Este site foi criado com o intuito de divulgar os feitos mais marcantes no decurso da história mundial

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Hassan Sabbah, a "Personificação do Terror"


Contexto

“Uma lenda povoa os livros. Ela fala de três amigos, três persas que marcaram, cada um à sua maneira, os primórdios do nosso [primeiro] milénio: Omar Khayyam, que observou o mundo, Nizam al-Mulk, que o governou, Hassan Sabbah que o aterrorizou.” (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 92)


Como já salientamos num dos artigos anteriores, manifestamos muitas dúvidas ou ressalvas em relação à possibilidade de estas três personalidades eminentes da sociedade persa terem partilhado calorosos laços de amizade. No entanto, decidimos citar este trecho, presente na obra "Samarcanda" de Amin Maalouf, porque ilustra, de forma sucinta e aceitável, os legados que Nizam al-Mulk, Omar Khayyam e Hassan Sabbah imprimiram no célebre Império Seljúcida (estado muçulmano que ocupava vastas regiões da Anatólia Oriental, Ásia Central e Golfo Pérsico).
Em pleno século XI, este conjunto territorial era maioritariamente ocupado por sunitas, e como tal, as estruturas estatais recém-instaladas pelos turcos não deixavam de seguir e promover essa vocação religiosa. Os xiitas eram, de certa forma, relegados para um segundo plano, embora assumissem uma expressão considerável em algumas províncias do Império.
No seio do Xiismo, havia uma corrente dissidente que começaria a evidenciar-se gradualmente e que parecia inquietar sultões, vizires e principais oficiais do exército - tratava-se do Ismaelismo. Os seus devotos, os ismaelitas, acreditavam na mensagem divina de Maomé, mas distinguiam-se dos demais por seguirem um imã vivo. Através de uma abordagem esotérica, defendiam a existência de sete eras marcadas pela passagem de sete profetas: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus, Maomé e Ismael (este foi o companheiro silencioso de Maomé e regressará no futuro para ser o profeta do sétimo e derradeiro ciclo que corresponderá ao fim do Mundo). No século XI, os seguidores deste movimento foram implicitamente rotulados como membros integrantes de núcleos claramente descontentes e indignados com o domínio turco.
Dentro deste contexto, a doutrina ismaelita não suscitava qualquer tipo de receptividade por parte dos altos dignitários do Estado Seljúcida que não hesitaram em catalogar a corrente como herética e inclusive ameaçadora para os superiores interesses do Islão. Não será pois de estranhar que tivessem sido movidas algumas perseguições contra esta minoria sectária. No entanto, a entrada em cena de Hassan Sabbah irá agravar ainda mais esta conjuntura que, em breve, ficará marcada por um insanável e irrespirável extremismo religioso.
A história de vida de Hassan mostra-nos um homem dotado de elevada formação cultural e religiosa que, numa primeira etapa da sua actividade, recorreu às pregações e a um estilo de vida algo ascético, mas que depois, servindo-se do clima de intolerância, criou uma seita radical que espalharia o terror por toda a Pérsia e Médio Oriente. A partir da tenebrosa fortaleza de Alamut, o "profeta" do medo e da chantagem psicológica exercerá um domínio terrível sobre a sociedade que o rodeia, não hesitando em castigar severamente todos aqueles que ousassem afrontar a sua ideologia.




Qazvin - Alamout Castle3.jpg

Imagem nº 1 - Ruínas da Fortaleza de Alamut (Norte do actual Irão) localizadas no topo dum elevado rochedo. Esta estrutura defensiva tornar-se-ia no Quartel-General da Seita dos Assassinos em finais do século XI.
Retirada de: https://en.wikipedia.org/wiki/Alamut_Castle, (Alireza Javaheri)




Primeiros tempos: As Suas Origens e a "Vocação Missionária"

"O homem dos olhos exorbitados retomou a sua vida errante. Missionário infatigável, percorre o Oriente muçulmano - Balkh, Merv, Kashgar, Samarcanda. Por toda a parte prega, argumenta, converte, organiza. Não sai de uma cidade ou de uma aldeia sem lá ter designado um representante, deixando-o rodeado de um círculo de adeptos, xiitas cansados de esperar e de sofrer, sunitas persas ou árabes arrasados pela dominação dos turcos, jovens sequiosos de agitação, crentes em busca de rigor. Chamam-lhes «batinis», a gente do segredo, apelidam-nos de heréticos, de ateus. Os ulemás lançam anátema atrás de anátema - «Ai de quem se associar a eles, ai de quem comer à mesa deles, ai de quem se unir a eles pelo casamento; derramar o sangue deles é tão legítimo como regar o nosso jardim»". (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 119)


Não existem muitos dados que nos permitam traçar com rigor os primeiros anos de vida de Hassan Sabbah. Todavia, algumas notas biográficas teorizam que teria nascido em Qom (actual Irão) talvez por volta do ano de 1034. Pertenceria presumivelmente a uma família tradicional xiita (de ascendência iemenita) que mantinha alguma influência na região. Pouco tempo depois, o núcleo familiar iria mudar-se para Ravy, terra onde predominava um estilo de pensamento radical.
Talvez, entre os 7 e os 17 anos, Hassan teve a oportunidade de estudar, na sua própria casa, várias ciências tais como Quiromancia, Línguas, Filosofia, Astronomia e Matemática (em particular Geometria). Também terá usufruído de uma educação canalizada para as matérias religiosas. Por isso, não podemos negar que Hassan acedeu a uma formação intelectual acima da média e que seria ainda aprofundada em futuras conversações que chegou a manter por intermédio de alguns dos seus contactos privilegiados.
É essencial ressalvar o facto de que Hassan Sabbah não havia nascido na fé ismaelita, visto que, por influência familiar, teria sido instruído nos moldes oficiais do Xiismo. A sua adesão ao Ismaelismo terá ocorrido posteriormente aquando dum debate que teria travado em Ravy com Amira Zarrab, um missionário ou pregador, e por conseguinte, defensor daquela doutrina, que vagueava naquela altura pela Pérsia e que teria esvaziado os argumentos do erudito natural de Qom. De acordo com uma lenda, cujo grau de veracidade é bastante discutível - Hassan teria contraído, praticamente em simultâneo, uma grave doença, a qual o fez reflectir sobre os novos ensinamentos religiosos que lhe haviam sido propostos, tendo por fim, abraçado o novo credo, enquanto o medo duma iminente morte o atormentava.
Ao ingressar nesta nova corrente, Hassan teve de jurar obediência ao Califado Fatímida do Egipto que apoiava a causa ismaelita. O jovem, na altura com 17 anos, iria intensificar as reuniões secretas com membros influentes daquele movimento que também operava na Pérsia. A intelectualidade e a capacidade de argumentação de Hassan constituíram elementos determinantes para surpreender pela positiva os altos membros da organização religiosa que almejava aumentar consideravelmente o seu número de crentes no Norte de África, Médio Oriente, Anatólia e Pérsia.
No ano de 1071, Abd al-Malik ibn at-Tash, principal responsável dos Ismaelitas na Pérsia, tomou a iniciativa de nomear Hassan como missionário, aconselhando-o a rumar ao Egipto, de forma a completar os seus estudos e a receber uma formação religiosa elevada. Assim sendo, o nosso biografado começará logo a pregar por várias terras, tendo conhecido curiosamente passagens pelo Azerbaijão e Síria (Damasco). Em 1078, Hassan chega finalmente ao Egipto, onde terá permanecido durante 2 ou 3 anos. Julga-se que aí terá desenvolvido detalhadamente os seus conhecimentos sobre o Ismaelismo, além de ter dialogado com influentes personalidades da região que eram seguidoras deste credo. Alguns historiadores acreditam ainda que, durante esta estadia, o missionário ismaelita ou nizari teria começado já a ponderar a criação futura de uma ordem radical destinada a salvaguardar, através dos meios mais tenebrosos, a sobrevivência daquela doutrina que era repudiada pela maior parte esmagadora dos turcos seljúcidas.
Após regressar do Egipto, Hassan professaria durante nove anos pela extensa Pérsia, pregando em cidades, vilas e aldeias. O seu objectivo passava por angariar novos crentes ou fiéis para a causa ismaelita. Não parece que tenha sido mal sucedido - a sua eloquência e convicção foram factores suficientes para converter muitas pessoas, algumas delas insatisfeitas com o domínio turco (sunita) na região. Por seu turno, o vizir Nizam al-Mulk que sempre defendera a contenção do Xiismo e que abominava totalmente o Ismaelismo (ver artigo anterior), soube do impacto adverso causado por aquele incómodo missionário e ordenou prontamente a sua captura. Contudo, sempre que os guardas seljúcidas pensavam estar no encalce de Hassan Sabbah, a verdade é que este conseguia invariavelmente ludibriá-los, desaparecendo das suas vistas como se tratasse de um fantasma. O que é certo é que o seu nome começava a circular na região, causando embaraço às altas estruturas do sultanato que, conscientes da ameaça, pretendiam neutralizá-lo!





Imagem nº 2 - Hassan Sabbah aderiu ao Ismaelismo, tendo igualmente adquirido formação religiosa para efeitos de missionação.
Retirada do Wikipédia




A Radicalização de Hassan e a Entrada em Alamut


"Alamut. Uma fortaleza sobre um rochedo, a seis mil pés de altitude, uma passagem de montes desprovidos de vegetação, lagos esquecidos, falésias abruptas, desfiladeiros apertados. O mais numeroso exército só poderia lá chegar com homem atrás de homem. As mais poderosas catapultas não conseguiriam aflorar-lhe os muros. 
Entre as montanhas reina o Shah Rud, apelidado «rio louco», que, na primavera, aquando do degelo do Elburz, enche e acelera, arrancando à sua passagem árvores e pedras. Ai de quem ousa aproximar-se, ai da tropa que ousa acampar nas suas margens. 
Do rio, dos lagos, sobe todas as noites uma bruma espessa, penugenta, que escala a falésia e depois se detém a meia altura. Para quem lá se encontra, o castelo de Alamut é então uma ilha num oceano de nuvens" (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 127)


Neste contexto de intolerância e discriminação religiosas que acabamos de descrever no tópico anterior, Hassan Sabbah não hesitaria em retaliar na mesma moeda, procurando zelar a todo o custo pelos interesses superiores da sua corrente. Por outras palavras, ele estava disposto a enveredar pelo caminho do extremismo. Contudo, ninguém poderá negar a originalidade do projecto maquiavélico que planeava agora colocar em prática. Hassan queria fazer com que os ismaelitas deixassem de ser perseguidos, para passarem antes a ser temidos. Esse terror psicológico que desejava incutir nos diversos inimigos do seu credo será indubitavelmente uma das facetas que acompanhará a criação da terrífica Seita dos Assassinos. O historial de homicídios (ver link em baixo) até poderá não ser tão largo como muitos julgavam inicialmente, mas reúne, sem dúvida, os nomes de algumas personalidades notáveis da política e da religião (o seu credo poderia ser sunita, xiita ou cristão) desses tempos. Que erro teriam então cometido estas pessoas? Simples - em algum momento, haviam desafiado ou afrontado os desígnios do Velho da Montanha e da sua seita vingativa, motivo suficiente para que os fidai fossem incumbidos de concretizar os mais implacáveis e surpreendentes atentados.
Nos princípios do mês de Setembro do ano de 1090, Hassan decidiu então instalar-se numa fortificação antiga em Alamut, no alto dos Montes Elburz (Norte do actual Irão), cujos difíceis acessos garantiam excelentes condições defensivas diante dos mais temíveis inimigos. Basta atentarmos na descrição minuciosa de Amin Maalouf citada em cima.
Com o intuito de se apropriar do imponente castelo que aí perdurava, o pregador conseguiu reunir a quantia de 3 mil dinares de ouro para assim convencer o governador daquele espaço a abdicar das suas funções. Curiosamente, esta verba avultada tinha sido anteriormente despendida pelo referido governador para lograr o controlo de Alamut, pelo que seria agora reembolsado do investimento inicial. Além disso, Hassan soubera infiltrar elementos ismaelitas nas aldeias que existiam naquela região montanhosa, de modo a conquistar os apoios dessas comunidades e, por conseguinte, provocar o descrédito e a resignação do seu chefe local que teve então de abandonar a região, contentando-se com a quantia que lhe fora oferecida.
Alamut tornar-se-à, durante os próximos 166 anos (isto é, desde a entrada de Hassan em 1090 até ao ano de 1256, data em que a fortaleza seria finalmente destruída pelos invasores mongóis), na sede de uma nova ordem - a Seita dos Assassinos. O seu novo responsável máximo, Hassan Sabbah, passará a ser designado pelos cronistas do seu tempo como o Velho da Montanha. Velho porque a sua longevidade será inegável (crê-se que terá vivido entre 1034 e 1124, isto é, 90 anos; outros autores acreditam que terá vivido apenas cerca de 75-80 anos, ainda assim muito tempo, tendo em conta a reduzida esperança média de vida na época medieval); da Montanha porque é a partir do "castelo montanhoso" de Alamut que chefiará a ala mais radical dos ismaelitas, causando o terror pelas amplas regiões da Pérsia e do Médio Oriente. 
De acordo com uma lenda, Hassan Sabbah teria ficado confinado nos compartimentos daquela "fortificação" durante os seus derradeiros 35 anos de existência, seguindo uma vida austera e concentrando-se na observância restrita da sua religião. Avançam as fontes que só por duas vezes terá saído da sua habitação para subir ao respectivo telhado. Não sabemos se este testemunho antigo se aproxima da veracidade dos factos, ou se é manifestamente exagerado. Todavia, os investigadores parecem concordar que, nesta nova etapa da vida de Hassan, não haveria lugar para as anteriores "aventuras" nómadas. De facto, o ex-missionário irá utilizar a sede de Alamut para rezar, estudar, traduzir e dirigir as actividades dos seus leais seguidores que não se atreviam em discutir as suas ordens.




Murders for a False Paradise: The Hashshashins

Imagem nº 3 - Retrato Idealizado sobre a Fortaleza de Alamut na Plena Idade Média. O castelo que então existia, conheceria a datação das suas origens para o século IX. A partir do ano de 1090, Hassan Sabbah faria do lugar a nova sede da Seita dos Assassinos. No entanto, o castelo seria arruinado pelos mongóis em 1256.




A Seita dos Assassinos - Estrutura e Procedimentos Letais

"Nos anos e decénios vindouros, incontáveis mensageiros de Alamut conhecerão a mesma morte, com a diferença de que já não tentarão fugir. «Não basta matar os nossos inimigos» ensina-lhes Hassan: «Não somos homicidas, mas executores; devemos agir em público, para servir de exemplo. Matamos um homem, aterrorizamos cem mil. No entanto, não basta executar e aterrorizar, também é preciso saber morrer, pois, se ao matar desencorajamos os nossos inimigos de tentar o que quer que seja contra nós, ao morrer do modo mais corajoso ganhamos a admiração da multidão. E desta multidão, sairão homens para se juntarem a nós. Morrer é mais importante do que matar. Matamos para nos defendermos, morremos para converter, para conquistar. Conquistar é um objectivo, defendermo-nos é apenas um meio».
Doravante, os assassínios ocorrerão de preferência à sexta-feira, nas mesquitas e à hora da oração solene, perante o povo reunido. A vítima, vizir, príncipe, dignitário, religioso, chega, rodeada de uma guarda imponente. A multidão fica impressionada, submissa e admirativa.  O enviado de Alamut está ali, algures, sob o mais inesperado dos disfarces. De membro da guarda, por exemplo. No instante em que todos os olhares estão reunidos, ele ataca. A vítima tomba, o carrasco não se mexe, berra uma fórmula aprendida, ostenta um sorriso de desafio, à espera de se deixar imolar pelos guardas enfurecidos e depois despedaçar pela multidão assustada. A mensagem chegou; o sucessor da personagem assassinada mostrar-se-à mais conciliador em relação a Alamut; e entre a assistência, haverá dez, vinte, quarenta conversões". (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 143-144)


No topo da hierarquia da Ordem dos Assassinos, pontificará Hassan Sabbah, Grão-Mestre ou Ancião/Pregador Supremo. Este encontra-se rodeado por um punhado de missionários propagandistas - os dai - que se encarregam das tarefas inerentes à divulgação da corrente ismaelita que se centrará essencialmente na Pérsia e na Síria. Logo abaixo, estão os rafik que, através de uma instrução adequada, se encontram habilitados a comandar uma fortaleza ou dirigir a organização à escala de uma cidade ou província. Os mais aptos destes poderão ser inclusive missionários um dia mais tarde. Mais abaixo na estrutura, encontramos os lassek, isto é, os crentes de base que não mantêm qualquer predisposição para os estudos nem para a acção violenta. De acordo com Amin Maalouf, nesta última posição incluíam-se vários pastores dos arredores de Alamut, numerosas mulheres e velhos. Depois temos os mujib, ou seja, os noviços que recebem os primeiros ensinamentos e que, conforme o seu perfil e capacidades, serão orientados posteriormente para a categoria mais adequada. Por fim, detectamos a classe dos fidai - "os que se sacrificam". Estes últimos representam a verdadeira força liderada pelo Velho da Montanha pois seriam eles mesmos os incumbidos de cometer as mais vis atrocidades e homicídios, sacrificando, muitas vezes, a sua própria vida pela causa.
Obviamente, interessa-nos abordar um pouco mais este grupo específico dos fidai. Segundo o que o escritor libanês Amin Maalouf nos conta, estes seriam escolhidos pelo grão-mestre que teria em conta a sua inabalável fé bem como as suas habilidades militares e capacidades de resistência. Normalmente, teriam poucas aptidões para as vertentes do ensino e da missionação, pelo que seriam somente utilizados nas acções maquiavélicas que lhes eram reservadas. Ainda assim, o treino dos fidai estava longe de se equiparar a um ofício simples. Os seleccionados teriam que saber manejar o punhal, isto é, saber sacá-lo com um gesto furtivo, e depois cravá-lo no coração ou pescoço da vítima. Também seriam obrigados a familiarizarem-se com os pombos-correios que transportavam alfabetos codificados, o que lhes permitiria estar em comunicação imediata (e discreta!) com Alamut. Os assassinos tinham que, por vezes, assimilar alguns conhecimentos culturais - dialectos, sotaques, costumes - para se infiltrarem nos respectivos meios hostis ou estranhos, onde sob a capa de um disfarce indecifrável, aguardariam pelo momento ideal para atacar a vítima de surpresa. A espera pelo ataque derradeiro poderia durar horas, dias, semanas ou até meses!
Se os assassinos recorreram ao consumo de drogas para procederem aos assassinatos então determinados pelo grão-mestre é algo que não podemos comprovar com dados inequívocos. Neste ponto em particular, há teorias para todos os gostos, e todas elas não podem ser descartadas...
Em jeito de balanço, ninguém pode negar que Hassan Sabbah tinha criado e afinado a máquina mais mortífera da Idade Média. O poderoso vizir seljúcida Nizam al-Mulk, defensor da ideologia sunita e perseguidor do credo ismaelita, seria inclusive a primeira grande personalidade a ser assassinada pelos seguidores de Hassan. Outros alvos seriam igualmente abatidos nas décadas seguintes...




Imagem nº 4 - Representação de um Hashashin / Fidai /Assassino.
Desenho da autoria de Thiago - 2010




A Disciplina e a Austeridade promovidas por Hassan

"Que reinado é pior do que o da virtude militar? O Pregador Supremo quis regulamentar cada instante da vida dos seus adeptos. Baniu todos os instrumentos musicais; se descobria a mais pequena flauta, quebrava-a em público, lançava-a às chamas; o prevaricador era posto a ferros, abundantemente sovado, antes de ser expulso da comunidade. O consumo de bebidas alcoólicas era ainda mais severamente punido. O próprio filho de Hassan, surpreendido numa noite pelo pai em estado de embriaguez, foi imediatamente condenado à morte; apesar das súplicas da mãe, decapitaram-no ao amanhecer do dia seguinte. Para servir de exemplo. Mais ninguém se atreveu a beber um gole de vinho. 
A justiça de Alamut era, no mínimo, expeditiva. Conta-se que havia sido cometido um crime, certo dia, no recinto da fortaleza. Uma testemunha acusou o segundo filho de Hassan. Sem procurar verificar os factos, este mandou cortar a cabeça do seu último filho varão. Alguns dias mais tarde, o verdadeiro culpado confessava; também foi decapitado. 
Os biógrafos do Grão-Mestre mencionam o massacre do seus filhos para ilustrar o seu rigor e imparcialidade; eles precisam que a comunidade de Alamut se tornou, pelo benefício de tais castigos exemplares, uma enseada de virtude e de moralidade, o que não custa a crer; sabe-se, no entanto, por diversas fontes, que após estas execuções a mulher única de Hassan e as suas filhas se insurgiram contra a sua autoridade, que ele ordenou que as expulsassem de Alamut e recomendou aos seus sucessores que agissem de igual modo no futuro, para evitar que influências femininas alterassem o recto julgamento deles. 
Extrair-se do mundo, criar o vazio em torno da sua pessoa, rodear-se de muralhas de pedra e de medo: tal parece ter sido o sonho insensato de Hassan Sabbah" (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 143-144)



Hassan não era, de modo algum, um ignorante ou alguém com conhecimentos limitados. Era um homem dado aos estudos religiosos e filosóficos, e que seguia uma vida austera, desprezando radicalmente as tentações materiais e não tolerando quaisquer desvios de fé por parte da comunidade que regia. Todavia, ele instrumentalizaria toda a sua bagagem cultural em prol do medo e do terror, acreditando que estaria a garantir, em simultâneo, a defesa e a progressão da fé ismaelita. Ainda assim, e no âmbito dos atentados exteriores (ocorridos na Pérsia, Síria ou Palestina), o Grão-Mestre da Seita dos Assassinos não costumava "alvejar" civis ou "pessoas totalmente inocentes" (embora pudessem ocorrer, em determinadas ocasiões, danos colaterais) mas sim figuras de revelo que haviam atacado ou desrespeitado, de certa forma, a sua corrente religiosa.
Sabemos que Hassan Sabbah terá provavelmente perecido em 1124, contudo e talvez por desconhecimento em torno do seu falecimento (o bastião de Alamut encontrava-se isolado do mundo), as referências ao "Velho da Montanha" não cessaram nas crónicas, conferindo-lhe um estatuto quase imortal, o que fez com que a Seita continuasse a ser temida até meados do século XIII. Efectivamente, os "assassinos" prosseguiram com a concretização de crimes nos tempos vindouros, vitimando personalidades influentes. Os mandamentos fundamentalistas do seu fundador continuaram a ser estritamente observados, pelo menos, durante várias décadas. Só no ano de 1256 é que se dará finalmente a destruição do lugar de Alamut pelos mongóis, episódio que constituirá um golpe fatal neste projecto imbuído de radicalismo.
É lógico que à luz do nosso pensamento moderno, os métodos de Hassan Sabbah e da sua horda de fanáticos devem ser rebatidos em nome da paz, da tolerância religiosa, da liberdade de expressão e do valor da integridade humana. O seu legado de ódio e vingança deve igualmente causar-nos repúdio. Todavia, neste artigo, procuramos contextualizar as suas acções numa época em que a intolerância e o fanatismo religiosos faziam parte do modus vivendi, quer no Ocidente quer no Oriente. Nesses tempos, o martírio de cavaleiros cristãos nas cruzadas ou de ginetes muçulmanos na jihad seria imediatamente engrandecido por vários cronistas, poetas e demais escritores. Foi nessa era tumultuosa que Hassan viveu, não obstante o factos do seus "ensinamentos" ainda inspirarem hoje organizações terroristas e associações mafiosas dispersas por todo o mundo. 




Imagem nº 5 - Hassan Sabbah fundou a Seita dos Assassinos de forma a proteger a causa ismaelita. A partir de Alamut, incumbirá os fidai de inúmeros atentados contra todos aqueles que, no exterior, afrontassem os seus desígnios.




Notas-extra:


  1. De acordo com o conteúdo de uma narração lendária, o vizir Nizam al-Mulk teria, em virtude de uma alegada amizade (mantida entre as já citadas três personalidades persas), convidado Hassan Sabbah a chefiar os serviços de espionagem do Império Seljúcida. Todavia, quando este assumira o ofício, envolveria-se em intrigas palacianas, conspirando contra o vizir, o que originou o seu exílio, tendo depois acabado por criar a Seita dos Assassinos a partir de Alamut. Como já frisamos, a passagem de Hassan pelas estruturas estatais de espionagem parece constituir mais um boato lendário que não nos merece muita credibilidade, dada a ausência de documentos que atestem tal eventualidade.
  2. Outra enigma debatido cinge-se à origem do termo Hashashin, com alguns autores a defenderem que este estaria relacionado com o potencial consumo de haxixe por parte dos fanáticos seguidores de Hassan Sabbah. Sob a influência de drogas, os fidai teriam alucinações ou visões esplêndidas nos jardins aprazíveis e recônditos de Alamut. Foi inclusive esta interpretação que adoptamos no primeiro artigo que redigimos sobre a "Ordem dos Assassinos" neste blog (ver link disponibilizado na nota-extra nº 4). Todavia, Amin Maalouf propõe uma segunda teoria em que atribui a origem da palavra "assassino" ao termo Assassiyun, sendo que a sua interpretação remete-nos para aqueles que são fiéis ao Assass, ao "Fundamento da Fé". Na perspectiva deste romancista libanês, a origem deste vocábulo residiria na fé inabalável dos fidai. Sobre esta matéria, ainda não existe muito consenso entre os historiadores.
  3. Actualmente, a religião ismaelita continua bem viva, congregando milhões de seguidores por todo o mundo (em especial, no Oriente). Todavia, é essencial realçar que a organização segue hoje moldes pacíficos e harmoniosos, renunciando a qualquer fórmula de violência ou de repressão. Pensamos ser crucial deixar esta ressalva bem clara, de modo a não transmitir uma ideia errada aos nossos leitores. Aliás, o Ismaelismo conheceu, ao longo da sua história milenar, diversas facetas que não podem ser abusivamente confundidas. A corrente de Hassan foi apenas (repito - apenas!) uma das inúmeras ramificações ismaelitas.
  4. Como já tínhamos afirmado, este não foi o primeiro artigo que elaboramos sobre Hassan Sabbah (ou Hassan Ibn Sabbah) e a sua seita radical. De facto, no dia 28 de Agosto de 2014, tínhamos publicado neste site um texto intitulado "A Ordem dos Assassinos", no qual expusemos um pequeno historial de homicídios presumivelmente atribuídos aos fidai. O mesmo pode ser consultado em: http://oscarreirosdahistoria.blogspot.pt/2014/08/a-ordem-dos-assassinos.html
  5. Por fim, nunca é demais elogiar o magistral romance "Samarcanda" da autoria do escritor libanês Amin Maalouf que nos cede inúmeros detalhes sobre a realidade persa nos séculos XI-XII.


Referências Consultadas: