Este site foi criado com o intuito de divulgar os feitos mais marcantes no decurso da história mundial

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O Legado dos Maias

Contexto Temporal e Geográfico

Os Maias, os Incas e os Astecas constituem as três grandes civilizações pré-colombianas (ou seja, já existiam antes da chegada de Cristóvão Colombo) que atingiram o maior grau de desenvolvimento no Continente Americano. Apesar de terem partilhado muitas práticas semelhantes, a verdade é que pretenderemos agora abordar o caso concreto dos Maias.
As origens deste misterioso povo remontariam a 500 a. C. e o término do seu império situar-se-á talvez nos séculos VIII ou IX. Estamos perante uma baliza cronológica de quase 1500 anos. Os seus domínios alastravam-se desde o Guatemala até uma grande parte do sul do México, destacando-se assim na região que praticamente corresponde hoje à América Central.
As principais cidades-estado maias eram: Piedras Negras, Palenque, Tikal, Yaxchilán, Copán, Chichen Itzá, Uxmal e Labná.




Imagem nº 1 - Mapa onde se pode ver a tracejado vermelho a região onde estava concentrada a civilização maia. Actualmente, esta extensão incorpora o Guatemala, Honduras, Belize, El Salvador e Sul do México.



A Sociedade e Economia Maia


Os Maias possuíam a sua própria estratificação social. No topo, estavam evidentemente o soberano e sua família que tutelavam os destinos de cada cidade independente. O monarca era divinizado visto que a sua personalidade era parte integrante do cosmos universal e, por isso, tornava-se num senhor absoluto, para além de ser visto como um emissário do espaço celestial (era um mediador junto dos deuses) e dono dos homens e das terras. O seu cargo era transmitido hereditariamente por sucessão masculina directa.
Seguiam-se depois as linhagens nobiliárquicas que detiveram o prestígio sacerdotal, impuseram ainda a sua autoridade sobre núcleos residenciais (ou centros menores) e revelaram assim a sua vocação dirigente. Por outras palavras, a nobreza-sacerdotal contribuía para a manutenção da ordem e zelava ainda pela faceta religiosa. Normalmente, era constituída por familiares do monarca que acumulavam neste sector aristocrata os principais cargos administrativos, políticos, militares ou religiosos na cidade-estado. Eram eleitos pelo rei. Conhecem-se alguns dos cargos ocupados: Batah (chefe local de designação real), Ah Cuch Cab (regedor que cobrava tributos e prestações de serviços), Halpop (delegado do poder real para conselho nas assembleias locais e encarregado das relações com centros vizinhos), Tupil (polícia vigilante da ordem nos povoados), Nacom (chefe temporário do exército), Ahau cati (sacerdote principal - cargo hereditário), Chilam (espécie de sacerdote popular que profetizava). Para além destes ofícios, também os mercadores (transmitiam sempre o cargo aos seus descendentes) integravam a linhagem nobre, sendo que esta tinha ainda acesso aos estudos astronómicos, médicos e científicos em geral.
O povo, correspondente à maior parte esmagadora da população total, tinha que se submeter a esta ordem social e religiosa. Aqui estavam inseridos os camponeses, oleiros, escultores, pedreiros, carpinteiros, pintores, tecelões, escribas e até muitos dos guerreiros que participavam em acções de conquista ou nos confrontos entre as cidades independentes.
Por fim, e no fundo desta hierarquia, estariam os escravos (domésticos, ao serviço das principais famílias; ou reduzidos a esta posição através duma pena firmada por delitos cometidos; ou capturados em guerra) que constituíam uma mão-de-obra a ter em conta.
A ascensão social era diminuta ou quase inexistente, tal como constatamos nas restantes civilizações das eras antiga e medieval. A hereditariedade ditava o futuro de qualquer pessoa. Por exemplo, o filho dum agricultor seguiria pois mais tarde as pisadas do seu progenitor.
A propriedade da terra maia era comunitária, e seria o chefe da aldeia que determinaria a parcela que seria atribuída a cada família que, normalmente, dispunha da sua pequena horta.
Efectivamente, em termos agrícolas, conheceram-se algumas plantações estáveis de algodão, cacau, tabaco, milho, feijão, cabaça, juca, pimento, tomate, sapota, pasto, frutos vários, sementes e tubérculos silvestres. Os Maias recorriam ainda à caça, pesca e exploração de colmeias.
O comércio era rudimentar, e por isso, não existiam praticamente grandes mercados locais. Por isso, o intercâmbio de produtos parecia ser bastante limitado.
Em termos religiosos, a sociedade maia acreditava numa ordem superior, valorizava o estudo e a interpretação do cosmos, nomeadamente o movimento dos astros, e debruçava-se sobre as artes de adivinhação e profecia. Os principais deuses adorados eram: Itzam Na (Deus criador do céu e da terra, ora representado como um réptil ora na sua forma humana como ancião), Kinich Ahau (Deus do Sol), Ix Chel (Deusa da Lua e protectora das relações sexuais, da procriação e dos partos), Chac (Deus da Chuva) Ah Mun (Deus do Milho), Ah Puch (Deus da Morte representado como um esqueleto com manchas negras e amarelas, de influência maligna), Tox (Deus da Guerra), entre outros. Decorriam mesmo sacrifícios humanos de forma a agradar a estas divindades superiores, muitas delas conotadas com a Natureza.




Imagem nº 2 - O Deus Criador do Céu e da Terra, na perspectiva dos Maias.
Retirada de: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Itzamna-Lawrie-Highsmith.jpeg, a escultura foi da autoria do artista Lee Lawrie (1877–1963).




Imagem nº 3 - A Civilização Maia obedecia a uma hierarquia social rígida.



Cultura Maia

A civilização maia evidenciou-se, de entre as culturas do Novo Mundo (ou do continente até então escondido aos olhos dos europeus), em variadas vertentes:

- Desenvolveram a Escrita Hieroglífica que assentaria em relevos, pinturas e códices. Esta estaria mais conotada com o contexto sagrado.
- Instauraram um Calendário rigoroso de 365 dias que resultava da vasta experiência na observação dos astros, demonstrando assim, nesta área, uma interpretação avançada em comparação com outros povos antigos.
- Promoção duma Arquitectura que proporcionou a existência de grandes edifícios. Foram erguidos templos piramidais, palácios, residências para as elites, altares sobre plataformas e outras estruturas curiosas,
- Construíram-se ainda aquedutos, reservatórios, saunas, calçadas de pedra em plena floresta, fossas e trincheiras.
- Dinamizou-se a Escultura que servia de veículo para a glorificação do monarca e expressão da sacralidade. Encontramos estelas, altares, lápides, dintéis, planos verticais, jambas, tronos, estatuetas de divindades e figuras humanas/animais, e imagens zoomórficas.
- Estimularam a Pintura que dispunha de variados cenários murais em palácios e pirâmides.
- Mantiveram a Cerâmica com grande diversidade formal. Foram encontradas peças de quatro pés, pratos, taças e vasos cilíndricos. Estava frequentemente conotada com o culto real.
- Aplicaram a música (foram achados instrumentos de sopro e percussão), os cantos religioso e festivo, e a dança.
- Desenvolveram um sistema de numeração que já incluía o conceito "zero".
- Praticaram jogos de bola, nomeadamente o jogo da péla. O objectivo passaria pela utilização duma bola de borracha que teria de atingir o aro ou os marcadores do jogo. Caso o participante fracassasse, seria executado. Muitas cabeças foram decapitadas em jeito de ritual de sacrifício humano, e estas até chegaram a ser utilizadas para substituir a bola de borracha no decurso da partida.



Imagem nº 4 - Os Maias possuíam a sua própria escrita que se pautava pelo seu simbolismo. Esta placa encontra-se no Museu das Ruínas de Palenque - Chiapas (México).
Retirada de: http://historiasylvio.blogspot.pt/2012/11/maias.html, (Imagem: 1000dias.com)




Imagem nº 5 - Códice Maia guardado no Museu Nacional de Antropologia - Cidade do México (México).
Retirada de: http://historiasylvio.blogspot.pt/2012/11/maias.html, (Imagem: 1000dias.com)



Imagem nº 6 - Estelas Maias situadas nas Ruínas de Copan, quase na fronteira entre as Honduras e o Guatemala.




Imagem nº 7 - O aro lateral ou anel de pedra do jogo da péla. A bola tinha de entrar no meio para que o participante fosse pontuado. Este jogo de bola mesoamericano estava associado ao ritual religioso.




Imagem nº 8 - O jogo de bola maia determinou o destino de várias vidas.





Imagem nº 9 - Pirâmide Maia de Chichen Itza (estado de Yucatán - México).
Retirada de: http://beautifulplacestovisit.com/ruins/chichen-itza-yucatan-mexico/, (foto da autoria de Raúl López/Tony Shuck).



Imagem nº 10 - Cidade Maia de Tikal (Guatemala).



Fim do Império Maia

Corria o século IX, quando, em pouco tempo, todas as cidades-estado maias foram abandonadas, excepto as da região norte de Yucatán. Ao contrário do que muitos possam julgar, a civilização maia não desapareceu totalmente, até porque ainda hoje existem tribos descendentes. Mas o Império Maia, esse sim, sumiu de vez.
Ainda hoje se debatem as causas reais que levaram ao declínio imediato e misterioso desta civilização. Podemos avançar algumas hipóteses para o sucedido (cremos que até poderá ter sido a conjugação de todas elas):


  1. Uma longa e destrutiva Seca - Esta teria arrasado facilmente com a maior parte das colheitas, gerando a miséria, fome e grande descontentamento nas comunidades.
  2. Doenças e Pestes - Com a vulnerabilidade no campo alimentar, seria imediata a propagação de enfermidades. A medicina maia era ainda pouco avançada.
  3. Guerras Internas Sangrentas - O descontentamento popular e a ausência da capacidade de resposta, terá propiciado várias revoltas contra os grupos dirigentes. As premissas sociais, outrora intocáveis, começaram a ser colocadas em causa.
  4. Invasões Estrangeiras - Tirando proveito do declínio maia, os povos vizinhos e inimigos avançaram para ocupar novas terras.
  5. Abandono voluntários de muitos maias. Estes tentam escapar ao destino obscuro que possivelmente até teria sido "anunciado" pelos ciclos temporais.
  6. Explosão demográfica resultante dos séculos anteriores. Poderá ter levado ao esgotamento das terras e recursos, e motivado ainda conflitos civis nesta fase atribulada.
  7. A prática da antropofagia (canibalismo) e sacrifícios humanos. Embora este factor não seja por si só suficiente para determinar a decadência dos maias (até é, a nosso ver, um dos factores que teria menor impacto), a verdade é que, mesmo assim, poderá ter tido algum peso. Estas práticas poderão ter aumentado consideravelmente nos tempos mais críticos, de forma a que conseguissem atrair desesperadamente a ajuda divina para contornar a conjuntura cada vez mais nefasta. Para além disso, as guerras internas pareciam ter-se tornado numa prática constante, o que favorece a utilização de prisioneiros para tais fins.

Os Maias, apesar do término do seu auge, deixariam um marco incontornável na História Mundial. Os seus monumentos atestam o esplendor doutros tempos.



Imagem nº 11 - Os períodos de instabilidade vividos por volta de 900 d. C. (séc. IX d. C.) determinaram o desaparecimento do Império Maia.


Referências Consultadas:



Notas Extra:

1- As balizas cronológicas adoptadas para a existência da civilização e império maias motivam ainda várias discussões. Também encontramos autores que situam as origens dos maias algures no decurso do segundo milénio a. C. e que prolongam ainda a sobrevivência de algumas tribos maias até à chegada dos espanhóis. Ou seja, ainda há muito para descobrir em relação a esta civilização.

2- Apesar de utilizarmos o termo "Império", é certo que cada cidade-estado maia era independente e possuía o seu próprio soberano, todavia ao utilizarmos o vocábulo em cima mencionado, estamos efectivamente a referir-mo-nos a todos os aglomerados maias que existiam naquela região da América Central e que partilhavam assim costumes e tradições idênticas. Foi efectivamente este largo conjunto de cidades autónomas que fez perdurar, por muito tempo, esta cultura enigmática.

terça-feira, 29 de julho de 2014

A Batalha de Poitiers (732) e a Sobrevivência da Cristandade

O Contexto

Moralizados pela campanha expansionista que decorreu duma forma relativamente fácil na antiga Hispânia devido às desavenças internas do reino visigodo, eis que as forças muçulmanas tentam agora alargar os seus domínios para os territórios além-Pirenéus, e por isso, o projecto de conquista do reino franco (a ancestral Gália romana) é algo que agrada aos seus líderes. 
É certo que o desaire em Covadonga não permitiu aos muçulmanos tomar conta da totalidade do território da Península Ibérica, mas também não é menos verdade que esta região montanhosa das Astúrias (tal como a província basca) não captava grandes interesses económicos, e por isso, a derrota em questão foi evidentemente minimizada.
Efectivamente, ninguém poderia colocar em causa as vitórias muçulmanas obtidas até ao momento. Desde o aparecimento do Profeta Maomé (570-632), os árabes conquistam várias terras ao Império Persa e Bizantino, tornam-se senhores da Arábia e do Médio Oriente, apoderam-se do Norte de África e chegaram mesmo a ocupar quase toda a Península Ibérica. Este período, compreendido entre os séculos VII e VIII, é catalogado como a Idade de ouro islâmica. As tropas muçulmanas estavam imparáveis, difundindo os ideais da sua religião bem como o idioma que utilizavam para fins de expressão.
Por seu turno, a Cristandade teme o pior cenário: acumulou derrotas no Oriente (em 614 perde a Cidade Santa de Jerusalém), no Norte de África (região que fora cristã no período romano e ainda na subsequente época dos vândalos) e na Hispânia. O avanço árabe é imparável em todas as frentes, e pode colocar em causa a sobrevivência da Europa Cristã.
Estava muito em jogo...




Mapa nº 1 - As conquistas muçulmanas ocorridas nos séculos VII e VIII. O Movimento parte da Arábia (na imagem, em cor alaranjada), atinge o Egípto, Líbia e Pérsia (a verde) e depois são tomados posteriormente: lugares na Índia, o Magreb e a Hispânia.



Tabela com as Forças Envolvidas


Local: Poitiers, Tours
Data: Outubro, 732
Forças Beligerantes

 

Francos Merovíngios

 

Forças Árabes/Omíadas
Comandantes/Generais
Carlos Martel
Odo da Aquitânia
Abdul Al-Rahman Al Gafiqi †
Número de Combatentes
20 000
25 000
Baixas Estimadas
1 000
10 000
Resultado:  As tropas francas aguentam a dura investida da cavalaria berbere, beneficiando ainda do conhecimento do terreno e do clima que lhes eram favoráveis. O emir muçulmano é também surpreendido, tombando na batalha. As forças islamitas não escolhem um novo líder para o substituir, pegam no espólio dos saques entretanto efectuados, e retornam à Hispânia.



A Batalha


Abdul al-Rahman al-Gafiqi era, na altura, o governador do al- Andalus, e tinha então a ambição de expandir os domínios muçulmanos para além dos Pirenéus.
Ao saber destas intenções, o duque Odo da Aquitânia pediu imediatamente ajuda militar ao reino franco merovíngio. Carlos Martel, na altura mordomo do palácio (detinha na realidade um poder superior ao dos soberanos merovíngios), aceita prestar auxílio, desde que o mencionado nobre aceitasse a soberania franca sobre o seu ducado que era sobejamente conhecido pelas pretensões autonomistas. Firmados os termos desta nova aliança entre os dois responsáveis cristãos, estava na altura de preparar as forças para uma batalha que prometia ser sangrenta. Carlos apropriou-se mesmo dos direitos eclesiásticos para financiar as suas forças que procurariam, a todo o custo, salvaguardar a integridade do reino franco que seria alvo duma invasão.
O exército islâmico atravessa os Pirenéus e entraria na zona sul da antiga Gália. Inicialmente, os soldados de al-Gafiqi derrotam facilmente os cristãos na batalha do rio Garona, a norte de Bordéus, causando sérias baixas nos destacamentos do duque da Aquitânia.
Carlos Martel, alarmado pela primeira derrota cristã em solo franco, reúne o maior número possível de combatentes e dirige-se agora ao encontro do seu inimigo, escolhendo o local que achava mais conveniente para o enfrentamento decisivo. Este general cristão era conhecedor da arte militar, tendo estudado as tácticas gloriosas de Alexandre, o Grande e dos mais notáveis comandantes do Império Romano. As suas tropas, altamente disciplinadas, estavam equipadas com as melhores armaduras. Elas lutariam desmontadas e formariam uma apertada formação defensiva, não cedendo espaços ao adversário.
Por seu turno, al-Gafiqi está confiante, tinha conseguido somar triunfos no início da campanha e acreditava que a antiga extensão territorial do Império Romano do Ocidente iria cair totalmente aos seus pés. Alguns historiadores acreditam mesmo que este excessivo optimismo terá traído o discernimento do emir muçulmano nos momentos chave da batalha que se avizinhava. As suas forças assentavam sobretudo na cavalaria bastante móvel que já tinha proporcionado, num passado recente, inúmeros triunfos.
Aproximadamente, a 12 Km a norte de Poitiers, os dois exércitos encontram-se finalmente. Os efectivos cristãos estão concentrados num terreno elevado da floresta, de forma a dificultar, ao máximo, o assédio da força invasora. Os soldados francos dispõem-se em forma dum largo quadrado, cobrindo todos os lados e possuindo espadas, lanças e escudos. A batalha começa e promete durar alguns dias. As escaramuças iniciais ditam as primeiras baixas de ambos os lados, todavia o emir, talvez tentado pelas riquezas da vizinha cidade de Tours, decide arriscar um assalto frontal. A cavalaria muçulmana teve que subir a colina para efectuar variadas cargas, contudo as linhas francas aguentam a dureza do ataque e mantêm-se firmes. Entretanto, difundem-se notícias de que uma força de francos teria lançado um contra-ataque ao acampamento muçulmano que estaria completamente vulnerável, dado que a cavalaria berbere estava em acção na respectiva elevação topográfica. Para além disso, transmitia-se a versão de que os soldados cristãos estavam a apoderar-se do espólio que os muçulmanos tinham adquirido quando passaram triunfantemente pela região de Bordéus. De imediato, a cavalaria muçulmana desiste de efectuar novas cargas e dirige-se ao acampamento. É neste preciso momento que as forças invasoras perdem completamente a sua organização, começando a sofrer pesadas baixas devido aos ataques do exército de Carlos Martel que já conhecia bem o terreno. O próprio emir al-Gafiqi é surpreendido e acaba por ser morto em combate. As tropas muçulmanas, incapazes de reeleger um novo líder que as reorganizassem, decidiram abandonar a campanha, retornando à Hispânia com os tesouros que tinham obtido.
Por seu turno, Carlos Martel ganhou o estatuto de herói no Mundo Cristão, ele que viria a ser avô do célebre Carlos Magno, o futuro e notável imperador carolíngio. Depois de muitos desaires recentes, a Cristandade poderia finalmente respirar de alívio.



Imagem nº 1 - A cavalaria muçulmana não consegue furar as linhas defensivas da organizada infantaria franca.
Quadro da autoria de Charles Stauben apresentado em 1837 (imagem extraída do Wikipédia)



Imagem nº 2 - Estátua de Carlos Martel (viveu entre 688-741), o vencedor da batalha de Poitiers. 



Referências Consultadas:


Notas Extra:

1 - Novamente não há grandes consensos quando ao número de combatentes presentes de ambos os lados, como em relação à quantidade de baixas dos mesmos.

2- A bandeira "merovíngia" utilizada poderá ser meramente ficcional (foi retirada de: https://www.flickr.com/photos/yire_shalom3000/5995204220/, Oren) já que não conseguimos detectar mais nenhuma para esta dinastia franca bastante antiga. Já a outra representará presumivelmente o al-Andalus e foi extraída a partir de: http://althistory.wikia.com/wiki/Al-Andalus_(Muslim_World)

domingo, 27 de julho de 2014

A Batalha de Covadonga (718-720-722?)

O Contexto

Após a vitória em Guadalete (711), o que resultou no desaparecimento de Rodrigo (visualizar artigo anterior), os muçulmanos reforçam e consolidam o avanço rumo ao Norte da Península Ibérica. Como já tínhamos vincado, a desunião e a fuga de muitos nobres visigodos dificultavam as tarefas de resistência. As tropas berberes tinham pois caminho aberto para a conquista total (ou melhor, quase total) da antiga Hispânia.
As Astúrias foram inicialmente administradas por Munuza, o governador provincial muçulmano, contudo não tardariam a ocorrer as primeiras rebeliões, com as populações das vilas asturianas a não acatarem a presença dos oficiais muçulmanos. 
Este cenário levou Munuza a organizar uma força para repor o controlo sobre esta região que, embora montanhosa e afastada (e sem grande interesse estratégico), recusava-se a render e a pagar novos impostos aos invasores.
Por seu turno, Pelágio é o líder cristão aclamado popularmente desde 718 nas Astúrias, é ele o mentor da nova resistência e o principal responsável pelo afastamento de Munuza. Provavelmente, seria um nobre descendente dos monarcas visigodos.
É neste contexto de disputa pelo domínio da região que decorrerão importantes enfrentamentos.


Tabela com as Forças Envolvidas


Local: Picos de Europa/Covadonga
Data: 718? 720? 722?
Forças Beligerantes
    

Resistentes Asturianos




Tropas Omíadas
Comandantes/Generais
Pelágio das Astúrias
Munuza
    Al Qama
Número de Combatentes
300
Entre 800 a 1400
Baixas Estimadas
250 a 289?
600
Resultado: Uma série de emboscadas dizimou grande parte do exército muçulmano. Os guerrilheiros cristãos contaram ainda com o auxílio de aldeões que dificultaram a retirada dos contingentes de Al-Qama (este acaba mesmo por falecer em combate).



A Batalha

As forças omíadas contarão com a presença do general Al Qama que procurará abafar qualquer tipo de oposição na região. Os muçulmanos apresentam-se em número claramente superior face às forças de Pelágio que dispõem apenas de poucas centenas de combatentes.
A batalha, travada em data incerta (nem há certeza quanto ao ano da sua ocorrência - 718? 720? 722?), parecia que iria decorrer em proporções desiguais. Todavia, a História Militar também seria feita de surpresas, e efectivamente a bravura e a coragem dos guerreiros cristãos iriam causar sérios dissabores ao exército oponente.
Os combates reiniciam-se então nas Astúrias, e inicialmente são os muçulmanos que levam a melhor, causando baixas e dispersando as forças de Pelágio que encontram refúgio nas zonas montanhosas. Aí o contingente cristão reorganiza-se defensivamente e ocupa ambos os lados dum desfiladeiro aí existente. Para o líder cristão estava fora de questão um ataque frontal em campo aberto, já que as tropas muçulmanas eram numericamente superiores e teoricamente mais disciplinadas. Contudo, os combatentes estão prontos a resistir até à última gota de sangue. Dentro deste contexto, Pelágio recusa os termos de rendição entretanto apresentados pelos muçulmanos.
Ao saber do fracasso das negociações, Al Qama ordena um ataque final, confiando cegamente no sucesso inevitável da sua tropa de elite, rumando ao lugar onde estariam concentrados os resistentes cristãos. Todavia, serão surpreendidos no desfiladeiro, com várias setas a serem lançadas de ambos os lados, o que causará a morte de vários soldados muçulmanos. De imediato, e tirando o máximo de proveito da situação, Pelágio ordena um contra-ataque repentino que faz recuar o contingente de Al-Qama. As forças islâmicas são obrigadas a bater em retirada, e quando o fazem, voltam novamente a ser atacadas, desta feita, pelos habitantes asturianos que começaram a acreditar numa potencial vitória. O cenário de batalha tornou-se num autêntico e surpreendente pesadelo para as intenções muçulmanas, sendo que os poucos sobreviventes tiveram bastantes dificuldades em conseguir retirar-se preservando a sua vida, visto que as imprevisíveis e ferozes emboscadas traduziam-se em baixas constantes. Nem o seu principal comandante militar (Al-Qama) conseguiria sobreviver à batalha, desconhecendo-se ainda se Munuza (anterior governador provincial mouro) pereceu nesta batalha ou noutra posterior (talvez em Proaza). O que é certo é que Pelágio, que também teve conhecimento de pesadas baixas na sua hoste, assegurava o seu título de rei cristão das Astúrias, evitando que os muçulmanos fossem donos de toda a Península Ibérica. Devido à vitória lograda, o líder cristão mandou mesmo construir um santuário nas grutas em honra de Maria (mais concretamente na gruta onde tiveram de se refugiar para enfrentar o inimigo), de forma a agradecer a sua protecção.
Com a permanência deste reino cristão no Noroeste Peninsular, estava aberto o caminho para o processo da Reconquista Cristã que se desenvolveria nos séculos seguintes.




Imagem nº 1 - Os muçulmanos são surpreendidos pelas forças cristãs no desfiladeiro. Mais tarde, naquele lugar iria ser construído um santuário de forma a recordar o feito.




Imagem nº 2 - Estátua de D. Pelágio em Cangas de Onis (Espanha).




Imagem nº 3 -  Túmulo do rei Pelágio das Astúrias, falecido em 737.





Imagem nº 4 - O Santuário "Santa Cova de Covadonga" provavelmente erguido às ordens de Pelágio, 1º rei das Astúrias, no lugar que tinha servido de "quartel" ou refúgio para os guerrilheiros cristãos durante aquela impiedosa batalha.



Imagem nº 5 - A Vista do exterior do Santuário e da zona montanhosa.



Referências Consultadas:


Notas Extra:

1 - Os números que apresentamos em relação às forças envolvidas não são ainda totalmente consensuais, visto que há discordância entre as fontes e demais bibliografia, mas optamos pela estimativa que nos parece ser mais realista.

2- O Símbolo do Reino Cristão das Astúrias foi retirado do Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Covadonga) apenas para efeitos de preenchimento da nossa tabela. Já a bandeira, alegadamente representativa do al-Andalus (não encontramos nenhum imagem para o califado omíada), foi extraída a partir de: http://althistory.wikia.com/wiki/Al-Andalus_(Muslim_World)

sexta-feira, 25 de julho de 2014

As intrigas visigóticas e a Batalha de Guadalete (711)

Contexto


O reino visigótico assentava numa monarquia electiva, ou seja, eram os barões da alta aristocracia que escolhiam o futuro soberano, sempre que o anterior rei morresse. No ano de 710 (ou em 711, não há certeza quanto às datas), o rei Vitiza terá falecido, desconhecendo-se se morreu de forma natural, ou se foi assassinado pelos partidários de Rodrigo que se tornaria o principal candidato à sucessão. Contudo, Rodrigo teria a rivalidade de Ágila II, presumível filho de Vitiza (embora se suspeite que na altura ainda seria uma criança), que estava igualmente disposto a lutar pelo trono. Neste período, o reino dividiu-se, com ambos os candidatos a recolherem influentes apoios para uma guerra civil que agora se iniciava. 
O conflito tornou-se mais acérrimo, e em jeito de desespero, os partidários de Ágila II pediram auxílio militar aos muçulmanos do Norte de África, de forma a conseguirem derrotar a facção de Rodrigo. Tratou-se dum gravíssimo equívoco visto que os muçulmanos, que viriam a ser liderados por Tarik Ibn Ziyad e Musa ibn Nusair (este entra mais tarde em cena), rapidamente transformaram a expedição de auxílio numa larga campanha de conquista.
Para além da crise política do reino visigodo, também há-que ter em conta o descontentamento da população, maioritariamente ibero-romana, que estava farta da tirania, da ausência de direitos e dos elevados impostos. Outro grupo revoltado era constituído pelos judeus que se queixavam da repressão. Em suma, poucos estavam dispostos a defender um Estado, agora moribundo e mais do que nunca descredibilizado, que não satisfazia as suas vontades. O comércio também já andava pelas ruas da amargura, a miséria era enorme. Longe de qualquer tipo de união ou coesão social, o estado visigodo , cada vez mais desagregado, caminhava, a passos largos, para o abismo. Estava construído o cenário ideal para que, não tarda nada, acontecessem novas traições que custariam muito caro...




Imagem nº 1 - O Reino Visigodo estava afundado em lutas internas pelo poder. Rodrigo e Ágila II disputavam acerrimamente o trono.




A Batalha

No final da Primavera de 711, Tarik desembarca com as suas tropas berberes. O seu exército não é muito numeroso, mas encontra-se composto por soldados fanáticos dispostos a lutar até à exaustão. Para além disso, recebem a colaboração ingénua dos informadores "vitizianos" que pensavam estar a ajudar os novos aliados que iriam colocar Ágila II no poder. Assim, os muçulmanos passam a conhecer bem o terreno, evitando, ao máximo, qualquer tipo de emboscada ou armadilha fatal aos seus interesses. Para além disso, já tinham acontecido, nos últimos anos, alguns raides por parte dos muçulmanos do Norte de África que sitiavam as comunidades do litoral hispânico.
Por seu turno, Rodrigo provavelmente não teria ainda conhecimento de que havia uma aliança secreta entre muçulmanos e os apoiantes do seu contendente Ágila. Apesar de ser um soldado experimentado e de procurar conhecer bem o adversário que iria enfrentar, Rodrigo não estava precavido para uma eventual traição. 
As primeiras escaramuças acontecem logo após o desembarque muçulmano - há algumas baixas de ambos os lados, mas nenhum dos embates ainda é suficientemente decisivo. Tarik reconhece alguma resistência, embora não muita, do inimigo, e pede reforços a Musa que trata de viabilizar a sua solicitação.
A batalha decisiva seria travada nas margens do rio Guadalete, na província de Cádiz. Dum lado está Rodrigo, principal pretendente ao trono visigótico, e do outro encontra-se Tarik, general do exército invasor. Há muitas divergências ou disparidades quanto ao número total de efectivos de ambos os exércitos, e o mesmo se pode deduzir quanto às baixas posteriores. Por isso mesmo, não avançaremos nenhum número específico, pois as fontes não clarificam esta questão. Aliás, não temos sequer informações claras sobre a descrição pormenorizada da batalha, até há mesmo dúvidas quanto ao dia da sua ocorrência (embora saibamos que ocorrera algures no mês de Julho de 711).
Sabemos sim que as tropas de Rodrigo dirigiram-se para sul, de forma a enfrentar a invasão muçulmana que tinha partido do Estreito de Gibraltar. Aquele tinha procurado reunir apoios dos seus clãs rivais, pensando que eles estariam consigo nesta hora difícil para o reino. Por seu turno, Tarik lidera uma armada que dependia muito da cavalaria berbere que estava pronta para fazer estragos no campo de batalha.
Contudo, as forças visigóticas estavam longe de garantir a unidade para enfrentar um adversário organizado e disciplinado. Rodrigo é mesmo traído por muitos comandantes e soldados vitizianos ou pró-Ágila que o abandonam na hora da verdade, deixando-o isolado perante um exército impiedoso. Rodrigo e alguns dos seus seguidores leais desaparecem nesta batalha (provavelmente tombaram todos em combate). A derrota dos visigodos é estrondosa. 
O exército cristão está agora fragmentado por causa das divisões políticas, e nem a morte trágica de Rodrigo, será suficiente para acordar um Estado preso à inércia e instabilidade. A capital do reino - Toledo acaba por cair muito pouco tempo depois. Muitos nobres visigodos fogem para o Norte da Península Ibérica, procurando refúgio na Galécia, Cantabria e noutras regiões. Não havia qualquer tipo de coordenação entre os líderes da resistência que estava destinada a desaparecer quase na totalidade (excepto nas Astúrias e na região basca).
Efectivamente iniciar-se-ia, em 711, um longo período de domínio muçulmano na Península Ibérica, que será bastante evidente nos próximos 400 anos, e que se prolongará até 1492, ano da queda do Reino de Granada.





Imagem nº 2 - A cavalaria berbere destroça os visigodos em Guadalete, aproveitando a traição impiedosa de que fora alvo o líder adversário - Rodrigo.




Imagem nº 3 - A vitória em Guadalete permitiu aos muçulmanos avançar triunfantemente para a conquista quase total da antiga Hispânia.
Retirada de: http://www.nucleomilitarblog.com/2014/01/imagem-do-dia_6.html, (Quadro da autoria de Mariano Barbasán Langueruela - 1864-1924).


Referências Consultadas:

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O Renascimento Carolíngio (sécs. VIII-IX)

No Panorama Cultural

Após a queda do Império Romano, em 476 d. C., como reflexo das invasões bárbaras, decorreram tempos menos produtivos do ponto de vista cultural. As devastações e os conflitos que se seguiram não permitiram ainda a estabilidade necessária para que as luzes da sabedoria fossem desenterradas ou reavivadas com esplendor. A Cristandade parecia ter perdido a chama da era romana e tornava-se agora refém da sua própria sombra, incapaz de se reinventar rumo a um futuro mais próspero. Esta parece ter sido a difícil realidade "europeia" entre os séculos V e VII, embora aceitamos que possam existir excepções a esta regra.
Este cenário mais obscuro começa a mudar, e de que maneira, com a ascensão de Carlos Magno (vive entre 742-814) ao poder. Torna-se rei dos francos em 768, e atingiria mais tarde o apogeu, quando fora coroado imperador pelo Papa Leão III no ano de 800, dominando já várias regiões: Aquitânia, Borgonha, Neustria, Austrásia, Baviera, Alamania, Franconia (e outras anexações fronteiriças)... O seu novo império seria mantido até 843, ano em que o Tratado de Verdun previu a sua divisão tripartida.
Para além dos sucessos das suas inúmeras campanhas militares contra lombardos, ávaros, saxões, frisões e eslavos (incursões essenciais para a defesa e expansão do Cristianismo), Carlos Magno revelou ser um visionário no plano cultural, preocupando-se com a educação e a moralidade do seu povo. A intelectualidade deveria ser pois um meio civilizacional para assegurar um destino risonho a qualquer nação. O imperador cristão desejava mesmo trazer professores estrangeiros (italianos, irlandeses, anglo-saxões...) de grande nomeada para construir a sua própria "Academia do Palácio", confluindo assim as contribuições eruditas de várias culturas distintas em simultâneo. Evidentemente, também o clero construiu novas escolas catedralícias, monásticas e presbiteriais, colaborando com o novo projecto desenvolvido pelo soberano. Estes mesmos estabelecimentos também estavam abertos aos leigos que as desejassem frequentar, postura considerada original (ao longo da Idade Média, praticamente só o clero é que tinha acesso à cultura, mas neste reinado, abriu-se uma curiosa excepção para os laicos que ambicionassem aprender).
Para além da questão do ensino, houve igualmente um importante estímulo nos sectores da arquitectura, escultura, pintura (frescos e iluminuras) e escrita (surge o modelo da letra carolina).
Neste período, o Império reveste-se dos maiores génios da época: Alcuíno, Eginhard, Rábano Mauro, Paulo Diacro, Jean Scott (ou João Escoto Erígena); o que se traduz num apogeu cultural. Os grandes pólos eram: Fulda, Luxeuil e Tours. É também nesta altura que muitas obras antigas (do período greco-romano) são copiadas e traduzidas pelos monges, um importante gesto de preservação e divulgação dos pensamentos mais sonantes de grandes vultos da literatura clássica.




Mapa nº 1 - O Império de Carlos Magno.



Imagem nº 1 - Possível retrato do Imperador Carlos Magno.



Imagem nº 2 - Busto-relicário medieval de Carlos Magno existente em Aachen.



Imagem nº 3 - Exército carolíngio em pleno combate contra os inimigos do Império e da Igreja.
Retirada de: http://judyferro.com/blog/?p=18, (presente na obra "Carolingian Cavalryman AD 768-987" por David Nicolle).


Perfil de Carlos Magno

Carlos Magno foi um grande líder militar da Idade Média. Expandiu os seus domínios, sobretudo em duas frentes: a leste conquista a Saxónia e a Caríntia e impõe derrotas aos povos pagãos - ávaros e eslavos; a sul, adquire domínios na região itálica, apropriando-se mesmo da Lombardia em 774. Todas estas campanhas granjearam-lhe, mais tarde, os estatutos de Imperador, Patrício dos Romanos e Protector da Santa Sé, visto que foi responsável pela difusão do Cristianismo. Recuperou a glória imperial que já havia sido testemunhada no Império Romano. Para além disso, enriqueceu, em parte, a economia estatal porque, ao alargar o seu território, conseguiu impor novos impostos sobre as populações agora submetidas ao seu poder.
Com amargura, não conseguiu concretizar o sonho de tomar a Península Ibérica, na altura dominada maioritariamente pelos muçulmanos, isto sem falar dos imprevisíveis montanheses bascos (vascões) que, com as suas emboscadas, causaram sérias baixas nas suas tropas (em Roncesvales - 778, a retaguarda do exército carolíngio foi mesmo varrida, tendo mesmo tombado em combate o conde Rolando, importante vassalo de Carlos Magno). Mesmo assim, as forças cristãs conseguiriam, mais tarde, chegar até Barcelona que cairá entre 800 e 801 d. C. (feito que se deve a Luís, o Pio - filho de Carlos Magno que o tinha enviado), gerando assim a Marca Hispânica.
Mas Carlos Magno não foi apenas mais um grande soberano medieval que somou variados e elogiosos triunfos no campo belicista, até porque a sua genialidade propagou um notável eco na vertente cultural. A necessidade de criar um povo mais astuto fazia parte dos objectivos prioritários do seu reinado.
Carlos era dotado, poderoso, dinâmico e com uma inteligência avançada para a época em que vivia, até porque grande parte dos soberanos eram, nesta altura, iletrados e não davam grande importância às questões educacionais. Aliás, ele julgava que era imperioso garantir uma melhor preparação dos funcionários imperiais e tentar fazer com que o clero franco abandonasse a ignorância e o relaxamento. O estudo da Bíblia e dos livros litúrgicos, bem como a compreensão das sete artes liberais constituíam os campos de aprendizagem. Foram promovidos jogos literários, discussões filosóficas e debates teológicos, conservando assim os pensamentos do passado. Os mosteiros enriquecerão também as suas próprias bibliotecas e assegurarão a cópia de vários códices.
O imperador recorreu à vassalagem da aristocracia e ao contributo fiel da Igreja de forma a conseguir impor o seu domínio até aos confins do seu vasto reino, contudo esta missão esteve longe de se tornar acessível, visto que as estruturas política e comercial ainda eram excessivamente rudimentares; para além disso, não haveria sequer o sentimento de unidade nacional e de coordenação legislativa. Por outro lado, a pobreza abundava num império essencialmente rural que dependia do cultivo das terras para alcançar a sua subsistência.
O seu filho e sucessor, Luís, o Pio, ainda manterá os domínios herdados de seu pai, mas o Império iria conhecer a desagregação com os três filhos deste último (Lotário, Carlos e Luís) que assinariam o Tratado de Verdun (843), cada um recebendo a sua correspondente herança territorial dum Império em fase de desmembramento.
Carlos Magno não conseguiria resolver todos os problemas que se verificavam no Império, mas sinalizou um rumo, não só inovador como inspirador, que se pautaria pelo primado da intelectualidade, pilar que hoje é considerado fundamental para o desenvolvimento de qualquer civilização.
De acordo com muitos eruditos, Carlos Magno é considerado actualmente o "Pai da Europa".


Statue de Charlemagne, à Paris (4e arrondissement).

Imagem nº 4 - Estátua do Imperador Carlos Magno em Paris.
Retirada de: http://www.cosmovisions.com/textCarolingiens.htm, ( a foto é da autoria de Serge Jodra).


Referências Consultadas:


terça-feira, 22 de julho de 2014

Leif Eriksson, o viking que atingiu a América na Idade Média

A Epopeia

Estávamos por volta do ano 1000 d. C., quando talvez o primeiro europeu logrou a façanha de alcançar o continente americano. Se repararmos atentamente na data, visualizamos que há uma diferença de quase 500 anos para Cristóvão Colombo que descobre as Antilhas em 1492.
Este mérito, olvidado na maior parte das Histórias Universais, deve-se naturalmente a uma civilização que já naquele tempo era uma potência naval - falamos dos vikings. O seu modelo célebre de barco - o dracar, permitia a fácil navegação, tanto em águas profundas como rasas. Aventureiros, corajosos, exploradores e aguerridos, assim eram os normandos na Alta e Plena Idade Média.
Em termos territoriais, já conheciam evidentemente, como limites a ocidente, a Gronelândia e a Islândia.
Leif Eriksson era filho do explorador norueguês Eirik Thorvaldsson, conhecido como Eirik "o Vermelho", que já tinha explorado e colonizado o sudoeste da Gronelândia. Mas o maior feito estaria reservado para o seu filho que colocaria os pés em solo americano, seguindo assim as pisadas do seu progenitor.
Desconhece-se a data e o local de nascimento de Leif Eriksson (por volta de 970?), contudo pressupõe-se que teria crescido na Gronelândia.
De acordo com as sagas nórdicas, Eriksson teria partido por volta do ano de 999, saindo da Noruega, com a permissão do rei Olav Trygvasson, para cristianizar os nativos daquela enorme ilha (a Gronelândia). Terá sido neste âmbito que o navegador se afastaria da sua rota, alcançando um novo continente. E aqui subsistem duas teorias:

  1. Leif Eriksson teria descoberto acidentalmente o território norte-americano, sendo possivelmente influenciado pelas correntes e ventos marítimos que o obrigaram a desviar-se do rumo pré-definido.
  2. Leif Eirksson teria conhecimentos prévios de relatos que já apontavam para a possibilidade de existirem mais terras a oeste e a sudoeste da Gronelândia. Esta tese nasce da suspeição de que o comerciante Bjarni Herjulfsson que, em 986, ao ver o seu barco, que navegava entre a Islândia e a Gronelândia, a ser incomodado por uma terrível tempestade, reivindicava ter avistado terras a ocidente com florestas densas, embora não tivesse chegado a desembarcar nelas. Mas há autores que julgam que Bjarni teria sido o primeiro navegador europeu a ter a oportunidade de ver o desconhecido continente americano, mas o primeiro a pisar, influenciado pelo seu testemunho, seria Leif Eriksson. Assim sendo, a descoberta não seria fruto do acaso, mas sim dum conhecimento prévio sobre a eventualidade de se encontrarem novos territórios. Esta é a teoria mais provável, embora não convertida numa absoluta certeza.

Não sabemos se o seu achado foi acidental ou intencional, ainda persiste essa dúvida, contudo não há dúvidas da sua chegada ao continente americano, mais concretamente a solo hoje correspondente ao Canadá. Teria fundado três pequenas colónias: Helluland (região de Labrador), Markland (actual Newfoundland) e Vinland (desconhece-se onde seria a sua localização exacta). Como prova deste facto, encontramos uma vila viking em L'Anse aux Meadows (Canadá), considerada Património Mundial da UNESCO, onde se encontraram estruturas e artefactos que remontam praticamente ao ano 1000.
Eriksson passou o inverno com a sua tripulação nestes novos territórios, tendo retornado, em 1001, à Gronelândia. Leif Eriksson jamais regressaria ao continente americano, embora tivesse encarregado o seu irmão de explorar mais a zona costeira do novo território.
A colonização viking foi efémera visto que o convívio entre vikings e os índios americanos, duas culturas tão distintas, traduziu-se num desenlace trágico e fatal. De acordo com a tradição, os nativos teriam ficado revoltados com algumas das práticas dos novos colonizadores, e aproveitando a sua esmagadora superioridade numérica, terão dizimado as dezenas de normandos que tinham permanecido no território.
A descoberta de Leif Eriksson (este faleceria talvez por volta do ano de 1020) cairia no esquecimento por muitos séculos, sendo relegado por Cristóvão Colombo para um plano secundário. É certo que este último descobriu e teve a oportunidade de divulgar e oficializar o achado, e por isso, o conhecimento do continente americano deve-se muito a Colombo e Américo Vespúcio. Todavia, não é justo omitir este incrível feito de Leif Eriksson que terá sido o primeiro europeu a confrontar-se com a realidade deste novo continente exótico e tão distinto dos demais que haviam.




Imagem nº 1 - Possível retrato de Leif Eriksson, o descobridor medieval das Américas.
Retirada de: http://icepondwitch.com/tag/leif-erikson/, (fine art america).



Imagem nº 2 - Leif Eriksson avista terras do continente americano.
Quadro da autoria de Christian Krohg (1852-1925)



Imagem nº 3 - Estátua de Leif Eriksson no Estado do Minnesota (EUA).
Foto: Wikipédia



Imagem nº - O dracar, navio por excelência dos vikings.



Mapa nº 1 - As rotas vikings de Erik, Bjarni e Leif Eriksson.



O Sítio Arqueológico de L' Anse aux Meadows

No actual Canadá, podemos encontrar a pequena vila viking em L' Anse aux Meadows, cujas escavações determinaram a sua natureza nórdica para os inícios do século XI (isto é, por volta do ano 1000; é possível que a tímida ocupação viking tenha durado até 1012, altura do massacre indígena que fez com que o irmão de Leif Ericson fosse morto), reforçando assim os relatos das Sagas Nórdicas.
As habitações eram feitas de madeira, e o telhado recheado de turfa, de forma a proteger os moradores contra o frio. Existiam salas bem como havia lugar para a indispensável lareira.
Para além das residências, haveria uma forja, um depósito de escória, oficina, armazéns e um estaleiro. 
Em seguida, apresentamos imagens deste pequeno aglomerado que marcou a história mundial.



Imagem nº 5 - Maquete que tenta reconstituir a antiga vila viking no século XI.
Foto: Wikipédia



Imagem nº 6 - Zona costeira da vila.
Foto: Wikipédia



Imagem nº 7 - Restos de uma forja viking na vila.
Foto: Wikipédia




Imagem nº 8 - Oficina viking com o telhado coberto por turfa.
Foto: Wikipédia



Imagem nº 9 - Residência normanda (reconstruída).
Foto: Wikipédia


Referências Consultadas:


Nota Extra - Também existe a teoria de que Leif Eriksson teria nascido na Islândia, embora subsistam, como disse, muitas dúvidas sobre os seus primeiros anos de vida.

Al-Mutâmid, o rei-poeta de Sevilha

Com as invasões muçulmanas à Península Ibérica no ano de 711 d. C., instaurou-se uma nova cultura assente num idioma e credo distintos. O domínio muçulmano irá estender-se até 1492, ano da queda do reino de Granada às mãos dos réis católicos de Espanha.
Durante todo este período, houve igualmente eruditos que se destacaram no campo literário, embora tenha existido talvez um que se tenha evidenciado com maior notoriedade. Trata-se de Muhammad al-Mutâmid, nascido em Beja no ano de 1040. Terá governado nominalmente Silves, claramente um pólo de cultura nos tempos do al-Andalus, antes de suceder, em 1069, a seu pai no reino taifa de Sevilha. Todavia, acabaria por ser destronado pela corrente almorávida de Ibn Tāshufīn, conhecendo o exílio no interior de Marrocos, mais concretamente em Agmat, onde passará os derradeiros dias da sua existência (falecerá em 1095). Se antes tivera acesso a um passado auspicioso, eis que agora deparar-se-ia com a miséria e vários dramas pessoais.
O contraste entre a glória e o desterro inspiraram a veia que al-Mutâmid nutria pela poesia. Ainda hoje os seus textos são recordados. 
Célebre foi ainda a relação íntima que protagonizou com Ibn Ammar, poeta reputado que conhecera em Silves, mas essa grande amizade (que alguns investigadores suspeitaram ter chegado ao ponto dum relacionamento de cariz homossexual) acabaria por terminar em tragédia. As insanáveis desavenças e intrigas que ocorreram mais tarde fizeram com que o próprio al-Mutâmid, na altura ainda rei de Sevilha, o matasse na própria cela com recurso a um machado. 
Al-Mutâmid foi ainda um patrono das artes (promoveu o estudo das Ciências, Filosofia, Música e Letras), e enquanto rei, usufruiu igualmente dos prazeres da vida.



Evocação de Silves 
(Poema célebre da autoria de al-Mutâmid)

Eia, Abú Bacre, saúda os meus lares em Silves e pergunta-lhes
se, como penso, ainda se recordam de mim.

Saúda o Palácio das Varandas da parte de um donzel
que sente perpétua saudade daquele alcácer.

Ali moravam guerreiros como leões e brancas
gazelas. E em que belas selvas e em que belos covis!

Quantas noites passei divertindo-me à sua sombra
com mulheres de cadeiras opulentas e talhe fatigado

Brancas e morenas que produziam na minha alma 
o efeito das espadas refulgentes e das lanças obscuras!

Quantas noites passei deliciosamente junto a um recôncavo
do rio com uma donzela cuja pulseira rivalizava com a curva da corrente!

O tempo passava e ela servia-me o vinho do seu olhar
e outras vezes o do seu vaso e outras o da sua boca.

As cordas do seu alaúde feridas pelo plectro estremeciam-me
como se ouvisse a melodia das espadas nos tendões do colo inimigo.

Ao retirar o seu manto, descobriu o talhe, florescente ramo
de salgueiro, como se abre o botão para mostrar a flor.




Imagem nº 1 - Al-Mutâmid, um rei que privilegiou a cultura no al-Andalus.




Referências Consultadas: