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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Avicena, o "Príncipe dos Sábios"


Contexto

Ibn Sina, conhecido sob o nome latinizado de Avicena, foi um dos maiores génios da época medieval. A sua herança cultural manifestou-se em diversas áreas do conhecimento, em especial na Medicina e na Filosofia. Julga-se que terá escrito cerca de trezentos livros, discorrendo sobre diversas temáticas. Muitos afirmam inclusive que Avicena terá sido o mais talentoso médico do período situado entre a época do Império Romano e o surgimento da Ciência Moderna no século XVI. Os seus discípulos o designariam mesmo como o "Príncipe dos Sábios" ("Cheikh el-Raïs"). Mas quem seria então Avicena? Como teria sido o seu contributo para uma ciência que, no seu tempo, se encontrava ofuscada pela ignorância e pelas superstições que pareciam prevalecer entre as comunidades? O prestígio que hoje lhe é atribuído se ajusta fielmente aos seus feitos em vida? Estas e outras interrogações procuraremos responder neste artigo. 





Imagem nº 1 - Retrato de Avicena.




Nascimento e Educação

Avicena nasceu por volta do ano de 980 em Afshana, nas proximidades de Bucara (actual Uzbequistão), sendo esta última a capital dos Samânidas, uma dinastia persa que vigorava naquela altura na Ásia Central e na região do Coração (Khorasan).  A sua mãe, Setareh, era natural de Bucara, enquanto o seu pai, Abdullah, seria um sábio ismaelita proveniente de Balkh, tendo trabalhado para o governo samânida na localidade de Kharmasain.  
Ao ser proveniente de uma família muçulmana, é natural que Avicena tivesse começado a aprender o Corão, algo que o fará com excelência, visto que memorizará este livro sagrado quando contava apenas com dez anos de idade. Apesar de ser indiscutível a sua crença no Islamismo, a verdade é que será difícil enquadrar Avicena numa tipologia de fé. Os seus biógrafos não se entendem quanto às suas tendências religiosas, visto que uns o associam ao sunismo, enquanto outros o conotam com o xiismo ou até com o ismaelismo. Também poderá ter revelado algumas tendências afectas ao misticismo nalguns dos seus tratados que viriam a ser mais tarde compostos. 
No entanto, os seus estudos iniciais não se restringiram apenas ao Corão. Avicena aprendeu aritmética indiana através de um merceeiro/hortaliceiro indiano Mahmoud Massahi. Procurou igualmente inteirar-se dos princípios da jurisprudência islâmica ("Fiqh") contando para isso com a orientação do erudito sunita Ismail al-Zahid. Também terá usufruído de uma experiência de cariz medicinal juntamente com um sábio errante anónimo que ganhava a vida, curando os doentes e ensinando os mais novos. 
Além da Medicina e das Ciências Naturais, Ibn Sina demonstrou, desde cedo, uma paixão pela Filosofia. Neste âmbito, recorreu a um filósofo impopular Abu Abdullah Nateli, conseguindo ter acesso a diversas obras clássicas, nomeadamente a "Isagoge" ("Introdução") do filósofo romano Porfírio, "Os Elementos de Euclides" da autoria do célebre matemático e pensador grego do mesmo nome, e o "Almagesto" do matemático, geógrafo e astrónomo grego Cláudio Ptolemeu. Também se interessou em particular pela obra "Metafísica" da autoria de Aristóteles, tendo recorrido aos comentários de al-Farabi (filósofo turco que viveu entre os anos de 872 e 950), inseridos no dito trabalho, para decifrar o teor do pensamento seguido por aquele filósofo helénico dos tempos da Antiguidade.
Aos 16 anos, voltará a dedicar-se aos assuntos da medicina. Avicena não só assimilará novos princípios teóricos, como prestará atendimento gratuito aos doentes, tendo descoberto, através desta sua experiência, novos métodos de tratamento. O jovem médico começava a impressionar na região de Bucara devido à sua qualidade, visto que os seus tratamentos atingiam resultados superiores em comparação com aqueles que eram ministrados pela "classe médica" em geral. A sua ascensão prodigiosa não tardaria em suscitar a atenção das altas estruturas estatais. 





Imagem nº 2 - Ibn Sina demonstrou inúmeros talentos durante a sua juventude.




Ao serviço das cortes

No ano de 997, e contando com apenas 17 anos de idade, Ibn Sina foi recrutado pelo emir de Bucara, de modo a que este recuperasse de uma grave enfermidade. Avicena foi bem-sucedido nos seus serviços, ganhando em contrapartida acesso à biblioteca real dos Samânidas, onde aprofundaria os seus conhecimentos sobre matemática, astronomia e música. Em breve, este erudito já dominaria quase todas as ciências conhecidas. Devido ao seu prestígio, permaneceria como médico da corte e conselheiro de temas científicos até à queda do reino samânida em 999.
Já sem o seu pai que havia entretanto falecido, Avicena rumou a Urgench (no actual Turcomenistão), onde o vizir local, então promotor dos estudos de âmbito cultural, lhe assegurou o pagamento de um pequeno salário mensal. Todavia, a soma recebida não era suficiente para garantir a sua estabilidade, e por isso, não será de estranhar que Ibn Sina vagueasse de lugar para lugar, percorrendo os distritos de Nishapur e Merv e até as fronteiras da alargada região do Coração (Khorasan), de forma a encontrar uma melhor perspectiva de vida. Finalmente, o intelectual arribaria a Gorgan, terra situada nas proximidades do Mar Cáspio, onde encontraria Al-Juzjani que viria a ser seu secretário, escriba e biógrafo, sendo que este seu novo e favorito discípulo, além de possuir a sua própria casa, dispunha ainda de um pequeno edifício anexo onde Avicena usufruiria da oportunidade de estudar lógica e astronomia. 
No entanto, Ibn Sina voltaria a deambular por outras regiões da Pérsia. Sabemos que terá tido uma passagem por Rey (ou Rayy - localidade que se situava nas proximidades da moderna cidade de Teerão), onde terá composto 30 trabalhos de pequena dimensão. Também teria estado por pouco tempo em Qazvin, até chegar a Hamadan - cidade que testemunharia a criação de uma das suas duas principais obras - o "Kitab al-Shifa" ("O Livro da Cura"), uma enciclopédia de ciência natural, lógica e filosofia. Também o célebre "Al-Qanun Fil-Tibb" ("Canône de Medicina"), estudo que compilava uma longa listagem de centenas de drogas (seriam 760 ao todo!), tratamentos e receitas medicinais, terá começado a ser elaborado por Avicena ainda durante a sua estadia em Hamadan, embora tal projecto tivesse sido concretizado posteriormente em Ispaão (Ispahan). Durante a sua permanência em Hamadan, Ibn Sina começou por prestar serviços a uma dama de nascimento privilegiado, tendo sido posteriormente contratado por Shams al-Dawla, emir daquela região que, desde logo, se interessou pelos seus conhecimentos médicos. Avicena obteria um maior reconhecimento, tendo ascendido ao posto de vizir (ministro). Durante o dia, se empenharia para servir a causa pública, enquanto de noite, engolfava-se nos estudos científicos. 
Contudo, as quezílias e as intrigas que se disseminavam pela corte teriam entretanto levado o emir a querer expulsá-lo da cidade. No entanto, muito em breve, o emir Shams al-Dawla viria a padecer de uma grave doença, tendo sido forçado a recorrer novamente aos serviços de Ibn Sina que foi readmitido nas suas funções. Apesar do período turbulento, Avicena nunca deixou de estudar e até de ensinar todos aqueles que estavam predispostos a ouvi-lo. Não hesitava em partilhar com os seus discípulos as novidades das suas principais obras. Mesmo com o falecimento do emir Shams al-Dawla e com o seu consequente abandono do posto de vizir (cargo que então ocupava), o nosso biografado nunca abdicou de concentrar o seu foco nos seus trabalhos intelectuais. 
Pouco tempo depois, Avicena escreveria uma carta a Abu Ya'far, prefeito da cidade de Ispaão, oferecendo os seus préstimos. No entanto, o novo emir de Hamadan não gostou de ter conhecimento desta correspondência privada, encarcerando o reputado médico numa fortaleza. A rivalidade entre os governantes de Ispaão e Hamadan era intensa, e o conflito daí resultante culminaria com a vitória da primeira cidade em 1024. 
A um determinado momento, Ibn Sina conseguiu evadir-se da cidade de Hamadan, utilizando um traje ascético sufi como disfarce. Nessa fuga, seguiriam com ele o seu irmão, um discípulo favorito e dois escravos. Após uma perigosa jornada, chegariam a Ispaão, onde foram bem recebidos pelo príncipe local. O nosso biografado teria já mais de 40 anos de idade.





Imagem nº 3 - Avicena dedicou muito do seu tempo à investigação e à escrita.




Os últimos tempos

Os últimos anos da sua vida foram vividos no seio da corte do governante kakúyida Muhammad ibn Rustam Dushmanziyar (também conhecido pelo nome de Alā al-Dawla), senhor de Ispaão e de uma porção territorial da Pérsia Ocidental ("Jibal"). Avicena voltaria a exercer a profissão de médico e de conselheiro em matérias literárias e científicas. Chegava inclusive a acompanhar o seu senhor em campanhas militares, o que revela bem a confiança que em si era depositada. Nesses tempos derradeiros, Ibn Sina estudou obras literárias e filologia, mesclando nessa abordagem o seu criticismo. Foi um período profícuo para a sua produção de eruditismo. 
Entretanto, Ibn Sina viria a ser afectado por uma violenta cólica (possivelmente derivada de uma crise intestinal) quando as tropas kakúyidas marchavam novamente sobre Hamadan. A sua saúde começou a deteriorar-se rapidamente, embora tivesse acabado por chegar àquela cidade. O seu destino parecia estar irreversivelmente traçado. No seu leito de morte, doaria os seus bens aos pobres, devolveria ganhos injustos, libertaria os seus poucos escravos e leria de novo o Corão nos três derradeiros dias que precederam o seu desaparecimento terreno. Avicena faleceria no mês de Junho de 1037 (com 57 anos de idade) e seria enterrado em Hamadan, após uma vida marcada pela agitação inerente a imensas vicissitudes e pela exaustão resultante do seu empenho científico. 
Efectivamente, Ibn Sina deixou-nos centenas de trabalhos. Alguns autores salientam que ele teria redigido 300 livros, enquanto outros alegam que este génio terá sido responsável por mais de 450 trabalhos, embora só 240 teriam "sobrevivido" até aos dias de hoje. 
Avicena escreveu sobre medicina, filosofia, astronomia, alquimia, geografia, geologia, psicologia, teologia islâmica, lógica, matemática, física e terá composto alguma poesia. 
Este inigualável polímata foi um dos principais pensadores da Idade de Ouro Islâmica (séculos VIII-XIII), merecedor do prestígio que hoje lhe é confiado mundialmente pelos círculos intelectuais/científicos modernos. 





Imagem nº 4 - Outro retrato sobre Ibn Sina (980-1037).




Legado na Medicina

Como já havíamos mencionado ao longo deste texto, Avicena curou inúmeros pacientes e deixou-nos obras relevantes na área da Medicina, nomeadamente o "Al-Qanun Fil-Tibb" ("Cânone da Medicina"). Apesar de ser claramente influenciado por grandes vultos do passado da medicina ocidental greco-romana - Hipócrates, Dioscórides e Galeno, Avicena soube também introduzir as suas próprias descobertas bem como técnicas orientais já utilizadas por árabes, persas e indianos.
O "Cânone da Medicina" encontra-se dividido em cinco livros, assumindo uma organização por categorias. O primeiro livro contém quatro tratados: o primeiro tratado examina os quatro elementos vitais (terra, ar, fogo e água) e inclui igualmente um estudo de anatomia; o segundo aborda a etiologia (causa) e os sintomas; o terceiro analisa a higiene, a saúde, a doença e a inevitabilidade da morte; por fim, o quarto tratado do primeiro livro tem em conta a nosologia terapêutica bem como revela uma visão sobre os regimes e tratamentos dietéticos. O segundo livro incide sobre a "Materia Medica", enquanto que o terceiro livro foca em particular as doenças existentes desde a cabeça até aos dedos dos pés. O quarto livro visa as doenças que não são específicas de determinados órgãos (encontramos aqui os exemplos das febres e das patologias de humor). O último livro, o quinto, apresenta um alargado compêndio de drogas e receitas medicinais.
Do seu vasto pensamento intrínseco a esta área, realçamos então o facto de ter estudado de forma elaborada centenas de medicamentos, drogas, fármacos e receitas medicinais. Além disso, reconheceu o carácter contagioso da tuberculose, doença que na época ceifava inúmeras vidas, e ainda alertou para a disseminação de doenças a partir da água (esta não era devidamente controlada ou tratada na Idade Média!) e dos próprios ratos. Foi o primeiro a descrever, em traços gerais, a meningite e ainda aflorou com excelência a anatomia do olho humano. Também foi pioneiro na distinção entre a pleurisia, a mediastinite e o abscesso subfrênico. Descreveu as duas formas de paralisia facial (central e periférica). Também abordou a sintomatologia dos diabéticos bem como as diversas variantes da icterícia. Preconizou igualmente a introdução de tratamentos através de enemas retais. Foi ainda dos primeiros intelectuais a defender que o sangue era bombeado pelo coração para os pulmões, regressando depois posteriormente àquele órgão. Expôs, de forma precisa, o sistema dos ventrículos e da válvula do coração. Alguns o consideram ainda como o inventor da traqueostomia, embora este recurso tenha sido colocado em prática pelo cirurgião árabe Abulcasis de Córdoba (936-1013) que assim tratou de aperfeiçoar o referido procedimento que visava a criação de um orifício na frente do pescoço que daria acesso à traqueia, desobstruindo a passagem de ar, de forma a possibilitar a respiração nos casos em que esta é dificultada ou praticamente vedada.
Por outro lado, Ibn Sina propôs a utilização de vinho como curativo, algo que já era bastante frequente na era medieval. 
Não obstante, e além de querer conhecer detalhadamente o corpo humano bem como as doenças que o afectavam, Avicena também se preocupou em deixar conselhos que favorecessem a manutenção de um bom estado de saúde. Assim sendo, recomendou a prática desportiva e a hidroterapia, sendo esta última uma espécie de "medicina preventiva". Na área da psicologia, defendeu ainda a importância das relações humanas de forma a favorecer uma boa saúde mental. 
Avicena frisou que cada medicamento deveria ser utilizado num paciente que tivesse apenas contraído uma doença e que o mesmo teria de revelar eficácia de cura em (quase) todos os casos. O intelectual admitiu que os testes feitos em animais não seriam suficientes para provar a sua real eficácia nas pessoas. 
O seu "Cânone da Medicina" causou um elevado impacto, acabando por chegar ao Ocidente, provavelmente por intermédio das cruzadas ocorridas entre os séculos XII-XIV. Esta sua obra marcante, traduzida sucessivamente no continente europeu, influenciou o ensino e as práticas da medicina ocidental. Foi inclusive leccionada em várias universidades medievais tais como Montpellier e Leuven (Lovaina).




Imagem nº 5 - O "Cânone da Medicina" foi a obra-prima mais conhecida de Avicena.
Retirada de:




Pensamento/Filosofia

O "Kitab al-Shifa" ("Livro da Cura") constituiu o principal contributo de Avicena no campo da filosofia científica. Trata-se de uma enciclopédia monumental que nos permite caracterizar o seu pensamento.  
Dentro deste contexto, a filosofia de Avicena segue a tradição aristoteliana, embora mesclando influências neoplatónicas e princípios da teologia muçulmana. Avicena fala-nos de lógica, ética, metafísica, botânica, zoologia, música e psicologia.
No entender de Avicena, o Universo seria constituído por três ordens: o mundo terrestre (com o seu ponto mais alto a ser a alma humana), o mundo celeste (primeiro a ser criado) e Deus (cimo supremo)! Conforme nos indica o filósofo brasileiro Felipe Pimenta, Avicena explicava o mundo à maneira de Aristóteles, contudo propunha uma tese original sobre a inteligência humana - a existência de uma união entre o mundo material e o mundo celeste em 5 graus. Avicena acreditava que a nossa alma estaria separada do intelecto agente (embora existindo correlação ao nível da inteligência activa), sendo espiritual e imortal. A alma seria inteligente em potência, tornando-se só depois inteligente em acto. 
Este conceituado filósofo teve o cuidado de distinguir a existência da essência. A primeira refere-se a tudo o que existe, excepto Deus. Por seu turno, a essência é extrínseca e considera somente a natureza das coisas. Esta encontra-se num plano superior à realização física e mental, embora contribuindo, em momentos particulares, para uma inteligência supra-humana. Dado que a existência e a essência são conceitos distintos, Avicena conclui que a essência nem sempre pode ser inferida a partir de algo que existe. Por outras palavras, a existência de algo pode não implicar automaticamente a respectiva essência.
No campo da teologia, Avicena procurou ser fiel às suas convicções muçulmanas, embora tivesse tentando reconciliar o racionalismo da filosofia com a teologia islâmica. Por outras palavras, procurou provar a existência de Deus e a Sua criação do mundo através duma abordagem lógica e racional. Como já havíamos mencionado anteriormente, Ibn Sina tinha memorizado o Corão aos dez anos de idade, mas nunca deixara de efectuar diversas interpretações filosóficas e científicas sobre aquele livro sagrado para o Islão. Apesar de manter sempre um espírito aberto e crítico, Ibn Sina considerou os profetas do Islão portadores de um nível superior aos filósofos. No seu entender, os profetas possuiriam almas puras racionais, podendo extrair máximo proveito dos factores inteligíveis (que até são do seu próprio conhecimento) e dos próprios silogismos. No entanto, Avicena não deixou de vincar que a filosofia seria a ferramenta ideal que permitiria traçar a distinção entre a profecia real e a ilusão.
Por outro lado, Ibn Sina procurou através de algumas reflexões atestar a existência da consciência individual bem como da substância imaterial da alma. Este erudito acreditava que os seres humanos nunca deveriam duvidar da sua auto-consciência, mesmo em situações extremas onde não se verificasse qualquer expressão sensorial. Chega inclusive a sugerir, como exemplo, a posição de um indivíduo que, se achando de forma suspensa/solitária no ar e sem esboçar sentidos, acabaria sempre por revelar alguma noção da sua própria "existência". No seu entender, a inteligência humana activa seria uma hipóstase ou uma via pela qual Deus transmitiria a verdade à mente humana, conferindo ordem e inteligibilidade à natureza. A alma existiria, assumindo a sua própria auto-consciência e importando conceitos racionais através de um agente universal do intelecto. Ela seria composta por uma substância original e única (embora imaterial), e seria independente do mundo físico. Por outras palavras, o corpo seria sempre um elemento secundário nesta equação, enquanto a alma assumiria uma concepção perfeita, imortal e indestrutível.
Ibn Sina também se pronunciou sobre o destino das almas, afirmando que os actos e as escolhas tomadas por estas ao longo da vida terrena seriam decisivas para um desfecho póstumo de recompensa ou punição. O filósofo muçulmano acreditava que vivíamos num dos melhores mundos possíveis porque o mesmo era resultante da criação de um Deus bom. No entanto, não nega a existência do mal, mas defende que este deriva apenas da ausência do bem. Por outras palavras, os males particulares deste mundo seriam, na maior parte, consequências acidentais e extraviadas do próprio bem predominante.
No âmbito da filosofia da ciência, Avicena pugnou pelo estabelecimento do método científico de inquérito, de modo a apurarem-se os princípios basilares da Ciência. Além deste instrumento, o filósofo persa sugeriu ainda mais dois: o método aristoteliano de indução e o método de examinação e/ou experimentação. No entanto, Ibn Sina demonstrava cepticismo no que diz respeito às induções, alegando que estas poderiam não levar a premissas absolutas ou universais. Por isso mesmo, prefere o recurso ao método de experimentação como um meio bastante útil para a investigação científica.





Imagem nº 6 - Abu ‘Ali al-Husayn Ibn Sina foi um dos maiores pensadores da Idade Média.
Retirada de: http://quotesgram.com/ibn-sina-quotes/, (Snejta/ Sneghka).




Contributos verificados noutras áreas

Na Geologia, descreveu por exemplo a formação das montanhas. Na Lógica, desenvolveu um sistema que perdurou por bastante tempo - neste capítulo, reforçou a lei (ou princípio) da não-contradição proposta por Aristóteles, onde concluíra que o mesmo facto não poderia ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo e no mesmo sentido da terminologia adoptada. Avicena argumenta mesmo que aqueles que negassem a lei da não-contradição deveriam ser espancados ou queimados até admitirem que ser espancado não é a mesma coisa que não ser espancado, e de que ser queimado não é a mesma coisa que não ser queimado.  
Ibn Sina acreditava que a luz teria uma velocidade, sendo esta presumivelmente finita (ainda que bastante elevada). Tentou ainda descrever o processo de surgimento do arco-íris, no entanto, não conseguiu ser bem-sucedido neste ponto em concreto.
Lançou ainda um duro ataque à astrologia num dos seus trabalhos. Ibn Sina duvidava do seu poder para prever o futuro, desconfiando ainda das reais capacidades daqueles que se intitulavam como astrólogos. Não obstante, acreditava que cada planeta teria imprimido alguma influência sobre a Terra, embora fosse impossível, no seu entender, determinar os efeitos exactos. 
Soube distinguir a astronomia da astrologia. Contrariou ainda a teoria de Aristóteles que alegava que as estrelas recebiam a sua luz a partir do Sol. Avicena contrapõe com a ideia de que as estrelas são auto-luminosas, embora também acreditasse, por outro lado, e aqui já de forma errónea, que os planetas seriam igualmente auto-luminosos. 
Avicena refutou ainda a crença da alquimia, tese que insinuava ser possível obter ouro a partir de metais básicos como o chumbo. O intelectual alegava que não seria possível transmutar as substâncias, embora fosse possível produzir nestas uma falsa aparência em caso de intervenção humana.
Por fim, Ibn Sina revelou ainda uma curiosa tendência poética, tendo elaborado alguns versos sobre temáticas medicinais. 
Em jeito de curiosidade, e como reconhecimento da sua vasta obra, o poeta florentino Dante Alighieri (1265-1321) o colocaria no Limbo da sua "Divina Comédia" juntamente com muitos outros virtuosos pensadores não-cristãos: Virgílio, Averróis, Homero, Horácio, Platão, Sócrates...





Imagem nº 7 - Avicena foi considerado por muitos como o "Pai da Medicina Moderna".




Notas-extra
:

  1. Avicena atribuiu quatro faculdades fundamentais ao ser humano, nomeadamente a percepção ou senso comum, a retenção (da informação), a imaginação e a estimativa. Estas diferentes faculdades não comprometeriam a integridade singular da alma racional, aliás todas elas seriam parte integrante do processo intelectual individual.
  2. A obra multifacetada de Avicena inspirou grandes nomes do Mundo Ocidental. Por exemplo, a sua Teoria do Conhecimento e a sua contribuição na área da Psicologia inspirou eruditos tais como William de Auvergne (bispo de Paris entre 1228 e 1249) e Alberto Magno (frade dominicano germânico que viveria entre os anos de 1200 e 1280, e que seria considerado postumamente como "Doutor da Igreja" em 1931). O seu legado no sector da metafísica captaria ainda a atenção de Tomás de Aquino (frade dominicano, filósofo e teólogo italiano que viveria entre os anos de 1225 e 1274; também receberia posteriormente o estatuto de "Doutor da Igreja" em 1568). 
  3. Não obstante, o seu legado não foi consensual em todos os círculos, tendo merecido, por exemplo, críticas duras do teólogo e filósofo persa Al-Ghazali (1058-1111) que, algumas décadas mais tarde, rotularia o pensamento de Avicena como uma doutrina parcialmente herética. Muitos dos detractores de Avicena traçaram-lhe um perfil pouco abonatório, acusando-o de envolvimento sexual com as suas escravas e de apreciar demasiado o vinho. Contudo, os seus críticos, ao debaterem o seu pensamento, fizeram com que o mesmo chegasse (quase) intacto até aos dias de hoje, evitando que o tempo se encarregasse de o fazer diluir, na sua "amnésia universal", um dos maiores pensadores e médicos do Islão. 



Referências Consultadas:

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