Foi durante esta altura que aquele estado cristão atingira a sua maior expressão territorial.
Retirado do Wikipédia




Kintsvisi Monastery By Abramia.JPG

Imagem nº 2 - O Mosteiro Ortodoxo de Kintsvisi remonta historicamente ao século XIII, embora incorporasse uma velha igreja (hoje em ruínas) que seria datada do século X.
Créditos da Fotografia - Abramia Giorgi 





Imagem nº 3 - Tríptico de Khakhuli consagrado à Virgem Maria ("Theotokos"). A peça tem a particularidade de congregar esmaltes bizantinos e georgianos datados de entre os séculos VIII e XII.
"Goldschmiedekunst und Toreutin in den Museen Georgiens", Aurora Leningrad, 1986




Demétrio I, o rei-poeta que venerou a Virgem Maria

Demétrio nasceu por volta de 1093. Era filho de um dos reis mais carismáticos da história da Geórgia - David IV, o Construtor. Este último reinara, como já disséramos, entre 1089 e 1125, tendo sido responsável por triunfos decisivos obtidos diante dos turcos seljúcidas, além de ter promovido a emancipação de uma cultura cristã numa Geórgia que, no seu tempo, viria a ser unificada.
De facto, o então príncipe Demétrio lutara a lado de seu pai David IV na célebre batalha de Didgori (ano de 1121), empreendimento bélico que ditaria o início da Idade de Ouro Georgiana e que importa então conhecer através de uma narração detalhada. De facto, as crónicas não deixam de citar o feito miraculoso do exército cristão que teria nas suas fileiras, cerca de 55 mil soldados, um número considerável, é certo, mas bastante inferior àquele que era apresentado pelo seu oponente.
Efectivamente, do outro lado, estava Ilghazi (governador artúquido de Mardin) com um exército turco que integraria, segundo as fontes medievais, mais de 100 mil homens, podendo até ter mesmo chegado aos 200 mil, de acordo com outras contagens propostas. A expedição seljúcida seria justificada pelo ressurgimento de alguns confrontos na região que importunariam os interesses árabes. Antes da batalha de Didgori, as autoridades islamitas controlavam já há quase quatro séculos a cidade de Tbilisi que, apesar de pagar recentemente um tributo considerável ao rei David IV, poderia ser agora o alvo principal dos georgianos que procuravam reunificar definitivamente o seu reino, incorporando uma notável urbe que havia sido fundada no século V pelo então soberano Vakhtang I Gorgasali da Ibéria. Cenário esse que o então mandatado oficial militar turco Ilghazi procurava, a todo o custo, evitar através de uma expedição invasora e claramente punitiva.
Ambas as forças se reencontram a 12 de Agosto de 1121. Os georgianos sabem que estão em inferioridade numérica, e procuram imediatamente recorrer a um movimento ardiloso. Simulam o envio de um pequeno destacamento de homens para uma suposta abordagem diplomática que deveria abrir uma ronda negociativa. Mas tal não passaria de uma manobra engendrada para iludir o adversário. Por detrás das colinas de Didgori (localizada a 40 km da ainda possessão "muçulmana" de Tbilisi), o exército do rei David IV e do príncipe Demétrio aproveitaria aquele curto espaço de tempo para tentar cercar rapidamente o inimigo. O cerco não será total, mas ainda assim o suficiente para infernizar o adversário. Quando o grupo de falsos diplomatas chegou ao local, depois de ter esgotado alguns minutos no referido trajecto (os quais foram valiosos para dar tempo às aspirações tácticas das forças cristãs), não hesitou em sacar das suas espadas para atacar, de surpresa, os comandantes turcos que os aguardavam para um primeiro contacto pacífico. Não foi um golpe limpo, certamente, mas o rei David sabia que teria de causar o pânico e a desorganização num exército que lhe era bem superior. Só assim seria possível o triunfo! Após aquele ataque inesperado, as forças seljúcidas não souberam conter a disciplina táctica.
As forças do rei georgiano e do seu príncipe herdeiro logo se lançaram sobre a retaguarda, e depois, sobre os flancos do adversário turco. Ilghazi sente-se perdido, não conhece o terreno. É ferido tal como o seu filho em combate, mas ambos conseguem escapar a tempo. O exército turco fica assim sem o seu líder, e a desorganização será a partir de agora total. Ao invés disso, os vários destacamentos georgianos mantêm alguma frieza e tiram partido da anarquia verificada no lado oponente. Ainda assim, a vitória não terá um preço fácil - a batalha campal irá durar três horas - milhares perecerão de ambos os lados, mas sem dúvida que a maior parte esmagadora serão turcos que tombariam em batalha diante da cavalaria ou dos arqueiros cristãos, outros acabariam mortos enquanto tentavam fugir. Muitos turcos foram ainda capturados nos dias seguintes à batalha.
A vitória em Didgori permitiu aos georgianos eliminar a ameaça turca durante os próximos tempos, e mais do que isso, proporcionou, no ano seguinte (1122), a reconquista cristã de Tbilisi que se converteria na capital do reino medieval da Geórgia.
Em termos comparativos, a batalha de Didgori foi tão nevrálgica para o rumo histórico da Geórgia, como a conquista de Lisboa (alguns anos depois, em 1147) seria para as ambições do reino medieval português. Aliás, Afonso Henriques de Portugal e David IV da Geórgia foram os primeiros notáveis arquitectos dos seus respectivos reinos, mesmo que os seus territórios se encontrassem separados fisicamente por uma distância enorme. 
Com a morte de David IV em 1125, Demétrio sobe ao trono. O seu reinado irá conhecer uma duração de cerca de 30 anos, mas não será repleto de êxitos políticos tal como fora o de seu pai. Exceptuando uma investida bem-sucedida (mas sem grandes efeitos práticos) sobre a cidade de Ganja (actualmente, a segunda maior cidade do Azerbaijão), a verdade é que Demétrio não terá vida fácil, sobretudo na corte. Na década de 1130, surgiria mesmo uma conspiração planeada por alguns aristocratas que o tentaram derrubar para entregar o poder ao seu meio-irmão Vakhtang. O rei foi avisado a tempo desta movimentação e não hesitou em punir os revoltosos. 
No ano de 1154, seria a vez do seu filho mais velho, David V, forçá-lo a abdicar do trono. Demétrio teve que abraçar a vida de monge no cenóbio de David Gareja onde recebeu o nome monástico de Damião (Damianus). Contudo, David faleceria seis meses depois, o que obrigou o rei a reassumir os destinos do reino até 1156, ano em que abdica a favor de um outro filho seu - George III (este reinou entre 1156-1184 e seria o pai da célebre e futura rainha Tamara). Demétrio regressa ao mosteiro, onde terá morrido entre 1156 e 1158. Seria sepultado no Mosteiro de Gelati, fundado pelo seu pai David IV em 1106 e onde repousam alguns dos reis georgianos medievais.
Apesar de não ter imprimido uma autoridade consensual ou indiscutível, Demétrio I soube, pelo menos, manter intacto o legado de seu pai, preservando a organização feudal e estimulando os sectores económico e cultural.
Em termos de produção literária, Demétrio escreveu poemas de natureza religiosa, quando se encontrava enclausurado no mosteiro David Gareja, onde vivera então os seus dias derradeiros. Um deles, consagrado à Virgem Maria, tornou-se num autêntico hino, o qual procuraremos traduzir de seguida.
Esta sua devoção pelo cristianismo oriental fez com que fosse considerado santo pela Igreja Ortodoxa, sendo o seu dia festivo anual celebrado a 23 de Maio.






Imagem nº 4 - David IV, rei da Geórgia entre 1089 e 1125, foi responsável pela emancipação da nacionalidade georgiana na Idade Média. Seria o pai de Demétrio, rei-poeta.
Créditos - Wikipédia





Imagem nº 5 - A vitória na batalha de Didgori, travada em 1121, permitiu ao rei David IV e ao seu príncipe herdeiro Demétrio inaugurar um novo caminho que levaria à reconquista cristã de Tbilisi (esta viria a ser a nova capital do reino) e à reunificação da identidade georgiana.
Quadro da autoria de Augusto Ferrer-Dalmau




Demetre I (Matskhvarishi).jpg

Imagem nº 6 - Fresco do Mosteiro Matskhvarishi em Svaneti que ilustra a coroação do rei Demétrio I que sucederia a seu pai David IV, o Construtor.
Pintura mural da autoria de Michael Maglakeli




Hino do rei Demétrio I consagrado à Virgem Maria
(Tradução da nossa autoria a partir de uma versão inglesa da sua epopeia)


Vós sois uma vinha recentemente florescida.
Jovem, bonita, crescendo no Éden,
(Um álamo perfumado rebentando no Paraíso.)
(Que Deus vos adorne, ninguém é mais digno de louvor.)
Vós mesmo sois o sol, refulgindo brilhantemente.





Imagem nº 7 - Mosteiro Ortodoxo David Gareja, local onde o rei Demétrio I viveu os seus derradeiros dias, tendo composto poesia de teor religioso. O soberano viria a ser depois sepultado no Mosteiro de Gelati.




Shota Rustaveli, o poeta que cantou a epopeia georgiana


Natural de Rustavi (região de Meskheti), Shota Rustaveli teria nascido por volta de 1160-1165. Infelizmente, os dados existentes voltam a ser escassos para determinar com exactidão o seu percurso biográfico. Conhecemos, por isso, melhor a sua obra do que a sua vida. 
No entanto, terá sido um ministro ou estadista (exercendo até o papel de tesoureiro) que esteve ao lado da conceituada rainha Tamara, uma das governantes mais emblemáticas da História da Geórgia que assumiria o poder entre 1184 e 1213. 
De acordo com alguns rumores veiculados, embora não cientificamente comprovados, Rustaveli poderia ter recebido a sua formação nas academias medievais georgianas de Gelati e Ikalto, tendo registado ainda uma passagem posterior pelo Império Bizantino, onde poderá ter estudado as obras mais sonantes da filosofia helénica. Os seus principais trabalhos deverão ter sido compostos entre a década de 1180 e o ano de 1207. Terá alegadamente falecido por volta de 1220, podendo ter passado os seus últimos dias como monge do Mosteiro da Cruz em Jerusalém (de vocação ortodoxa e, ao que se julga, fundado tradicionalmente por georgianos). Apesar de não nos ser possível confirmar cientificamente este seu retiro espiritual, a verdade é que o referido cenóbio integra inclusive um retrato mural pintado do poeta em questão, situação que pode alimentar ainda a tese de que Rustaveli poderá ter sido patrocinador daquele templo cristão sito então na Cidade Santa. Além disso, existem outros estudiosos que colocam em cima a possibilidade (embora esta nos pareça ainda mais difícil de ser comprovada) de Shota Rustaveli ter sido também um notável pintor, tendo alegadamente esboçado alguns dos frescos do mencionado Mosteiro da Cruz.
Em termos literários, a sua principal obra "O Cavaleiro na Pele de Pantera" apresenta-nos um longo poema épico que enaltece, de certa forma, os feitos georgianos da sua era. O contexto não deixava efectivamente de ser inspirador a todos os níveis. Com a rainha Tamara, esta então venerada pelo autor da epopeia, o reino da Geórgia atingiria as máximas dimensões territoriais, frustrando qualquer investida inimiga proveniente do exterior. A ciência medieval progrediria também ali. As caravanas georgianas já chegariam inclusive ao sultanato aiúbida do Egipto, ao principado de Kiev e até ao Império Bizantino, o que revela um claro crescimento económico e comercial. Muitos mosteiros e igrejas foram erguidos durante este período que favorecia igualmente a produção artística. Tal como Luís Vaz de Camões cantara, mais tarde, e com um talento magistral, os feitos dos Portugueses nos Descobrimentos em "Os Lusíadas", Shota Rustaveli haveria de formular, ainda que alguns séculos antes, a sua epopeia para eternizar as proezas medievais georgianas.
A sua vasta obra contém personagens alegóricas ou "virtuais" (e inúmeras metáforas), embora as características de muitas destas nos remetam para personalidades reais do seu tempo. Por exemplo, a personagem da princesa "Tinatin" nasceria a partir do protótipo da rainha Tamara. De acordo com Donald Rayfield, autor de uma obra que incide sobre a literatura medieval georgiana, "Tinatin" solicitara ao seu amado general e cavaleiro "Avtandil" para que este prestasse auxílio ao príncipe indiano "Tariel", encontrado então sob um pranto de lágrimas e vestindo uma pele de pantera negra, a recuperar a sua apaixonada "Nestan-Darejan" que havia sido capturada por usurpadores. Após inúmeras aventuras, naturais e sobrenaturais, o amor e os ideais de cavalaria triunfam, permitindo a ambos os casais alegóricos a prossecução dos respectivos matrimónios e a consequente instauração de governos/reinos profícuos.
Sobre a bela princesa "Tinatin", o poeta georgiano chega então a escrever o seguinte - "radiante como o sol nascente, nascida para iluminar o mundo à sua volta, tão justa que o mais leve dos seus sentimentos faria um homem perder a cabeça; seriam necessárias dez mil léguas e a sabedoria dos sábios para expressar o elogio da filha do rei" (recorde-se que o rei George III havia abdicado em favor da sua filha Tamara, pelo que esta mantém muitas semelhanças com a personagem que acabamos de citar).
Em jeito de balanço, Shota Rustaveli considera, ao longo dos seus versos, as nobres condutas de cavalaria, os sentimentos de amor e amizade, a valentia e a sorte. Valoriza a harmonia, a lealdade e a sinceridade em plena corte, chegando até a defender a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, um tema que ainda hoje é actual, mas que para a altura em questão seria considerada certamente uma visão ousada. Recorda ainda alguns heróis, cuja valentia e generosidade não poderá ser esquecida. E ao contrário do que muitos possam pensar, a sua obra não se restringe apenas à Geórgia, fazendo igualmente figurar as regiões da Arábia, China e Índia, o que revela a sua ímpar criatividade.




Um excerto do prólogo
(Tradução da nossa autoria a partir de uma versão inglesa da sua epopeia)


Ao derramarmos lágrimas de sangue, nós louvamos a rainha Tamara
Cujos louvores eu, não mal-escolhido, tenho narrado adiante!
Para a tinta, usei um lago de esguichos, para a pena, um flexível cristal!
Quem quer que escute, uma lança dentada perfurará o seu coração!




Um excerto do epílogo
(Tradução da nossa autoria a partir de uma versão inglesa da sua epopeia)


Deus dos georgianos, David, cujo sol é seu servidor,
E aqui eu escrevi esta poesia para o seu uso,
Aquele que governa no Este e no Oeste
Para queimar os infiéis, e agradar aos devotos.



(Nota-Extra - David Soslan era o rei consorte da rainha Tamara, sendo que ambos foram assim contemplados pela poesia de Shota Rustaveli, embora o corpo da obra albergue então as referidas personagens fictícias mas cuja associação discreta a determinadas personalidades reais não terá sido certamente acidental. No último verso que citamos do epílogo, está bem patente o fanatismo religioso que, na época, se vislumbrava)





Imagem nº 8 - Fresco no Mosteiro da Cruz em Jerusalém que retrata o poeta e pintor georgiano Shota Rustaveli.
Créditos - Wikipédia





Imagem nº 9 - Shota Rustaveli viveu possivelmente entre 1160/65 e 1220, tendo engrandecido os feitos do povo georgianos durante a sua era dourada. Como registo adicional de curiosidade, o prémio mais alto da actual República Independente da Geórgia nos campos da arte e literatura é designado como "Prémio Nacional Shota Rustaveli".
Retrato da autoria de Irakli Toidze (1902-1985)





Imagem nº 10 - Shota Rustaveli apresenta o seu poema épico à rainha Tamara, cuja beleza, inteligência e habilidades diplomáticas atraíram a admiração de vários poetas e escritores orientais.
Quadro do pintor húngaro Mihály Zichy (1826-1907)




Ioane Shavteli, o poeta dos panegíricos 


Este é talvez o erudito menos conhecido de entre os três que nos propusemos a abordar neste artigo. Por isso mesmo, as informações a seu respeito são muito escassas. Sabe-se que terá vivido entre os finais do século XII e os inícios do século XIII.
Desconhecem-se factos mais concretos sobre a sua existência. Teorias entretanto propostas procuram incutir-lhe alguma filiação clerical (os seus poemas assumiam uma tendência patrística - isto é, visavam a filosofia cristã) ou até mesmo uma determinada proximidade para com a rainha Tamara (1184-1213), podendo inclusive ter acompanhado esta nos seus diversos empreendimentos militares ou diplomáticos.
Ioane Shavteli deixou-nos poemas essencialmente laudatórios, e apesar de não citar directamente os nomes das duas personalidades então glorificadas pelos seus versos, tudo indica de que se tratem então de sinceras homenagens prestadas aos dois soberanos mais notáveis da Geórgia Medieval - ao rei David IV, o Construtor (1089-1125) e à rainha Tamara (1184-1213), cujas virtudes cristãs seriam então enobrecidas. 
Em relação aos versos presumivelmente dedicados ao rei David IV, reconhece os seus feitos militares para o renascimento georgiano. Apesar de não referir o seu nome, o poeta Ioane Shavteli faz alusão ao seu homónimo bíblico (trata-se muito provavelmente do profeta e rei de Israel - David), recordando o combate deste contra os antigos "pagãos", papel que supostamente seria também atribuído ao rei georgiano, então conquistador de Tbilisi. Aliás, não podemos deixar de relevar que a Dinastia Bagrationi, então no poder da Geórgia Medieval, sempre reivindicara ser originária do círculo familiar daquela figura carismática então engrandecida nos textos sagrados cristãos e judaicos.
Em relação à rainha Tamara, o escritor georgiano enaltece a sua beleza e a vontade de fazer o bem de uma forma simples e discreta. A esta dedicou então, inúmeras estrofes, sendo que procuramos destacar uma em concreto:




Tu és o olho dos cegos, a tutora dos jovens, o pão para os esfomeados, o abrigo para os sem-lar.
"Pai" para os órfãos, protectora das viúvas, destinada a cobrir os desnudados,
Um esteio de força para os idosos, desgastados pelo trabalho, com que se pode contar.
Tu distribuis sabedoria entre nós, divulgadora da graça, tu nos mostras a profundidade das palavras escritas!






Imagem nº 11 - A Rainha Tamara (1184-1213; em inglês - "Queen Tamar") foi fonte de inspiração para os vultos culturais do seu tempo. Embora sem mencionar o seu nome, o poeta georgiano Ioane Shavteli eternizou até à exaustão as suas qualidades humanas.




Nota adicional - Um quarto poeta georgiano foi, por exemplo, Chakhrukhadze. Talvez não tão importante como os anteriores, também dedicou várias odes à rainha Tamara. Viveu entre os séculos XII e XIII. Terá sido ainda secretário daquela soberana amada pelo seu povo.



Referências Consultadas