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sábado, 12 de dezembro de 2015

Curiosidades Históricas (I a VII)


Nota Introdutória

Recentemente, lançamos nas redes sociais uma nova rubrica intitulada "Curiosidades Históricas", iniciativa que  visa abordar, de modo sucinto, algumas das temáticas mais interessantes ou originais da História da Humanidade. 
Neste post, iremos publicar então 7 textos (por seu turno, relacionados com 7 temáticas distintas) que redigimos entre os dias 28 de Outubro e 8 de Dezembro de 2015.
Ao contrário de todos os outros artigos, alertamos o leitor que estes textos apenas mereceram uma investigação básica da nossa parte, até porque não era nosso objectivo pormenorizar bastante o nosso estudo, visto que tal seria maçador para os nossos leitores.



Curiosidade Histórica I - O "Exército de Terracota"


O "Exército de Terracota" é considerado Património Mundial da UNESCO. Trata-se de uma infindável colecção de esculturas de terracota que representa o exército do primeiro imperador chinês Qin Shi Huang (221-210 a. C.). Esta manifestação cultural foi considerada, em simultâneo, como uma forma "sui generis" de arte funerária, visto que aí se encontra igualmente o túmulo do governador chinês que, de acordo com as tradições orientais daquela era, ficaria assim protegido na posterior vida. Ou seja, aquele exército de estátuas o acompanharia nas "aventuras do além".
As esculturas somente foram detectadas em 1974, na localidade de Xi'an, província de Shaanxi (China).
A monumentalidade do espaço é inegável. Os arqueólogos confirmam que existiam mais de 8 mil soldados, 130 carruagens com 520 cavalos, e ainda 150 cavalos de cavalaria - tudo em forma de escultura.
O imperador Qin Shi Huang foi um dos fundadores da China unificada e ficou igualmente conhecido por ter promovido construções gigantescas, incluindo a Grande Muralha.
 
 
 

Pixabay Pictures


 
Wikipédia
 
 
 
 
Curiosidade Histórica II - A Cidade de Tenochtitlán
 
 
A cidade de Tenochtitlán foi fundada por volta de 1325 (ou 1345, segundo outros autores) e tornar-se-ia mesmo na capital do célebre Império Asteca.
Assinalamos o facto da urbe ter sido erigida numa ilha do Lago Texcoco (hoje seco ou inexistente).
Provida de aquedutos, canais labirínticos, calçadas, mercados, palácios nobres, templos religiosos e bairros sociais, Tenochtitlán foi mesmo designada por alguns historiadores como a "Veneza do Continente Americano".
Quando os espanhóis aí chegaram (isto é, entre os anos de 1519-1521), ficaram surpreendidos com a arquitectura imprimida pelos astecas.
 
 
 
 
Pintura  mural no Museu Nacional de Antropologia (Cidade do México)
Quadro da autoria de Diego Rivera




 

 Christine Niederberger in Paléopaysages et archéologie pré-urbaine du Bassin du Mexique
Mapa presente no Wikipédia


Curiosidade Histórica III - O Vexame Português em Calecute

 
Vasco da Gama liderou os portugueses numa saga atribulada que culminaria na descoberta do caminho marítimo para a Índia (1498). Apesar deste prestigiante feito, único - a nível mundial, os portugueses acabariam por sair humilhados no âmbito de um episódio.
Ao chegarem ao reino de Calecute, o exímio navegador e representante da coroa portuguesa - Vasco da Gama - procurou agraciar, numa cerimónia solene, o soberano local com presentes de açúcar, azeite, mel, coral e bacias de rosto. No entanto, o samorim não ficou nada impressionado. Pelo contrário, achava que aquelas ofertas não eram dignas dum embaixador e que até um pobre mercador ofereceria ouro a um rei.
Vasco da Gama enfureceu-se com o escárnio a que foi votado, e começou a sentir um ódio tremendo diante daquele rei e seus oficiais "pagãos" que haviam troçado do seu país e do seu Deus. Marcas profundas que, em breve, desencadeariam um conflito sangrento, embora não seja nosso propósito abordá-lo aqui.
Em jeito de balanço final, esta cortesia "simplista" dos portugueses foi determinante para conquistar o apoio (político e comercial) de muitos soberanos tribais (tanto em África como no Brasil) que tutelavam comunidades muito rudimentares. No entanto, essa expressão de "generosidade" já não chegava para convencer os representantes indianos, visto que a sua região, rica em especiarias e tecidos, testemunhava uma azáfama comercial e um desenvolvimento económico e cultural muito superior às restantes terras que os portugueses haviam conhecido na era dos Descobrimentos.




Quadro da autoria de Veloso Salgado - 1898



Curiosidade Histórica IV - O Enigma de Fusang


Um dos maiores enigmas da História Oriental é, sem dúvida, o mistério que gira em torno da identidade e localização de Fusang.
"Fusang" é a denominação atribuída à recôndita terra que teria sido avistada pelo viajante e monge budista chinês Hui Shen no ano de 499 d. C.
As suas descrições em torno desta aventura (que viriam a ser reportadas ao imperador chinês) adensaram ainda mais a controvérsia.
Hui Shen refere que Fusang se encontrava a 20 000 li a este de Dahan (isto é, a este da China), sendo que esse território se caracterizava, ao nível da flora, pela existência de várias plantas comestíveis e frutos de cor vermelha ou púrpura (como por exemplo: amoras). O lugar seria rico em cobre, mas também possuiria vestígios de ouro e prata. As tribos nativas de Fusang revelariam alguma organização social com a presença de um imperador (ou de um chefe local) que assumiria a liderança. Estas comunidades produziriam ainda papel através das fibras do súber das plantas. As suas casas ou cabanas eram todas feitas de madeira. Os habitantes recorreriam ainda a cavalos, búfalos e servos para transportar as mercadorias. De acordo com o referido missionário, não existiria, pelo menos, à primeira vista, qualquer culto religioso em Fusang.
As descrições pecam pelo facto de serem bastante vagas, impossibilitando uma conclusão segura. Muitos dos estudiosos que se debruçaram sobre esta narrativa, teorizaram que Hui Shen teria visitado regiões localizadas no extremo oriental da Rússia tais como a ilha de Sakhalin, a Península de Kamchatka ou as Ilhas Kuril, ou até mesmo territórios a leste do Japão. Todavia, esta opinião não é consensual entre os investigadores, e os mais entusiastas alegam mesmo que a distância, cifrada em 20 000 li, corresponderia, naquela altura, a mais de 8 mil quilómetros percorridos, trajecto que poderia ser seguido numa rota que partisse desde a China até à região da Califórnia ou inclusive à Colúmbia Britânica (mediante passagem pelos oceanos Índico e Pacífico). Outros autores não descartam ainda a possibilidade da terminologia "Fusang" se encontrar inserida na mitologia chinesa de modo a referenciar uma árvore simbólica existente a este, isto é, no lugar onde se levantaria o Sol. 








Curiosidade Histórica V - A Erupção Fatal do Vesúvio


Corria o ano de 79 d. C. Pompeia era uma das cidades romanas que granjeava uma notável efervescência comercial no sul da região itálica, visto que atracavam aí diversos barcos com mercadorias que provinham de outros portos do Mar Mediterrâneo. A urbe albergava ainda templos, termas, canais, anfiteatros e construções defensivas. Ninguém fazia prever que a população, orgulhosa dos seus pergaminhos históricos, iria ser acossada por uma catástrofe de dimensões nunca antes vistas.
No dia 24 de Agosto do mencionado ano, rebentou uma inesperada erupção no vulcão do Monte Vesúvio. Este expeliu lava, pedras pomes e rochas, além de ter provocado a formação de uma nuvem letal de cinzas que libertaria uma fumaça asfixiante. Muitos cidadãos de Pompeia e de Herculano (cidade vizinha) foram terrivelmente surpreendidos pelo acontecimento; outros não conseguiram fugir, mesmo correndo apressadamente.
A erupção durou dois dias, causando um desfecho trágico para muitos habitantes que tombaram por motivos de incineração, sufoco, projecção de pedras, ou temperaturas bastante elevadas. De acordo com estimativas modernas, julga-se que, ao todo, terão morrido cerca de 16 mil pessoas. 



  
Quadro - "A Destruição de Pompeia e Herculano" - da autoria de John Martin




Curiosidade Histórica VI - O Flautista Hipnotizador de Hamelin


Reza a lenda de que, no ano de 1284, a povoação germânica de Hamelin foi infestada por uma terrível praga de ratos, cenário que preocupou a comunidade local que temia a letal propagação de pestes (conhecidas pelo seu efeito dizimador).
Dentro deste contexto, apareceria na localidade um desconhecido que estava disposto a resolver o problema, desde que fosse devidamente recompensado pelos seus serviços - proposta que foi prontamente aceite pelo povo de Hamelin. Assim sendo, aquele sinistro homem sacou de uma flauta e começou a tocá-la, logrando cativar e/ou até hipnotizar as ratazanas, pelo seu som peculiar, até ao rio Weser, onde aquelas acabariam por morrer afogadas.
Segundo a narração lendária, o flautista que havia então cumprido o seu dever, retornaria para exigir a sua recompensa, contudo a comunidade de Hamelin voltou atrás na palavra e não desejou sequer gratificá-lo.
O homem, traído pelo não-cumprimento do acordo, ficaria sedento de vingança, e regressaria pouco tempo depois à localidade. De novo, voltaria a tocar flauta, tendo atraído, desta feita, todas as crianças da localidade (130 ao todo!) a segui-lo, enquanto a restante comunidade estaria a ouvir missa na Igreja local. Aquelas nunca mais foram vistas, deixando-se levar pelo "encantamento manipulador" do flautista. No entanto, subsistem versões que sugerem que as crianças morreram afogadas (tal como os ratos) no rio Weser; ou que até teriam voltado à sua terra, quando os aldeões, temendo pela sorte dos seus filhos, consentiram em pagar a verba que estava em falta com o flautista.
Esta história assume claramente uma natureza lendária, mas os investigadores questionam se não terá ocorrido uma tragédia em Hamelin nos finais do século XIII que justificasse a criação e divulgação de tal mito. Há autores que acreditam que o flautista personificaria a Morte, morte essa que poderia ter vitimado várias crianças num determinado acontecimento atroz (peste, acidente grave, deslizamento de terras, depredação de um bando de malfeitores?). Também não está descartada a hipótese de inúmeras crianças da localidade terem antes emigrado, sendo neste caso o flautista - um agente recrutador - que as levaria para fins de peregrinação ou realização de campanhas militares.




 Gravura presente em Hamelin (ilustração datada para o ano de 1592).




Curiosidade Histórica VII - O Herói Americano da Pérsia

 
Ao contrário do que muitos julgam, nem sempre os americanos foram mal vistos na Pérsia (actual Irão). No início do século XX, a realidade era, por exemplo, bastante diferente, com muitas pessoas a admirarem a emancipação dos ideais de liberdade nos Estados Unidos. Influenciados pelo espírito luminoso da civilização ocidental, núcleos revoltosos emergiriam na Pérsia contra a tirania do Xá, denunciando em simultâneo a nefasta exploração do território por parte da Rússia czarista e da Inglaterra, interessados por exemplo no monopólio do tabaco.
Entre os anos de 1905 e 1909, rebentaria então a Revolução Constitucional da Pérsia que pugnaria por um regime mais democrático através da introdução dum documento oficial que estabelecesse as leis de Estado que deveriam ser seguidas por todos. Em 1906, seria mesmo estabelecida a primeira constituição do Irão, o que representou um recuo forçado por parte do regime.
Descontente com estas incidências, e em simultâneo, apoiado por representantes religiosos fanáticos, o Xá da Pérsia estava disposto a conspirar contra qualquer constituição, alegando que esta seria um ultraje à religião do Profeta que deveria determinar os destinos da nação. Devido a este braço de ferro, estalariam novas revoltas e a Pérsia seria fustigada por uma sangrenta guerra civil.
A uma determinada altura, as forças fundamentalistas do regime vigente reivindicaram um claro ascendente, causando muitas baixas nas forças revolucionárias. Muitos periódicos foram imediatamente encerrados.
Grande parte dos grupos revolucionários refugiou-se num dos seus últimos bastiões - Tabriz. Nessa terra, professava Howard Baskerville, um jovem missionário norte-americano (natural do Estado do Nebraska) que, seguindo a sua vocação cristã, tentaria a sua sorte na longínqua Pérsia. Baskerville assumia igualmente o papel de professor de história, inglês e geometria na Escola Presbiteriana de Tabriz. Ao ver a cidade cercada pelas forças do regime tirânico, não hesitou em largar os livros e pegar em armas, dirigindo uma centena de voluntários que tentaria auxiliar na defesa da urbe. Baskerville amava os ideais de liberdade, e por causa dessas suas convicções, acabaria por tombar nos combates, quando tinha apenas 24 anos de idade. A sua morte não fora em vão porque Tabriz acabaria por resistir ao cerco. As unidades revolucionárias dali partiriam para entrarem triunfantes na capital Teerão, salvaguardando o novo sistema constitucional. Todavia, o sonho de modernização da Pérsia foi sol de pouca dura, muito devido ao facto da Rússia e da Inglaterra temerem a perda das suas regalias económicas no território.
Ainda assim, e apesar do seu posterior fracasso geral, a revolução deixaria como legado o nascimento da primeira constituição e a instauração do majlis (parlamento) que, apesar de eventuais limitações, ainda permanecem no actual Irão, herdeiro dos desígnios persas.
Por seu turno, Howard Baskerville foi sepultado num cemitério cristão de Tabriz diante da presença de milhares de pessoas. Na cerimónia de funeral, Hassan Taqizadhed descreveu-o desta forma:

"A jovem América, na pessoa do jovem Baskerville, deu o seu sacrifício para a jovem Constituição do Irão..."




 Retrato do missionário presbiteriano Howard Baskerville; Busto na Casa Constitucional de Tabriz.
Howard chegaria a Tabriz em 1907, e faleceria nos combates de 1909.


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Hassan Sabbah, a "Personificação do Terror"


Contexto

“Uma lenda povoa os livros. Ela fala de três amigos, três persas que marcaram, cada um à sua maneira, os primórdios do nosso [primeiro] milénio: Omar Khayyam, que observou o mundo, Nizam al-Mulk, que o governou, Hassan Sabbah que o aterrorizou.” (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 92)


Como já salientamos num dos artigos anteriores, manifestamos muitas dúvidas ou ressalvas em relação à possibilidade de estas três personalidades eminentes da sociedade persa terem partilhado calorosos laços de amizade. No entanto, decidimos citar este trecho, presente na obra "Samarcanda" de Amin Maalouf, porque ilustra, de forma sucinta e aceitável, os legados que Nizam al-Mulk, Omar Khayyam e Hassan Sabbah imprimiram no célebre Império Seljúcida (estado muçulmano que ocupava vastas regiões da Anatólia Oriental, Ásia Central e Golfo Pérsico).
Em pleno século XI, este conjunto territorial era maioritariamente ocupado por sunitas, e como tal, as estruturas estatais recém-instaladas pelos turcos não deixavam de seguir e promover essa vocação religiosa. Os xiitas eram, de certa forma, relegados para um segundo plano, embora assumissem uma expressão considerável em algumas províncias do Império.
No seio do Xiismo, havia uma corrente dissidente que começaria a evidenciar-se gradualmente e que parecia inquietar sultões, vizires e principais oficiais do exército - tratava-se do Ismaelismo. Os seus devotos, os ismaelitas, acreditavam na mensagem divina de Maomé, mas distinguiam-se dos demais por seguirem um imã vivo. Através de uma abordagem esotérica, defendiam a existência de sete eras marcadas pela passagem de sete profetas: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus, Maomé e Ismael (este foi o companheiro silencioso de Maomé e regressará no futuro para ser o profeta do sétimo e derradeiro ciclo que corresponderá ao fim do Mundo). No século XI, os seguidores deste movimento foram implicitamente rotulados como membros integrantes de núcleos claramente descontentes e indignados com o domínio turco.
Dentro deste contexto, a doutrina ismaelita não suscitava qualquer tipo de receptividade por parte dos altos dignitários do Estado Seljúcida que não hesitaram em catalogar a corrente como herética e inclusive ameaçadora para os superiores interesses do Islão. Não será pois de estranhar que tivessem sido movidas algumas perseguições contra esta minoria sectária. No entanto, a entrada em cena de Hassan Sabbah irá agravar ainda mais esta conjuntura que, em breve, ficará marcada por um insanável e irrespirável extremismo religioso.
A história de vida de Hassan mostra-nos um homem dotado de elevada formação cultural e religiosa que, numa primeira etapa da sua actividade, recorreu às pregações e a um estilo de vida algo ascético, mas que depois, servindo-se do clima de intolerância, criou uma seita radical que espalharia o terror por toda a Pérsia e Médio Oriente. A partir da tenebrosa fortaleza de Alamut, o "profeta" do medo e da chantagem psicológica exercerá um domínio terrível sobre a sociedade que o rodeia, não hesitando em castigar severamente todos aqueles que ousassem afrontar a sua ideologia.




Qazvin - Alamout Castle3.jpg

Imagem nº 1 - Ruínas da Fortaleza de Alamut (Norte do actual Irão) localizadas no topo dum elevado rochedo. Esta estrutura defensiva tornar-se-ia no Quartel-General da Seita dos Assassinos em finais do século XI.
Retirada de: https://en.wikipedia.org/wiki/Alamut_Castle, (Alireza Javaheri)




Primeiros tempos: As Suas Origens e a "Vocação Missionária"

"O homem dos olhos exorbitados retomou a sua vida errante. Missionário infatigável, percorre o Oriente muçulmano - Balkh, Merv, Kashgar, Samarcanda. Por toda a parte prega, argumenta, converte, organiza. Não sai de uma cidade ou de uma aldeia sem lá ter designado um representante, deixando-o rodeado de um círculo de adeptos, xiitas cansados de esperar e de sofrer, sunitas persas ou árabes arrasados pela dominação dos turcos, jovens sequiosos de agitação, crentes em busca de rigor. Chamam-lhes «batinis», a gente do segredo, apelidam-nos de heréticos, de ateus. Os ulemás lançam anátema atrás de anátema - «Ai de quem se associar a eles, ai de quem comer à mesa deles, ai de quem se unir a eles pelo casamento; derramar o sangue deles é tão legítimo como regar o nosso jardim»". (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 119)


Não existem muitos dados que nos permitam traçar com rigor os primeiros anos de vida de Hassan Sabbah. Todavia, algumas notas biográficas teorizam que teria nascido em Qom (actual Irão) talvez por volta do ano de 1034. Pertenceria presumivelmente a uma família tradicional xiita (de ascendência iemenita) que mantinha alguma influência na região. Pouco tempo depois, o núcleo familiar iria mudar-se para Ravy, terra onde predominava um estilo de pensamento radical.
Talvez, entre os 7 e os 17 anos, Hassan teve a oportunidade de estudar, na sua própria casa, várias ciências tais como Quiromancia, Línguas, Filosofia, Astronomia e Matemática (em particular Geometria). Também terá usufruído de uma educação canalizada para as matérias religiosas. Por isso, não podemos negar que Hassan acedeu a uma formação intelectual acima da média e que seria ainda aprofundada em futuras conversações que chegou a manter por intermédio de alguns dos seus contactos privilegiados.
É essencial ressalvar o facto de que Hassan Sabbah não havia nascido na fé ismaelita, visto que, por influência familiar, teria sido instruído nos moldes oficiais do Xiismo. A sua adesão ao Ismaelismo terá ocorrido posteriormente aquando dum debate que teria travado em Ravy com Amira Zarrab, um missionário ou pregador, e por conseguinte, defensor daquela doutrina, que vagueava naquela altura pela Pérsia e que teria esvaziado os argumentos do erudito natural de Qom. De acordo com uma lenda, cujo grau de veracidade é bastante discutível - Hassan teria contraído, praticamente em simultâneo, uma grave doença, a qual o fez reflectir sobre os novos ensinamentos religiosos que lhe haviam sido propostos, tendo por fim, abraçado o novo credo, enquanto o medo duma iminente morte o atormentava.
Ao ingressar nesta nova corrente, Hassan teve de jurar obediência ao Califado Fatímida do Egipto que apoiava a causa ismaelita. O jovem, na altura com 17 anos, iria intensificar as reuniões secretas com membros influentes daquele movimento que também operava na Pérsia. A intelectualidade e a capacidade de argumentação de Hassan constituíram elementos determinantes para surpreender pela positiva os altos membros da organização religiosa que almejava aumentar consideravelmente o seu número de crentes no Norte de África, Médio Oriente, Anatólia e Pérsia.
No ano de 1071, Abd al-Malik ibn at-Tash, principal responsável dos Ismaelitas na Pérsia, tomou a iniciativa de nomear Hassan como missionário, aconselhando-o a rumar ao Egipto, de forma a completar os seus estudos e a receber uma formação religiosa elevada. Assim sendo, o nosso biografado começará logo a pregar por várias terras, tendo conhecido curiosamente passagens pelo Azerbaijão e Síria (Damasco). Em 1078, Hassan chega finalmente ao Egipto, onde terá permanecido durante 2 ou 3 anos. Julga-se que aí terá desenvolvido detalhadamente os seus conhecimentos sobre o Ismaelismo, além de ter dialogado com influentes personalidades da região que eram seguidoras deste credo. Alguns historiadores acreditam ainda que, durante esta estadia, o missionário ismaelita ou nizari teria começado já a ponderar a criação futura de uma ordem radical destinada a salvaguardar, através dos meios mais tenebrosos, a sobrevivência daquela doutrina que era repudiada pela maior parte esmagadora dos turcos seljúcidas.
Após regressar do Egipto, Hassan professaria durante nove anos pela extensa Pérsia, pregando em cidades, vilas e aldeias. O seu objectivo passava por angariar novos crentes ou fiéis para a causa ismaelita. Não parece que tenha sido mal sucedido - a sua eloquência e convicção foram factores suficientes para converter muitas pessoas, algumas delas insatisfeitas com o domínio turco (sunita) na região. Por seu turno, o vizir Nizam al-Mulk que sempre defendera a contenção do Xiismo e que abominava totalmente o Ismaelismo (ver artigo anterior), soube do impacto adverso causado por aquele incómodo missionário e ordenou prontamente a sua captura. Contudo, sempre que os guardas seljúcidas pensavam estar no encalce de Hassan Sabbah, a verdade é que este conseguia invariavelmente ludibriá-los, desaparecendo das suas vistas como se tratasse de um fantasma. O que é certo é que o seu nome começava a circular na região, causando embaraço às altas estruturas do sultanato que, conscientes da ameaça, pretendiam neutralizá-lo!





Imagem nº 2 - Hassan Sabbah aderiu ao Ismaelismo, tendo igualmente adquirido formação religiosa para efeitos de missionação.
Retirada do Wikipédia




A Radicalização de Hassan e a Entrada em Alamut


"Alamut. Uma fortaleza sobre um rochedo, a seis mil pés de altitude, uma passagem de montes desprovidos de vegetação, lagos esquecidos, falésias abruptas, desfiladeiros apertados. O mais numeroso exército só poderia lá chegar com homem atrás de homem. As mais poderosas catapultas não conseguiriam aflorar-lhe os muros. 
Entre as montanhas reina o Shah Rud, apelidado «rio louco», que, na primavera, aquando do degelo do Elburz, enche e acelera, arrancando à sua passagem árvores e pedras. Ai de quem ousa aproximar-se, ai da tropa que ousa acampar nas suas margens. 
Do rio, dos lagos, sobe todas as noites uma bruma espessa, penugenta, que escala a falésia e depois se detém a meia altura. Para quem lá se encontra, o castelo de Alamut é então uma ilha num oceano de nuvens" (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 127)


Neste contexto de intolerância e discriminação religiosas que acabamos de descrever no tópico anterior, Hassan Sabbah não hesitaria em retaliar na mesma moeda, procurando zelar a todo o custo pelos interesses superiores da sua corrente. Por outras palavras, ele estava disposto a enveredar pelo caminho do extremismo. Contudo, ninguém poderá negar a originalidade do projecto maquiavélico que planeava agora colocar em prática. Hassan queria fazer com que os ismaelitas deixassem de ser perseguidos, para passarem antes a ser temidos. Esse terror psicológico que desejava incutir nos diversos inimigos do seu credo será indubitavelmente uma das facetas que acompanhará a criação da terrífica Seita dos Assassinos. O historial de homicídios (ver link em baixo) até poderá não ser tão largo como muitos julgavam inicialmente, mas reúne, sem dúvida, os nomes de algumas personalidades notáveis da política e da religião (o seu credo poderia ser sunita, xiita ou cristão) desses tempos. Que erro teriam então cometido estas pessoas? Simples - em algum momento, haviam desafiado ou afrontado os desígnios do Velho da Montanha e da sua seita vingativa, motivo suficiente para que os fidai fossem incumbidos de concretizar os mais implacáveis e surpreendentes atentados.
Nos princípios do mês de Setembro do ano de 1090, Hassan decidiu então instalar-se numa fortificação antiga em Alamut, no alto dos Montes Elburz (Norte do actual Irão), cujos difíceis acessos garantiam excelentes condições defensivas diante dos mais temíveis inimigos. Basta atentarmos na descrição minuciosa de Amin Maalouf citada em cima.
Com o intuito de se apropriar do imponente castelo que aí perdurava, o pregador conseguiu reunir a quantia de 3 mil dinares de ouro para assim convencer o governador daquele espaço a abdicar das suas funções. Curiosamente, esta verba avultada tinha sido anteriormente despendida pelo referido governador para lograr o controlo de Alamut, pelo que seria agora reembolsado do investimento inicial. Além disso, Hassan soubera infiltrar elementos ismaelitas nas aldeias que existiam naquela região montanhosa, de modo a conquistar os apoios dessas comunidades e, por conseguinte, provocar o descrédito e a resignação do seu chefe local que teve então de abandonar a região, contentando-se com a quantia que lhe fora oferecida.
Alamut tornar-se-à, durante os próximos 166 anos (isto é, desde a entrada de Hassan em 1090 até ao ano de 1256, data em que a fortaleza seria finalmente destruída pelos invasores mongóis), na sede de uma nova ordem - a Seita dos Assassinos. O seu novo responsável máximo, Hassan Sabbah, passará a ser designado pelos cronistas do seu tempo como o Velho da Montanha. Velho porque a sua longevidade será inegável (crê-se que terá vivido entre 1034 e 1124, isto é, 90 anos; outros autores acreditam que terá vivido apenas cerca de 75-80 anos, ainda assim muito tempo, tendo em conta a reduzida esperança média de vida na época medieval); da Montanha porque é a partir do "castelo montanhoso" de Alamut que chefiará a ala mais radical dos ismaelitas, causando o terror pelas amplas regiões da Pérsia e do Médio Oriente. 
De acordo com uma lenda, Hassan Sabbah teria ficado confinado nos compartimentos daquela "fortificação" durante os seus derradeiros 35 anos de existência, seguindo uma vida austera e concentrando-se na observância restrita da sua religião. Avançam as fontes que só por duas vezes terá saído da sua habitação para subir ao respectivo telhado. Não sabemos se este testemunho antigo se aproxima da veracidade dos factos, ou se é manifestamente exagerado. Todavia, os investigadores parecem concordar que, nesta nova etapa da vida de Hassan, não haveria lugar para as anteriores "aventuras" nómadas. De facto, o ex-missionário irá utilizar a sede de Alamut para rezar, estudar, traduzir e dirigir as actividades dos seus leais seguidores que não se atreviam em discutir as suas ordens.




Murders for a False Paradise: The Hashshashins

Imagem nº 3 - Retrato Idealizado sobre a Fortaleza de Alamut na Plena Idade Média. O castelo que então existia, conheceria a datação das suas origens para o século IX. A partir do ano de 1090, Hassan Sabbah faria do lugar a nova sede da Seita dos Assassinos. No entanto, o castelo seria arruinado pelos mongóis em 1256.




A Seita dos Assassinos - Estrutura e Procedimentos Letais

"Nos anos e decénios vindouros, incontáveis mensageiros de Alamut conhecerão a mesma morte, com a diferença de que já não tentarão fugir. «Não basta matar os nossos inimigos» ensina-lhes Hassan: «Não somos homicidas, mas executores; devemos agir em público, para servir de exemplo. Matamos um homem, aterrorizamos cem mil. No entanto, não basta executar e aterrorizar, também é preciso saber morrer, pois, se ao matar desencorajamos os nossos inimigos de tentar o que quer que seja contra nós, ao morrer do modo mais corajoso ganhamos a admiração da multidão. E desta multidão, sairão homens para se juntarem a nós. Morrer é mais importante do que matar. Matamos para nos defendermos, morremos para converter, para conquistar. Conquistar é um objectivo, defendermo-nos é apenas um meio».
Doravante, os assassínios ocorrerão de preferência à sexta-feira, nas mesquitas e à hora da oração solene, perante o povo reunido. A vítima, vizir, príncipe, dignitário, religioso, chega, rodeada de uma guarda imponente. A multidão fica impressionada, submissa e admirativa.  O enviado de Alamut está ali, algures, sob o mais inesperado dos disfarces. De membro da guarda, por exemplo. No instante em que todos os olhares estão reunidos, ele ataca. A vítima tomba, o carrasco não se mexe, berra uma fórmula aprendida, ostenta um sorriso de desafio, à espera de se deixar imolar pelos guardas enfurecidos e depois despedaçar pela multidão assustada. A mensagem chegou; o sucessor da personagem assassinada mostrar-se-à mais conciliador em relação a Alamut; e entre a assistência, haverá dez, vinte, quarenta conversões". (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 143-144)


No topo da hierarquia da Ordem dos Assassinos, pontificará Hassan Sabbah, Grão-Mestre ou Ancião/Pregador Supremo. Este encontra-se rodeado por um punhado de missionários propagandistas - os dai - que se encarregam das tarefas inerentes à divulgação da corrente ismaelita que se centrará essencialmente na Pérsia e na Síria. Logo abaixo, estão os rafik que, através de uma instrução adequada, se encontram habilitados a comandar uma fortaleza ou dirigir a organização à escala de uma cidade ou província. Os mais aptos destes poderão ser inclusive missionários um dia mais tarde. Mais abaixo na estrutura, encontramos os lassek, isto é, os crentes de base que não mantêm qualquer predisposição para os estudos nem para a acção violenta. De acordo com Amin Maalouf, nesta última posição incluíam-se vários pastores dos arredores de Alamut, numerosas mulheres e velhos. Depois temos os mujib, ou seja, os noviços que recebem os primeiros ensinamentos e que, conforme o seu perfil e capacidades, serão orientados posteriormente para a categoria mais adequada. Por fim, detectamos a classe dos fidai - "os que se sacrificam". Estes últimos representam a verdadeira força liderada pelo Velho da Montanha pois seriam eles mesmos os incumbidos de cometer as mais vis atrocidades e homicídios, sacrificando, muitas vezes, a sua própria vida pela causa.
Obviamente, interessa-nos abordar um pouco mais este grupo específico dos fidai. Segundo o que o escritor libanês Amin Maalouf nos conta, estes seriam escolhidos pelo grão-mestre que teria em conta a sua inabalável fé bem como as suas habilidades militares e capacidades de resistência. Normalmente, teriam poucas aptidões para as vertentes do ensino e da missionação, pelo que seriam somente utilizados nas acções maquiavélicas que lhes eram reservadas. Ainda assim, o treino dos fidai estava longe de se equiparar a um ofício simples. Os seleccionados teriam que saber manejar o punhal, isto é, saber sacá-lo com um gesto furtivo, e depois cravá-lo no coração ou pescoço da vítima. Também seriam obrigados a familiarizarem-se com os pombos-correios que transportavam alfabetos codificados, o que lhes permitiria estar em comunicação imediata (e discreta!) com Alamut. Os assassinos tinham que, por vezes, assimilar alguns conhecimentos culturais - dialectos, sotaques, costumes - para se infiltrarem nos respectivos meios hostis ou estranhos, onde sob a capa de um disfarce indecifrável, aguardariam pelo momento ideal para atacar a vítima de surpresa. A espera pelo ataque derradeiro poderia durar horas, dias, semanas ou até meses!
Se os assassinos recorreram ao consumo de drogas para procederem aos assassinatos então determinados pelo grão-mestre é algo que não podemos comprovar com dados inequívocos. Neste ponto em particular, há teorias para todos os gostos, e todas elas não podem ser descartadas...
Em jeito de balanço, ninguém pode negar que Hassan Sabbah tinha criado e afinado a máquina mais mortífera da Idade Média. O poderoso vizir seljúcida Nizam al-Mulk, defensor da ideologia sunita e perseguidor do credo ismaelita, seria inclusive a primeira grande personalidade a ser assassinada pelos seguidores de Hassan. Outros alvos seriam igualmente abatidos nas décadas seguintes...




Imagem nº 4 - Representação de um Hashashin / Fidai /Assassino.
Desenho da autoria de Thiago - 2010




A Disciplina e a Austeridade promovidas por Hassan

"Que reinado é pior do que o da virtude militar? O Pregador Supremo quis regulamentar cada instante da vida dos seus adeptos. Baniu todos os instrumentos musicais; se descobria a mais pequena flauta, quebrava-a em público, lançava-a às chamas; o prevaricador era posto a ferros, abundantemente sovado, antes de ser expulso da comunidade. O consumo de bebidas alcoólicas era ainda mais severamente punido. O próprio filho de Hassan, surpreendido numa noite pelo pai em estado de embriaguez, foi imediatamente condenado à morte; apesar das súplicas da mãe, decapitaram-no ao amanhecer do dia seguinte. Para servir de exemplo. Mais ninguém se atreveu a beber um gole de vinho. 
A justiça de Alamut era, no mínimo, expeditiva. Conta-se que havia sido cometido um crime, certo dia, no recinto da fortaleza. Uma testemunha acusou o segundo filho de Hassan. Sem procurar verificar os factos, este mandou cortar a cabeça do seu último filho varão. Alguns dias mais tarde, o verdadeiro culpado confessava; também foi decapitado. 
Os biógrafos do Grão-Mestre mencionam o massacre do seus filhos para ilustrar o seu rigor e imparcialidade; eles precisam que a comunidade de Alamut se tornou, pelo benefício de tais castigos exemplares, uma enseada de virtude e de moralidade, o que não custa a crer; sabe-se, no entanto, por diversas fontes, que após estas execuções a mulher única de Hassan e as suas filhas se insurgiram contra a sua autoridade, que ele ordenou que as expulsassem de Alamut e recomendou aos seus sucessores que agissem de igual modo no futuro, para evitar que influências femininas alterassem o recto julgamento deles. 
Extrair-se do mundo, criar o vazio em torno da sua pessoa, rodear-se de muralhas de pedra e de medo: tal parece ter sido o sonho insensato de Hassan Sabbah" (MAALOUF, Amin - Samarcanda, p. 143-144)



Hassan não era, de modo algum, um ignorante ou alguém com conhecimentos limitados. Era um homem dado aos estudos religiosos e filosóficos, e que seguia uma vida austera, desprezando radicalmente as tentações materiais e não tolerando quaisquer desvios de fé por parte da comunidade que regia. Todavia, ele instrumentalizaria toda a sua bagagem cultural em prol do medo e do terror, acreditando que estaria a garantir, em simultâneo, a defesa e a progressão da fé ismaelita. Ainda assim, e no âmbito dos atentados exteriores (ocorridos na Pérsia, Síria ou Palestina), o Grão-Mestre da Seita dos Assassinos não costumava "alvejar" civis ou "pessoas totalmente inocentes" (embora pudessem ocorrer, em determinadas ocasiões, danos colaterais) mas sim figuras de revelo que haviam atacado ou desrespeitado, de certa forma, a sua corrente religiosa.
Sabemos que Hassan Sabbah terá provavelmente perecido em 1124, contudo e talvez por desconhecimento em torno do seu falecimento (o bastião de Alamut encontrava-se isolado do mundo), as referências ao "Velho da Montanha" não cessaram nas crónicas, conferindo-lhe um estatuto quase imortal, o que fez com que a Seita continuasse a ser temida até meados do século XIII. Efectivamente, os "assassinos" prosseguiram com a concretização de crimes nos tempos vindouros, vitimando personalidades influentes. Os mandamentos fundamentalistas do seu fundador continuaram a ser estritamente observados, pelo menos, durante várias décadas. Só no ano de 1256 é que se dará finalmente a destruição do lugar de Alamut pelos mongóis, episódio que constituirá um golpe fatal neste projecto imbuído de radicalismo.
É lógico que à luz do nosso pensamento moderno, os métodos de Hassan Sabbah e da sua horda de fanáticos devem ser rebatidos em nome da paz, da tolerância religiosa, da liberdade de expressão e do valor da integridade humana. O seu legado de ódio e vingança deve igualmente causar-nos repúdio. Todavia, neste artigo, procuramos contextualizar as suas acções numa época em que a intolerância e o fanatismo religiosos faziam parte do modus vivendi, quer no Ocidente quer no Oriente. Nesses tempos, o martírio de cavaleiros cristãos nas cruzadas ou de ginetes muçulmanos na jihad seria imediatamente engrandecido por vários cronistas, poetas e demais escritores. Foi nessa era tumultuosa que Hassan viveu, não obstante o factos do seus "ensinamentos" ainda inspirarem hoje organizações terroristas e associações mafiosas dispersas por todo o mundo. 




Imagem nº 5 - Hassan Sabbah fundou a Seita dos Assassinos de forma a proteger a causa ismaelita. A partir de Alamut, incumbirá os fidai de inúmeros atentados contra todos aqueles que, no exterior, afrontassem os seus desígnios.




Notas-extra:


  1. De acordo com o conteúdo de uma narração lendária, o vizir Nizam al-Mulk teria, em virtude de uma alegada amizade (mantida entre as já citadas três personalidades persas), convidado Hassan Sabbah a chefiar os serviços de espionagem do Império Seljúcida. Todavia, quando este assumira o ofício, envolveria-se em intrigas palacianas, conspirando contra o vizir, o que originou o seu exílio, tendo depois acabado por criar a Seita dos Assassinos a partir de Alamut. Como já frisamos, a passagem de Hassan pelas estruturas estatais de espionagem parece constituir mais um boato lendário que não nos merece muita credibilidade, dada a ausência de documentos que atestem tal eventualidade.
  2. Outra enigma debatido cinge-se à origem do termo Hashashin, com alguns autores a defenderem que este estaria relacionado com o potencial consumo de haxixe por parte dos fanáticos seguidores de Hassan Sabbah. Sob a influência de drogas, os fidai teriam alucinações ou visões esplêndidas nos jardins aprazíveis e recônditos de Alamut. Foi inclusive esta interpretação que adoptamos no primeiro artigo que redigimos sobre a "Ordem dos Assassinos" neste blog (ver link disponibilizado na nota-extra nº 4). Todavia, Amin Maalouf propõe uma segunda teoria em que atribui a origem da palavra "assassino" ao termo Assassiyun, sendo que a sua interpretação remete-nos para aqueles que são fiéis ao Assass, ao "Fundamento da Fé". Na perspectiva deste romancista libanês, a origem deste vocábulo residiria na fé inabalável dos fidai. Sobre esta matéria, ainda não existe muito consenso entre os historiadores.
  3. Actualmente, a religião ismaelita continua bem viva, congregando milhões de seguidores por todo o mundo (em especial, no Oriente). Todavia, é essencial realçar que a organização segue hoje moldes pacíficos e harmoniosos, renunciando a qualquer fórmula de violência ou de repressão. Pensamos ser crucial deixar esta ressalva bem clara, de modo a não transmitir uma ideia errada aos nossos leitores. Aliás, o Ismaelismo conheceu, ao longo da sua história milenar, diversas facetas que não podem ser abusivamente confundidas. A corrente de Hassan foi apenas (repito - apenas!) uma das inúmeras ramificações ismaelitas.
  4. Como já tínhamos afirmado, este não foi o primeiro artigo que elaboramos sobre Hassan Sabbah (ou Hassan Ibn Sabbah) e a sua seita radical. De facto, no dia 28 de Agosto de 2014, tínhamos publicado neste site um texto intitulado "A Ordem dos Assassinos", no qual expusemos um pequeno historial de homicídios presumivelmente atribuídos aos fidai. O mesmo pode ser consultado em: http://oscarreirosdahistoria.blogspot.pt/2014/08/a-ordem-dos-assassinos.html
  5. Por fim, nunca é demais elogiar o magistral romance "Samarcanda" da autoria do escritor libanês Amin Maalouf que nos cede inúmeros detalhes sobre a realidade persa nos séculos XI-XII.


Referências Consultadas:


sábado, 31 de outubro de 2015

Nizam al-Mulk, o Grande Vizir dos Persas

Corria o ano de 1018, quando Abu Ali Hasan (mais tarde denominado honorificamente como "Nizam al-Mulk") havia nascido na pequena povoação de Radkan (actual Irão). Poucos foram os dados que conseguimos recolher sobre a sua juventude. Sabemos, pelo menos, que durante alguns anos, havia servido o Império Gaznévida, estado muçulmano sunita que vigorou no antigo território do Khorasan (Coração) entre os anos de 977 e 1186. Neste contexto em específico, o nosso biografado terá desempenhado funções de natureza governativa na capital Ghazni, embora desconheçamos mais detalhes a esse respeito. 
No ano de 1043, Abu Ali Hasan deixa de servir aquela dinastia para começar a trabalhar directamente para os turcos seljúcidas que se estavam a afirmar na região. No ano de 1059, torna-se administrador da influente província do Khorasan, e no decurso da crise de sucessão vivida entre os anos de 1063 e 1064, não hesitará em apoiar as pretensões de Alp Arslan ao trono seljúcida. Este último será bem sucedido e afirmará inequivocamente o seu poder, abafando quaisquer revoltas ou manifestações populares de descontentamento. Naturalmente, a lealdade de Abu Ali Hasan para com o seu senhor foi tida em consideração neste delicado processo, e por isso, acabaria por ser nomeado vizir, isto é, ministro ou principal conselheiro do sultão. Tratava-se dum cargo prestigiante normalmente reservado àqueles que revelassem elevadas competências e que, em simultâneo, provassem ser dignos de merecer a confiança total do responsável máximo do sultanato. Abu irá usufruir desta benéfica posição administrativa durante os reinados de Alp Arslan (1063-1072) e Malik Shah I (1072-1092). Será neste âmbito que receberá o título honorífico de "Nizam al-Mulk" ("Ordem do Reino"), designação que o identificaria para a posterioridade.
Nizam al-Mulk provou ser um estadista ou um homem de elevada visão política que tutelou e reorganizou a máquina administrativa. O vizir destacou-se em vários campos de acção. No âmbito belicista, promoveu a criação de feudos militares destinados a servir de suporte aos soldados seljúcidas e a favorecer, em simultâneo, uma tradição agrícola persistente nesses territórios. Assim sendo, os militares, ao assumirem um poder autónomo em certos espaços, retirariam os dividendos necessários inerentes à produção das comunidades sedentárias que passariam agora a controlar, o que representava, em contrapartida, um alívio das despesas estatais para com o seu próprio exército. Por outro lado, e sempre que fosse necessário, o sultanato turco continuava a garantir às suas tropas o abastecimento em comida e o financiamento necessário que advinha dos fundos recolhidos através da cobrança de impostos sobre o sector comercial. Deste modo, era assim possível manter o esforço de guerra que permitia aos seljúcidas expandir o seu território.
De acordo com o escritor Amin Maalouf, Nizam idealizava um Estado próspero, poderoso e estável, onde se denotaria igualmente uma rigorosa disciplina das elites administrativas e religiosas. Por isso, não hesitará em sugerir um policiamento mais apertado, recorrendo aos preciosos serviços de alta espionagem e a sanções severas para os potenciais infractores. Por outras palavras, o vizir tencionava impedir eventuais levantamentos ou golpes de estado que pudessem colocar em causa a ordem no território.
No entanto, a obra do nosso biografado ultrapassa, em muito, a esfera política. Dentro deste contexto, Nizam promoveria a construção de diversas "madrasas", isto é, escolas ou colégios destinados ao ensino da religião muçulmana. O estabelecimento académico mais conceituado seria erguido em Bagdade e ficaria sob a tutela do afamado filósofo e teólogo al-Ghazali. De facto, este centro cultural foi dotado dos melhores professores do seu tempo e ainda disponibilizava instalações em condições bastante aceitáveis, favorecendo assim a transmissão de conhecimentos superiores aos seus estudantes. É provável que, enquanto seguidor do credo sunita, Nizam al-Mulk estivesse apreensivo com o crescimento duma seita que ele julgava ser herética e inclusive perigosa para o Islão - o Ismaelismo que, na altura, parecia recuperar preponderância através do seu pregador temível Hassan Sabbah. Por isso, as "madrasas" que foram criadas por quase todo o território persa serviriam igualmente para aplacar o crescimento dessa minoria religiosa, cujo radicalismo da altura suscitava a máxima desconfiança das altas estruturas do sultanato.
No seu tempo, o Estado Seljúcida testemunharia ainda a construção de hospitais, hospícios, mesquitas, caravançarais, cidadelas e palácios do governo. Também poderemos destacar o facto do poeta e astrónomo Omar Khayyam ter usufruído dum observatório que lhe permitiu analisar os fenómenos do Universo. Podemos rematar que o florescimento cultural foi, de certa forma, uma realidade que não foi descurada pelo vizir e seu sultão.
Todavia, a conjuntura estava longe de ser paradisíaca. Além do perigo ismaelita, as intrigas na corte turco-persa eram frequentes e minavam a credibilidade e a posição dos visados. Como veremos, Nizam al-Mulk acabaria também por ser, mais tarde, vítima destas jogadas de bastidores, pese o prestígio que já havia adquirido e que lhe granjeara até uma falange de seguidores leais.
Segundo Amin Maalouf, o vizir Nizam al-Mulk redigiu um importante livro - o "Siyaset Nameh" ("Tratado de Governo") o que na altura constituiu uma obra inovadora, uma espécie de equivalente para o Oriente Muçulmano do que será para o Ocidente, quatro séculos mais tarde, a obra "O Príncipe" de Nicolau Maquiavel, embora com uma diferença incontornável - "O Príncipe" é a obra de um desiludido que foi frustrado do exercício do poder político, enquanto que o tratado do vizir é fruto da insubstituível experiência de um edificador de um império. Efectivamente, os escritos de Nizam não se resumem exclusivamente às exortações moralistas reservadas aos príncipes, mas também abordam a organização da administração (vertente institucional), a composição e a manutenção da armada real, a promoção da ideologia sunita e a contenção do movimento xiita (o sectarismo ismaelita é mesmo repudiado na sua obra), entre outras matérias.
Durante o seu vizirato, Nizam al-Mulk promoveu a empregabilidade dos turcomenos (nómadas que poderiam ocasionar quezílias na região), afirmou o poderio político e bélico do sultão, imprimiu alguma estabilidade e ordem no estado seljúcida, confiou a gestão das províncias a familiares do sultão e desenvolveu ainda relações diplomáticas com o Califado Abássida.
O estadista ainda participou em algumas expedições militares. No reinado de Alp Arslan (1063-1072), alinhou ao lado deste último em campanhas na Arménia Bizantina (onde conseguiram apoderar-se de Ani, além de submeterem vários chefes locais) e no Cáucaso. Nizam também liderou, por conta própria, uma ofensiva belicista que culminaria na conquista de Estakhr (província de Fars, sul do actual Irão). No entanto, Nizam não estará presente na batalha decisiva de Manzikert (26 de Agosto de 1071), onde as tropas de Alp Arslan trucidarão o exército bizantino.
O assassinato inesperado de Alp Arslan em 1072 (foi apunhalado por um oficial capturado que velava pela defesa duma fortaleza e que havia sido sentenciado, naquele preciso momento, a uma morte cruel por parte do sultão), abriu as portas do poder ao seu filho Malik Shah I (1072-1092) que teve ainda de suportar uma rebelião do seu tio Kavurt. De modo a zelar pelos interesses do jovem sultão, Nizam irá conter os gaznévidas na região do Coração, obterá vitórias diante dos fatímidas na Síria, invadirá novamente a Geórgia (reduzida então a um estado tributário) e manterá a submissão dos governos regionais bem como eliminará determinados focos rebeldes.
Todavia, uma nova vaga de quezílias rebentaria a nível interno, no decurso da década de 1080, com Nizam e o seu próprio filho Jamal al-Mulk a serem alvo das duras críticas dos seus inimigos. Confrontados com inúmeras provocações, ambos respondem imediatamente através da via da repressão, gerando um ambiente tenso na corte. Como se não bastasse, Malik Shah recusou-se a arbitrar estes novos conflitos, cenário que favoreceu o aumento da escalada de ódios.
Apesar de procurar salvaguardar o seu estatuto privilegiado, o vizir sente a sua posição cada vez mais ameaçada e, nos seus últimos cinco anos de vida (1087-1092), despertará inclusive a inimizade de duas personalidades influentes - a princesa qarajanida Turkan Khatun e o líder ismaelita Hassan Sabbah. A primeira era esposa de Malik Shah, e desejava garantir os direitos de sucessão de seu filho Mahmud (nascido em 1087), pretensão recusada por Nizam al-Mulk e por muitos generais seljúcidas que tomaram o partido de Barkiyaruq, na altura, o filho mais velho de Malik Shah embora este fosse fruto dum outro relacionamento mantido com uma princesa seljúcida. Por seu turno, o segundo era um pregador do Ismaelismo (ramo dissidente do Xiismo) que lograra converter várias pessoas à sua ideologia e que fundara ainda a radical Seita dos Assassinos (centrada na imponente fortaleza de Alamut desde 1090) com o objectivo de semear o terror nos inimigos do seu credo. Como já referimos anteriormente, o vizir Nizam al-Mulk havia afrontado o Ismaelismo no decurso da sua governação, tendo ainda fomentado algumas perseguições, o que decerto irritou o Velho da Montanha que sempre ansiara pelo momento da vingança.
Com a sua posição diminuída na corte, muito graças à crescente influência da princesa Turkan nas decisões tomadas pelo sultão Malik Shah, e com a sua segurança exterior ameaçada pelos fanáticos ismaelitas, o vizir não irá preservar a sua vida por muito mais tempo. Além das conspirações que poderiam estar a ser preparadas, alguns autores acreditam que Nizam al-Mulk teria sido ainda vítima dum declínio profundo do seu estado de saúde, talvez provocado pela detecção dum grave tumor. O seu enfraquecimento em todos os sentidos materializaria o chamariz ideal para que os seus inimigos o neutralizassem de vez.
A 14 de Outubro de 1092, Nizam al-Mulk seria assassinado quando seguia numa rota que partia desde Ispaão até Bagdade. O vizir foi esfaqueado mortalmente por um membro da Ordem dos Assassinos, então disfarçado de dervixe, que teria sido então enviado pelo terrível Hassan Sabbah para concretizar o vil atentado. Fora assim a primeira grande personalidade a ser abatida por aquela seita fundamentalista. Todavia, e de acordo com Amin Maalouf, não é de descartar o envolvimento do sultão Malik Shah e da sultana Turkan Khatun neste conluio. No enredo do livro "Samarcanda", da autoria daquele romancista libanês, o líder do sultanato desejaria livrar-se definitivamente do excessivo protagonismo que recaía no seu vizir. Assim sendo, e contando com o apoio incondicional da sua esposa, teria "encomendado" os serviços implacáveis da Seita do Assassinos. Curiosamente, o sultão Malik Shah morreria cerca de um mês depois, em condições bastante controversas - durante uma caçada, sentira-se mal e caíra no chão, contorcendo-se de dores presumivelmente provocadas por um prévio envenenamento. As suspeitas deste crime foram atribuídas às hostes fiéis de Nizam al-Mulk que assim se vingariam da alegada perseguição que havia sido movida pelo sultão ao seu vizir nos derradeiros anos. No entanto, esta teoria não é consensual. Outros relatos apontam para a possibilidade do sultão ter sido envenenado a mando do Califado Abássida.
Os anos que se seguiram à morte do vizir serão pautados por uma enorme turbulência política que irá culminar numa desintegração interna irreversível dos domínios seljúcidas. Este novo ciclo de incerteza e indefinição iria coincidir com o sucesso estrondoso da Primeira Cruzada (1095-1102).
Nizam al-Mulk deixaria para trás uma vida de 74 anos, recheada de muita actividade e zelo, dinamizando os sectores político e cultural e estabelecendo uma aproximação entre turcos e "iranianos" que abundavam na região. Dotado de primorosas capacidades de organização administrativa, o vizir logrou assim elevar a mística e o esplendor do Império Seljúcida.




Legendas das Imagens: Na primeira fotografia, encontramos um busto de Nizam al-Mulk (1018-1092) que foi colocado em Mashhad (actual Irão). Foi retirada do site: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nizam_al-Mulk_Mashhad.jpg, (autor - Juybari).  Na segunda imagem, detectamos moedas cunhadas durante o vizirato de Nizam. A mesma foi extraída do Wikipédia. Por fim, a terceira gravura representa o assassinato perpetrado pela Seita dos Assassinos contra o vizir, e foi retirada de: http://www.warfare.altervista.org/Persia/14/Haz1653-Assassination_of_Nizam_al-Mulk.htm.


Nota-extra - De acordo com o conteúdo de outros relatos, Nizam al-Mulk (por vezes, também designado como Nizam el-Molk) teria deixado o sunismo para aderir ao xiismo no final da sua vida. Contudo, este rumor nunca foi comprovado cientificamente. No nosso entender, acreditamos que o vizir nunca teria deixado o seu credo sunita. Aliás, o seu tratado governamental espelha, de forma inequívoca, as suas críticas ao xiismo e, em particular, ao ismaelismo. Além disso, havia fundado as célebres "Niẓāmiyyah madrasas"de forma a patrocinar o renascimento religioso sunita.
Por outro lado, achamos ainda pertinente ressalvar que Nizam tentou aproximar turcos e iranianos que abundavam na região, conciliando as suas identidades culturais.



Referências Consultadas:


  • KOURIMA, Abderrahim - Théorie de l’Etat et du gouvernement en islam médiéval: « La siyaset nameh, ou traité de gouvernement" de Vizir Nizam al-Mulk". Publicado no ano de 2015.
  • MAALOUF, Amin - Samarcanda. Edição posterior (a original é de 1988). Tradução de Paula Caetano. Barcarena: Marcador Editora, 2015.
  • https://archive.org/details/siassetnamhtra01nizauoft, (Site em que pode ser verificado o tratado do vizir Nizam al-Mulk que foi traduzido e estudado por Charles Schefer, consultado em 31-10-2015)
  • http://www.britannica.com/biography/Nizam-al-Mulk-Seljuq-vizier, (Consultado em: 31-10-2015).
  • http://www.muslimphilosophy.com/ei2/nizam.htm, (Consultado em: 31-10-2015).
  • Wikipédia (Encontramos aí algumas informações - devidamente citadas - que consideramos assumirem alguma relevância visto que se inserem no contexto da actuação política deste renomeado vizir).

sábado, 3 de outubro de 2015

Omar Khayyam, o polímata persa

Omar Khayyam nasceu no ano de 1048 em Nishapur, povoação persa integrada na região do Khorasan (Coração). Provinha duma família de classe média-alta, onde se evidenciava o seu pai que havia exercido o papel de médico, embora as suas receitas fossem essencialmente de pendor herbanário. 
Como usufruía duma realidade minimamente desafogada, Khayyam teve a possibilidade de frequentar os seus primeiros estudos na sua terra natal e ainda na cidade de Balj, assimilando conhecimentos relevantes nas áreas das ciências e da filosofia. Além da vontade de aprender todos estes ensinamentos, o erudito persa tenciona, desde cedo, explorar a sua própria criatividade, abrindo novos horizontes que até então se afiguravam inalcançáveis aos olhos da Humanidade. 
No ano de 1070, Omar Khayyam visita uma das cidades mais antigas e exóticas do Oriente - Samarcanda. Tratava-se duma urbe com efervescência comercial, albergando mercados que se encontravam abarrotados por multidões desejosas de adquirir os seus famosos tecidos, cavalos e ainda o papel de óptima qualidade que era ali produzido. Por outro lado, a terra alojava frequentemente viajantes e mercadores (nomeadamente os da famosa Rota da Seda), o que fazia florescer o seu prestígio no exterior, além de permitir o convívio entre diversas culturas. Samarcanda motivaria inclusive a veiculação de lendas em seu torno e até entusiasmaria, mais tarde, escritores como Edgar Allan Poe (1809-1849) que um dia nos deixou este pequeno trecho textual bem elucidativo da sua opulência citadina:


"E agora passeia o teu olhar por Samarcanda!
Não é a rainha da Terra? Altiva, acima de todas
as cidades, e com os seus destinos nas suas mãos?"




Imagem nº 1 - Antes de sofrer as terríveis depredações dos povos mongóis, Samarcanda era uma das cidades mais opulentas do Islão. A terra foi reconstruída na era de Tamerlão (1336-1405).




Efectivamente, Khayyam irá deparar-se com uma das cidades mais esplêndidas do Islão. Aí desfrutará da protecção do cádi local - Abu Taher que não hesitará em ceder-lhe um livro (ou "caderno"), completamente em branco, onde poderia depositar, através da escrita, os seus livres pensamentos ou raciocínios, evitando assim o risco de os pronunciar oralmente em público, o que decerto incomodaria os grupos religiosos mais fanáticos ou conservadores daquela era pouco tolerante. Aliás, o termo "filassuf" (filósofo) conhecia, naqueles tempos, uma sentido depreciativo, visto que designava qualquer pessoa que se interessasse demasiado pelas ciências profanas dos gregos em detrimento da religião ou de outras formas de literatura mais toleradas. 
Em Samarcanda, Omar Khayyam irá compor um tratado de álgebra que se traduzirá na divulgação de noções inovadoras. De acordo com o escritor Amin Maalouf, Omar elaborou uma influente obra dedicada às equações cúbicas, onde para representar a incógnita adoptou o termo árabe chay (que significa "coisa") e que acabaria, mais tarde, por ser substituída pela letra x que se tornaria então no símbolo universal da incógnita. No entanto, não é só na área da Matemática que o intelectual dá cartas, mas também na poesia onde compôs, ao longo da vida, as suas famosas rubaiatas (estrofes de quatro versos, isto é, quadras) que se destinaram a glorificar o vinho, a mulher, o amor, os prazeres da vida e a natureza. Além disso, deixou-nos reflexões profundas sobre a vida (por exemplo: a sua origem, o seu destino, a sua efemeridade, os prejuízos das más acções/decisões...).
Naturalmente, o seu prestígio fizera despertar a atenção do sultão seljúcida Malik Shah e do seu poderoso vizir e estadista Nizam al-Mulk. Contando com o apoio garantido das altas dignidades do sultanato e das autoridades políticas locais, Omar Khayyam terá a oportunidade de erigir um observatório no decurso das suas estadias em Ispaão e Merv (actualmente Mary - Turcomenistão). De facto, a contemplação dos astros será uma das outras facetas culturais de Omar. O erudito reformará o calendário, dotando-o de uma maior precisão. Como astrólogo, não deixará de transmitir o respectivo horóscopo mensal a cada uma das individualidades que desejava conhecer as suas recomendações para o futuro que se avizinhava. Amin Maalouf acredita que Omar teria ainda realizado determinadas experiências no âmbito da previsão meteorológica que se alicerçaram num estudo minucioso dos fenómenos naturais do céu. Na matemática, será também um "genial precursor das geometrias não euclidianas".
Dado o seu elevado conhecimento científico, é possível que, à semelhança do seu pai, tivesse igualmente examinado alguns doentes, mas sobre essa eventualidade de natureza medicinal não conseguimos apurar elementos convincentes.





Imagem nº 2 - Omar Khayyam elogiou, na sua literatura, as mulheres e o vinho.


Passa o tempo bendito da minha juventude
Para esquecer, sirvo-me de vinho.
É amargo? É assim que ele me agrada,
Este amargor é o gosto da minha vida.
(Omar Khayyam)




No ano de 1092, teria rumado numa peregrinação a Meca, Cidade Santa do Islão, cumprindo o seu dever enquanto muçulmano.
Contudo, pouco se sabe, em termos cronológicos e de testemunhos documentais reunidos, sobre a sua real experiência de vida. Por outras palavras, conhece-se melhor a sua obra do que as suas vivências. Dentro deste contexto, não poderemos determinar com rigor científico a duração das suas estâncias em Samarcanda, Ispaão e Merv. Sabemos sim que terá passado os últimos anos de vida na sua terra natal - Nishapur, onde ensinou matemática, astronomia, filosofia (nomeadamente a de Avicena), medicina e ainda outras disciplinas. Aí faleceria no ano de 1131.
Durante os séculos seguintes, o seu legado cairia numa fase de semi-esquecimento, mas a partir do século XIX, a sua obra renascerá aos olhos do homem contemporâneo. A tradução dos seus poemas pelo escritor (e também poeta) inglês Edward Fitzgerald constituiu o primeiro passo para o redescobrimento da arte inerente aos seus pensamentos. A obra de Omar Khayyam chegava assim à Europa, conquistando gradualmente admiradores, tanto nos núcleos admiradores da poesia como naqueles círculos de eruditos interessados em questões de matemática ou astronomia.
Ao nível do seu pensamento espelhado nos escritos poéticos e filosóficos, devemos salientar que, apesar da sua presumível convicção muçulmana (vertente sunita; embora com uma prática alegadamente sufista), Omar Khayyam distanciava-se de algumas doutrinas ou dogmas, acreditando que, por exemplo, as ocorrências ou fenómenos observados poderiam não ser fruto da ingerência divina, mas que poderiam ser antes explicados pelas leis da natureza. Em si, é observado inclusive uma considerável dose de cepticismo que motivaria, mais tarde, discussões entre aqueles que se debruçaram sobre o seu legado. No entanto, é provável que, enquanto seguidor do pensamento de Avicena, Omar tivesse acreditado na unicidade de Deus (Tawhid: fé no Deus único; monoteísmo islâmico), não colocando em causa o princípio da origem divina do mundo e de todas as coisas. Por outro lado, realçamos também que o pessimismo e o materialismo estão muito presentes na sua obra.
Omar Khayyam foi um polímata, isto é, um homem que dominou várias ciências, recorrendo a concepções modernas e a raciocínios livres e independentes dos dogmas religiosos. As suas conclusões eram demasiado avançadas para a época em que vivera. Talvez, por causa disso, apenas o nosso mundo moderno o tenha finalmente compreendido, colocando-o no patamar dos génios que pisaram o solo deste planeta.





Imagem nº 3 - Retrato de Omar Khayyam, sábio persa (1048-1131).





Imagem nº 4 - Mausoléu de Omar Khayyam em Nishapur.
Foto da autoria de Javad Jafari




Exemplos de Rubaiatas (Separadas) da autoria de Omar Khayyam
(Com tradução de Alfredo Braga)


"Se em teu coração cultivaste a rosa do amor,
quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus,
ou esgotado a taça do prazer,
a tua vida não foi em vão"


"Noite, silêncio, folhas imóveis;
imóvel o meu pensamento.
Onde estás, tu que me ofereceste a taça?
Hoje caiu a primeira pétala"


"Eu sei, uma rosa não murcha
perto de quem tu agora sacias a sede;
mas sentes a falta do prazer que eu soube te dar,
e que te fez desfalecer"


"Acorda... e olha como o sol em seu regresso
vai apagando as estrelas do campo da noite;
do mesmo modo ele vai desvanecer
as grandes luzes da soberba torre do Sultão"


"Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
Senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a lua me procure em vão"


"Não procures muitos amigos, nem busques prolongar
a simpatia que alguém te inspirou;
antes de apertares a mão que te estendem,
considera se um dia ela não se erguerá contra ti"





"Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti"


"Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos".


"Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica".


"Aquele que criou o Universo e as estrelas
exagerou quando inventou a dor.
Lábios vermelhos como rubis, cabelos perfumados,
quantos sois no mundo?"


"O bem e o mal se entrelaçam no mundo.
Não agradeças ao Céu
pela sorte que te coube, nem o acuses:
Ele é indiferente."


"Não pedi para nascer. Recebo, sem espanto ou ira,
o que a vida me entrega. Um dia hei de partir;
não me importa saber qual o motivo
da minha misteriosa passagem pelo mundo."


"Nesta noite caem pétalas das estrelas,
mas o meu jardim ainda não está coberto delas.
Assim como o céu derrama flores sobre a terra,
verto em minha taça o vinho da cor das rosas".





Imagem nº 5 - A poesia de Omar Khayyam ainda hoje aborda temáticas bastante actuais, nomeadamente sobre o papel do Homem neste Mundo.
Quadro da autoria de Edmund Dulac




Notas-extra:

1 - A realização deste artigo incidiu especialmente na recolha de informações extraídas do romance histórico "Samarcanda" de Amin Maalouf. Além do facto deste fascinante escritor ter idealizado o cenário da época, reconhecemos que a sua obra nos concedeu ainda algumas informações relevantes que nos parecem ser credíveis ou pertinentes e que, em muito, elevam o papel prestado por Omar Khayyam para a evolução da Humanidade.

2 - Há uma lenda antiga que associa uma eventual amizade de Omar Khayyam com outras duas individualidades persas do seu tempo - o vizir Nizam al-Mulk e o fundador da ordem dos Assassinos - Hassan Sabbah. Todavia, não reunimos factos concretos suficientes que atestem uma ligação muito próxima entre estas três personalidades (hipótese que até nos parece muito duvidosa), embora não descartemos de todo que se tivessem, pelo menos, conhecido em algum momento ou circunstância, visto que os três viveram praticamente na mesma região e na mesma época.

3 - Alguns investigadores acreditam que Omar Khayyam seria bastante céptico em termos de convicções religiosas ou até mesmo ateu (segundo o teor de algumas "rubaiatas"), contudo na obra "Samarcanda", Amin Maalouf apresenta-nos um homem de convicções muçulmanas, embora bastante afastado dos círculos mais fundamentalistas ou radicais, e exercendo assim um pensamento livre e independente face a dogmas religiosos. Contudo, neste ponto em concreto, reconhecemos que subsiste ainda muita discussão em torno da natureza das "crenças" de Omar Khayyam.

4 - Muitos dos poemas de Khayyam foram traduzidos para português por Alfredo Braga.



Referências Consultadas: