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domingo, 8 de maio de 2016

Muhammad al-Idrisi, o Dinamizador da Geografia Medieval



Contexto

Muhammad al-Idrisi foi um dos geógrafos ou cartógrafos mais bem-sucedidos da Era Medieval. Este intelectual árabe deixaria igualmente trabalhos nos campos da botânica e da literatura. Todavia, seriam os seus mapas, com elevada qualidade de desenho e precisão (pelo menos, no âmbito do contexto em que vivera), que suscitariam o interesse de vários reinos e aventureiros que procuravam apurar mais informações sobre esse mundo enigmático que os rodeava.
No decurso do século XII, al-Idrisi apresentaria algumas conclusões inovadoras ao nível da cartografia. Na Idade Média, o mundo conhecido abrangia apenas a Europa, o Norte de África, o Médio Oriente, a Pérsia e mais algumas regiões da Ásia. Por outro lado, desconhecia-se a existência dos continentes da América e da Oceânia, e a maior parte da área continental de África estaria ainda por explorar! Foi nesse mar de incertezas que al-Idrisi mergulhou, tentando rumar contra as “marés supersticiosas e ignorantes” do seu tempo. 





Imagem nº 1 - Estátua de Muhammad al-Idrisi em Ceuta, sua terra natal.  Nesta escultura representativa, o cartógrafo muçulmano exibe um mapa do mundo.




A sua vida inicial

Al-Idrisi nasceria por volta do ano de 1100 na cidade de Ceuta (na altura, baptizada de “Sebta” ou “Sabta”). Provinha de uma família com ramificações antigas no Norte de África e no próprio al-Andalus (conjunto das possessões muçulmanas na Península Ibérica). Durante a sua juventude, Idrisi iria percorrer estas duas regiões, obtendo assim informações detalhadas. Aliás, ele estudaria inclusive em Córdova, um dos prestigiados centros culturais da “Espanha Muçulmana” que congregava a nata intelectual daquele tempo. No entanto, o percurso de Idrisi não se ficaria por aqui. Aos 16 anos, teria visitado igualmente a região da Anatólia, e julga-se que, no decurso da sua vida, procuraria conhecer melhor a dimensão física do continente europeu através de viagens realizadas aos Pirenéus, à costa atlântica francesa, à Hungria e a York da Nortúmbria (hoje Yorkshire – norte de Inglaterra). Ninguém poderia negar o seu contacto com variadas culturas e até com os intelectuais da sua época. Além disso, é plausível que Idrisi tivesse acedido, em algumas das suas paragens, a documentos com conteúdos de natureza geográfica.

Imagem nº 2 - Retrato atribuído a al-Idrisi (1100-1165/1166).




A “Tabula Rogeriana” – o seu célebre “mapa-mundi”

A recorrente instabilidade política no al-Andalus motivou al-Idrisi a procurar um novo ciclo para a sua vida. Dentro deste contexto, o intelectual passará a residir no reino normando da Sicília, servindo na corte do rei Rogério II. A mudança teria ocorrido possivelmente em 1138.
No ano de 1154, Muhammad al-Idrisi apresentaria a célebre “Tabula Rogeriana”, espécie de “mapa-mundi” colorido que ilustrava os continentes europeu e asiático, bem como o Norte de África. Por outras palavras, o nosso cartógrafo tentou desenhar aquele que seria, na altura, o mundo até então conhecido. Como já disséramos anteriormente, o mapa pautava-se pela qualidade do desenho e por uma minúcia surpreendente para a época em questão. Para concretizar este prodigioso trabalho, al-Idrisi teve naturalmente de realizar viagens (já elencámos algumas delas no sub-tópico anterior!), de consultar mapas e descrições geográficas antigas, e de estabelecer contactos privilegiados com mercadores e exploradores muçulmanos (estes conheceriam, por exemplo, algumas zonas de África, a região asiática junto ao Oceano Índico ou até mesmo o Extremo Oriente) e ainda com viajantes ou aventureiros normandos (provenientes do Norte da Europa). O mapa resultante de toda esta investigação complexa incluiria ainda comentários e legendas em arábico. As suas conclusões, contidas no documento cartográfico que então criara, seriam seguidas por diversos geógrafos muçulmanos tais como Ibn Battuta, Ibn Khaldun e Piri Reis. O seu mapa também seria levado, mais tarde, em especial consideração pelos célebres navegadores Cristóvão Colombo e Vasco da Gama que pretendiam conhecer bem a realidade em que estavam inseridos.










Imagem nº 3 - A Tabula Rogeriana, obra-prima de al-Idrisi concretizada em 1154, pouco tempo antes do rei Rogério II falecer.
Mapa-Mundi atribuído a al-Idrisi.




Caracterização do seu Mapa-Mundo

No Mar do Norte (ou no "Atlântico Norte", se procurarmos ser mais abrangentes), al-Idrisi assumiu como natural a existência de um importante conjunto de ilhas: a Inglaterra, a Irlanda, a Islândia e até a Gronelândia (a qual designa de “Grande Irlanda”). Aqui a precisão esteve longe de ser a ideal até porque esta não era uma região que al-Idrisi havia conhecido tão bem ao longo da sua vida.
O mesmo não podemos dizer da Península Ibérica, da França, do Mar Mediterrâneo e das suas ilhas, da Anatólia, da Península Arábica, da Pérsia e do próprio Norte de África que surgem minimamente bem retratados, tendo em conta as ínfimas informações disponíveis na época em que al-Idrisi aceitara este desafio tremendo. Também o Oceano Atlântico, o Mar Adriático, o Estreito de Bósforo, o Mar Negro, o Mar Cáspio, o Mar Vermelho, o Golfo Pérsico e o Oceano Índico são realçados no mapa.
Relativamente ao continente asiático, o desenho está longe das configurações hoje conhecidas, o que é natural tendo em conta o facto de, naquela época, este extenso território não ter sido ainda inteiramente desvendado pela civilização ocidental. Aliás, o conceituado explorador veneziano Marco Polo ainda não tinha sequer nascido! Confrontado com esta realidade obscura, al-Idrisi terá ficado refém das informações nem sempre exactas dos mercadores que teriam alguma participação nas rotas asiáticas. Não obstante, este cartógrafo não excluiu a China do seu mapa, efectuando menção aos seus barcos que transportavam seda, couro, peles, ferro e espadas. Além disso, teria feito alusão às vidrarias da cidade de Hangzhou e à produção especializada de seda em Quanzhou. Detalhes que atestam o esforço de al-Idrisi em compilar todos os dados então obtidos.
O seu mapa-mundo conheceu ainda a particularidade de ter sido apresentado em sentido inverso (com o sul em cima e o norte em baixo), embora na ilustração em cima, o mesmo esteja já readaptado conforme os ditames actuais (o norte em cima, e o sul em baixo).





Imagem nº 4 - Rogério II (ou Roger II, em inglês) reinou na Sicília entre 1130 e 1154. A ele se deve o início da dinastia normanda na ilha que deixaria então o anterior estatuto de condado para se tornar num reino reconhecido pelas instâncias católicas. O seu pai, Rogério I, conde da Sicília (1072-1101), havia expulsado os sarracenos que antes dominavam aquele território. Além de ser fiel à faceta belicista e à política centralizadora do seu progenitor, Rogério II também procurou rodear-se de intelectuais de diversas nacionalidades, cultivando assim as artes e a cultura. Demonstrou ainda especial interesse pelo conhecimento da vertente marítima.
Retirado de: https://www.geni.com/




Nuzhat al-Mushtaq

Muhammad al-Idrisi apresentaria uma segunda obra – o Kitab Nuzhat al-Mushtaq Fi’khtiraq al-‘afaq (“O livro dos prazerosos viajantes até terras longínquas”). Esta obra foi preservada em nove manuscritos, sendo que sete dos quais contêm mapas. Este seu novo trabalho albergava ainda descrições textuais de natureza geográfica, disponibilizando assim conteúdos relevantes sobre determinadas terras, serras, montanhas, rios, mares...
Na introdução, Idrisi indicou os nomes de dois famosos intelectuais que o inspiraram no aprimoramento das coordenadas geográficas – Cláudio Ptolomeu e “um astrónomo” que deverá ter sido Ishaq Ibn al-Hasan al-Zayyat. Al-Idrisi cruzou igualmente testemunhos orais de diversos informadores de modo a almejar um sentido de consistência.
Esta obra de al-Idrisi fornece-nos também um importante testemunho sobre o Oceano Atlântico. Recorrendo a alguns testemunhos da época, o cartógrafo árabe admite os seus perigos desconhecidos, nomeadamente as terríveis tempestades, as gigantescas ondas, as dimensões intermináveis, as névoas traiçoeiras e as “feras mortíferas”. Todavia, al-Idrisi interroga-se sobre o que este oceano poderia esconder nos seus confins, embora estando ciente que, pelo menos, existiriam muitas ilhas (habitadas ou desertas) no seu seio.
Dentro deste contexto, al-Idrisi conta a velha história (verídica ou somente fantasiosa?) de um grupo de aventureiros (“Mughamarin”) saídos de Lisboa (quando esta ainda estaria sob domínio árabe) que tentaram satisfazer a sua curiosidade sobre os mistérios do inexplorado Oceano Atlântico. De acordo com o relato, estes ousados viajantes teriam alcançado uma ilha habitada, ao fim de 12 dias de navegação em águas desconhecidas. Aí teriam sido feitos prisioneiros por um grupo tribal que os cercara através das suas barquetas. Todavia, acabariam por ser transportados até à costa continental, onde seriam libertados junto a um lugarejo (berbere?). Tendo em conta a limitada duração da viagem e o facto de um dos indígenas dominar minimamente o idioma arábico (segundo o relato compilado), é tentador afirmar que estes aventureiros teriam estado nas ilhas de Grande Canária ou Tenerife que seriam habitadas por tribos guanches que mantinham contactos esporádicos com a costa marroquina islamizada. No entanto, estes testemunhos também dão azo à possibilidade de muitos destes ousados viajantes terem chegado a outros arquipélagos (embora desabitados e ainda não identificados pelo homem) como a Madeira, Cabo Verde e até Açores.





Imagem nº 5 - Outro mapa da autoria de al-Idrisi. O norte surge retratado em baixo, enquanto o sul está em cima. Ou seja, a sua interpretação deve seguir uma lógica invertida. É de realçar a configuração esférica que atribuiu ao nosso planeta.
Mapa-Mundi atribuído a al-Idrisi









Imagem nº 6 - Al-Idrisi descreve textualmente a Finlândia. Provavelmente, o geógrafo terá recorrido a informações reportadas por aventureiros normandos que agora mantinham relações comerciais e políticas muito próximas com a Sicília.
Direitos - Wikipédia




Contribuições nas áreas da Botânica e da Literatura

O “Kitab al-Jami-li-Sifat al-Nabatat” (“Manual simples das plantas medicinais”) foi um dos outros trabalhos atribuídos a al-Idrisi. O prestigiado geógrafo árabe interessou-se ainda pela área da botânica, canalizando maior atenção para o conhecimento das plantas medicinais. Idrisi teria procedido à listagem e descrição dos nomes de medicamentos em diversas línguas como o berbere, o siríaco, o persa, o hindi, o grego e o latim. Além de possuir elevados conhecimentos ao nível dos idiomas e das plantas medicinais, o nosso cartógrafo teria ainda analisado com especial atenção a zoologia e a fauna das diversas regiões que visitara no âmbito das suas viagens.
Al-Idrisi teria igualmente manifestado interesse pela literatura do seu tempo, algo que o terá influenciado a compor prosa e poesia arábicas. No entanto, pouco se sabe sobre o seu legado nesta área do saber.




 

Imagem nº 7 - Exemplar antigo de um tratado árabe de botânica.




Morte e Legado

Entre os anos de 1165 e 1166, Muhammad al-Idrisi faleceria na ilha da Sicília, depois de ter trabalhado vários anos junto da corte sediada em Palermo. Outros historiadores acreditam que o local da sua morte teria sido em Ceuta, cenário que sugeria um eventual retorno à sua terra natal. Contudo, a primeira hipótese parece-nos mais credível, visto que a influente família dos al-Idrisi sempre motivara algum desconforto ou constrangimento a determinados sultões muçulmanos (ver notas-extra nº 2 e 4). Assim sendo, e após a realização de viagens importantes, Idrisi teria provavelmente permanecido na Sicília até ao seu falecimento.
No que diz respeito ao seu legado, Al-Idrisi defendeu igualmente a esfericidade da Terra. De acordo com um comentário da sua autoria, “a terra é redonda como uma esfera, e as suas águas se aderem a ela e se mantêm nela através do equilíbrio natural que não sofre variação”. Todavia, é justo reconhecer que o cartógrafo árabe não foi o primeiro intelectual a defender esta teoria, contudo ele faria parte de uma linha restrita de intelectuais que ousadamente afrontara, desde cedo, o mito popular (bastante enraizado) de que a Terra seria plana. A saga dos Descobrimentos (séculos XV-XVIII) comprovaria que al-Idrisi e outros não estavam equivocados relativamente às teses que haviam proposto e que seriam alusivas à configuração redonda do planeta.





Imagem nº 8 - Muhammad al-Idrisi apresenta, na corte de Palermo, um dos seus trabalhos a Rogério II, rei da Sicília.




Notas-extra: 

  1. O seu nome completo seria: Abu Abd Allah Abdullah Muhammad ibn Muhammad ibn Ash Sharif al-Idrisi. Os biógrafos propõem o seu nascimento para os anos de 1099 e 1100 (no texto em cima, optámos por esta última data).
  2. Muhammad al-Idrisi descenderia de uma linhagem de antigos príncipes, califas e de importantes vultos religiosos conotados com o Profeta Maomé. Os seus antepassados, os hamúdidas, chegaram a ter alguma influência na Espanha Muçulmana (através do domínio de algumas taifas) e no Norte de África. A queda de Málaga em 1057 levou os seus antepassados a abandonar a Península Ibérica, rumando à região de Marrocos.
  3. O nosso biografado explorou numa sequência de jornadas aventureiras várias regiões da Península Ibérica, incluindo Portugal e a zona norte de Espanha. Al-Idrisi registou ainda rotas e/ou itinerários integrados nos Caminhos de Santiago.
  4. A um dado momento da sua vida, al-Idrisi tentou afastar-se da instabilidade política existente no al-Andalus e no próprio Norte de África. Mas porque é que teria escolhido a ilha de Sicília como destino para o seu refúgio? A resposta a esta pergunta poderá residir nalgum aconselhamento familiar, visto que existiam hamúdidas a viverem naquele reino normando, gozando da protecção do rei Rogério II (este governou entre 1130 e 1154). A família de al-Idrisi porteava um passado intimamente associado às prestigiadas esferas do poder, facto que poderia granjear invejas e rivalidades da parte de alguns reis ou governadores muçulmanos. O rei Rogério II teria garantido segurança bem como uma respeitosa pensão a al-Idrisi, propondo-lhe talvez como contrapartida a criação de um mapa-mundo.
  5. Durante a sua estadia na corte siciliana de Palermo, al-Idrisi terá composto um planisfério (ou um disco?) de prata onde exibia um mapa do mundo. Consta-se que esta obra teria desaparecido no decurso do século XII, situação talvez provocada por um saque promovido por alguns nobres normandos de má-fé durante o ano de 1161. Foi-lhe ainda atribuído um pequeno tratado geográfico (trabalho também desaparecido) durante o reinado de William I (ou Guilherme I; reinou entre 1154-1166), sucessor de Rogério II.


Referências Consultadas: