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sábado, 31 de outubro de 2015

Nizam al-Mulk, o Grande Vizir dos Persas

Corria o ano de 1018, quando Abu Ali Hasan (mais tarde denominado honorificamente como "Nizam al-Mulk") havia nascido na pequena povoação de Radkan (actual Irão). Poucos foram os dados que conseguimos recolher sobre a sua juventude. Sabemos, pelo menos, que durante alguns anos, havia servido o Império Gaznévida, estado muçulmano sunita que vigorou no antigo território do Khorasan (Coração) entre os anos de 977 e 1186. Neste contexto em específico, o nosso biografado terá desempenhado funções de natureza governativa na capital Ghazni, embora desconheçamos mais detalhes a esse respeito. 
No ano de 1043, Abu Ali Hasan deixa de servir aquela dinastia para começar a trabalhar directamente para os turcos seljúcidas que se estavam a afirmar na região. No ano de 1059, torna-se administrador da influente província do Khorasan, e no decurso da crise de sucessão vivida entre os anos de 1063 e 1064, não hesitará em apoiar as pretensões de Alp Arslan ao trono seljúcida. Este último será bem sucedido e afirmará inequivocamente o seu poder, abafando quaisquer revoltas ou manifestações populares de descontentamento. Naturalmente, a lealdade de Abu Ali Hasan para com o seu senhor foi tida em consideração neste delicado processo, e por isso, acabaria por ser nomeado vizir, isto é, ministro ou principal conselheiro do sultão. Tratava-se dum cargo prestigiante normalmente reservado àqueles que revelassem elevadas competências e que, em simultâneo, provassem ser dignos de merecer a confiança total do responsável máximo do sultanato. Abu irá usufruir desta benéfica posição administrativa durante os reinados de Alp Arslan (1063-1072) e Malik Shah I (1072-1092). Será neste âmbito que receberá o título honorífico de "Nizam al-Mulk" ("Ordem do Reino"), designação que o identificaria para a posterioridade.
Nizam al-Mulk provou ser um estadista ou um homem de elevada visão política que tutelou e reorganizou a máquina administrativa. O vizir destacou-se em vários campos de acção. No âmbito belicista, promoveu a criação de feudos militares destinados a servir de suporte aos soldados seljúcidas e a favorecer, em simultâneo, uma tradição agrícola persistente nesses territórios. Assim sendo, os militares, ao assumirem um poder autónomo em certos espaços, retirariam os dividendos necessários inerentes à produção das comunidades sedentárias que passariam agora a controlar, o que representava, em contrapartida, um alívio das despesas estatais para com o seu próprio exército. Por outro lado, e sempre que fosse necessário, o sultanato turco continuava a garantir às suas tropas o abastecimento em comida e o financiamento necessário que advinha dos fundos recolhidos através da cobrança de impostos sobre o sector comercial. Deste modo, era assim possível manter o esforço de guerra que permitia aos seljúcidas expandir o seu território.
De acordo com o escritor Amin Maalouf, Nizam idealizava um Estado próspero, poderoso e estável, onde se denotaria igualmente uma rigorosa disciplina das elites administrativas e religiosas. Por isso, não hesitará em sugerir um policiamento mais apertado, recorrendo aos preciosos serviços de alta espionagem e a sanções severas para os potenciais infractores. Por outras palavras, o vizir tencionava impedir eventuais levantamentos ou golpes de estado que pudessem colocar em causa a ordem no território.
No entanto, a obra do nosso biografado ultrapassa, em muito, a esfera política. Dentro deste contexto, Nizam promoveria a construção de diversas "madrasas", isto é, escolas ou colégios destinados ao ensino da religião muçulmana. O estabelecimento académico mais conceituado seria erguido em Bagdade e ficaria sob a tutela do afamado filósofo e teólogo al-Ghazali. De facto, este centro cultural foi dotado dos melhores professores do seu tempo e ainda disponibilizava instalações em condições bastante aceitáveis, favorecendo assim a transmissão de conhecimentos superiores aos seus estudantes. É provável que, enquanto seguidor do credo sunita, Nizam al-Mulk estivesse apreensivo com o crescimento duma seita que ele julgava ser herética e inclusive perigosa para o Islão - o Ismaelismo que, na altura, parecia recuperar preponderância através do seu pregador temível Hassan Sabbah. Por isso, as "madrasas" que foram criadas por quase todo o território persa serviriam igualmente para aplacar o crescimento dessa minoria religiosa, cujo radicalismo da altura suscitava a máxima desconfiança das altas estruturas do sultanato.
No seu tempo, o Estado Seljúcida testemunharia ainda a construção de hospitais, hospícios, mesquitas, caravançarais, cidadelas e palácios do governo. Também poderemos destacar o facto do poeta e astrónomo Omar Khayyam ter usufruído dum observatório que lhe permitiu analisar os fenómenos do Universo. Podemos rematar que o florescimento cultural foi, de certa forma, uma realidade que não foi descurada pelo vizir e seu sultão.
Todavia, a conjuntura estava longe de ser paradisíaca. Além do perigo ismaelita, as intrigas na corte turco-persa eram frequentes e minavam a credibilidade e a posição dos visados. Como veremos, Nizam al-Mulk acabaria também por ser, mais tarde, vítima destas jogadas de bastidores, pese o prestígio que já havia adquirido e que lhe granjeara até uma falange de seguidores leais.
Segundo Amin Maalouf, o vizir Nizam al-Mulk redigiu um importante livro - o "Siyaset Nameh" ("Tratado de Governo") o que na altura constituiu uma obra inovadora, uma espécie de equivalente para o Oriente Muçulmano do que será para o Ocidente, quatro séculos mais tarde, a obra "O Príncipe" de Nicolau Maquiavel, embora com uma diferença incontornável - "O Príncipe" é a obra de um desiludido que foi frustrado do exercício do poder político, enquanto que o tratado do vizir é fruto da insubstituível experiência de um edificador de um império. Efectivamente, os escritos de Nizam não se resumem exclusivamente às exortações moralistas reservadas aos príncipes, mas também abordam a organização da administração (vertente institucional), a composição e a manutenção da armada real, a promoção da ideologia sunita e a contenção do movimento xiita (o sectarismo ismaelita é mesmo repudiado na sua obra), entre outras matérias.
Durante o seu vizirato, Nizam al-Mulk promoveu a empregabilidade dos turcomenos (nómadas que poderiam ocasionar quezílias na região), afirmou o poderio político e bélico do sultão, imprimiu alguma estabilidade e ordem no estado seljúcida, confiou a gestão das províncias a familiares do sultão e desenvolveu ainda relações diplomáticas com o Califado Abássida.
O estadista ainda participou em algumas expedições militares. No reinado de Alp Arslan (1063-1072), alinhou ao lado deste último em campanhas na Arménia Bizantina (onde conseguiram apoderar-se de Ani, além de submeterem vários chefes locais) e no Cáucaso. Nizam também liderou, por conta própria, uma ofensiva belicista que culminaria na conquista de Estakhr (província de Fars, sul do actual Irão). No entanto, Nizam não estará presente na batalha decisiva de Manzikert (26 de Agosto de 1071), onde as tropas de Alp Arslan trucidarão o exército bizantino.
O assassinato inesperado de Alp Arslan em 1072 (foi apunhalado por um oficial capturado que velava pela defesa duma fortaleza e que havia sido sentenciado, naquele preciso momento, a uma morte cruel por parte do sultão), abriu as portas do poder ao seu filho Malik Shah I (1072-1092) que teve ainda de suportar uma rebelião do seu tio Kavurt. De modo a zelar pelos interesses do jovem sultão, Nizam irá conter os gaznévidas na região do Coração, obterá vitórias diante dos fatímidas na Síria, invadirá novamente a Geórgia (reduzida então a um estado tributário) e manterá a submissão dos governos regionais bem como eliminará determinados focos rebeldes.
Todavia, uma nova vaga de quezílias rebentaria a nível interno, no decurso da década de 1080, com Nizam e o seu próprio filho Jamal al-Mulk a serem alvo das duras críticas dos seus inimigos. Confrontados com inúmeras provocações, ambos respondem imediatamente através da via da repressão, gerando um ambiente tenso na corte. Como se não bastasse, Malik Shah recusou-se a arbitrar estes novos conflitos, cenário que favoreceu o aumento da escalada de ódios.
Apesar de procurar salvaguardar o seu estatuto privilegiado, o vizir sente a sua posição cada vez mais ameaçada e, nos seus últimos cinco anos de vida (1087-1092), despertará inclusive a inimizade de duas personalidades influentes - a princesa qarajanida Turkan Khatun e o líder ismaelita Hassan Sabbah. A primeira era esposa de Malik Shah, e desejava garantir os direitos de sucessão de seu filho Mahmud (nascido em 1087), pretensão recusada por Nizam al-Mulk e por muitos generais seljúcidas que tomaram o partido de Barkiyaruq, na altura, o filho mais velho de Malik Shah embora este fosse fruto dum outro relacionamento mantido com uma princesa seljúcida. Por seu turno, o segundo era um pregador do Ismaelismo (ramo dissidente do Xiismo) que lograra converter várias pessoas à sua ideologia e que fundara ainda a radical Seita dos Assassinos (centrada na imponente fortaleza de Alamut desde 1090) com o objectivo de semear o terror nos inimigos do seu credo. Como já referimos anteriormente, o vizir Nizam al-Mulk havia afrontado o Ismaelismo no decurso da sua governação, tendo ainda fomentado algumas perseguições, o que decerto irritou o Velho da Montanha que sempre ansiara pelo momento da vingança.
Com a sua posição diminuída na corte, muito graças à crescente influência da princesa Turkan nas decisões tomadas pelo sultão Malik Shah, e com a sua segurança exterior ameaçada pelos fanáticos ismaelitas, o vizir não irá preservar a sua vida por muito mais tempo. Além das conspirações que poderiam estar a ser preparadas, alguns autores acreditam que Nizam al-Mulk teria sido ainda vítima dum declínio profundo do seu estado de saúde, talvez provocado pela detecção dum grave tumor. O seu enfraquecimento em todos os sentidos materializaria o chamariz ideal para que os seus inimigos o neutralizassem de vez.
A 14 de Outubro de 1092, Nizam al-Mulk seria assassinado quando seguia numa rota que partia desde Ispaão até Bagdade. O vizir foi esfaqueado mortalmente por um membro da Ordem dos Assassinos, então disfarçado de dervixe, que teria sido então enviado pelo terrível Hassan Sabbah para concretizar o vil atentado. Fora assim a primeira grande personalidade a ser abatida por aquela seita fundamentalista. Todavia, e de acordo com Amin Maalouf, não é de descartar o envolvimento do sultão Malik Shah e da sultana Turkan Khatun neste conluio. No enredo do livro "Samarcanda", da autoria daquele romancista libanês, o líder do sultanato desejaria livrar-se definitivamente do excessivo protagonismo que recaía no seu vizir. Assim sendo, e contando com o apoio incondicional da sua esposa, teria "encomendado" os serviços implacáveis da Seita do Assassinos. Curiosamente, o sultão Malik Shah morreria cerca de um mês depois, em condições bastante controversas - durante uma caçada, sentira-se mal e caíra no chão, contorcendo-se de dores presumivelmente provocadas por um prévio envenenamento. As suspeitas deste crime foram atribuídas às hostes fiéis de Nizam al-Mulk que assim se vingariam da alegada perseguição que havia sido movida pelo sultão ao seu vizir nos derradeiros anos. No entanto, esta teoria não é consensual. Outros relatos apontam para a possibilidade do sultão ter sido envenenado a mando do Califado Abássida.
Os anos que se seguiram à morte do vizir serão pautados por uma enorme turbulência política que irá culminar numa desintegração interna irreversível dos domínios seljúcidas. Este novo ciclo de incerteza e indefinição iria coincidir com o sucesso estrondoso da Primeira Cruzada (1095-1102).
Nizam al-Mulk deixaria para trás uma vida de 74 anos, recheada de muita actividade e zelo, dinamizando os sectores político e cultural e estabelecendo uma aproximação entre turcos e "iranianos" que abundavam na região. Dotado de primorosas capacidades de organização administrativa, o vizir logrou assim elevar a mística e o esplendor do Império Seljúcida.




Legendas das Imagens: Na primeira fotografia, encontramos um busto de Nizam al-Mulk (1018-1092) que foi colocado em Mashhad (actual Irão). Foi retirada do site: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nizam_al-Mulk_Mashhad.jpg, (autor - Juybari).  Na segunda imagem, detectamos moedas cunhadas durante o vizirato de Nizam. A mesma foi extraída do Wikipédia. Por fim, a terceira gravura representa o assassinato perpetrado pela Seita dos Assassinos contra o vizir, e foi retirada de: http://www.warfare.altervista.org/Persia/14/Haz1653-Assassination_of_Nizam_al-Mulk.htm.


Nota-extra - De acordo com o conteúdo de outros relatos, Nizam al-Mulk (por vezes, também designado como Nizam el-Molk) teria deixado o sunismo para aderir ao xiismo no final da sua vida. Contudo, este rumor nunca foi comprovado cientificamente. No nosso entender, acreditamos que o vizir nunca teria deixado o seu credo sunita. Aliás, o seu tratado governamental espelha, de forma inequívoca, as suas críticas ao xiismo e, em particular, ao ismaelismo. Além disso, havia fundado as célebres "Niẓāmiyyah madrasas"de forma a patrocinar o renascimento religioso sunita.
Por outro lado, achamos ainda pertinente ressalvar que Nizam tentou aproximar turcos e iranianos que abundavam na região, conciliando as suas identidades culturais.



Referências Consultadas:


  • KOURIMA, Abderrahim - Théorie de l’Etat et du gouvernement en islam médiéval: « La siyaset nameh, ou traité de gouvernement" de Vizir Nizam al-Mulk". Publicado no ano de 2015.
  • MAALOUF, Amin - Samarcanda. Edição posterior (a original é de 1988). Tradução de Paula Caetano. Barcarena: Marcador Editora, 2015.
  • https://archive.org/details/siassetnamhtra01nizauoft, (Site em que pode ser verificado o tratado do vizir Nizam al-Mulk que foi traduzido e estudado por Charles Schefer, consultado em 31-10-2015)
  • http://www.britannica.com/biography/Nizam-al-Mulk-Seljuq-vizier, (Consultado em: 31-10-2015).
  • http://www.muslimphilosophy.com/ei2/nizam.htm, (Consultado em: 31-10-2015).
  • Wikipédia (Encontramos aí algumas informações - devidamente citadas - que consideramos assumirem alguma relevância visto que se inserem no contexto da actuação política deste renomeado vizir).

sábado, 3 de outubro de 2015

Omar Khayyam, o polímata persa

Omar Khayyam nasceu no ano de 1048 em Nishapur, povoação persa integrada na região do Khorasan (Coração). Provinha duma família de classe média-alta, onde se evidenciava o seu pai que havia exercido o papel de médico, embora as suas receitas fossem essencialmente de pendor herbanário. 
Como usufruía duma realidade minimamente desafogada, Khayyam teve a possibilidade de frequentar os seus primeiros estudos na sua terra natal e ainda na cidade de Balj, assimilando conhecimentos relevantes nas áreas das ciências e da filosofia. Além da vontade de aprender todos estes ensinamentos, o erudito persa tenciona, desde cedo, explorar a sua própria criatividade, abrindo novos horizontes que até então se afiguravam inalcançáveis aos olhos da Humanidade. 
No ano de 1070, Omar Khayyam visita uma das cidades mais antigas e exóticas do Oriente - Samarcanda. Tratava-se duma urbe com efervescência comercial, albergando mercados que se encontravam abarrotados por multidões desejosas de adquirir os seus famosos tecidos, cavalos e ainda o papel de óptima qualidade que era ali produzido. Por outro lado, a terra alojava frequentemente viajantes e mercadores (nomeadamente os da famosa Rota da Seda), o que fazia florescer o seu prestígio no exterior, além de permitir o convívio entre diversas culturas. Samarcanda motivaria inclusive a veiculação de lendas em seu torno e até entusiasmaria, mais tarde, escritores como Edgar Allan Poe (1809-1849) que um dia nos deixou este pequeno trecho textual bem elucidativo da sua opulência citadina:


"E agora passeia o teu olhar por Samarcanda!
Não é a rainha da Terra? Altiva, acima de todas
as cidades, e com os seus destinos nas suas mãos?"




Imagem nº 1 - Antes de sofrer as terríveis depredações dos povos mongóis, Samarcanda era uma das cidades mais opulentas do Islão. A terra foi reconstruída na era de Tamerlão (1336-1405).




Efectivamente, Khayyam irá deparar-se com uma das cidades mais esplêndidas do Islão. Aí desfrutará da protecção do cádi local - Abu Taher que não hesitará em ceder-lhe um livro (ou "caderno"), completamente em branco, onde poderia depositar, através da escrita, os seus livres pensamentos ou raciocínios, evitando assim o risco de os pronunciar oralmente em público, o que decerto incomodaria os grupos religiosos mais fanáticos ou conservadores daquela era pouco tolerante. Aliás, o termo "filassuf" (filósofo) conhecia, naqueles tempos, uma sentido depreciativo, visto que designava qualquer pessoa que se interessasse demasiado pelas ciências profanas dos gregos em detrimento da religião ou de outras formas de literatura mais toleradas. 
Em Samarcanda, Omar Khayyam irá compor um tratado de álgebra que se traduzirá na divulgação de noções inovadoras. De acordo com o escritor Amin Maalouf, Omar elaborou uma influente obra dedicada às equações cúbicas, onde para representar a incógnita adoptou o termo árabe chay (que significa "coisa") e que acabaria, mais tarde, por ser substituída pela letra x que se tornaria então no símbolo universal da incógnita. No entanto, não é só na área da Matemática que o intelectual dá cartas, mas também na poesia onde compôs, ao longo da vida, as suas famosas rubaiatas (estrofes de quatro versos, isto é, quadras) que se destinaram a glorificar o vinho, a mulher, o amor, os prazeres da vida e a natureza. Além disso, deixou-nos reflexões profundas sobre a vida (por exemplo: a sua origem, o seu destino, a sua efemeridade, os prejuízos das más acções/decisões...).
Naturalmente, o seu prestígio fizera despertar a atenção do sultão seljúcida Malik Shah e do seu poderoso vizir e estadista Nizam al-Mulk. Contando com o apoio garantido das altas dignidades do sultanato e das autoridades políticas locais, Omar Khayyam terá a oportunidade de erigir um observatório no decurso das suas estadias em Ispaão e Merv (actualmente Mary - Turcomenistão). De facto, a contemplação dos astros será uma das outras facetas culturais de Omar. O erudito reformará o calendário, dotando-o de uma maior precisão. Como astrólogo, não deixará de transmitir o respectivo horóscopo mensal a cada uma das individualidades que desejava conhecer as suas recomendações para o futuro que se avizinhava. Amin Maalouf acredita que Omar teria ainda realizado determinadas experiências no âmbito da previsão meteorológica que se alicerçaram num estudo minucioso dos fenómenos naturais do céu. Na matemática, será também um "genial precursor das geometrias não euclidianas".
Dado o seu elevado conhecimento científico, é possível que, à semelhança do seu pai, tivesse igualmente examinado alguns doentes, mas sobre essa eventualidade de natureza medicinal não conseguimos apurar elementos convincentes.





Imagem nº 2 - Omar Khayyam elogiou, na sua literatura, as mulheres e o vinho.


Passa o tempo bendito da minha juventude
Para esquecer, sirvo-me de vinho.
É amargo? É assim que ele me agrada,
Este amargor é o gosto da minha vida.
(Omar Khayyam)




No ano de 1092, teria rumado numa peregrinação a Meca, Cidade Santa do Islão, cumprindo o seu dever enquanto muçulmano.
Contudo, pouco se sabe, em termos cronológicos e de testemunhos documentais reunidos, sobre a sua real experiência de vida. Por outras palavras, conhece-se melhor a sua obra do que as suas vivências. Dentro deste contexto, não poderemos determinar com rigor científico a duração das suas estâncias em Samarcanda, Ispaão e Merv. Sabemos sim que terá passado os últimos anos de vida na sua terra natal - Nishapur, onde ensinou matemática, astronomia, filosofia (nomeadamente a de Avicena), medicina e ainda outras disciplinas. Aí faleceria no ano de 1131.
Durante os séculos seguintes, o seu legado cairia numa fase de semi-esquecimento, mas a partir do século XIX, a sua obra renascerá aos olhos do homem contemporâneo. A tradução dos seus poemas pelo escritor (e também poeta) inglês Edward Fitzgerald constituiu o primeiro passo para o redescobrimento da arte inerente aos seus pensamentos. A obra de Omar Khayyam chegava assim à Europa, conquistando gradualmente admiradores, tanto nos núcleos admiradores da poesia como naqueles círculos de eruditos interessados em questões de matemática ou astronomia.
Ao nível do seu pensamento espelhado nos escritos poéticos e filosóficos, devemos salientar que, apesar da sua presumível convicção muçulmana (vertente sunita; embora com uma prática alegadamente sufista), Omar Khayyam distanciava-se de algumas doutrinas ou dogmas, acreditando que, por exemplo, as ocorrências ou fenómenos observados poderiam não ser fruto da ingerência divina, mas que poderiam ser antes explicados pelas leis da natureza. Em si, é observado inclusive uma considerável dose de cepticismo que motivaria, mais tarde, discussões entre aqueles que se debruçaram sobre o seu legado. No entanto, é provável que, enquanto seguidor do pensamento de Avicena, Omar tivesse acreditado na unicidade de Deus (Tawhid: fé no Deus único; monoteísmo islâmico), não colocando em causa o princípio da origem divina do mundo e de todas as coisas. Por outro lado, realçamos também que o pessimismo e o materialismo estão muito presentes na sua obra.
Omar Khayyam foi um polímata, isto é, um homem que dominou várias ciências, recorrendo a concepções modernas e a raciocínios livres e independentes dos dogmas religiosos. As suas conclusões eram demasiado avançadas para a época em que vivera. Talvez, por causa disso, apenas o nosso mundo moderno o tenha finalmente compreendido, colocando-o no patamar dos génios que pisaram o solo deste planeta.





Imagem nº 3 - Retrato de Omar Khayyam, sábio persa (1048-1131).





Imagem nº 4 - Mausoléu de Omar Khayyam em Nishapur.
Foto da autoria de Javad Jafari




Exemplos de Rubaiatas (Separadas) da autoria de Omar Khayyam
(Com tradução de Alfredo Braga)


"Se em teu coração cultivaste a rosa do amor,
quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus,
ou esgotado a taça do prazer,
a tua vida não foi em vão"


"Noite, silêncio, folhas imóveis;
imóvel o meu pensamento.
Onde estás, tu que me ofereceste a taça?
Hoje caiu a primeira pétala"


"Eu sei, uma rosa não murcha
perto de quem tu agora sacias a sede;
mas sentes a falta do prazer que eu soube te dar,
e que te fez desfalecer"


"Acorda... e olha como o sol em seu regresso
vai apagando as estrelas do campo da noite;
do mesmo modo ele vai desvanecer
as grandes luzes da soberba torre do Sultão"


"Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
Senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a lua me procure em vão"


"Não procures muitos amigos, nem busques prolongar
a simpatia que alguém te inspirou;
antes de apertares a mão que te estendem,
considera se um dia ela não se erguerá contra ti"





"Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti"


"Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos".


"Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica".


"Aquele que criou o Universo e as estrelas
exagerou quando inventou a dor.
Lábios vermelhos como rubis, cabelos perfumados,
quantos sois no mundo?"


"O bem e o mal se entrelaçam no mundo.
Não agradeças ao Céu
pela sorte que te coube, nem o acuses:
Ele é indiferente."


"Não pedi para nascer. Recebo, sem espanto ou ira,
o que a vida me entrega. Um dia hei de partir;
não me importa saber qual o motivo
da minha misteriosa passagem pelo mundo."


"Nesta noite caem pétalas das estrelas,
mas o meu jardim ainda não está coberto delas.
Assim como o céu derrama flores sobre a terra,
verto em minha taça o vinho da cor das rosas".





Imagem nº 5 - A poesia de Omar Khayyam ainda hoje aborda temáticas bastante actuais, nomeadamente sobre o papel do Homem neste Mundo.
Quadro da autoria de Edmund Dulac




Notas-extra:

1 - A realização deste artigo incidiu especialmente na recolha de informações extraídas do romance histórico "Samarcanda" de Amin Maalouf. Além do facto deste fascinante escritor ter idealizado o cenário da época, reconhecemos que a sua obra nos concedeu ainda algumas informações relevantes que nos parecem ser credíveis ou pertinentes e que, em muito, elevam o papel prestado por Omar Khayyam para a evolução da Humanidade.

2 - Há uma lenda antiga que associa uma eventual amizade de Omar Khayyam com outras duas individualidades persas do seu tempo - o vizir Nizam al-Mulk e o fundador da ordem dos Assassinos - Hassan Sabbah. Todavia, não reunimos factos concretos suficientes que atestem uma ligação muito próxima entre estas três personalidades (hipótese que até nos parece muito duvidosa), embora não descartemos de todo que se tivessem, pelo menos, conhecido em algum momento ou circunstância, visto que os três viveram praticamente na mesma região e na mesma época.

3 - Alguns investigadores acreditam que Omar Khayyam seria bastante céptico em termos de convicções religiosas ou até mesmo ateu (segundo o teor de algumas "rubaiatas"), contudo na obra "Samarcanda", Amin Maalouf apresenta-nos um homem de convicções muçulmanas, embora bastante afastado dos círculos mais fundamentalistas ou radicais, e exercendo assim um pensamento livre e independente face a dogmas religiosos. Contudo, neste ponto em concreto, reconhecemos que subsiste ainda muita discussão em torno da natureza das "crenças" de Omar Khayyam.

4 - Muitos dos poemas de Khayyam foram traduzidos para português por Alfredo Braga.



Referências Consultadas: