Curiosidade Histórica VIII - Wallada, a Princesa Muçulmana da Tentação
Wallada bint al-Mustakfi era filha de Muhammad III al-Mustakfi, califa
efémero de Córdoba, e da escrava cristã Amin'am. Teria nascido em 994
naquela importante urbe islâmica. Em 1024, o seu pai chegaria ao trono
por via da usurpação, tendo assassinado o seu antecessor Abderramão V,
mas também ele acabaria por padecer do mesmo destino dois anos depois.
Como o seu pai não deixou qualquer descendência masculina, Wallada herdou os seus bens e abriu inclusive um palácio em Córdoba onde tratou da educação das raparigas provenientes de boas famílias. Também aí criou um salão literário que agregaria a presença de poetas e intelectuais do seu tempo. A princesa Wallada daria cartas na poesia, deixando-nos alguns versos de amor e sátira que perpetuam a sua sensibilidade cultural.
Do ponto de vista fisionómico, Wallada personificaria todo um cânone de beleza que não passou despercebido nos cronistas da época. De acordo com as descrições apuradas, teria cabelos loiros, pele clara, olhos azuis, sendo ainda culta, inteligente e orgulhosa. Atrevida, muitas vezes exibiu o seu rosto atraente, partindo corações dos seus admiradores e motivando igualmente críticas dos religiosos mais conservadores que a apelidaram de perversa.
Esta mulher escaldante nutriu uma grande paixão pelo poeta Ibn Zaydún, tendo chegado a manter uma relação secreta com este, dado o facto de ele pertencer à linhagem rival dos Omíadas - os Banu Yahwar. Desta relação, conservaram-se 8 ou 9 poemas que confirmariam os seus desejos de reencontro, mas que também incluiriam algumas reprovações dolorosas mútuas. A relação terá sido rompida, quando Ibn Zaydún se envolveu com uma escrava negra de Wallada.
Wallada manteve depois uma relação com o vizir Ibn Abdus que tratou de a proteger até ao final da sua vida, embora a princesa nunca tivesse contraído casamento durante a sua vida.
Wallada morreu em 26 de Março de 1091, contando já com mais de 80 anos...
Aqui deixamos, em jeito de memória, um pequeno poema da sua autoria (embora traduzido em espanhol):
Como o seu pai não deixou qualquer descendência masculina, Wallada herdou os seus bens e abriu inclusive um palácio em Córdoba onde tratou da educação das raparigas provenientes de boas famílias. Também aí criou um salão literário que agregaria a presença de poetas e intelectuais do seu tempo. A princesa Wallada daria cartas na poesia, deixando-nos alguns versos de amor e sátira que perpetuam a sua sensibilidade cultural.
Do ponto de vista fisionómico, Wallada personificaria todo um cânone de beleza que não passou despercebido nos cronistas da época. De acordo com as descrições apuradas, teria cabelos loiros, pele clara, olhos azuis, sendo ainda culta, inteligente e orgulhosa. Atrevida, muitas vezes exibiu o seu rosto atraente, partindo corações dos seus admiradores e motivando igualmente críticas dos religiosos mais conservadores que a apelidaram de perversa.
Esta mulher escaldante nutriu uma grande paixão pelo poeta Ibn Zaydún, tendo chegado a manter uma relação secreta com este, dado o facto de ele pertencer à linhagem rival dos Omíadas - os Banu Yahwar. Desta relação, conservaram-se 8 ou 9 poemas que confirmariam os seus desejos de reencontro, mas que também incluiriam algumas reprovações dolorosas mútuas. A relação terá sido rompida, quando Ibn Zaydún se envolveu com uma escrava negra de Wallada.
Wallada manteve depois uma relação com o vizir Ibn Abdus que tratou de a proteger até ao final da sua vida, embora a princesa nunca tivesse contraído casamento durante a sua vida.
Wallada morreu em 26 de Março de 1091, contando já com mais de 80 anos...
Aqui deixamos, em jeito de memória, um pequeno poema da sua autoria (embora traduzido em espanhol):
"Cuando caiga la tarde, espera mi visita,
pues veo que la noche es quien mejor encubre los secretos;
siento un amor por ti, que si los astros lo sintiesen
no brillaría el sol, ni la luna saldría
y las estrellas no emprenderían su viaje nocturno".
pues veo que la noche es quien mejor encubre los secretos;
siento un amor por ti, que si los astros lo sintiesen
no brillaría el sol, ni la luna saldría
y las estrellas no emprenderían su viaje nocturno".
Legenda Imagem - Retrato Proposto da Princesa Wallada de Córdoba.
Retirado de: https://www.pinterest.com/pin/508414245409234026/
Gonçalo Anes Bandarra nasceu no ano de 1500 em Trancoso. Teria sido um
vulgar sapateiro, não fossem as suas trovas messiânicas a singularizá-lo
para a eternidade.
Bandarra detinha elevados conhecimentos sobre as escrituras do Antigo Testamento, e as suas interpretações teológicas incomodaram a Inquisição que o condenou mesmo a participar na procissão do auto-de-fé de 1541, além de lhe ser vedada doravante qualquer espécie de alusão aos textos bíblicos. Em causa, estariam ainda eventuais conotações do autor com o judaísmo, além de que as suas trovas gozavam de considerável popularidade entre os cristãos novos.
Nas suas trovas, foram desenvolvidos os mitos do milenarismo português, e à posteriori, do próprio sebastianismo. De facto, Bandarra narrava a vinda dum "Encoberto" que, de certa forma, contribuiria para a restauração da glória de Portugal enquanto reino universal. Apesar de Bandarra ter falecido, em condições de pobreza, no ano de 1556, isto é, dois anos depois do nascimento de D. Sebastião (1558), a verdade é que a figura do Encoberto viria a ficar mais tarde associada a este rei que desapareceria em 1578 na Batalha de Alcácer Quibir. Houve outros que associariam esta figura veiculada ao Messias que estaria por vir, ideia que agradava bastante aos judeus perseguidos na Península Ibérica.
Naturalmente, as trovas de Bandarra (mesmo com o seu autor já morto) continuaram a ser repudiadas pelo Santo Ofício que as incluiria no catálogo de livros proibidos.
De seguida, publicamos algumas trovas separadas da sua autoria.
Bandarra detinha elevados conhecimentos sobre as escrituras do Antigo Testamento, e as suas interpretações teológicas incomodaram a Inquisição que o condenou mesmo a participar na procissão do auto-de-fé de 1541, além de lhe ser vedada doravante qualquer espécie de alusão aos textos bíblicos. Em causa, estariam ainda eventuais conotações do autor com o judaísmo, além de que as suas trovas gozavam de considerável popularidade entre os cristãos novos.
Nas suas trovas, foram desenvolvidos os mitos do milenarismo português, e à posteriori, do próprio sebastianismo. De facto, Bandarra narrava a vinda dum "Encoberto" que, de certa forma, contribuiria para a restauração da glória de Portugal enquanto reino universal. Apesar de Bandarra ter falecido, em condições de pobreza, no ano de 1556, isto é, dois anos depois do nascimento de D. Sebastião (1558), a verdade é que a figura do Encoberto viria a ficar mais tarde associada a este rei que desapareceria em 1578 na Batalha de Alcácer Quibir. Houve outros que associariam esta figura veiculada ao Messias que estaria por vir, ideia que agradava bastante aos judeus perseguidos na Península Ibérica.
Naturalmente, as trovas de Bandarra (mesmo com o seu autor já morto) continuaram a ser repudiadas pelo Santo Ofício que as incluiria no catálogo de livros proibidos.
De seguida, publicamos algumas trovas separadas da sua autoria.
"Faço trovas mui inteiras,
Versos muito bem medidos,
Que hão de vir a ser cumpridos
Lá nas eras derradeiras"
Versos muito bem medidos,
Que hão de vir a ser cumpridos
Lá nas eras derradeiras"
"Augurai, gentes vindouras,
Que o Rei, que daqui há de ir,
Vos há de tornar a vir
Passadas trinta tesouras".
Que o Rei, que daqui há de ir,
Vos há de tornar a vir
Passadas trinta tesouras".
"Este sonho que sonhei
É verdade muito certa,
Que lá da Ilha encoberta
Vos há de vir este Rei".
É verdade muito certa,
Que lá da Ilha encoberta
Vos há de vir este Rei".
"Vosso grande capitão,
Ó povo errado e perverso,
Já caminha com o erço,
E vós dormindo no chão"
Ó povo errado e perverso,
Já caminha com o erço,
E vós dormindo no chão"
"Dará fruto em tudo santo,
Ninguém ousará negá-lo,
O choro será regalo
E será gostoso o pranto".
Ninguém ousará negá-lo,
O choro será regalo
E será gostoso o pranto".
"Em dois sítios me achareis,
Por desgraça ou por ventura:
Os ossos na sepultura,
A alma nestes papéis".
Por desgraça ou por ventura:
Os ossos na sepultura,
A alma nestes papéis".
Imagem retirada de: http://usvizela.blogspot.pt/2008/…/gonalo-anes-bandarra.html
Nowa
Nieszawa foi o nome de uma localidade polaca implantada na margem oeste
do rio Vístula que conheceria uma elevada prosperidade durante a
primeira metade do século XV. No entanto, esta comunidade não resistiria
às incidências do conflito terrível que viria a opor forças polacas e
prussianas contra o excessivo poderio da Ordem Teutónica. Em 1454, os
habitantes prussianos da cidade rival de Torun, que haviam findado com o
anterior domínio teutónico, exigiram ao rei polaco Casimiro IV a
destruição de Nieszawa, como contrapartida necessária para viabilizar a
integração da confederação prussiana no reino medieval polaco e
formalizar assim uma aliança contra um inimigo que partilhavam em comum.
O soberano terá cedido à exigência. No ano de 1464, Nieszawa já se
encontrava praticamente em ruínas, restando apenas o seu castelo.
Durante a sua existência, Nowa Nieszawa albergaria essencialmente construções civis de madeira ou de pau a pique (taipa de mão), contudo as estruturas municipais e religiosas, consideradas mais importantes, seriam revestidas de tijolo. Nos anos compreendidos entre 1427-1430, o rei polaco ordenaria ainda a construção, também em tijolo, do castelo de Dybów, situado nos arredores da cidade.
Em termos económicos, Nieszawa conseguiu um significativo desenvolvimento mediante a transacção de diversas mercadorias, tais como o grão, o peixe, o azeite e a cerveja. O rio Vístula favorecia igualmente o acesso estratégico ao Mar Báltico que se achava repleto de recursos. A concorrência no plano comercial era então enorme e fez com que esta localidade fosse profundamente odiada pela vizinha cidade (inicialmente teutónica e posteriormente "prussiana") de Torun, resultando mesmo num conflito que assumiria uma natureza política e belicista.
Na vertente social, a localidade em análise foi ainda uma porta de entrada para vários refugiados que escapavam da opressão asfixiante do Estado Teutónico. Nieszawa era habitada por cavaleiros, religiosos e camponeses (tal como qualquer outra comunidade medieval), mas distinguia-se em particular por congregar sociedades multi-culturais tais como alemães, ingleses, checos, holandeses e ainda uma comunidade judaica.
Depois de destruída, a localidade de Nieszawa reemergiria mais tarde a 30 km a este do lugar onde residiam as suas origens medievais.
Durante a sua existência, Nowa Nieszawa albergaria essencialmente construções civis de madeira ou de pau a pique (taipa de mão), contudo as estruturas municipais e religiosas, consideradas mais importantes, seriam revestidas de tijolo. Nos anos compreendidos entre 1427-1430, o rei polaco ordenaria ainda a construção, também em tijolo, do castelo de Dybów, situado nos arredores da cidade.
Em termos económicos, Nieszawa conseguiu um significativo desenvolvimento mediante a transacção de diversas mercadorias, tais como o grão, o peixe, o azeite e a cerveja. O rio Vístula favorecia igualmente o acesso estratégico ao Mar Báltico que se achava repleto de recursos. A concorrência no plano comercial era então enorme e fez com que esta localidade fosse profundamente odiada pela vizinha cidade (inicialmente teutónica e posteriormente "prussiana") de Torun, resultando mesmo num conflito que assumiria uma natureza política e belicista.
Na vertente social, a localidade em análise foi ainda uma porta de entrada para vários refugiados que escapavam da opressão asfixiante do Estado Teutónico. Nieszawa era habitada por cavaleiros, religiosos e camponeses (tal como qualquer outra comunidade medieval), mas distinguia-se em particular por congregar sociedades multi-culturais tais como alemães, ingleses, checos, holandeses e ainda uma comunidade judaica.
Depois de destruída, a localidade de Nieszawa reemergiria mais tarde a 30 km a este do lugar onde residiam as suas origens medievais.
As reconstituições digitais que se seguem desta cidade medieval polaca
do século XV são da autoria de J. Zakrzewski, S. Rzeznik, P. Wroniecki,
T. Mełnicki e M. Jaworski (www.medievalists.net), todos eles responsáveis pelo estudo.
Curiosidade Histórica XI - O Desastre de Badajoz (1169)
D. Afonso Henriques e Geraldo Sem Pavor estavam em alta nos finais da década de 1160, devido aos méritos belicistas que haviam alcançado no âmbito da Reconquista Portuguesa.
O rei português, além do estatuto de fundador da nacionalidade, tinha conquistado aos muçulmanos urbes importantes tais como Santarém ou Lisboa (1147), enquanto Geraldo, e o seu grupo de salteadores, tomaram por iniciativa própria Évora (1165) bem como outras praças alentejanas (como por exemplo: Serpa ou Juromenha). O cenário parecia ser então promissor até porque Geraldo acumularia novos êxitos na região da Estremadura, tomando Cáceres, Trujillo (1165) e Montánchez (1166) aos muçulmanos.
Em Maio de 1169, o primeiro rei de Portugal contava já com cerca de 60 anos de idade. Nessa altura, D. Afonso Henriques teve conhecimento duma nova investida de Geraldo Sem Pavor que estaria prestes a tomar Badajoz aos árabes. O rei mouro bem como os seus guerreiros estavam entrincheirados na alcáçova, resistindo com bravura às investidas dos soldados portugueses. D. Afonso Henriques decidiu ir em auxílio de Geraldo, de modo a conquistar rapidamente esta praça. As forças portuguesas eram igualmente comandadas por Fernando Afonso (filho ilegítimo de D. Afonso Henriques que, mais tarde, viria a ser Grão-Mestre da Ordem do Hospital) e D. Pêro Pais da Maia (Alferes-mor do reino).
No entanto, os muçulmanos, mesmo que sufocados pela asfixiante pressão portuguesa, recusaram o cenário de rendição e mantiveram-se assim aquartelados nas fortalezas da alcáçova. Por outro lado, as tropas portuguesas cairiam na desorganização e até na indisciplina (registou-se a ocorrência de orgias e de noites repletas de bebedeiras). O rei português teve igualmente conhecimento da ocorrência de rixas entre os próprios cavaleiros portugueses. Muitos encontravam-se então alcoolizados. No entanto, o pior ainda estava para acontecer...
Ao fim de três ou quatro dias, as tropas do rei leonês D. Fernando II (genro de D. Afonso Henriques) irromperiam surpreendentemente pela cidade, surgindo em auxílio dos mouros cercados. Esta acção deve-se ao facto daquele monarca cristão ter assinado um pacto de defesa mútua com o califa de Sevilha. Além de mais, Badajoz ficaria na margem esquerda do Guadiana, reclamada como área de influência leonesa.
Neste âmbito, as forças leonesas, devidamente coordenadas, varreram os contingentes portugueses que se achavam completamente desorganizados.
Na sua tentativa de fuga, D. Afonso Henriques embateria com o seu cavalo contra uma das portas da muralha da cidade, ficando com mazelas graves, nomeadamente numa perna (talvez fracturada devido à queda).
Detido pelas forças leonesas, foi presente ao rei D. Fernando II que o tratou com respeito e lhe disponibilizou assistência médica. O rei português só seria libertado mediante o pagamento de um resgate em dinheiro e a cedência das praças de Trujillo, Cáceres e Montánchez (anteriormente conquistadas por Geraldo Sem Pavor).
A carreira militar de D. Afonso Henriques tinha ficado seriamente comprometida. O rei português nunca mais recuperou totalmente da lesão profunda que havia sofrido em Badajoz, algo que o impediria de retornar à sua anterior preponderância militar.
Diminuído fisicamente, o "Conquistador" viveria, ainda assim, até ao ano de 1185.
Curiosidade Histórica XII - O Massacre de Judeus em Lisboa (1506)
Nos finais do século XV, a Península Ibérica testemunhou um cenário de total intolerância religiosa. Em 1492, os judeus e os muçulmanos tinham sido expulsos de Espanha por parte dos reis católicos. Entre os anos de 1496-1497 (durante o reinado de D. Manuel I), acabaria por acontecer o mesmo em Portugal. O Tribunal do Santo Ofício (ou Inquisição) seria estabelecido no nosso país em 1536 para punir os desvios à fé católica.
Pelo meio, um episódio em 1506 espelharia o lado mais negro de todo este processo. Os relatos existentes sobre o acontecimento que passaremos a narrar baseiam-se nas descrições então fornecidas por Damião de Góis e Garcia de Resende.
Tudo começou no âmbito de uma eucaristia realizada no Convento de São Domingos de Lisboa, quando um dos crentes jurou ter visto no altar o rosto de Cristo iluminado, "prodígio" que foi encarado como uma bênção divina por parte da multidão de fiéis que, por seu turno, ansiava por um sinal promissor numa conjuntura bastante adversa. No entanto, um cristão-novo (judeu recém-convertido ao cristianismo por imposição legal) que assistia igualmente à missa, contestou tal interpretação e tentou justificar o acontecimento através de um mero reflexo de luz (alimentado talvez por uma candeia acesa do convento) que havia então incidido sobre o crucifixo de Jesus, projectando uma ilusão de óptica. Furiosa com a sua versão apresentada, a turba de fiéis espancou-o até à morte.
Desde logo, dois frades do referido convento dominicano incitaram a uma perseguição sangrenta contra os hereges, prometendo aos participantes a absolvição dos pecados cometidos nos últimos 100 dias. Ao todo, mais de 500 cristãos aderiram a este repto clerical, incluindo marinheiros holandeses, alemães e zelandeses que se achavam, naquele momento, na capital do reino. É possível que o número dos fanáticos perseguidores tivesse ainda aumentado nos dias posteriores.
Os judeus ou cristãos novos seriam o bode-expiatório. A eles se imputava a responsabilidade de todos os males terrenos, nomeadamente a peste, a fome e a seca que assolavam na altura a região.
Durante três dias (19-21 de Abril; na Semana Santa), inúmeras famílias de judeus ou de cristãos novos foram assassinadas nas ruas lisboetas. Outras foram torturadas e queimadas vivas nas fogueiras improvisadas junto à ribeira do Rio Tejo e ao Rossio. Homens, mulheres e crianças padeceram da forma mais aterradora só porque alegadamente tinham diferentes convicções religiosas. Além destas execuções em massa, os perseguidores não hesitaram em entrar nas suas moradias, furtando vários bens (nomeadamente objectos de ouro e prata).
Naquela altura, a corte de D. Manuel estava estabelecida em Abrantes (de modo a fugir à peste que se vislumbrava em Lisboa), mas tentou reagir logo que teve conhecimento das hediondas incidências. Um primeiro grupo de alcaides e magistrados tentou serenar os ânimos na capital, mas dada a sua desvantagem numérica para travar a "insurreição colectiva", tiveram que se retirar para sua própria segurança. A normalidade só foi reposta com a chegada das tropas reais. Alguns dos perseguidores foram presos e enforcados, e os dois frades dominicanos instigadores da chacina seriam queimados na fogueira.
Garcia de Resende estima que 4 mil judeus teriam morrido no decurso daqueles três dias negros. No entanto, a historiografia moderna sugere que o número de vítimas do massacre teria sido bem inferior àquele que foi estimado inicialmente (situando-se talvez na ordem das centenas). Independentemente das estatísticas propostas, este foi um dos episódios mais negros da História de Portugal. E o rastilho de todo este enredo tinha começado com uma simples opinião...
Curiosidade Histórica XIII - A Cidade Portuguesa de Mazagão
Quando em 1415 os portugueses conquistaram Ceuta, iniciariam todo um processo de expansão territorial que resultaria subsequentemente na conquista de diversas praças no norte de África aos muçulmanos. Praças como Arzila, Tânger, Alcácer Ceguer, Safim, Mogador e Azamor foram então tomadas ou ocupadas, em nome da fé cristã, pelas forças portuguesas.
Mas neste pequeno artigo iremos abordar em concreto a história da praça-forte de Mazagão, hoje denominada como El Jadida, que se situava a 90 km a sudoeste da actual cidade de Casablanca. Dentro deste contexto, Mazagão foi uma das principais possessões territoriais portuguesas, tendo conservado esse estatuto entre os inícios do século XVI e 1769 (isto é, quase três séculos!). Ao longo deste período, as guarnições portuguesas resistiram com valentia e heroísmo a poderosos cercos movidos pelas numerosas tropas berberes. Após a retirada portuguesa em 1769, a localidade ficaria abandonada durante meio século até ser finalmente reabilitada pelo sultão Moulay Abderrahmane.
Mazagão, terra então fundada pelos portugueses (e não conquistada pelas armas ao contrário de muitas outras), seria construída obedecendo aos arquétipos da própria arquitectura militar portuguesa do Renascimento. A vila, então localizada na costa ocidental africana, serviria ainda de entreposto comercial e marítimo nas rotas marítimas dirigidas à Índia, o que lhe conferia importância estratégica. De acordo com uma descrição contida na Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), "a fortaleza de Mazagão apresentava a forma de um quadrilátero irregular, rematado por quatro frentes abaluartadas (...) duas das faces estavam viradas à costa e duas ao eixo terrestre, facto que traduz o carácter iminentemente militar e defensivo da construção". Além disso, o "fosso da fortaleza permitia a entrada de embarcações através do sistema de comportas (...), e no interior da praça, localizavam-se vários equipamentos de assistência como o hospital, a vedoria, os celeiros, o palácio do governador, os armazéns, a cisterna, o chafariz, igrejas e ermidas".
Da sua primitiva construção em inícios do século XVI, apenas permanecem hoje como testemunhos da duradoura presença portuguesa, uma antiga fortificação com as suas muralhas e baluartes, um primitivo castelo, uma cisterna e uma Igreja de Nossa Senhora da Assunção erigida em estilo manuelino. A localidade é assim fruto do intercâmbio entre as culturas europeia e marroquina, facto que motivou em 2004 a classificação de Património Mundial por parte da UNESCO.
Esta foi a história da Cidade Portuguesa de Mazagão, glorificada pela sua originalidade que rodeou a sua construção militar e disposição urbanística.
Curiosidade Histórica XIV - Os Escaldos
A civilização viking assumia uma vocação especial para a arte militar e para a sua fascinante construção naval (daí o célebre "drakkar", embarcação que percorreria oceanos e rios de difícil navegação independentemente do seu caudal).
No entanto, e ao contrário do que muitos possam julgar, existia um núcleo de intelectuais que, além de combater, também se dedicavam à escrita. Eram os célebres "escaldos", indivíduos que, durante a Idade Média, redigiam poemas ou narravam histórias/sagas. Graças aos seus raros conhecimentos, esta pequena "elite" de poetas e cronistas usufruía da presença regular em cortes escandinavas e islandesas. Naturalmente, muitos deles dedicaram "panegíricos" aos seus reis, exaltando os seus feitos alcançados em batalha.
Como meros exemplos de escaldos, teríamos Egill Skallagrímsson, Bersi Skáldtorfuson, Gunnlaugr Illugason, ou Óttarr svarti. Entre os anos de 800 e 1200, estariam documentados mais de 300 escaldos.
D. Afonso Henriques e Geraldo Sem Pavor estavam em alta nos finais da década de 1160, devido aos méritos belicistas que haviam alcançado no âmbito da Reconquista Portuguesa.
O rei português, além do estatuto de fundador da nacionalidade, tinha conquistado aos muçulmanos urbes importantes tais como Santarém ou Lisboa (1147), enquanto Geraldo, e o seu grupo de salteadores, tomaram por iniciativa própria Évora (1165) bem como outras praças alentejanas (como por exemplo: Serpa ou Juromenha). O cenário parecia ser então promissor até porque Geraldo acumularia novos êxitos na região da Estremadura, tomando Cáceres, Trujillo (1165) e Montánchez (1166) aos muçulmanos.
Em Maio de 1169, o primeiro rei de Portugal contava já com cerca de 60 anos de idade. Nessa altura, D. Afonso Henriques teve conhecimento duma nova investida de Geraldo Sem Pavor que estaria prestes a tomar Badajoz aos árabes. O rei mouro bem como os seus guerreiros estavam entrincheirados na alcáçova, resistindo com bravura às investidas dos soldados portugueses. D. Afonso Henriques decidiu ir em auxílio de Geraldo, de modo a conquistar rapidamente esta praça. As forças portuguesas eram igualmente comandadas por Fernando Afonso (filho ilegítimo de D. Afonso Henriques que, mais tarde, viria a ser Grão-Mestre da Ordem do Hospital) e D. Pêro Pais da Maia (Alferes-mor do reino).
No entanto, os muçulmanos, mesmo que sufocados pela asfixiante pressão portuguesa, recusaram o cenário de rendição e mantiveram-se assim aquartelados nas fortalezas da alcáçova. Por outro lado, as tropas portuguesas cairiam na desorganização e até na indisciplina (registou-se a ocorrência de orgias e de noites repletas de bebedeiras). O rei português teve igualmente conhecimento da ocorrência de rixas entre os próprios cavaleiros portugueses. Muitos encontravam-se então alcoolizados. No entanto, o pior ainda estava para acontecer...
Ao fim de três ou quatro dias, as tropas do rei leonês D. Fernando II (genro de D. Afonso Henriques) irromperiam surpreendentemente pela cidade, surgindo em auxílio dos mouros cercados. Esta acção deve-se ao facto daquele monarca cristão ter assinado um pacto de defesa mútua com o califa de Sevilha. Além de mais, Badajoz ficaria na margem esquerda do Guadiana, reclamada como área de influência leonesa.
Neste âmbito, as forças leonesas, devidamente coordenadas, varreram os contingentes portugueses que se achavam completamente desorganizados.
Na sua tentativa de fuga, D. Afonso Henriques embateria com o seu cavalo contra uma das portas da muralha da cidade, ficando com mazelas graves, nomeadamente numa perna (talvez fracturada devido à queda).
Detido pelas forças leonesas, foi presente ao rei D. Fernando II que o tratou com respeito e lhe disponibilizou assistência médica. O rei português só seria libertado mediante o pagamento de um resgate em dinheiro e a cedência das praças de Trujillo, Cáceres e Montánchez (anteriormente conquistadas por Geraldo Sem Pavor).
A carreira militar de D. Afonso Henriques tinha ficado seriamente comprometida. O rei português nunca mais recuperou totalmente da lesão profunda que havia sofrido em Badajoz, algo que o impediria de retornar à sua anterior preponderância militar.
Diminuído fisicamente, o "Conquistador" viveria, ainda assim, até ao ano de 1185.
Legenda - Túmulo de D. Afonso Henriques na Igreja de Santa Cruz em Coimbra.
Créditos - http://andancasmedievais.blogspot.pt/
Nos finais do século XV, a Península Ibérica testemunhou um cenário de total intolerância religiosa. Em 1492, os judeus e os muçulmanos tinham sido expulsos de Espanha por parte dos reis católicos. Entre os anos de 1496-1497 (durante o reinado de D. Manuel I), acabaria por acontecer o mesmo em Portugal. O Tribunal do Santo Ofício (ou Inquisição) seria estabelecido no nosso país em 1536 para punir os desvios à fé católica.
Pelo meio, um episódio em 1506 espelharia o lado mais negro de todo este processo. Os relatos existentes sobre o acontecimento que passaremos a narrar baseiam-se nas descrições então fornecidas por Damião de Góis e Garcia de Resende.
Tudo começou no âmbito de uma eucaristia realizada no Convento de São Domingos de Lisboa, quando um dos crentes jurou ter visto no altar o rosto de Cristo iluminado, "prodígio" que foi encarado como uma bênção divina por parte da multidão de fiéis que, por seu turno, ansiava por um sinal promissor numa conjuntura bastante adversa. No entanto, um cristão-novo (judeu recém-convertido ao cristianismo por imposição legal) que assistia igualmente à missa, contestou tal interpretação e tentou justificar o acontecimento através de um mero reflexo de luz (alimentado talvez por uma candeia acesa do convento) que havia então incidido sobre o crucifixo de Jesus, projectando uma ilusão de óptica. Furiosa com a sua versão apresentada, a turba de fiéis espancou-o até à morte.
Desde logo, dois frades do referido convento dominicano incitaram a uma perseguição sangrenta contra os hereges, prometendo aos participantes a absolvição dos pecados cometidos nos últimos 100 dias. Ao todo, mais de 500 cristãos aderiram a este repto clerical, incluindo marinheiros holandeses, alemães e zelandeses que se achavam, naquele momento, na capital do reino. É possível que o número dos fanáticos perseguidores tivesse ainda aumentado nos dias posteriores.
Os judeus ou cristãos novos seriam o bode-expiatório. A eles se imputava a responsabilidade de todos os males terrenos, nomeadamente a peste, a fome e a seca que assolavam na altura a região.
Durante três dias (19-21 de Abril; na Semana Santa), inúmeras famílias de judeus ou de cristãos novos foram assassinadas nas ruas lisboetas. Outras foram torturadas e queimadas vivas nas fogueiras improvisadas junto à ribeira do Rio Tejo e ao Rossio. Homens, mulheres e crianças padeceram da forma mais aterradora só porque alegadamente tinham diferentes convicções religiosas. Além destas execuções em massa, os perseguidores não hesitaram em entrar nas suas moradias, furtando vários bens (nomeadamente objectos de ouro e prata).
Naquela altura, a corte de D. Manuel estava estabelecida em Abrantes (de modo a fugir à peste que se vislumbrava em Lisboa), mas tentou reagir logo que teve conhecimento das hediondas incidências. Um primeiro grupo de alcaides e magistrados tentou serenar os ânimos na capital, mas dada a sua desvantagem numérica para travar a "insurreição colectiva", tiveram que se retirar para sua própria segurança. A normalidade só foi reposta com a chegada das tropas reais. Alguns dos perseguidores foram presos e enforcados, e os dois frades dominicanos instigadores da chacina seriam queimados na fogueira.
Garcia de Resende estima que 4 mil judeus teriam morrido no decurso daqueles três dias negros. No entanto, a historiografia moderna sugere que o número de vítimas do massacre teria sido bem inferior àquele que foi estimado inicialmente (situando-se talvez na ordem das centenas). Independentemente das estatísticas propostas, este foi um dos episódios mais negros da História de Portugal. E o rastilho de todo este enredo tinha começado com uma simples opinião...
Legenda - Memorial em
Lisboa às vítimas do massacre judaico (19-21 de Abril de 1506).
Foto: Blogue Crónicas Portuguesas
Quando em 1415 os portugueses conquistaram Ceuta, iniciariam todo um processo de expansão territorial que resultaria subsequentemente na conquista de diversas praças no norte de África aos muçulmanos. Praças como Arzila, Tânger, Alcácer Ceguer, Safim, Mogador e Azamor foram então tomadas ou ocupadas, em nome da fé cristã, pelas forças portuguesas.
Mas neste pequeno artigo iremos abordar em concreto a história da praça-forte de Mazagão, hoje denominada como El Jadida, que se situava a 90 km a sudoeste da actual cidade de Casablanca. Dentro deste contexto, Mazagão foi uma das principais possessões territoriais portuguesas, tendo conservado esse estatuto entre os inícios do século XVI e 1769 (isto é, quase três séculos!). Ao longo deste período, as guarnições portuguesas resistiram com valentia e heroísmo a poderosos cercos movidos pelas numerosas tropas berberes. Após a retirada portuguesa em 1769, a localidade ficaria abandonada durante meio século até ser finalmente reabilitada pelo sultão Moulay Abderrahmane.
Mazagão, terra então fundada pelos portugueses (e não conquistada pelas armas ao contrário de muitas outras), seria construída obedecendo aos arquétipos da própria arquitectura militar portuguesa do Renascimento. A vila, então localizada na costa ocidental africana, serviria ainda de entreposto comercial e marítimo nas rotas marítimas dirigidas à Índia, o que lhe conferia importância estratégica. De acordo com uma descrição contida na Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), "a fortaleza de Mazagão apresentava a forma de um quadrilátero irregular, rematado por quatro frentes abaluartadas (...) duas das faces estavam viradas à costa e duas ao eixo terrestre, facto que traduz o carácter iminentemente militar e defensivo da construção". Além disso, o "fosso da fortaleza permitia a entrada de embarcações através do sistema de comportas (...), e no interior da praça, localizavam-se vários equipamentos de assistência como o hospital, a vedoria, os celeiros, o palácio do governador, os armazéns, a cisterna, o chafariz, igrejas e ermidas".
Da sua primitiva construção em inícios do século XVI, apenas permanecem hoje como testemunhos da duradoura presença portuguesa, uma antiga fortificação com as suas muralhas e baluartes, um primitivo castelo, uma cisterna e uma Igreja de Nossa Senhora da Assunção erigida em estilo manuelino. A localidade é assim fruto do intercâmbio entre as culturas europeia e marroquina, facto que motivou em 2004 a classificação de Património Mundial por parte da UNESCO.
Esta foi a história da Cidade Portuguesa de Mazagão, glorificada pela sua originalidade que rodeou a sua construção militar e disposição urbanística.
Fotos: Visão sobre a "praça fortificada de Mazagão" (site Património
Cultural - DGPC) e imagem da célebre cisterna manuelina (site -
VortexMag).
Leiam mais em: http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-mundial/origem-portuguesa/cidade-portuguesa-de-mazagao-el-jadida/
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Curiosidade Histórica XIV - Os Escaldos
A civilização viking assumia uma vocação especial para a arte militar e para a sua fascinante construção naval (daí o célebre "drakkar", embarcação que percorreria oceanos e rios de difícil navegação independentemente do seu caudal).
No entanto, e ao contrário do que muitos possam julgar, existia um núcleo de intelectuais que, além de combater, também se dedicavam à escrita. Eram os célebres "escaldos", indivíduos que, durante a Idade Média, redigiam poemas ou narravam histórias/sagas. Graças aos seus raros conhecimentos, esta pequena "elite" de poetas e cronistas usufruía da presença regular em cortes escandinavas e islandesas. Naturalmente, muitos deles dedicaram "panegíricos" aos seus reis, exaltando os seus feitos alcançados em batalha.
Como meros exemplos de escaldos, teríamos Egill Skallagrímsson, Bersi Skáldtorfuson, Gunnlaugr Illugason, ou Óttarr svarti. Entre os anos de 800 e 1200, estariam documentados mais de 300 escaldos.
Gravura retirada de: https://www.pinterest.com/pin/540994973965300994/
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