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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A Ordem dos Assassinos


1- Descrição


Nos finais do século XI, surgiria uma seita obscura no Médio Oriente, instituída para planear assassinatos de diversas personalidades políticas, em nome duma causa específica. O seu principal mentor foi Hassan Sabbah (1034-1124), conhecido como o Velho da Montanha que difundiu a sua própria corrente do ismaelismo, considerada uma ramificação do xiismo. Ele sentia-se mesmo um iluminado. A sua visão radical não tolerava as heresias e desacertos dos demais governantes muçulmanos, a sua associação visaria também, nalgumas situações específicas, os próprios líderes cruzados do Levante. Hassan tinha perfeita consciência de que os seus seguidores eram reduzidos, mas anda assim suficientes para causar o terror, de forma a conseguirem impor os seus ideais. Tornaram-se pois temidos porque os homicídios selectivos eram arquitectados com minúcia, apanhando as vítimas desprevenidas para assim materializar o golpe fatal. Os assassinos, servos demasiado fiéis à sua causa, estavam dispostos a morrer nas missões de elevado risco que lhes eram incumbidas. Não toleravam o Islamismo Sunita, e por isso, os oficiais políticos, militares e religiosos que seguiam esta corrente integravam igualmente os alvos preferenciais desta seita ismaelita.
Esta organização secreta perduraria cerca de dois séculos, cessando em meados do século XIII, quando os recém-chegados mongóis destruíram as suas bases estruturais.




Imagem nº 1 - Hassan Ibn Sabbah foi o mentor da seita. Vivia numa fortaleza montanhosa em Alamut, no Norte da Pérsia (Irão), rodeado pelos seus discípulos. Teria proferido várias vezes a seguinte afirmação: "Nada é verdade. Tudo é permitido".



2- Métodos Adoptados


Quando Hassan Sabbah instaurou a sua fortaleza em Alamut (no ano de 1090), a tradição lendária menciona que instaurou o célebre "jardim das delícias" como meio estratégico de integração dos seus seguidores. Nesse lugar verdejante, coroado por plantas exóticas e alguns pássaros, e rodeado por alguns edifícios ornamentados, os assassinos usufruíam duma harmonia total. Antes de ir para o jardim, eles costumavam tomar uma poção misturada com haxixe (há teorias, embora não consensuais, de que esta droga teria originado a designação desta organização secreta), e por isso, é natural que a ilusão se tornasse total naquele espaço convidativo. Para além disso, os frequentadores deste jardim tinham ainda acesso às adolescentes mais bonitas (houris) que tornariam a sua estadia ainda mais atractiva. Evidentemente, Hassan Sabbah sabia manter os seus homens satisfeitos, os quais, em troca, lhe garantiam máxima lealdade, matando todos os que deveriam ser eliminados na óptica do seu mentor.
Os seus seguidores procuravam ainda atingir os maiores planos de consciência, aprendiam igualmente como neutralizar os alvos determinados (recorrendo a um punhal ou à ingestão de veneno), assimilavam diversas línguas, costumes e vestes (para conseguirem penetrar, de forma, disfarçada nos mais variados meios) e técnicas de fingimento religioso, fazendo passar a ideia de que seriam muçulmanos, cristãos ou de outra religião. Evidentemente, o factor "surpresa" era parte integrante na execução das suas operações destinadas a eliminar figuras importantes que seriam apanhadas desprevenidas e, na maior parte dos casos, sozinhas e desarmadas diante destes elementos radicais.
No topo da organização secreta, estava Hassan, o velho da Montanha e senhor de Alamut, que garantia estar mais perto de Deus, ao qual prestava a sua devoção concreta. Depois seguiam-se alguns priorados com os místicos iluminados e os propagandistas (talvez aqui estejamos a falar duma espécie de missionários ismaelitas subservientes a Hassan). Por fim, na base desta hierarquia, estavam os fidai (fedayin) ou assassinos, talvez vistos como "anjos destruidores" que estavam dispostos a cometer as atrocidades exigidas pelo seu mestre. Eles poderiam actuar em mesquitas, igrejas, mercados fechados, ruas estreitas, palácios, acampamentos ou em lugares públicos... Muitos tinham sido recrutados enquanto eram jovens abandonados ou pobres que, perante as novas condições de vida, começavam a encarar ingenuamente o senhor de Alamut como um deus-Pai.
No seu apogeu institucional, terão contado com cerca de 60 000 seguidores (com células ramificadas em muitas regiões do Médio Oriente), contudo é imperioso salientar que, mesmo assim, estávamos perante um número minoritário, embora capaz de causar inúmeros estragos humanos e materiais.
Os primeiros alvos desta organização começaram por ser abatidos no Irão e no Iraque, mas em breve chegariam à Síria, onde forças cristãs e muçulmanas se degladiavam pela posse territorial dos lugares sagrados.
Em 1256, o imperador mongol Hulagu, neto de Gengiscão, conquista a base central de Alamut, terminando assim com as hipóteses de futuro da seita fundada por Hassan. 
As técnicas macabras desta associação inspirariam muitos outros movimentos secretos e conspirativos a nível mundial, de forma a que fossem programados assassinatos políticos ou de conceituadas figuras públicas. Muitas das máfias que seriam criadas ao longo dos tempos tirariam assim proveito de muitos dos ensinamentos de Hassan Sabbah.



File:Assassins2-alamut.jpg

Imagem nº 2 - A Fortaleza de Alamut, onde Hassan Sabbah profetizava e instruía os seus homens para concretizarem as missões homicidas.
Retirada de: http://disinfo.com/2012/07/hasan-bin-sabbah-and-the-secret-order-of-hashishins/




Imagem nº 3 - Em pormenor, a localização dos ismaelitas de Hassan Sabbah no Grande Império Seljúcida por volta de 1140. A amarelo, temos ainda os estados cruzados, instituídos no âmbito da Primeira Cruzada (1095-1099). Era neste contexto geográfico que a seita iria criar ramificações com o surgimento de novas células.
Retirada de: http://www.historynet.com/holy-terror-the-rise-of-the-order-of-assassins.htm




3 - Personalidades conceituadas na Lista de Alvos desta Seita


Os membros desta Ordem dos Assassinos eram treinados rigorosamente para que fossem bem sucedidos nas suas missões, muitas delas, de elevado grau de dificuldade. Muitos dos seus alvos pereceram às suas mãos, outros que foram ameaçados, jamais dormiriam em paz, mesmo que nunca viessem a ser alvo do ataque fatal.  Normalmente, era enviado um assassino para lograr o seu objectivo, ou mais raramente, equipas de dois ou três elementos. Estes fidai sabiam que na maior parte das vezes não conseguiriam escapar à morte no decurso da sua missão quase suicida.
Indicamos em seguida uma lista de alvos (uns abatidos, outros escapando a esse fim) que conseguimos reunir: 

  • Nizam al-Mulk - Estadista iraniano e vizir dos sultões seljúcidas. Foi morto em 1092, quando se dirigia a Bagdade. Foi assassinado perto da província de Hamadán, sendo que o executor do seu homicídio estaria disfarçado de dervixe antes de o esfaquear de surpresa. Os guardas agiram logo que possível, mas sem conseguir impedir a morte do seu senhor, apenas conseguiram matar o assassino nos instantes seguintes. Com a morte desta figura reputada, o Império Seljúcida perderia grande parte da sua unidade, abrindo caminho a futuras guerras de sucessão.
  • Janah al-Dawla - Emir de Homs (Síria). Assassinado em 1103 quando orava numa mesquita pública.
  • Ahmad Sanjar - Nos inícios do século XII, o Vice-rei seljúcida da Pérsia Oriental tinha a intenção de combater os ismaelitas de Alamut, porém foi imediatamente ameaçado de morte se não aceitasse negociar tréguas com Hassan Sabbah. De acordo com a tradição, o Velho da Montanha tinha subornado um membro da sua corte para que deixasse um punhal enterrado no chão ao lado da cama onde ele dormia. Sanjar, temendo pela sua própria vida, aceitou finalmente negociar as condições de paz, contra a sua própria vontade.
  • Abu-Saad al-Harawi - Cádi Poderoso de Bagdade que criticava a passividade e a mediocridade do dirigismo muçulmano que parecia antes concentrar-se nas divisões internas e nas ambições pessoais do que em combater as tropas cristãs que empreenderam a Primeira Cruzada vitoriosa e que recuperaram Jerusalém e demais lugares sagrados, derrotando seljúcidas e demais muçulmanos. A coragem do seu discurso captou o interesse das multidões. Mas acabaria por ser assassinado em 1124 numa grande mesquita de Hamadã, tendo sido morto à punhalada diante da multidão que, aterrorizada e em estado de choque, não conseguiu esboçar qualquer reacção, tendo os assassinos escapado sem deixar qualquer rasto. É possível que quando lamentara publicamente as divisões entre muçulmanos, se tivesse referido à seita de Hassan, motivo provável pelo qual fora morto.
  • Ibn al-Khachab - Cádi xiita de Alepo que foi morto em 1125, quando denunciava e repudiava as actividades nefastas da Seita que deveria, no seu entender, ser prontamente banida do mundo islâmico até porque este oficial muçulmano acreditava que os assassinos admiravam inicialmente os cruzados por fazerem a vida negra aos seljúcidas, estes claramente desprezados por Hassan e seus seguidores. As críticas em público à seita dos Assassinos eram motivo mais que suficiente para que os discursantes pagassem o preço mais elevado - a perda da sua vida.
  • Al- Borsoki (Bursuqi)- Emir de Alepo e Mossul - embora estivesse já de sobreaviso, utilizando mesmo uma cota de malha para travar a penetração dum punhal e estando rodeado de soldados, este poderoso senhor não conseguirá mesmo assim escapar a uma morte cruel. Foi assassinado publicamente na Mesquita de Mossul, quando os membros da seita, vestidos de sufis e fingindo um espírito de devoção, saltaram sobre ele e desferiram-lhe vários golpes. Como os punhais não penetravam o corpo do emir devido à sua cota de malha, um dos assassinos gritou: "Agridam na cabeça" e efectivamente, terá sido atacado aí e até na garganta, tendo então perecido nesse dia trágico de 26 de Novembro de 1126. Os assassinos foram capturados e depois justiçados.
  • Taj al-Muluk Buri - Emir de Damasco. Em Maio de 1131, os seus dois guarda-costas ismaelitas tentaram matá-lo, mas não conseguiram concretizar o seu assassinato com sucesso imediato - o emir ficou gravemente ferido e apesar de ter sido tratado pelos melhores médicos, o seu sofrimento arrastar-se-ia até Junho de 1132, altura em que sucumbe, quando uma profunda ferida se reabriu...
  • Raimundo II de Tripoli - Conde cruzado de Tripoli que de regresso, após uma viagem a Jerusalém, foi morto em 1152 junto aos portões da sua cidade juntamente com dois cavaleiros seus que, em vão, tentaram protegê-lo do ataque. Terá sido o primeiro não-muçulmano a cair nas malhas dos instintos assassinos da seita.
  • Saladino - Visto como um inimigo da organização radical, este reputado líder do mundo árabe (sultão aiúbida) foi ameaçado de morte através dum bilhete acompanhado dum punhal que foram colocados em cima da sua alcova. Ameaças que não foram concretizadas, pois Saladino faleceria de morte natural.
  • Conrado de Monferrato - Figura crucial da Terceira Cruzada (e herói na defesa da cidade portuária de Tiro) e Rei nominal cristão de Jerusalém apenas por pouco tempo. Foi morto surpreendentemente em 1192 por dois assassinos que se lançaram sobre ele. Ambos os responsáveis por este homicídio selectivo acabariam por ser abatidos (um foi logo morto no local, o outro parece que foi ainda torturado, de forma a tentar desvendar-se os pormenores sobre a conspiração que levara à morte daquele soberano e ilustre cavaleiro).
  • Príncipe Eduardo - À frente da Nona Cruzada (1271-1272), o jovem príncipe inglês foi surpreendido por um disfarçado membro da ordem que apesar de já se encontrar totalmente desmantelada pelos mongóis na Pérsia, ainda possuía ramificações no Levante, região que resistira ao avanço daquela civilização asiática. Era de noite, quando o assassino, fingindo ser espião ao serviço dos cruzados, entrou no quarto do príncipe, tentando imediatamente esfaqueá-lo. O primeiro golpe não é fatal, apesar do grave ferimento infligido em Eduardo. Este consegue reagir imediatamente e com um punho consegue afastar o inimigo que tentaria dar-lhe o segundo golpe que tinha tudo para ser mortal. Com o inimigo de momentos no chão devido ao golpe dado com a mão, Eduardo consegue pegar no punhal que guardava numa mesa do quarto e espetou-a na cabeça do infiltrado, matando-o. Mesmo assim, o príncipe inglês havia sido ferido com gravidade, pois a faca que o atingira no primeiro contacto estava envenenada. Passará pois um mau bocado até recuperar definitivamente dos ferimentos.

An agent of the Order of Assassins (left, in white turban) fatally stabs Nizam al-Mulk, a Seljuk vizier, in 1092, the first of many political murders by the sect. The faces in this depiction, which was contained in an illustrated 14th-century manuscript, were later scratched out (Topkapi Palace Museum, Cami Al Tebari TSMK, Inv. No. H. 1653, folio 360b)

Imagem nº 3 - O assassinato por esfaqueamento do vizir iraniano - Nizam al-Mulk em 1092.
Retirada de: http://www.historynet.com/holy-terror-the-rise-of-the-order-of-assassins.htm, (ilustração dum manuscrito do século XIV).



The prince about to stab the assassin, fallen down on a tiled floor, two guards running into the room at right; from Raymond's 'History of England'.  1803
Etching and engraving

Imagem nº 4 - O Príncipe Eduardo resiste, com sérias dificuldades, à tentativa de assassinato (ano de 1272).
Retirada de:
 http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details/collection_image_gallery.aspx?assetId=984762&objectId=3355482&partId=1, (gravura de 1803).


Conclusão

Todos aqueles que desafiassem com acções ou medidas consideradas hostis aos interesses da comunidade ismaelita criada pelo próprio Hassan Sabbah (e depois sucedido por outros líderes até ao século XIII; neste cômputo, devemos ressalvar ainda o nome de Rachid ad-Din Sinan que também foi temido, embora este se tivesse concentrado na Síria) tornar-se-iam automaticamente alvos a abater. Por isso, líderes políticos, influentes religiosos e militares foram mortos porque tinham, de alguma forma, ameaçado os interesses daquela seita. Evidentemente, os executores destas missões sabiam que poderiam falecer a qualquer momento, mesmo que conseguissem concretizar a tarefa que lhes era destinada, até porque muitos dos seus alvos influentes teriam os seus guarda-costas nas suas proximidades que, logo detectassem o acto homicida, se lançariam com fúria sobre o assassino, ou o deteriam, sendo posteriormente sentenciado com a pena de morte. 
Mesmo assim, o número de vítimas selectivas da seita não parece ter sido bastante elevado, embora fossem praticamente todas elas personalidades medievais influentes no Médio Oriente. Entre 1092 e 1124, estão registados 50 assassinatos, número que decresce drasticamente, após a morte de Hassan, já que entre 1138 e 1162, o número de vítimas abatidas cifrou-se em 14. Todavia, não podemos ignorar que as mortes por envenenamento seriam mais difíceis de contabilizar devido à dificuldade na sua detecção, e por isso, os números indicados em cima devem ser tomados como mínimos, embora o número real de homicídios não tivesse sido bastante superior aos registos já mencionados (talvez ao todo se contabilizassem poucas centenas de homicídios selectivos concretizados entre os séculos XI e XIII, isto se não tivermos em conta os conflitos travados com as forças persas pelo controlo de algumas fortificações ou até as emboscadas destinadas a conquistar castelos).
Nas guerras civis travadas entre os seljúcidas (defensores da ortodoxia sunita), os ismaelitas de Hassan tiravam normalmente proveito do contexto anárquico para se apoderarem de novas fortalezas na Pérsia. O medo foi ainda uma táctica utilizada recorrentemente de forma a assegurar os seus próprios interesses. 
Este grupo minoritário surge num contexto em que o fervor religioso era bastante evidente na era medieval. O espírito de cruzada e jihad estavam claramente em voga entre os séculos XI e XIII. A guerra santa era engrandecida por muçulmanos e cristãos. Neste contexto, não é de estranhar que Hassan Sabbah legitimasse igualmente o derramamento de sangue para defender os interesses da sua seita claramente minoritária que, desde cedo, foi repudiada pela maioria esmagadora dos muçulmanos e cristãos, embora os seus líderes políticos temessem um enfrentamento com os assassinos, pois a organização mafiosa conseguiria sempre arranjar forma de se intrometer nos mais variados meios para assim perpetrar as suas missões cruéis.
Hassan Sabbah poderia ser visto, por alguns investigadores, como um demagogo (alguém extremamente insatisfeito com o status quo e que pensava ter a chave para todos os problemas mundanos), mas jamais seria considerado um ignorante, visto que tinha estudado os mais diversos textos sagrados (Corão, Antigo e Novo Testamentos...) e andado ainda pelo Egipto onde manteve alguns contactos privilegiados, acabaria depois por seguir uma vida reservada e disciplinada nos aposentos de Alamut (também aí denotou algum interesse pelos últimos avanços da ciência da época), relacionando-se com os inimigos do exterior através das mais variadas práticas conspiradoras letais.
Actualmente, o Ismaelismo, em abono da verdade, encontra-se totalmente desvinculado do activismo violento da era medieval, tendo o mesmo conhecido várias correntes e evoluções internas no decurso dos seus séculos de história. Os ismaelitas acreditam na mensagem divina de Maomé, mas distinguem-se dos demais por seguirem um imã vivo. Defendem a existência de sete eras marcadas pela passagem de sete profetas: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus, Maomé e Ismael (este foi o companheiro silencioso de Maomé e regressará no futuro para ser o profeta do sétimo e derradeiro ciclo que corresponderá ao fim do Mundo). É uma corrente religiosa que encontra ainda um número considerável de crentes no Oriente (talvez cerca de 15 milhões de pessoas) espalhados pela Índia, Paquistão, Síria, Iémen... Em suma, a corrente de Hassan Sabbah que vigorou entre os séculos XI-XIII foi só uma das várias sub-ramificações do Ismaelismo, pois é certo que existiram igualmente outras tendências e modos de viver esta visão religiosa ao longo da história. Não poderíamos pois deixar de mencionar esta importante ressalva...



Referências Consultadas:




Notas Extra:


1- Hassan Ibn Sabbah, aquando das suas andanças iniciais pelo Cairo e Egipto, ficou conhecido por ter sido um partidário de Nizar, o qual acabaria por ser deposto e morto. 

2- Não se compilaram muitas fontes da época que nos permitam traçar com rigor a história desta seita secreta medieval, e é natural que a vertente lendária e fantasiosa se tenha apropriado de deturpar potenciais realidades. Contudo, procuramos neste artigo albergar o máximo de informações possíveis, as quais poderão ser ou não discutíveis.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Haroldo, o soberano inglório (Janeiro-Outubro 1066)

Haroldo nasceu por volta do ano de 1020. Era filho de Godwin, conde de Wessex e de Gytha da Dinamarca. No ano de 1053, ascende ao condado de Wessex, sucedendo a seu pai que havia falecido. Teoricamente, ele não teria, à partida, elevadas hipóteses de alcançar o trono inglês, visto que não descendia directamente de qualquer rei. Efectivamente, apenas a sua irmã Edite era casada com o rei de Inglaterra - Eduardo, o Confessor. Seria pois por aqui que encontraria alguma legitimidade para reclamar futuramente o poder real, embora fosse necessário uma conjugação favorável de factores que lhe permitisse entrar nesta luta, mas em breve este cenário iria materializar-se com o surgimento de pretendentes à coroa inglesa.
Em 1063, Haroldo começa a dar provas do seu perfil de comandante no campo de batalha, derrotando Gruffydd ap Llywelyn, governador de Gales.
Entretanto, o rei inglês Eduardo, um homem casto e extremamente religioso (mais tarde canonizado), morre em 5 de Janeiro de 1066 sem deixar qualquer descendente que lhe pudesse imediatamente suceder. Abriu-se pois um vazio de poder, o qual será imediatamente aproveitado pelos mais influentes nobres e clérigos ingleses que nomeiam Haroldo (o segundo com esta designação) como novo rei de Inglaterra. Mas esta decisão estava longe de ser consensual - o rei norueguês Harald Hardrada (este reivindicava um acordo antigo entre Magnus e Hardacanuto que asseguraria o domínio nórdico da Inglaterra) e o duque Guilherme da Normandia (o qual assegurava que o rei Eduardo lhe teria confiado secretamente a coroa em 1051) possuíam igualmente os seus próprios argumentos contendenciosos e estavam mesmo dispostos a invadir a Inglaterra e destronar o rei que tinha acabado de ser colocado e, automaticamente, o processo até começaria a ser colocado em marcha.
De facto, a Inglaterra será alvo de duas invasões militares distintas programadas independentemente pelos dois pretendentes que não aceitavam a entronização de Haroldo II. Como se não bastasse, e apesar de não haver qualquer aliança entre as duas forças invasoras, ambas as campanhas decorrerão quase em simultâneo, o que complicará ainda mais a estratégia defensiva do recém-nomeado rei de Inglaterra. Num curto espaço de tempo, as forças leais a Haroldo preparar-se-iam para enfrentar dois poderosos exércitos estrangeiros.
Passariam ainda alguns meses nesse ano memorável de 1066 para que todas as partes se preparassem para o pior. Por motivos de conjuntura, o soberano inglês tem de enfrentar primeiro as tropas nórdicas do rei Harald Hadrada, o qual era apoiado por Tostig, irmão de Haroldo com o qual mantinha uma relação bastante azeda. Tostig não perdoava ao seu irmão Haroldo por ter perdido os direitos sobre o importante condado da Nortúmbria, e por isso, apoiava a causa do novo pretendente, de forma a recuperar o que reivindicava. A invasão norueguesa é semeada a partir da região da Nortúmbria, onde desembarcam as tropas vikings que são transportadas por 300 barcos. Inicialmente, as forças invasoras conseguem uma vitória, embora não decisiva, sobre os destacamentos militares do novo conde da Nortúmbria - Morcar. O rei inglês sabe que não pode aguardar mais perante a entrada e penetração, até ao momento bem conseguidas, pelas forças nórdicas. Dentro deste contexto, a 16 de Setembro deixa Londres com o seu exército, e rumará em direcção a Norte, preparando-se para o embate decisivo que prometia ser violento. Ao fim de 9 dias, a 25 de Setembro de 1066, as forças envolvidas na contenda pelo trono inglês encontram-se perto de Stamford Bridge, já nas proximidades da cidade de York. Aparentemente, não havia uma expressiva diferença numérica entre os dois exércitos. O equilíbrio militar determinaria um cenário imprevisto que poderia pender para qualquer um dos lados.
A primeira iniciativa é de Haroldo que passa imediatamente à ofensiva. Mas o soberano norueguês Harald Hadrada, tirando proveito dos seus combatentes tradicionalmente habilitados para a arte bélica, consegue equilibrar com uma contra-ofensiva também notável. Contudo, uma flecha certeira (ou até fruto do acaso!) poderia decidir imediatamente o conflito, e foi o que aconteceu, quando uma seta acabou cravada no pescoço do rei norueguês que tombou assim na batalha. Com um dos seus rivais mortos, o rei inglês Haroldo tenta oferecer um acordo pacífico ao seu irmão Tostig, contudo este rejeita os termos de rendição e dá ordens para que a batalha prossiga, contudo a morte do soberano viking tinha desmoralizado e desgastado física e psicologicamente as tropas, e Tostig acabaria por pagar cara a sua decisão, pois morreria em combate. Provavelmente, faleceram cerca 10 000 soldados nesta batalha, 4 a 5 mil do lado inglês e talvez 6 mil efectivos nórdicos.
Haroldo tinha, para já, segurado a coroa e destruído o exército nórdico, causando mesmo a morte dos seus dois principais líderes - o rei norueguês Harald Hadrada e o ex-conde da Nortúmbria e seu irmão - Tostig Godwinson. Mas a guerra não tinha terminado. No dia 28 de Setembro, 3 dias depois da batalha de Stamford Bridge, chegam agora as tropas de Guilherme, Duque da Normandia (Norte de França), o qual como já mencionamos, alegava que o anterior rei inglês - Eduardo, o Confessor, lhe teria prometido pessoalmente a Coroa em 1051. Contudo, os partidários de Haroldo contra-argumentavam que Eduardo, no seu leito, teria escolhido o Conde de Wessex, o que poderia implicar uma mudança de ideias, isto se ambos os argumentos apresentados de ambos os lados tivessem algum fundamento, já que Eduardo tinha ficado agora reduzido ao silêncio perpétuo da morte terrena, e por isso, não podia confirmar ou desmentir as versões apresentadas. Certo é que os dois contendentes estavam totalmente convencidos de que o trono lhes pertencia por direito e, por isso, estavam dispostos a tudo para concretizar tal objectivo.
O desembarque das forças de Guilherme acontece no sul do reino inglês, e Haroldo nem tem tempo para saborear a vitória anterior, marchando imediatamente em direcção a sul, mais concretamente rumo a Londres, percorrendo 200 milhas (322 km). O desgaste das suas forças após uma batalha sangrenta era evidente. Passariam cerca de 5 dias na capital a recuperar da fadiga e obteriam ainda alguns reforços, antes de prosseguir com a caminhada rumo a sul, alcançando a 13 de Outubro, a Colina de Senlac, localizada a noroeste de Hastings, já na costa sul.
No dia seguinte, 14 de Outubro de 1066, iria começar a ser travada a derradeira e crucial batalha. Haroldo ordenará às suas forças para que formem linhas defensivas ao longo da colina. Ele comandaria 9 000 guerreiros, a maior parte infantaria e um número bastante limitado de cavaleiros. Por seu turno, Guilherme contava com 15 000 homens, tratando-se dum exército mais equilibrado, conciliando arqueiros, besteiros infantes, cavaleiros e piqueiros (soldados armados com piques ou grandes lanças). Agora, a primeira iniciativa pertence aos normandos que sobem à colina, mas os resultados iniciais não são animadores. Os arqueiros, os primeiros a avançar, falham a maior parte dos seus alvos, os piqueiros, que lhes seguiram, também são obrigados a recuar porque o exército real inglês também possuía os seus próprios lançadores de setas e até pedras. Por fim, a carga da cavalaria normanda não degenera aos movimentos anteriores, e também fracassa inicialmente, sendo que a sua ala esquerda desintegrou-se completamente e foi mesmo perseguida pelas tropas de Haroldo. O pânico dos normandos foi enorme visto que estes chegaram ao ponto de pensar que o duque Guilherme teria sido uma das vítimas mortais dos recentes combates, contudo tudo não passaria dum falso boato. O nobre pretendente ao trono inglês dá imediatamente a cara e consegue reorganizar as forças normandas e lançar um contra-ataque que esmagará os ingleses que se haviam dispersado quando perseguiam o adversário que tinha antes recuado drasticamente. Todavia, Guilherme não consegue ainda penetrar no centro da linha defensiva inglesa, a qual ainda consegue repelir o movimento ofensivo do duque normando.
O impasse parecia ter-se apoderado de ambas as facções, perante tantos avanços e recuos de ambos os lados. Haroldo dava ordens para que as suas forças mantivessem as suas posições no topo da colina. Apesar da fadiga acumulada, os homens do rei inglês mantiveram a sua bravura e disciplina táctica, travando novas cargas das forças de Guilherme, o qual já começava a ficar totalmente apreensivo. Todavia, não desistiria agora do seu objectivo de se tornar rei de Inglaterra, ordenando às suas forças para que lançassem mais uma chuva de flechas sobre as linhas defensivas oponentes, e foi nesse preciso momento que uma seta furou o olho de Haroldo, causando-lhe a morte. Sem o seu rei vivo, as forças inglesas acabaram por abandonar a colina.
Ao contrário dos reis Haroldo e Harald Hadrada, Guilherme ganharia esta contenda porque sobreviveria à ferocidade das flechas inimigas. Ele era o único dos três pretendentes que não era rei, mas que lograria este estatuto ao ser o mais bem-sucedido neste ano agitado de 1066 em que se assistiu à morte de Eduardo, o Confessor e às duas consequentes invasões em pleno reino inglês.
Terminaria assim na Inglaterra a sua era/dinastia anglo-saxónica e iniciar-se-ia a normanda, com Guilherme, o Bastardo.
Quanto a Haroldo, logrou uma primeira vitória decisiva mas a sorte que o acompanhara aí, acabou por traí-lo na segunda batalha, passando assim para o lado de Guilherme, o qual, diga-se em abono da verdade, não teve ainda a necessidade de travar duas batalhas sangrentas praticamente seguidas.




Imagem nº 1 - Possível retrato do rei inglês Haroldo II cujo governo durou apenas meses, desde 6 de Janeiro até 14 de Outubro de 1066.




File:Arbo Battle-of-Stamford-Bridge-detail-2.jpg

Imagem nº 2 - Na batalha de Stamford Bridge (25 de Setembro), o sobernano inglês Haroldo II levará a melhor, muito graças a uma seta que acabará por trespassar o pescoço do rei norueguês Harald Hadrada.
Quadro da autoria de Peter Nicolai Arbo em 1870






Imagem nº 3 - Na batalha de Hastings (14 de Outubro), as tropas normandas de Guilherme tentam furar as linhas de infantaria do rei Haroldo que estavam no topo da colina.
Retirada de: http://gaukartifact.com/2013/04/02/king-harold-ii-1066-and-the-battle-of-hastings/, (quadro da autoria de Tom Lovell).



Imagem nº 4 - Haroldo II atingido fatalmente por uma flecha no olho no topo da colina em Hastings.




Imagem nº 5 - Sepultura do rei Haroldo em Wessex, falecido em combate no ano de 1066.
Retirada de: http://www.waymarking.com/gallery/image.aspx?f=1&guid=2d34b7d9-6442-4223-a565-f89857ab32fe
Na lápide pode ler-se:

THIS STONE MARKS THE POSITION 
OF THE HIGH ALTAR 
BEHIND WHICH KING HAROLD
IS SAID TO HAVE BEEN BURIED
1066

Tradução:

"Esta Pedra marca a posição
Do grande altar
Por detrás do qual, o rei Haroldo, 
É veiculado que tenha sido aí enterrado
1066"



Referências Consultadas:


sábado, 23 de agosto de 2014

O rei do Ouro que se tornou zeloso...

O Império Mali havia sido fundado na África Ocidental por volta do ano de 1235 graças a um guerreiro chamado Sundiata que se destacou na vertente militar.
Um dos seus mais conceituados imperadores (designados de mansa) foi Mansa Musa (1280-1337) que subiu ao poder no ano de 1312. Tratava-se dum homem afortunado, generoso e puro que seguia a sua fé com intensidade. Vivia numa região rica em ouro (com tremendo potencial mineiro) e que já era muito falada nos mercados europeus. A luxúria imperial era tanta que se chegara inclusivamente ao ponto de o soberano ordenar a construção dum canal que traria a água do rio para o deserto de forma a que a sua esposa pudesse tomar aí banho.
De acordo com a lista do Celebrity Net Worth website que enumerou as 26 pessoas mais ricas de sempre, iria mesmo ser-lhe atribuído o primeiro lugar na classificação, com uma fortuna pessoal que hoje equivaleria a mais de 400 biliões de dólares. Foi considerado pois o mais rico de sempre, à frente de grandes colossos mundiais da nossa era tais como Muammar Gadafi, Bill Gates ou Carlos Slim. 
Mas Mansa Musa não se sentia realizado com os seus infinitos bens materiais, ele desejava concretizar, enquanto muçulmano, um dos seus maiores sonhos de sempre - visitar Meca, a terra sagrada para o Islão que assistiria à afirmação do profeta Maomé.
Em 1324 inicia esse longo percurso e leva consigo 100 camelos, cada um carregado com 150 quilogramas de ouro, e uma comitiva com 60 000 pessoas (nobres, guardas e servos). Em todas as sextas-feiras, consideradas sagradas pelo calendário muçulmano, oferecia dinheiro às pessoas para que construíssem mesquitas. Para além disso, terá procedido a vários actos de caridade, entregando ouro e dinheiro a governantes mamelucos, comerciantes, académicos e pobres. Passou por várias terras que o acolheram com a máxima hospitalidade: Cairo, Medina, e por fim, Meca.
Ofereceu tanta coisa durante esta peregrinação que chegou ao ponto de pedir dinheiro emprestado a um mercador egípcio para que pudesse pagar a viagem de regresso.
No retorno, trará consigo sábios, arquitectos e artistas de várias regiões: Egipto, Síria, Iraque, Arábia Saudita, os quais foram determinantes para o desenvolvimento cultural do Império do Mali. Mandou construir inúmeros templos (mesquitas) e palácios, e promoveu a vertente do conhecimento com a criação de bibliotecas e colecções públicas e privadas.
Evidentemente, não poderemos referir que Mansa Musa levou uma vida de asceta ou de elevadas dificuldades, pois é verdade que sempre usufruiu de inúmeras extravagâncias, contudo a sua viagem a Meca, obrigatória de acordo com a doutrina islâmica, revelou o seu espírito altruísta e zeloso. Nesse momento em específico, Mansa Musa sacrificou muitas das suas riquezas, deixou de lado as ambições pessoais e fez aquilo que achava o mais correcto. 
Não hesitou em abdicar de vários lingotes de ouro em torno duma causa em que ele próprio acreditava com apreciável zelo.


A primeira imagem retrata o árduo trajecto de Mansa Musa e sua comitiva e foi retirada de: http://africanhistory-histoireafricaine.com/en/2014/06/08/mansa-kankan-moussa-the-richest-man-of-all-times/, (créditos da ilustração: Barbara Higgins Bond em trabalho para Anheuser Busch). A segunda foi extraída a partir do mesmo site, e a ilustração é da autoria de Angus McBride. Já a terceira foi retirada a partir de: http://shitrichcollegekidssay.tumblr.com/post/78725041964/this-talk-about-nonexistent-european-hygiene-reminds-me


Referências consultadas:



  • MACDONALD, Fiona - O Mundo no tempo de Marco Polo. Círculo de Leitores, 1997.
  • http://www.independent.co.uk/news/world/world-history/meet-mansa-musa-i-of-mali--the-richest-human-being-in-all-history-8213453.html, (artigo da autoria do Dr. John Hall no jornal electrónico inglês The Independent, consultado em: 23-08-2014).
  • http://www.mirror.co.uk/news/world-news/mansa-musa-i-richest-person-1381892, (artigo da autoria de Victoria Murphy no jornal electrónico inglês Mirror, consultado em: 23-08-2014).
  • http://africanhistory-histoireafricaine.com/en/2014/06/08/mansa-kankan-moussa-the-richest-man-of-all-times/, (consultado em: 23-08-2014).
  • https://ummahbrasil.com/wp/artigos/historia-do-islam/imperio-mali/, (consultado em: 23-08-2014).

  • sexta-feira, 22 de agosto de 2014

    A aventura entusiasmante de Marco Polo

    Uma das personalidades mais fascinantes da Idade Média foi, sem dúvida, o mercador e explorador italiano Marco Polo que se evidenciou no século XIII.
    Nascido em Veneza no ano de 1254, Marco conheceria um futuro risonho no plano mundial, alcançando feitos notáveis que o tornaram num dos homens mais bem-sucedidos de todos os tempos. Pertencia a uma família de reputados mercadores que viviam assim na cidade independente de Veneza, cujo porto movimentado e efervescente atraía negociantes de variados países que aí chegavam carregados com jóias da Índia, ouro de África, perfumes das Arábias, seda e especiarias do Extremo Oriente, entre outras mercadorias exóticas.
    A sua grandiosa viagem rumo ao longínquo Oriente começará a ser empreendida em 1271, contando ainda com as presenças do seu pai Niccolo Polo e tio Matteo Polo (estes últimos já tinham efectuado anteriormente uma jornada semelhante em 1260 de forma a adquirir, na fonte, os produtos orientais mais cobiçados na Europa a preços acessíveis, de forma que pudessem aumentar o lucro através da sua consequente redistribuição; e já detinham assim algum conhecimento prévio sobre os mais variados espaços longínquos, como já haviam igualmente contactado com o imperador mongol). Os três exploradores terão viajado mais de 15 000 milhas (atravessaram mares e terras, montanhas e desertos, enfrentaram naufrágios, piratas e saqueadores, sofreram na pele as extremas variações climáticas), culminando finalmente no desejado encontro perante o grande khan mongol da China - Cublaicão (ou Kublai Kan) que os receberá em 1275 no palácio de Shangdu (capital do império que corresponde actualmente a Pequim). Este grande estadista asiático demonstrava uma grande admiração pela família dos Polos, e por isso, confiava nos seus préstimos. O jovem Marco Polo que caiu então nas boas graças do líder mongol irá ocupar posições de topo na política imperial, embora se desconhecessem concretamente as funções que lhe terão sido destinadas. De acordo com algumas fontes, terá sido alegadamente investigador/enviado especial, inspector fiscal, embaixador, conselheiro e até governador da cidade de Yangzhou, contudo não há ainda certezas absolutas que atestem a ocupação por parte de Marco destes cargos referenciados. O que é certo é que a sua família foi sempre tratada com respeito e generosidade por parte de Cublaicão que admirava os conhecimentos daquele trio veneziano.
    Durante esta permanência de 17 anos no Extremo Oriente, Marco conhecera a China (onde estabeleceria a sua estadia, assimilando a nova língua e costumes e testemunhando ainda o esteticismo arquitectónico dos seus palácios e as grandes festas populares), a Índia, o Tibete, a Birmânia e o Vietname, para além de outras regiões. Nas suas ostensivas explorações, ele memorizava tudo o que observava - os produtos cultivados, as chávenas de porcelana, os tecidos de seda, o tipo de habitação construída, as vestes das pessoas... Ficaria ainda rendido ao poderosíssimo imperador mongol que dispunha de inúmeros palácios, mansões, pavilhões, magníficos jardins e ainda possuía um leopardo que estava treinado para o acompanhar na caça, o que revela bem o carisma de Cublaicão. Marco deparou-se ainda com as inovações chinesas: o dinheiro-papel, as incríveis porcelanas, a queima do carvão e da pólvora...
    Os três Polos deixarão a majestosa China em 1292, e após uma longa, perigosa e cansativa viagem, regressam a Veneza em 1295. Nesta altura, os seus amigos e familiares já os julgavam mortos e inclusive chegaram a desconfiar dos três viajantes cansados e sujos que lhes apareceram, os quais envergavam trajes chineses em mau estado, contudo quando estes mostraram os bens materiais que haviam acumulado, nomeadamente jóias, todos passaram a acreditar nas suas palavras e os receberam com uma grande festa. 
    Em breve, Marco optará por aderir à armada veneziana que se destinaria a combater a cidade-estado de Génova (nesta época, a região itálica não assentava numa unidade política, dada a independência de várias cidades e províncias). A expedição não corre como planeada, e Marco acaba mesmo por ser capturado em 1298, permanecendo dois anos em cativeiro na cidade de Génova. Nos calabouços, conhece um escritor famoso - Rusticiano de Pisa, e este começa a redigir um livro, no qual narrará os feitos e conhecimentos que lhe eram transmitidos por Marco Polo, o qual revelaria então a sua saga pelo Extremo Oriente. Serão descritos vários lugares e culturas até então pouco conhecidas pela maior parte esmagadora dos europeus.
    A história de Marco, que fora posteriormente copiada à mão para várias línguas (a imprensa não havia ainda sido inventada), tornar-se-ia preciosa visto que abordaria várias temáticas do continente asiático, nomeadamente a política, a agricultura, o poder militar, a economia, o sistema de enterramentos, as práticas sexuais, as filosofias e as religiões de cada povoação visitada. Marco Polo cedeu ainda algumas notas que conseguiu recolher, em segunda mão, sobre outras regiões que não teve a oportunidade de visitar, nomeadamente as ilhas do Japão e Madagáscar. 
    Teve ainda a oportunidade de contactar com tribos indígenas que seguiam religiões pagãs e que viviam de forma selvática. 
    O testemunho deste aventureiro, tão culto e corajoso, foi mais tarde aproveitado no tempo das descobertas que marcaram o início da Era Moderna. Por exemplo, Cristóvão Colombo estudou uma cópia das Viagens e até efectuou apontamentos nas margens.
    Alguns críticos mencionam que Marco Polo poderá ter exagerado nas narrações, tendo acrescentando detalhes algo fantasiosos ou provavelmente irreais, porém o seu contributo, transcrito então por Rusticiano, foi essencial para o conhecimento cultural e geográfico do enorme continente asiático, recheado de diversas etnias e tradições singulares.
    Pouco se sabe dos anos que se seguiram após a sua libertação do cativeiro em Génova.
    Sabemos sim que Marco Polo faleceria por volta de 1324, mas o seu pensamento e legado ficou memorizado eternamente. 
    Todavia, não teria sido o único europeu que se atreveu a conhecer espaços tão longínquos na Idade Média. Durante o pontificado de Inocêncio IV (1243-1254), os franciscanos João de Carpine e Lourenço de Portugal (sobre este último ainda persistem dúvidas sobre se realmente chegou a partir) e os dominicanos Ascelino da Lombardia e André de Longjumeau foram enviados aos imperadores mongóis, transportando consigo cartas do Papa destinadas àqueles líderes orientais, para assim incentivar à conversão daquela civilização ao cristianismo e procurar igualmente o ambicionado apoio político daquele grandioso e temível império.
    Não há dúvidas de que se trataram de grandes feitos numa era em que as comunicações entre os continentes europeu e asiático eram rudimentares e bastante inseguras, com a probabilidade elevada de ocorrerem emboscadas ou pilhagens. Poucos seriam os que regressariam são e salvos, com uma longa e valiosa história para contar...




    Mapa nº 1 - A longa viagem de Marco Polo, notável explorador italiano.
    Retirada de: http://depts.washington.edu/silkroad/maps/marcopolo.html, (Créditos: Justin Odum).




    Imagem nº 1 - Potencial retrato de Marco Polo (1254-1324).
    Retirada de: http://www.yesnet.yk.ca/schools/projects/renaissance/marcopolo.html



    Imagem nº 2 - Marco Polo diante do Grande Khan Mongol Cublaicão (1260-1294) com o qual manteve uma grande amizade.



    Imagem nº 3 - O aventureiro veneziano na China medieval.



    Imagem nº 4 - Marco Polo, a combater pelos venezianos, acaba detido pelos genoveses.
    Retirada de: http://fineartamerica.com/featured/marco-polo-severino-baraldi.html, (quadro da autoria de Severino Baraldi).


    Referências Consultadas:


    quinta-feira, 21 de agosto de 2014

    Vlad Tepes Draculea, a personificação da crueldade e figura inspiradora da lenda do Conde Drácula

    Vlad Tepes Draculea evidenciou-se nos finais da Idade Média como um príncipe cruel, maquiavélico e destrutivo. Foi temido pelos seus inimigos, nomeadamente por parte dos expansionistas otomanos que encontraram muita resistência deste futuro príncipe e dos seus leais súbditos.
    Nascera por volta de 1431, e era filho de Vlad Dracul, governador militar da Transilvânia e ainda membro da Ordem do Dragão, organismo religioso-militar instituído em 1387 para travar a cruzada contra os turcos. Aliás, o seu pai ganharia a designação de Dracul (dragão) ao entrar naquele instituto e legaria tal expressão nominal ao seu filho (embora este fosse denominado de Draculea, isto é, filho do dragão).
    Entre 1436-1437, Vlad Dracul, o então pai de Vlad Tepes Draculea, torna-se príncipe da região romena da Valáquia, residindo no palácio da capital provincial - Tirgoviste. Em 1442, e talvez por motivos de obediência política, o então príncipe valaquiano envia os dois filhos - Draculea e Radu (irmão mais novo) como reféns ao Sultão Murad II. O primeiro seria libertado em 1448, enquanto o segundo permaneceu na posse dos turcos até 1462, embora Radu se tivesse convertido ao Islão e começasse a gozar de certas mordomias em Istambul (isto é, na recém-conquistada Constantinopla).
    Este período obscuro passado no cativeiro terá pesado na formação do carácter psicológico de Vlad Tepes Draculea que passou a revelar uma postura mórbida, pessimista e drástica. Durante este período, o seu pai (deposto por Vladislav II que apoderava-se assim o trono da Valáquia) e o seu irmão mais velho Mircea são assassinados, o que confirma a elevada instabilidade política que se vivia nos domínios romenos. Tudo indica que o mentor desta tramóia tivesse sido o regente húngaro - João Corvino (1446-1453) que evidentemente estava bastante interessado nas manobras de influência exercidas sobre a região da Valáquia, enfrentando assim os turcos que também mantinham posições diplomáticas e políticas na região.
    João Corvino teria apoiado Vladislav II porque não perdoara o acordo firmado pelo anterior príncipe valaquiano Vlad Dracul com o sultão turco, e para além demais, ficaria revoltado quando soube que fora acusado por Dracul e seu filho Mircea de ter fugido covardemente da inglória batalha de Varna (1444), na qual os turcos muçulmanos destroçaram as tropas cristãs húngaras. Estes foram os principais motivos que levaram  o responsável húngaro a legitimar as acções de Vladislav II que assim sucederia no trono daquele principado, com as duas principais personalidades anteriores a serem alvo duma morte cruel (Mircea foi mesmo cegado e enterrado vivo).
    Apoiado inicialmente pelos turcos, o jovem Vlad Tepes, agora com 17 anos, ambiciona a recuperação do trono daquela importante província romena, e vingar assim a morte de seu pai e do seu irmão mais velho. Contudo, ao fim de dois meses dum primeiro reinado efémero (1448) é derrotado por Vladislav II (este apoiado pelas tropas húngaras), mas a vingança pessoal e política apenas tinha sido adiada, pois efectivamente em Julho de 1456 teve a oportunidade de eliminar aquele príncipe usurpador, o qual entretanto já tinha perdido a protecção húngara (Vladislav II tinha sido acusado de seguir uma política pró-otomana). Recuperados definitivamente os direitos sobre a Valáquia, Vlad Tepes Draculea inicia o seu maior reinado - este segundo mandato irá perdurar por 6 anos (desde 1456 até 1462), e será nesta precisa conjuntura, que cometerá as mais diversas atrocidades.




    Imagem nº 1 - Vlad Tepes Draculae, o Empalador, e Príncipe da Valáquia por 3 vezes (1448, 1456-1462 e 1476).


    Ordenou a execução ou castigo extremo dos boiardos (eram assim designados os nobres mais poderosos do Leste Europeu) e suas respectivas famílias de Tirgoviste que não haviam sido leais a seu pai e irmão, os quais, como vimos, tinham sido depostos e assassinados. Dentro deste contexto, mandou empalar os mais velhos em estacas, enquanto os outros tiveram de marchar desde a capital até Poenari num longo e esgotante percurso. Os que sobrevivessem a esta árdua jornada, tinham ainda de trabalhar duramente na construção duma fortaleza junto ao rio Arges (hoje o edifício é conhecido sob o nome de "Castelo Drácula"). Muitos faleceram no decurso deste dramático processo. 
    Vlad Tepes demonstrava criatividade ao nível das execuções - ele mandava empalar, esfolar, cozer, decapitar, cegar, estrangular, enforcar, queimar, assar, esquartejar, crucificar, esfaquear ou enterrar vivas as pessoas. Também mandava cortar narizes, ouvidos, órgãos sexuais e membros. Contudo, o seu método favorito passava pelo empalamento de pessoas em estacas (daí ter sido conhecido como o Príncipe Empalador). Desgraçados por esta sentença foram, por exemplo, os mercadores saxões (estrangeiros) da Transilvânia que ignoraram as suas leis de comércio.
    Não é fácil encontrar equilíbrio e lógica no pensamento de Vlad Tepes, contudo é provável que agisse de tal forma para garantir o máximo de ordem e evitar qualquer tipo de rebelião, incutindo para isso o medo como arma para impor o seu domínio. Provavelmente, não desejava ter o mesmo destino de seu pai e irmão mais velho. Todavia, Draculea nutria igualmente antipatia pelos pobres e mendigos porque os encarava como potenciais ladrões. Mais uma vez, o instinto mais violento do príncipe veio ao de cima, convidando os pobres e doentes da Valáquia para uma grande festa na corte principesca, contudo tudo não passou dum ardil maquiavélico, pois depois da refeição mandou fechar as saídas do salão e consequentemente atear fogo, queimando assim todos os convidados deste banquete, no mínimo, surreal.



    Imagem nº 2 - Vlad mandava empalar aqueles em quem não confiava.



    No decurso do seu segundo reinado, procurou equilibrar as relações diplomáticas com turcos e húngaros, contudo começará a aproximar-se dos segundos. Inevitavelmente, os conflitos com os turcos, outrora aliados da sua família, iniciam-se em 1462. Vlad parece ser bem sucedido inicialmente, conquistando algumas vitórias, o que parece ter irritado o poderoso sultão Maomé II que se viu obrigado a lançar uma invasão de larga escala para conquistar definitivamente a Valáquia. Sem aliados, Vlad é obrigado a recuar e procura refúgio na capital provinciana - Tigorviste, mas sem antes destruir todas as suas próprias vilas e envenenar os poços que se encontravam ao longo do caminho. O objectivo era tornar a penetração turca na missão mais penosa possível, mesmo que tal implicasse acções menos ortodoxas, pois assim as forças invasoras não acederiam aos tão necessários bens alimentares. O príncipe da Valáquia também dava cartas na vertente psicológica, procurando desmoralizar o inimigo. Quando o Sultão turco chegou, totalmente exausto e saturado, à capital do principado, teve ainda de visualizar os restos mortais de mais de 20 000 cativos turcos que haviam sido executados por empalamento nas estacas, num episódio que figurou na história como a "Floresta do Empalador". Maomé II chocado por vislumbrar tal cenário horrendo e aterrorizante, decidiu retirar-se temporariamente dos assuntos inerentes à província da Valáquia. Tinha pois provado da pior cortesia possível, somente concretizada pela mente perversa de Draculae.
    Contudo, o imperador otomano não se afastaria por muito tempo, pois voltaria em breve a intrometer-se na luta pelo poder, apoiando Radu, irmão mais novo de Vlad Tepes Draculae, na disputa pelo trono do principado. A situação deteriora-se com esta nova campanha militar: os avanços do poderoso inimigo são agora inegáveis e a perseguição torna-se feroz. Vlad refugia-se no Castelo Poenari junto ao rio Arges e a partir daí procurará resistir ao assédio das forças turcas comandadas pelo seu irmão. Contudo, o resultado do cerco começará a pender favoravelmente para as forças sitiadoras. Para não cair nas mãos dos turcos, a mulher de Vlad comete suicídio, atirando-se das ameias superiores da fortaleza e caindo fatalmente no rio. Já o príncipe, que não era homem para atentar contra a sua própria vida, armou um plano para fugir da fortaleza, recorrendo a uma passagem secreta que lhe dava acesso a uma montanha próxima. Ali com a ajuda de alguns aldeões consegue escapar e alcançar a Transilvânia, onde encontrará o novo rei da Hungria - Matias Corvino (1458-1490), o qual ficaria nos anais da história pela sua eficaz arte militar. Todavia, o soberano magiar, como desconfiava duma eventual traição ou deslealdade de Vlad, decidiu mantê-lo cativo por alguns anos. Mas ambos acabariam, em breve, por firmar um compromisso, visto que o deposto príncipe da Valáquia recuperará o apoio húngaro para liderar uma nova campanha de forma a garantir o reclamado trono, aproveitando o vazio de poder derivado do falecimento recente do seu irmão - Radu que tinha sido colocado anteriormente pelos interesses turcos.
    Em 1476, voltará pela terceira vez, a ocupar o cargo de Príncipe da Valáquia, mas desta feita, reinará por muito pouco tempo, tendo provavelmente morrido em batalha contra os turcos que apoiavam agora outro pretendente ao trono - Basarab Laiota cel Batrân. Contudo, desconhecem-se ainda as circunstâncias exactas da morte do nosso biografado (há teorias de que fora traído no campo de batalha ou teria sido atingido acidentalmente ao ser confundido com um soldado turco; outra fonte menciona que teria sido morto em combate pelas forças otomanas). Sabe-se que neste seu último mandato, as forças húngaras e moldavas, sentindo que o seu dever estava cumprido quando o recolocaram no trono, abandonaram a região e deixaram Vlad à sua própria sorte, podendo este apenas confiar nalguns pequenos destacamentos, insuficientes para suportar a nova invasão turca que foi lançada imediatamente, e a qual culminaria na morte do príncipe em Dezembro de 1476. Muitos plebeus estavam igualmente fartos das depredações e atrocidades de Draculea, e por isso, optaram por não auxiliá-lo neste momento crítico. Por isso mesmo, a ideia de traição na batalha decisiva, talvez travada perto de Bucareste, não é de todo descabida, embora se desconheçam pormenores concretos.
    De acordo com a tradição antiga, os restos mortais do príncipe romeno foram enterrados na ilha monasterial de Snagov, existindo mesmo uma tumba lapidada com o seu nome, contudo uma introspecção arqueológica em 1932 determinou que apenas se detectaram ali meros ossos de animais, mistério que evidentemente contribuiu para a criação dum mito ou lenda que atingiria proporções mundiais. Vlad não ressuscitou evidentemente (como inferem erroneamente os filmes criativos que se inspiraram em torno da sua reputação aleivosa), apenas se desconhece pois a localização exacta do seu enterramento.
    É actualmente considerado um herói nacional da Roménia e um dos mais temíveis líderes da resistência face ao avanço imparável turco no Leste Europeu. Constantinopla havia caído em 1453, mas Vlad Tepes Draculea revelou ser uma pedra no sapato para os planos expansionistas dos otomanos que não tiveram vida facilitada no que diz respeito ao controlo do principado da Valáquia, o qual ficou marcado por um longo período de instabilidade política, social e económica no decurso do século XV. 



    Imagem nº 3 - O Príncipe da Valáquia semeava o terror nos seus inimigos e incutia os maiores castigos àqueles que ousassem enfrentar o seu poder.



    Imagem nº 4 - Vlad Tepes a liderar, ao longe e com a espada erguida, a resistência romena face aos exércitos turcos que desejavam controlar a província da Valáquia.



    Outras histórias reais sobre o seu perfil perverso:


    1- Quando estava a cumprir pena no cativeiro, o preferido passatempo de Draculea assentava na apanha, tortura, esfolamento, decapitação e empalamento (recorrendo a paus) de pássaros e ratos. Em liberdade, mandava fazer o mesmo com os humanos.

    2- Uma vez, chegaram dois embaixadores turcos. Vlad Tepes Draculea ordenou que retirassem os seus chapéus, contudo aqueles recusaram-se a fazê-lo porque era um costume tradicional do seu povo. O príncipe valaquiano ordenou que fossem devolvidos a Constantinopa (agora nas mãos dos turcos) com os pregos cravados nas suas cabeças.

    3- Também é conhecida uma carta sua enviada ao seu derradeiro aliado - o rei húngaro Matias Corvino, na qual constava o seguinte teor:

    "Eu matei camponeses homens e mulheres, velhos e jovens, que viviam em Oblucitza e Novoselo, onde o Danúbio desemboca no mar, até Rahova, que está localizado perto Chilia, do baixo Danúbio até lugares como Samovit e Ghighen. Nós matamos 23.884 turcos, sem contar aqueles que nós queimamos em casas ou os turcos cujas cabeças foram cortadas por nossos soldados ... Assim, sua alteza, deverá saber que eu quebrei a paz com ele (sultão Maomé II do Império Otomano)"

    4- Apesar das infinitas atrocidades, não encontramos, pelo menos, registo de que Draculea ingerisse o sangue das suas vítimas. Talvez, nunca tivesse pensado nessa ideia...



    Referências Consultadas:


    terça-feira, 19 de agosto de 2014

    Conclusões a retirar em torno de Maias, Astecas e Incas

    Evidentemente, não seria justo, da minha parte, anunciar qual destas três civilizações foi a mais evoluída em termos gerais. Podemos sim destacar as suas contribuições em sectores individualizados, onde obtiveram um maior destaque. Mas antes disso, importa salientar alguns dos comportamentos semelhantes entre Maias, Astecas e Incas.
    Em primeiro lugar, todos conheciam a sua própria hierarquia social - encimada pelo soberano e a correspondente linhagem real, seguida pelos nobres e sacerdotes (sectores privilegiados), e por fim, pelo estado popular (camponeses, pescadores e artesãos). Tinham igualmente os seus escravos. 
    No plano económico, a agricultura, a pecuária, a pesca e a caça eram frequentes, e supriam assim as necessidades alimentares das comunidades.
    No âmbito religioso, estes povos adoravam inúmeras divindades e, por isso, eram politeístas. Ofereciam sacrifícios humanos para agradar aos seus deuses, e procederam mesmo à prática canibalista (muito frequente nos Maias e nos Astecas, enquanto que no caso dos Incas ainda se discute a regularidade de tal acto que também deverá ter ocorrido).
    Estas três civilizações já detinham igualmente conhecimento avançado face aos outros povos ameríndios em termos de planeamento urbanístico e arquitectónico, assegurando a construção de notáveis edifícios, templos, vias de comunicação...
    A guerra de defesa ou expansão também motivava o sucesso ou insucesso destes povos, cujas campanhas militares determinavam o seu futuro mais ou menos auspicioso. 
    Expostas estas semelhanças, começamos agora por tentar descortinar algumas diferenças, abordando vários prismas.
    Em primeiro lugar, os Astecas e os Incas foram os únicos que conseguiram formar um Império radicado numa unidade política (embora esta nem sempre fosse alcançada na perfeição, dada a variedade de etnias e a existência de povoações mais distanciadas). Por seu turno, os Maias nunca tiveram um imperador, pois as suas cidades-estado eram totalmente independentes e não tinham de prestar vassalagem a um líder supremo. Todavia, também não consideramos de todo um erro referir que os Maias criaram, mesmo assim, um "império", excepto se o historiador, num sentido claramente lato, justificar tal terminologia através da partilha de vários comportamentos sociais, culturais e económicos idênticos entre essas mesmas cidades que assim integravam a identidade maia, mas na vertente política, ressalvamos novamente que não houve qualquer tipo de unidade ou coesão.
    O auge da civilização Maia terminou por volta do séc. IX através dum declínio misterioso, mas deixou um legado muito válido no âmbito da escrita hieroglífica (os astecas apenas dominavam a escrita pictográfica, os incas nem sequer detinham qualquer sistema de escrita), na arquitectura (erguendo pirâmides, templos e grandiosos edifícios) e no estudo da astronomia (já seguiam uma calendarização anual de 365 dias).
    Por seu turno, os Astecas também deram cartas na Arquitectura e na Escultura, existindo variados exemplares que atestam o seu considerável grau artístico. Desenvolveram notavelmente o comércio (com mercados a abarrotar com milhares de gentes) e ainda criaram uma elite especializada para a guerra, sendo esta composta pelos guerreiros-tigre/jaguar e guerreiros-águia. O seu fim deu-se em 1521 com a chegada das forças do conquistador espanhol Hernán Cortés.
    Por fim, os Incas evidenciaram-se mais nos sectores da ourivesaria e na tecelagem, conforme podemos testemunhar através dos achados arqueológicos. Insistiram ainda na criação dum boa rede de comunicações viárias. Embora já em declínio, cairiam facilmente nas garras do aventureiro espanhol Francisco Pizarro em 1533.
    Se procurarmos fazer um somatório dos feitos destas civilizações ou até aprofundar mais os conhecimentos sobre esta temática, talvez consigamos elaborar uma opinião subjectiva que determine qual das três civilizações alcançou um maior esplendor cultural, contudo as conclusões, em termos colectivos, poderão não ser consensuais, pois existirão seguramente diversos pontos de vista...




    Mapa nº 1 - A localização geográfica das três civilizações.




    Imagem nº 1 - Ruínas maias de Palenque.




    Imagem nº 2 - Cada civilização possuía a sua própria hierarquia.


    Remetemos para bibliografia já citada nos artigos anteriores sobre os Maias, Astecas e Incas.

    domingo, 17 de agosto de 2014

    O Império Inca

    Contexto Temporal e Geográfico

    Apesar das suas origens serem ancestrais, a verdade é que esta civilização começa a obter destaque por volta do século XIII, embora o seu auge seja logrado no século XV com a instauração do império. O seu término dramático ocorreu no século XVI, com a chegada dos conquistadores espanhóis.
    Os incas conseguiram formar um Império que compreendeu praticamente a costa andina, como resultado dum longo processo de submissão de várias tribos e estados outrora independentes. Foi mesmo o maior Estado da América pré-colombiana, compreendendo um território de mais de 4 200 km de longitude e que, no seu ponto máximo, terá sido habitado por 6 milhões de pessoas. O império conhecia divisões administrativas, de forma a reger minimamente as mais diversas regiões com etnias tão distintas. 
    Ao contrário dos maias e dos astecas, os incas não conheciam a escrita. Veiculavam ainda uma história essencialmente lendária. 
    Mesmo assim, não deixaram de alcançar um esplendor civilizacional que jamais poderá ser ignorado.




    Mapa nº 1 - O Império Inca englobava várias regiões que hoje pertencem ao Perú, Chile, Bolívia e Equador.



    Sociedade e Economia

    O Estado Inca conhecia igualmente a sua própria estratificação social. No topo, reinava o Imperador, personalidade que reunia todos os poderes inerentes à governação e religião (ele era designado como "Filho do Sol"). A sua sucessão poderia motivar várias intrigas e disputas de poder, e por isso, era recorrente o silêncio em torno do falecimento do Inca até que se encontrasse um sucessor mais consensual e capacitado para a árdua missão de liderar um vasto império, evitando assim qualquer vazio de poder que pudesse permitir a revolta dos povos subjugados. Existia ainda um Conselho imperial que o acompanhava nas decisões tomadas.
    Posteriormente, havia uma espécie de nobreza de sangue, com privilégios variados: acesso a uma boa educação, isenção de tributos, ocupação de cargos dirigentes, integração no sacerdócio, no exército e no ensino especializado, permissão da prática de poligamia, acesso a tribunais próprios, e exclusividade especial na ostentação de adornos...
    Depois seguiam-se os caciques (curaca) que juravam obediência e lealdade (tinham mesmo de enviar os seus filhos, na qualidade de reféns, para a capital do Império - Cusco, os quais eram educados segundo a doutrina inca, e só mais tarde sucederiam aos seus pais no cargo) e controlavam assim o poder local.
    O Estado Popular, pedra basilar nesta hierarquia social dada a sua maior quantificação demográfica, dedicava-se à lavoura, criação de gado, aos serviços de "mita", às obras públicas e a outras tarefas especiais. Aqui devemos ainda ressalvar alguns casos específicos, nomeadamente os mitimaes, aqueles que eram levados para longe da sua região de origem por via de sanção, conquista ou fim colonizador, os yanaconas, servos perpétuos nos campos, minas ou pastorio, e as acllas, as virgens do Sol, isto é, as mulheres consideradas mais belas do Império que tinham o privilégio de conseguir uma preciosa aprendizagem em torno de ciências domésticas, religião e tecelagem, estando assim destinadas ao posterior matrimónio com o Inca ou com membros da nobreza.
    Os trabalhos realizados poderiam ser de âmbito comunitário (ayllu), no sentido em que os aglomerados partilhavam o seu labor numa residência comum, e repartindo os seus afazeres na lavoura e na criação de gado, ou de cariz individual e temporário (mita), cujos esforços eram dedicados em prol do Estado (por exemplo: obras públicas ou serviços especiais, ou cultivo de propriedade estatal). Neste último caso, podemos mesmo falar numa espécie de tributo que era prestado com trabalho ao Inca que detinha inúmeras terras e rebanhos, que eram assim cuidados pelos próprios habitantes. Naturalmente, foram criados sistemas de fiscalização e de burocracia para controlar todas estas questões inerentes ao Império. Para alcançar esta finalidade, existiam mesmo os quipu e os censos, embora não fosse fácil o domínio em regiões distantes e detentoras da sua própria dinâmica social.
    Como menciona Ángel Sanz Tapia, "a economia dos incas é uma soma das diversas produções regionais, com a novidade que o estado e o sacerdócio (ou seja, o Inca e o Sol) possuíam em cada região terras próprias, trabalhadas segundo o regime de "mita", e cujos benefícios se destinavam à família real e ao culto religioso".
    Dentro deste contexto, a produção agrícola dos incas assentava na batata, nas plantas típicas da puna, milho, feijão, juca, pimento, cabaças, miní, algodão, coca... Neste sector, já utilizavam adubos diversificados e uma espécie de enxada.
    A criação de gado também era importante no Império, evidenciando-se maioritariamente nas serras. Aqui destacamos os casos dos lamas (utilizado para o transporte de cargas), alpacas, vicunhas e guanacos (estes três últimos forneciam lã e alimento). Também se alimentavam de patos e coelhos.
    A pesca, valorizada nas regiões costeiras, e a caça, esta visando ursos, jaguares, raposas e veados, complementavam toda esta actividade económica.
    No âmbito religioso, os incas também praticavam rituais com base no sacrifício simbólico de flores, frutos e outros produtos do campo, e na martirização sangrenta de lamas (e outros animais) e seres humanos, em especial crianças, de forma a atrair os melhores auspícios em relação ao Inca, às colheitas e ao futuro do Império. O sacerdócio asseverava assim a adoração dos ídolos típicos, punindo qualquer desvio. As grandes divindades incas eram: Viracocha (Deus Criador e Senhor do Mundo), Inti (o Deus do Sol e a divindade protectora da casa real; ganhou especial destaque no reinado de Pachacútec), Apu Llapu (Deus da Chuva e Divindade Agrícola), Pachamama (divindade relacionada com a terra, a fertilidade e o feminino; senhora das montanhas, planícies e rochas) e Pachacámac (espírito poderoso que alenta o crescimento de todas as coisas), entre outros...




    Imagem nº 1 - Cerimonial religioso da civilização inca.
    Retirada de: http://trilhaincacefetmg.blogspot.pt/


    Inca emperors

    Imagem nº 2 - O imperador Inca era visto como o Filho do Sol, e por isso era tratado praticamente como uma divindade terrena.
    Retirada de: http://history.howstuffworks.com/south-american-history/incas.htm



    Imagem nº 3 - Viracocha, o Deus fundador do Universo, segundo a mitologia inca.



    O Império

    O Império Inca tinha a sua capital em Cusco (ou Cuzco), no sul da serra peruana, aliás foi a partir daí que se iniciou uma expansão acelerada rumo aos domínios vizinhos.
    Cusco era o centro do Universo, segundo a mentalidade desta civilização. Era a cidade sagrada pois aí residia o Inca, o filho do Sol. Era a capital religiosa, política, administrativa, económica e militar. Organizava-se em torno duma praça central, e albergava diversos bairros e ruas rectas, para além dos imprescindíveis palácios (reais ou nobiliárquicos), templos de culto, escolas, fortalezas e muralhas...
    O seu imperador mais bem sucedido foi Pachacútec Inca Yupanqui (1438-1471), o qual revelou ser um exímio conquistador, para além de ter sido legislador e um impulsionador de várias transformações urbanísticas no seu extenso Império.
    Em seguida, apresentamos uma tabela com o nome dos grandes líderes incas:



    Imperador
    (Sapa Inca)
    Governação
    Feitos/Acontecimentos
    Pachacútec Inca Yupanqui
    1438-1471
    Célebre conquistador. Derrota a confederação dos Chancas que já detinha um desenvolvimento semelhante e aspirações de firmar a sua hegemonia naquela região.
    Tomou os vales de Urubamba e Vilcanota, destruiu as terras chancas, apodera-se da região dos Collas até Titicaca, e pelo norte, consegue controlar a serra até Cajamarca.
    Em termos administrativos, melhorou as comunicações, ergueu fortalezas e templos. Estabeleceu ainda o costume de desterrar povoações conflituosas para lugares distantes, de forma a evitar rebeliões.
    Enquanto legislador, aplicou normas para a nobreza de serviço, administrativa e militar.
    Túpac Yupanqui
    1471-1493
    Procedeu à continuidade da política expansionista. Conquistou a terra dos Chachapoyas e o reino de Chimú, tendo atingido Quito (Equador). Tomou ainda a região de Charcas e a metade norte do actual Chile.
    Tentou penetrar na floresta amazónica mas a campanha não foi bem-sucedida.
    Impôs normas de tributação nos territórios conquistados, organizando um aparelho fiscal (com colectores e governadores-visitantes) e instaurou a modalidade de servidão doméstica perpétua (destinada aos yanaconas).
    Huayna Cápac
    1493-1525
    Destacou-se nas conquistas do extremo norte, controlando agora o golfo de Guayaqui e a ilha de Puná.
    Todavia, não será um conquistador tão conceituado como os seus antecessores, visto que teve de dedicar-se a campanhas internas de pacificação de forma a suster as sublevações constantes dos povos subjugados.
    As suas estadias em Cusco eram efémeras. Passou mais tempo em Tumibamba e Quito, facto que mais tarde ocasionará uma grave crise interna, visto que aquela última cidade ganharia um importante destaque, concorrendo com a capital inca – Cusco. A sua morte e a do seu principal herdeiro, vítimas talvez de varíola (propagada com a invasão europeia já em curso noutros solos do continente americano), abriu uma guerra entre dois filhos seus: Huáscar e Atahualpa.
    Huáscar
    1525-1532
    Representava a facção da capital tradicional – Cusco.
    O seu reinado é de enorme instabilidade, tendo este imperador perseguido todos aqueles, cuja lealdade era dúbia.
    Com o seu irmão Atahualpa de Quito, travará uma sangrenta guerra civil em torno do poder imperial. Acabará por ser derrotado e executado pelo seu irmão Atahualpa que tratou igualmente de eliminar os seus familiares mais próximos, servidores e simpatizantes.
    Atahualpa
    1532-1533
    Simbolizava as pretensões da cidade de Quito e a sua ambição desmedida em apoderar-se do trono inca, objectivos que geraram uma desgastante e terrível guerra civil. Tomará Cusco e executará o seu irmão Huáscar.
    Pouco tempo depois, seria capturado e executado a mando de Francisco Pizarro, que comandava a invasão espanhola naquela região.
    Seria assim o derradeiro imperador inca.



    Nota extra – Houve outros soberanos que terão presumivelmente antecedido estes últimos que obtiveram maior destaque em termos de conquistas e assentamento político e cultural. Contudo, a história inicial dos incas radica em relatos orais lendários. Mesmo assim, optamos por mencionar os alegados incas proto-históricos que terão precedido estes que listamos (embora sem datas para os seus reinados): Manco Cápac (mítico fundador da dinastia e da cidade de Cusco), Sinchi Roca, Lloque Yupanqui, Mayta Ceapac, Cápac Yupanqui, Inca Roca, Yahuar Huátac e Viracocha Inca. Provavelmente, teriam sido apenas curacas locais (caciques) com alguma influência e poder, e não imperadores propriamente ditos, cenário que se terá mantido até ao reinado glorioso de Pachacútec Inca Yupanqui, iniciado em 1438. A partir daí, começamos notoriamente a conhecer a construção dum império real através de numerosas conquistas.




    Imagem nº 4 - Descrição Pictórica de Cusco, a capital inca. (Autoria de Franz Hogenberg, séc. XVI, in Civitates Orbis Terrarum).



    Imagem nº 5 - Ruínas da fortaleza inca de Sacsayhuaman (logo a norte de Cusco) que detinha torres e muralhas. 
    Retirada de: http://www.yourperuguide.com/category/popularhighlights/cusco/, (foto de 2009 da autoria colectiva de Your Peru Guide).



    Imagem nº 6 - Retrato do primeiro grande imperador inca -  Pachacútec Inca Yupanqui (1438-1471).




    Imagem nº 7 - Atahualpa. último imperador dos incas, que seria morto sob as ordens do conquistador espanhol - Francisco Pizarro.






    Cultura


    A Civilização Inca não deixou de apresentar algumas novidades nas vertentes cultural e social, a saber:
    • A arquitectura inca desenvolveu-se bastante através da talha da pedra.
    • Construíram-se canalizações, canais, aquedutos e andenerias. 
    • Criaram-se caminhos, ruas, estradas, pontes, túneis, escadas, demonstrando assim a preocupação da administração inca em dispor duma boa rede de comunicações.
    • O sector da ourivesaria cresceu significativamente, dado que o ouro estava conotado com o Sol e por isso, era necessário nos cerimoniais sagrados. Este metal era utilizado para revestir as imagens do rei astro, do inca e de muitas divindades. Mesmo assim, também serviu para a indumentária, nomeadamente na feitura de luxuosos objectos de adorno, os quais eram destinados ao Inca e às famílias mais poderosas da nobreza. Assim sendo, a exploração mineira foi uma realidade no Império.
    • Verificou-se uma aposta na tecelagem, a qual nos deixou exemplares magníficos. Era uma prática comum que recorria à utilização do algodão, das lãs do lama, do alpaca e do vicunha, e da pele do morcego. As vestimentas eram decoradas com figuras em formato geométrico, conciliando várias cores vivas. Poderiam ser confeccionadas pedras preciosas de plumária.
    • Apesar da ausência de qualquer sistema de escrita, existia a língua quechua destinada exclusivamente às conversações orais.
    • Possuíam um calendário de 12 meses e conheciam a duração dos ciclos lunares, embora neste capítulo ainda não tivessem alcançado o nível de conhecimento que, por exemplo, fora demonstrado pelos Maias.
    • Utilizavam o quipu, um sistema de contabilidade que consistia numa série de cordas, unidas por uma principal, de cores diversas, e cujas combinações, serviam para registar quantidades. Foi um método bastante utilizado no âmbito das questões administrativas, tributárias e estatísticas. Também permitia a memorização de eventos e genealogias. Recorde-se que os Incas não tinham qualquer modelo de escrita.
    • Divulgação da Música e da Poesia (oral) que desempenharam papel de destaque em várias cerimónias, nomeadamente religiosas. Existiam ainda preces e hinos cantados às divindades.


    Imagem nº 8 - Guerreiro Inca. Destacamos a sua indumentária, o que atesta a qualidade da tecelagem promovida no Império, bem como os desenhos do adorado Sol.




    Imagem nº 9 - Os Incas exploraram bastante a metalurgia, exibindo as suas qualidades artísticas no sector da ourivesaria. 



    Imagem nº 10 - Vaso inca de ouro exposto no Museu do Ouro em Lima (Perú).



    Imagem nº 11 - O sistema de Quipu, utilizado para a contabilidade inca.



    Imagem nº 12 - A Cidade Inca de Machu Picchu, com vários edifícios e caminhos, apesar de estar ocultada numa zona montanhosa.
    Retirada de: http://www.travel-photographs.net/peru-photos/, (travel-photographs.net).



    Queda do Império Inca

    O auge político e militar dos incas parece dar sinais de declínio já no reinado do antepenúltimo imperador - Huayna Capac (1493-1525) que teve de abafar várias revoltas internas por parte de alguns povos subjugados. Para além disso, começou a preferir a estadia de Quito, remetendo a capital tradicional - Cusco para um plano inferior. É certo que os espanhóis comandados por Francisco Pizarro ainda não chegariam no decurso do seu reinado, contudo a praga fatal da varíola, transportada involuntariamente pelos colonizadores europeus para o novo continente, conheceu uma propagação imediata e catastrófica, tendo presumivelmente ceifado a vida a Huayna Capac e ao seu principal sucessor, o que motivou uma crise de sucessão muito profunda. Assim sendo, a varíola foi a primeira inimiga a chegar ao solo inca.
    Huáscar de Cusco e Atahualpa de Quito eram filhos do anterior imperador, e ambos disputavam incessantemente o poder. A guerra civil será uma realidade, causando uma forte razia no exército e nas linhagens nobres. A decadência acentua-se e a destruição constante de terras torna-se uma constante. Após muito sangue derramado, Atahualpa levará a melhor, mandando deter Huáscar, e torna-se-à, em 1532, o novo imperador inca. É nesta altura que chega contingente espanhol liderado por Francisco Pizarro, grupo bem equipado com armas de fogo mas que apenas dispunha de entre 128 a 180 homens (outras fontes referem cerca de 200 soldados), revelando assim uma clara inferioridade numérica face às tropas que o Império ainda preservava.
    Novamente, os incas cairão inicialmente no erro já cometido pelos astecas, recebendo generosamente os espanhóis, de pele branca, os quais seriam assim encarados como semi-deuses.
    Contudo, Atahualpa, graças às informações dos seus mensageiros e espiões, apercebe-se a tempo da realidade, e não cometerá assim o erro de Moctezuma II (imperador asteca), pois acabaria por mudar de ideias, concluindo que afinal estaria a enfrentar uma invasão inimiga, e não a chegada dos deuses brancos. A partir daí, os espanhóis passarão a ser encarados doutra forma.
    No dia 15 de Novembro de 1532, ocorreria o enfrentamento decisivo em Cajamarca. As forças de Atahualpa e Pizarro encontram-se. O imperador inca dispõe dum exército poderoso estimado em 80 000 homens, e o conquistador espanhol apenas contava com um pequeno contingente (talvez pouco acima dos 100 homens). Contudo, é Atahualpa que comete um erro crasso ao subestimar o inimigo, quando adere a uma tentativa de intermediação/conversação para evitar o confronto entre os dois lados, cuja reunião se deveria realizar na praça principal de Cajamarca. Assim sendo, o imperador inca desloca-se ao lugar indicado com a sua guarda-pessoal e acompanhado por nobres que lhe eram leais (isto para além de músicos, bailarinos e homens de carga, requeridos para a cerimónia), estimados num número inferior a 10 mil homens (deixando assim o grosso das suas forças no exterior da cidade). Não tinha portanto conhecimento de que se poderia tratar duma emboscada ou armadilha perpetrada pelos invasores.
    Atahualpa e os seus homens foram recebidos aí pelos espanhóis, contudo o imperador inca, renitente face à crença no Deus cristão, decidiu atirar o livro sagrado, entregue pelo frade Vicente de Valverde, para o chão (esta acção também poderá dever-se ao facto dos incas não conhecerem qualquer sistema de escrita, e por isso, Atahualpa não percebia o conteúdo daqueles textos). Atahualpa recusava-se a aderir à nova religião e não pretendia prestar obediência ao rei de Espanha. Exigiu ainda que os espanhóis pagassem uma indemnização pelos danos causados no seu império.
    Estes foram motivos mais que suficientes para que Pizarro legitimasse imediatamente um ataque devastador. As forças espanholas que ocupavam o redor da praça iniciaram um massacre terrível e impiedoso, tirando proveito do factor surpresa.
    As forças incas estavam, naquele momento, mal equipadas para o confronto (é provável que muitos dos seus guerreiros estivessem desarmados perante tal emboscada que os apanhou desprevenidos), e o medo que tiveram das armas de fogo (nomeadamente mosquetes) e da cavalaria espanhola terão propiciado a sua desorganização e consequente caos. Procuraram escapar por todos os lados, mas a maior parte esmagadora dos seus efectivos foi esmagada pelo poder de fogo dos espanhóis.
    O resultado é elucidativo - 7 000 incas (quase todos os que se encontravam na praça) foram chacinados na emboscada, e o seu imperador Atahualpa que testemunhou o banho de sangue, foi feito prisioneiro, após os membros da sua guarda-pessoal terem sacrificado as suas vidas para o tentar proteger. Do lado espanhol, até é provável que não tivesse havido qualquer baixa. Não houve sequer reacção das forças peruanas situadas no exterior que terão talvez abandonado as suas posições, ao ter conhecimento da captura do seu soberano.
    A detenção do Imperador, uma divindade no entender dos Incas, foi encarada com total humilhação, causando um enorme transtorno psicológico à civilização que não conseguia compreender este desfecho trágico que afinal colocaria tudo em causa.
    Perante a fragilidade dos Incas, Pizarro e a sua limitada tropa controlarão agora este vasto império, tomando a capital Cusco. O conquistador espanhol terá ordenado a prisão domiciliária de Atahualpa, o qual ordenou a execução do seu irmão Huáscar (anterior imperador) porque temia uma amizade deste com Pizarro. Para além disso, ofereceu vários presentes de ouro ao aventureiro hispânico de forma a comprar a sua libertação. Este aceitou de bom grado esta espécie de resgate, mas a sua resposta não será nada generosa pois ordenará o estrangulamento do seu prisioneiro - Atahualpa em 1533.
    É verdade que entre 1536-1537, Manco Inca, filho de Huyana Cápac e irmão do falecido Atahualpa procurará ainda liderar um assalto a Cusco, mas novamente os espanhóis, embora agora com maiores dificuldades, repeliram o ataque e confirmaram assim a sua nova hegemonia sobre o Perú.
    Estava assim concretizada a conquista do Império Inca, ocasionada pela habilidade militar do comandante Francisco Pizarro mas sobretudo pela inércia, ingenuidade e anarquia vivida no lado do adversário que não conseguiu sequer oferecer uma resistência tão significativa como por exemplo acontecera com os astecas.





    Imagem nº 13 - A captura de Atahualpa pelos espanhóis após a emboscada sangrenta de Cajamarca. Depois de ser detido, acabaria posteriormente por ser estrangulado.
    Retirada de: http://www.adonde.com/historia/1532_captura_atahualpa.htm





    Imagem nº 14 - Francisco Pizarro, aventureiro espanhol, liderou a conquista do Império Inca com um contingente bastante diminuto.
    Retirada de: http://pizarrobrb.weebly.com/conclusion.html




    Referências Consultadas: