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sexta-feira, 29 de maio de 2015

Murasaki Shikibu, a romancista medieval japonesa

No decurso da era medieval, os direitos e as capacidades culturais da mulher encontravam-se completamente desacreditados ou até renegados por uma sociedade estratificada e mergulhada em inúmeras desigualdades. Todavia, houve casos excepcionais de sucesso que, na altura, já tendiam a refutar tais estereótipos infundados. Neste contexto, registamos histórias de pessoas do sexo feminino que conseguiram elevar a sua erudição, deixando um legado valioso à sua civilização e vencendo assim a discriminação humilhante a que estavam votadas.
No país do sol nascente, Murasaki Shikibu alcançaria o reconhecimento universal daquilo que seria o seu imprescindível contributo para a História da Literatura. Nascida em Heian-kyō (actual Quioto) por volta de 973 (ou 978!), era filha do poeta e governador de província de Echizen - Fujiwara no Tametoki. Pertencia assim a uma família aristocrática que também já tinha dado cartas na cultura - por exemplo, o seu bisavô Fujiwara no Kanesuke (877-933) tinha sido igualmente um poeta de notável gabarito. 
Desde a sua infância, Murasaki demonstrava inteligência e perspicácia, assimilando os conhecimentos mais depressa do que o seu irmão. Por vezes, o seu pai desabafava "Se tu fosses apenas um rapaz, como eu ficaria tão contente", porém ele nunca a proibiria de estudar com o seu irmão, permitindo mesmo a leitura de alguns clássicos de língua chinesa que eram considerados inadequados para as mulheres do Período Heian (794-1185). A jovem teve ainda oportunidade de estudar a caligrafia, poesia e música japonesas. Em matéria de perfil, revelou, desde cedo, uma forte personalidade, o que associado à sua alta intelectualidade (considerada absolutamente sinistra para uma mulher), lhe granjearia poucas amizades ao longo da sua vida. Assim sendo, lidou com os olhares indiscretamente censuradores da sociedade do seu tempo, mas nenhuma destas contrariedades a impediria de vencer na vida. A sua educação tinha sido privilegiada, e o seu talento ou dom para a escrita nunca a abandonariam até ao final da sua vida. Estes dois últimos "ingredientes" eram raríssimos no mundo medieval mas constituiriam ferramentas preciosas para que alguns ousassem triunfar diante duma realidade bastante adversa.
Quando alcançou a fasquia etária dos 20 anos, Murasaki casou-se com Nobutaka - seu primo afastado e de idade já algo avançada. Teve uma filha em 999, mas perderia o seu marido dois anos depois, em 1001, devido a uma epidemia de cólera que afectou o país. 
A família imperial Fujiwara logo que teve conhecimento da sua erudição e utilidade, convidou-a a integrar a corte nipónica, como de facto veio a suceder-se enquanto dama-de-companhia às ordens da imperatriz Shōshi (também conhecida como Akiko). Ao frequentar essa nova realidade, Murasaki Shikibu começou a redigir um diário que manteve junto de si durante dois anos. Aí descreveu os pormenores da vida cortesã, lamentando profundamente o seu carácter frívolo e concorrencial. Também confidenciou que evitava expressar-se em língua chinesa (adoptada como oficial no âmbito estritamente governamental), cuja pronunciação por parte duma mulher era inaceitável naquele arquipélago asiático.
Todavia, a sua obra mais notável foi "O Conto de Genji" ("Genji Monogatari") baseado na vida preenchida de aventuras e amores dum príncipe fictício de seu nome Genji. Este seu projecto marcante foi talvez composto entre os anos de 1001 e 1010, ou seja, teria começado a lavrá-lo logo após a morte de seu marido e só o terminaria quase uma década depois (no entanto, há outros estudiosos que defendem que só terá concluído a redacção nos anos derradeiros da sua existência, remetendo aquela composição prosaica para uma duração cronológica superior). Nesta sua longa e incontornável narrativa, recheada de inúmeras personagens, a escritora inspirar-se-ia novamente nos mais ínfimos detalhes que caracterizavam as acções e comportamentos em voga das classes mais elevadas da sua sociedade, não hesitando em denunciar a decadência, a vaidade, a falsidade e os seus "vazios morais". Os "rolos manuscritos" de Murasaki perpetuariam a sua mestria intelectual, ao nível do pormenor descritivo e do exímio retrato que apresentou do seu povo naquele período mais remoto. Sem surpresa, os seus textos foram posteriormente traduzidos em diversos idiomas, merecendo a atenção de vários estudiosos e investigadores que, até aos dias de hoje, se renderam à sua criatividade sublime. De acordo com muitos especialistas, Murasaki terá sido a primeira romancista da História da Humanidade, e a sua vasta obra ainda se reveste duma invejável actualidade, sobretudo nos meios intelectuais orientais. Murasaki terá ainda concebido a sua própria colecção de poemas, onde voltou a revelar originalidade e uma infindável sabedoria.
Pouco se apurou sobre os derradeiros anos de vida da dama Murasaki. Julga-se que, em algum momento, terá abandonado a corte e ingressado num convento budista (Ishiyama-dera?). É ainda possível que tivesse procurado zelar pelo bem-estar da imperatriz Shōshi (o marido desta - o imperador japonês Ichijō tinha perecido em 1011).
Supõe-se que esta célebre escritora japonesa teria falecido por volta dos anos de 1025 ou 1026 (também subsistem teorias que sugerem as datas de 1014 e 1031 para o seu óbito), pressentindo, nos seus últimos escritos, acontecimentos violentos no futuro, muito devido àquilo que ela considerava ser fruto da degradação das classes superiores (as suas visões ou instintos não estavam muito longe da verdade, pois em 1192, os "samurais" iriam rebelar-se e, por conseguinte, procederiam à criação dum governo feudal e militar encabeçado por um xogum, oficial belicista que esvaziaria assim os poderes do imperador).
Murasaki evidenciou-se pela sua astúcia, carisma, coragem e determinação. Só assim abriria as portas da glória, ultrapassando todos os penosos obstáculos que se lhe podiam deparar na era medieval.





Imagem nº 1 - Murasaki Shikibu [973-1025] retratou a sociedade nipónica (nomeadamente as classes superiores) no Período Heian.






Imagem nº 2 - A Dama Murasaki Shikibu deixou uma herança vasta à Literatura Mundial.
Retirada de: http://womenandphilosophyproject.blogspot.pt/2013/03/murasaki-shikibu.html




Afirmações Célebres de Murasaki Shikibu:



"O mundo sabe que não; mas a ti, Outono, tenho de te confessar: o vento ao anoitecer apunhala profundamente o meu coração "


"Nenhuma arte ou aprendizagem deve ser continuada sem entusiasmo... E a aprendizagem de qualquer arte irá certamente recompensar mais ou menos de forma generosa o esforço feito em estudá-la"


"Bem, nós nunca esperávamos isto! Todos dizem: «Ninguém gostava dela. Todos eles disseram que ela era pretensiosa, estranha, de difícil abordagem, espinhosa, também gostava de seus contos, altiva, propensa a versificar, desdenhosa, rabugenta, e arrogante. Mas quando você a encontra, ela é estranhamente mansa, uma pessoa completamente diferente! Que vergonha! Será que eles realmente olham para mim como uma coisa maçante, eu me pergunto? Mas eu sou o que eu sou. "


"Em assuntos de arte a modéstia não é uma virtude"


"É inútil falar com aqueles que não entendem nada e que são problemáticos em falar com outros que criticam a partir de um sentimento de superioridade. As pessoas unilaterais são especialmente problemáticas. Poucas são versadas em muitas artes e a maioria agarra-se estreitamente à sua própria opinião. "




Notas-extra - Além das dúvidas em torno das balizas cronológicas que delimitaram a vida desta personalidade que tentamos aqui biografar, também ressalvamos que o seu nome original (ou de nascimento) é-nos totalmente desconhecido. Os investigadores acreditam que Murasaki é o nome derivado duma heroína do seu romance, enquanto que o apelido Shikibu reflecte a posição ou título de seu pai no "ministério" dos rituais. No entanto, foram estes os dois nomes que lhe assegurariam uma identidade na História. Relativamente à sua família, denotamos ainda uma ligação emparentada, embora seguramente distanciada e remota, ao clã poderoso dos Fujiwara.  



Referências Consultadas:



quarta-feira, 20 de maio de 2015

Ladislau, o rei santo da Hungria


Um cenário atribulado no início da sua vida


Filho do príncipe Bela e de Riquilda, Ladislau nasceu na Polónia, por volta do ano de 1046. Naquela altura, a conjuntura não era nada promissora visto que os conflitos internos pelo poder eram frequentes e minavam a estabilidade. Nos seus primeiros anos de vida, Ladislau testemunhara a rivalidade feroz que o seu pai Bela mantinha com o seu tio e rei da Hungria - André I. 
A disputa bélica pelo trono magiar até parecia ter ficado apaziguada aquando da promessa de André que, sendo o soberano em exercício, estaria disposto em transmitir, por herança, o ofício régio ao seu irmão Bela. Contudo, o nascimento de Salomão, primeiro filho do rei André, em 1053, inverteu este processo de entendimento, pois o líder magiar logo procurou defender os interesses do seu filho numa eventual sucessão, postura que decerto irritou Bela. O recurso às armas voltou então a verificar-se. Em 1060, dá-se uma dura batalha junto ao rio Tisza, na qual o soberano André é derrotado pelo príncipe Bela. Apesar da fuga, o rei húngaro tinha sofrido ferimentos que lhe seriam fatais e, assim sendo, viria a perecer em Moson nesse mesmo ano. 
Como a monarquia húngara era electiva, Bela (pai de Ladislau) seria então convidado a suceder na liderança do reino, até porque Salomão (filho do rei André I) era ainda demasiado jovem para assumir tais responsabilidades. Todavia, o reinado de Bela seria curto e terminaria logo em 1063, após o derrube inesperado do suporte de madeira do seu trono, acidente que lhe causaria diversos ferimentos que seriam também suficientes para ditar a sua morte. Coincidindo com o ano do falecimento daquele rei, chegariam igualmente as forças de apoio germânicas lideradas por Salomão que retornava agora para reclamar os seus direitos. Os três filhos de Bela - Géza, Ladislau e Lampert tiveram de procurar refúgio por algum tempo fora do reino. Contudo, em 1064, este trio de príncipes regressou com um exército polaco e conseguiu então firmar um acordo com o seu primo e novo rei Salomão que lhes cedeu uma porção territorial no nordeste do reino húngaro.  
Durante este processo, Ladislau não hesitou em reconhecer a legitimidade real de Salomão, até porque nunca aceitara bem o facto do seu pai (Bela) ter sido responsável directo pela morte do seu tio - o rei André I.
Apesar de algumas façanhas militares (sobretudo contra invasores cumanos, pechenegues e bizantinos), o rei Salomão acabaria por revelar uma conduta déspota, sanguinária e cruel, o que causou indignação popular. A nobreza húngara apresta-se à rebelião para defender os seus direitos, não se revendo na gestão autoritária do filho de André. Entretanto, o mal-estar e a desconfiança de Salomão também visará os seus próprios primos, não hesitando em planear o assassinato destes, embora os seus intentos tivessem saído frustrados. A rivalidade interna acentuava-se então vertiginosamente. No campo diplomático, o titular do reino da Hungria conta com o apoio dum aliado de peso ao qual está disposto a prestar vassalagem - o Sacro Império Romano Germânico. Todavia, os filhos de Bela não se deixam ultrapassar neste cômputo e conseguem obter o auxílio de polacos, russos e ainda do Papa Gregório VII (1073-1085) que mantinha um braço-de-ferro com as instâncias imperiais alemãs por causa da querela das investiduras. 
A guerra travada entre as duas facções culminaria na batalha decisiva de Mogyoród (1074), a qual seria vencida pelos irmãos Géza e Ladislau que, no pós-batalha, poupariam a vida a Salomão. Enquanto irmão mais velho, Géza seria coroado como novo rei, porém só governaria por três anos, tendo morrido em 1077. Abriam-se as portas do poder para Ladislau...





Imagem nº 1 - A Batalha de Mogyoród (1074) terminará com o reinado autoritário de Salomão, filho do rei André I, abrindo em simultâneo as portas do poder real para Géza e Ladislau, filhos do rei Bela. 
 Gravura da Chronicon Pictum (século XIV).




Ladislau I, o modelo de rei-cavaleiro (1077-1095)


Após a morte de Géza, os nobres húngaros voltaram a reunir-se para determinar quem seria o sucessor, e a escolha recairia sobre Ladislau. A sua sobriedade, sentido de justiça e elevada conduta moral eram virtudes apreciadas por parte da assembleia de barões influentes. Mesmo assim, Ladislau só aceitou a coroa após inúmeras pressões nesse sentido, visto que considerava ainda o seu primo Salomão (ainda vivo!) como herdeiro legítimo ao trono.
Chegado ao poder em 1077, Ladislau promoveu o crescimento do Cristianismo, tendência que se espelhou no decurso do seu reinado através da construção de várias igrejas e mosteiros (podemos aqui destacar a criação da célebre basílica de Nossa Senhora de Waradin). Foram ainda fundadas duas dioceses - a de Várad e a de Zagreb. Redefiniu igualmente os deveres que deveriam nortear os bispos e demais dignidades eclesiásticas. Ladislau sabia articular a sua hábil acção tanto nos assuntos laicos como nas temáticas eclesiásticas, o que lhe granjearia respeito por parte das mais diversas esferas da sociedade. Na sua vida privada, o soberano jejuava constantemente e orava por largas horas, o que confirmava a sua sólida formação cristã, talvez herdada por via da educação maternal
No campo da política interna, privilegiou a pacificação total do seu território, devolvendo harmonia ao reino após vários anos de tensão. Elaborou leis rígidas sobre furtos e assassínios, e demonstrou ainda solidariedade para com os órfãos e mais carenciados.
Ao nível da diplomacia no exterior, Ladislau continuava a reconhecer o Sacro Império Romano Germânico como principal inimigo do seu reino, e por isso, não hesitará em reforçar a aliança com o Papa Gregório VII e com Rodolfo da Suábia, adversário directo do imperador Henrique IV. Após ter ficado viúvo, Ladislau contrairia um segundo matrimónio com Adelaide, filha de Rodolfo, da qual terá algumas filhas, entre elas - Santa Piroska da Hungria (também conhecida como Irene).
Ladislau sempre procurou manter uma convivência sensata com o seu primo Salomão. Concedeu-lhe uma pensão proporcional ao seu nascimento privilegiado, e enviou ainda altos prelados ou homens de Estado que o tentavam chamar à razão e aos caminhos da fé cristã. O monarca húngaro estava inclusive disposto a devolver-lhe o trono, caso ele imprimisse uma postura bem mais assertiva e equilibrada. Mas Salomão não tinha mudado, e por isso, não tardaria em envolver-se em conspirações para destronar o rei santo. Contudo, os seus planos foram descobertos e Ladislau mandou-o encerrar numa praça forte, mas não por muito tempo. De acordo com uma lenda então narrada, Ladislau queria trasladar e exumar os restos mortais do antigo rei magiar Estêvão (este governara entre os anos 1000 e 1038; seria mesmo considerado o primeiro grande promotor do Cristianismo na Hungria), porém os seus operários não conseguiam sequer abrir o túmulo de pedra. Uma monja do convento de Kökénysomyló terá aconselhado o rei a libertar Salomão e a devolver-lhe todos os seus bens, para que as intervenções acabassem por ser bem sucedidas. Foi o que efectivamente aconteceu. Salomão foi libertado e morreria poucos anos depois (talvez em 1087), desconhecendo-se os detalhes das suas últimas vivências. De acordo com uma narração lendária (embora não fundamentada do ponto de vista científico), ele teria possivelmente seguido uma vida solitária em regiões florestais, acabando por abraçar o Cristianismo e demonstrando ainda arrependimento pelos seus anteriores desmandos. Quanto às contrariedades em torno do túmulo real de Estêvão, foram finalmente contornadas, tornando assim possível o transporte das suas relíquias, o que se traduziu numa crescente veneração à sua figura. Segundo se julga, foi encontrada ainda a sua mão direita que se achava desaparecida no reino, a qual seria colocada no novo mosteiro de Szentjobb que havia sido fundado para o efeito. Muitos populares passaram a relatar milagres que seriam da autoria de Estêvão, pelo que o rei Ladislau tentou influenciar a sua canonização bem como a de seu filho - o príncipe Emerico (ou Emérico), e ainda de outros três bispos (Gerardo Sagredo, Bystrík e Buldus), vítimas dum terrível levantamento pagão ocorrido em 1046. Todos os processos conheceram luz verde da Santa Sé no ano de 1083. Graças a estas cinco canonizações, a Hungria consolidava assim a fé cristã e reforçava ainda mais a estreita ligação com a Santa Sé - aliás, estas foram as metas (religiosas e políticas) que Ladislau pretenderia almejar no seu reinado. Neste caso concreto, é de salientar ainda a magnanimidade do monarca húngaro que não hesitou em apoiar este intenso culto em torno de São Estevão, o qual outrora teria presumivelmente mandado cegar Vazul, avô de Ladislau, nos inícios da década de 1030.
Apesar da sua índole moderada e piedosa, Ladislau teve que enfrentar alguns ataques provenientes do exterior, nomeadamente por parte de pechenegues e cumanos, tribos bárbaras que continuavam a semear o pavor nas zonas fronteiriças nas décadas de 1070, 1080 e 1090. Bem sucedido nas batalhas, o soberano magiar, caracterizado pela sua alta estatura e robustez física, foi prontamente visto como um defensor do mundo cristão e em particular do reino húngaro, sendo ainda admirado pela sua benevolência para com os invasores pagãos, pois preferia que estes fossem cristianizados em vez de chacinados. A partir do reinado de Ladislau, o estado magiar experimentará agora alguma acalmia face aos eventuais perigos oriundos do exterior, cenário que se manterá até 1241, ano da aterradora invasão mongol.
No ano de 1091, a morte do derradeiro rei da Croácia - Dmitar Zvonimir, casado com Helena (irmã de Ladislau), permitiu ao soberano magiar ocupar grande parte daquela região bem como da Dalmácia, proporcionando assim a expansão dos seus domínios. Preocupado com a cristianização destas novas áreas, estabeleceria a já mencionada sede episcopal de Zagreb.
Ladislau falecerá no dia 30 de Julho de 1095, deixando para trás 18 anos prósperos de reinado. Segundo rumores talvez circulados postumamente, teria sido convidado, por altura da Páscoa desse mesmo ano, para liderar o projecto da Primeira Cruzada, contudo é pouco provável que tal tivesse acontecido, visto que o seu falecimento ocorreria meses antes do Concílio de Clermont, onde o Sumo Pontífice Urbano II convocaria toda a Cristandade para aquilo que seria o início das peregrinações armadas rumo à Ásia Menor, de modo a liberar a Terra Santa do jugo muçulmano.
Em jeito de balanço do seu governo, é indesmentível que Ladislau terá assumido, com sucesso, o protótipo ou modelo de "monarca cristão", tal como já havia sido evidenciado no passado pelo reputado imperador Carlos Magno (742-814). Não só promoveu o rápido desenvolvimento do Cristianismo na Hungria (dando continuidade à missão que já tinha sido iniciada pelo rei santo Estêvão), como ainda recorreu à conversão ou à acção bélica para tentar extinguir o paganismo. Ladislau procurou ainda incutir virtudes morais na sua sociedade, preocupando-se com a estabilidade e integridade do seu estado.
Muito devido à popularidade e legado que havia assim deixado, este rei magiar passaria a ser venerado, e em breve, muitos cidadãos húngaros e polacos começaram a atribuir-lhe milagres supostamente realizados por sua intercessão. No ano de 1192 (quase um século depois da sua morte), Ladislau seria canonizado pelo Papa Celestino III, após solicitação do rei húngaro da altura - Bela III.
Actualmente, o culto de São Ladislau permanece activo na Hungria (onde reinou) e na Polónia (onde nasceu), sendo patrono de inúmeras igrejas. O dia da sua festividade é 27 de Junho.




King St. Ladislaus.jpg

Imagem nº 2 - Relicário medieval do rei santo Ladislau I na Catedral de Győr.




A knight riding a horse and taking a lance

Imagem nº 3 - Ladislau em perseguição a um guerreiro cumano que levava consigo uma menina como refém. Segundo a lenda, o rei teria conseguido libertá-la das suas garras.
Mural da Igreja of Székelyderzs (Roménia)





       Imagem nº 4 - Estátua do Rei Ladislau I em Püspökszentlászló (Hungria)
Retirada do Wikipédia




Nota-Extra: Ladislau foi sucedido no poder pelo seu sobrinho Colomán (ou Colomano), filho de Géza.


Referências Consultadas:


terça-feira, 5 de maio de 2015

A Queda dum Colosso Futebolístico em Superga

A história também se constrói em torno de notáveis instituições que marcaram uma página de ouro no Desporto Mundial. O Torino Football Club faz seguramente parte da lista restrita de clubes de futebol que ainda hoje se podem dar ao luxo de afirmar que já tiveram ao seu dispor uma das melhores equipas de todos os tempos. Esta colectividade desportiva italiana só não prolongou por mais tempo os seus feitos incríveis, porque uma tragédia se abateria sobre os seus jogadores que até então tinham recebido o elogioso epíteto de "invencíveis".
O Torino Football Club foi fundado em 1906 na cidade de Turim. O seu nascimento deveu-se, em muito, à dissidência de alguns adeptos que até então apoiavam a Juventus, o principal clube daquela urbe. Como prova flagrante desta ocorrência, temos conhecimento de que o fundador do Torino, o empreendedor suíço Alfred Dick, tinha abandonado a presidência da Juventus para viabilizar a criação deste novo projecto desportivo. Não foi seguramente em vão! O Torino ainda hoje existe, e ostenta no seu palmarés: 7 Campeonatos de Itália, 5 Taças de Itália e 1 Copa Mitropa (dados actualizados para o ano de 2015). 
Este clube, cujo logotipo oficial privilegia a representação dum touro, conheceria os seus tempos áureos na década de 1940, onde conquistariam 5 dos seus 7 campeonatos. As épocas de 1942–43, 1945–46, 1946–47, 1947–48 e 1948–49 trouxeram glória ao Torino que, na altura, contava com a base da poderosa selecção italiana. Nessa temível equipa pontificavam atletas de elevada categoria tais como Valentino Mazzola (capitão, goleador da equipa e ainda um dos melhores da sua geração), Aldo Ballarin, Danilo Martelli, Mario Rigamonti, Guglielmo Gabetto, Ezio Loik, entre outros. As goleadas aos adversários sucediam-se, e a equipa granjeava méritos atrás de méritos dentro das quatro linhas. Apenas o Céu parecia ser o limite para estes jogadores que perfumavam com classe os campos de futebol, levando assim multidões ao delírio. Contudo, uma trágica e inesperada ocorrência colocaria um ponto final em todo este clima de progresso e euforia.
No dia 27 de Fevereiro de 1949, a selecção italiana (com seis jogadores do Torino no onze inicial) derrotou a portuguesa por 4-1 num particular realizado em Génova. Os capitães de Portugal, Francisco Ferreira (atleta do Sport Lisboa e Benfica), e de Itália, Valentino Mazzola (a estrela do Torino FC), desenvolveram mesmo uma grande amizade aquando deste encontro desportivo. Neste contexto de mútua harmonia, o Torino seria convidado a participar posteriormente num jogo amigável em Portugal, onde defrontaria o Benfica, clube que pretendia homenagear o seu célebre jogador Francisco Ferreira. Entre avanços e recuos, a data do jogo foi definida para o dia 3 de Maio, e os italianos aterrarão em Lisboa a 1 de Maio.
A partida realizou-se no Jamor e contou com uma assistência total de 40 mil pessoas. O jogo foi emocionante, terminando a vitória por sorrir à equipa portuguesa nuns renhidos 4-3. Houve ainda tempo para confraternização entre ambas as equipas no Parque Mayer, o que evidenciava um bom relacionamento entre todos os intervenientes.
Todavia, a viagem de regresso assumiria um desfecho dramático. No dia 4 de Maio, a aeronave Fiat G.212, que transportava a comitiva do Torino de regresso a casa, embateria estrondosamente contra uma das torres da Basílica de Superga (arredores de Turim), causando a morte dos 31 tripulantes (18 jogadores, 5 dirigentes/técnicos, 1 organizador, 3 jornalistas e 4 tripulantes). Acredita-se que a fraca visibilidade, motivada pelo forte nevoeiro, terá estado por detrás do acidente fatal. A equipa dos magníficos resultados, o Grande Torino (como era assim apelidado) conhecia o fim da sua hegemonia da forma mais cruel e ingrata.
No dia do funeral, mais de 500 mil pessoas encheram as ruas de Turim para prestar a sua última homenagem aos jogadores atraiçoados pelo destino bem como aos restantes membros que seguiam na aeronave.
O Torino foi imediatamente proclamado pela Federação Italiana como o campeão da temporada de 1948-1949. Era oficialmente o seu pentacampeonato (recordamos que as épocas de 1943/44 e de 1944/45 não foram disputadas devido à Segunda Guerra Mundial, e por isso, são omitidas da sequência). A equipa recorreu às camadas jovens para se apresentar em campo nas últimas quatro jornadas, gesto que também foi imitado, em jeito de fair-play, pelas restantes equipas da sua liga.  
O clube dos "touros" só voltaria a ser campeão na época de 1975/1976, curiosamente o seu último campeonato alcançado (designado especificamente em Itália como "scudetto"). Como registo de mera curiosidade, a sua primeira liga foi conquistada na temporada de 1927-1928.
Onde teria ido esta equipa do Torino se não tivesse sofrido o maior dos azares naquele voo fatídico?





Imagem nº 1 - O Grande Torino - a equipa de futebol que "reinou" em Itália no decurso da década de 1940, e que assistira a um final trágico no dia 4 de Maio de 1949.





Imagem nº 2 - O embate da aeronave na Basílica de Superga (4 de Maio de 1949) causou a morte de todos aqueles que integravam a delegação do Torino FC que havia previamente participado num jogo amigável com o Benfica em Portugal.





Imagem nº 3 - O Funeral ou o Último Adeus prestado às vítimas, momento que motivou a comparência de milhares de pessoas.





Imagem nº 4 - Memorial com o nome das vítimas do trágico acidente de Superga.



Nomes das 31 vítimas do desastre - Valerio Bacigalupo, Aldo Ballarin, Dino Ballarin, Emile Bongiorni, Eusebio Castigliano, Rubens Fadini, Guglielmo Gabetto, Ruggero Grava, Giuseppe Grezar, Ezio Loik, Virgilio Maroso, Danilo Martelli, Valentino Mazzola, Romeo Menti, Piero Operto, Franco Ossola, Mario Rigamonti, Giulio Schubert (18 jogadores do Torino FC); Arnaldo Agnisetta, Ippolito Civalleri, Egri Erbstein, Leslie Lievesley (treinador)e Ottavio Corina  (5 técnicos/funcionários do Torino FC); Andrea Bonaiuti (1 organizador) Renato Casalbore, Renato Tosatti, Luigi Cavallero (3 jornalistas); Pierluigi Meroni, Celestino D 'Inca, Cesare Biancardi, Antonio Pangrazi (4 membros da tripulação)



Nota-extra - Francisco Ferreira, jogador homenageado pelo Benfica naquela partida amigável, guardaria remorsos da posterior tragédia para sempre. O atleta que até tinha sido alvo de cobiça do Torino que o desejava contratar (embora esse interesse tivesse ficado sem efeito com tudo o que acontecera entretanto), tentou aliviar a sua consciência enviando 50 contos às famílias das vítimas, e colocou ainda na sua sala pessoal de troféus uma imagem da equipa sensacional do Torino num quadro preto.


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Referências Consultadas: