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segunda-feira, 9 de março de 2015

A Invasão dos Hunos e a sangrenta Batalha dos Campos Cataláunicos


Um Contexto Atribulado


"Vem aí o Flagelo de Deus"! Assim gritavam muitos indivíduos dos aglomerados populacionais ao pressentir a chegada iminente dos hunos, encabeçados pelo seu carismático líder - Átila (406-453). Só de pronunciar este último nome, vários oficiais e combatentes adversários estremecem de pavor! Não era caso para menos!
Sobre as origens dos hunos, ainda hoje subsiste uma enorme controvérsia. Os historiadores suspeitam de que este povo seria inicialmente composto por várias tribos nómadas e pastoris das estepes asiáticas (Ásia Central), não sendo de excluir que as suas raízes correspondessem hoje à região da actual Mongólia. O que se sabe é que nos séculos IV e V entrarão num grande ritmo de expansão, visando primeiro inúmeros territórios do continente asiático, e depois progredindo abruptamente rumo aos domínios europeus.
O terror de cariz apocalíptico que lhes é atribuído pelas demais civilizações confirma as valorosas habilitações militares dos hunos. Eram, sem dúvida, um povo detentor duma vocação caçadora e aguerrida bastante invulgar. A sua ferocidade é total, assentando o pilar da sua força na temível cavalaria (com guerreiros montados que sabiam manejar flechas e arcos) que semeava a morte por infindáveis terras. Quando entram nas zonas que pertencem ao decadente e moribundo Império Romano, fazem-no imediatamente ao ritmo da guerra através de violentas depredações e chacinas. Neste trajecto, também não poupam os demais bárbaros, arrasados e, por conseguinte, empurrados para o interior das fronteiras latinas. Por exemplo, em 370 submetem os Alanos que viviam na Ucrânia. Os visigodos pedem mesmo ajuda às portas do Império Romano. Muitos são os povos germanos que atravessam a fronteira do Reno para escapar à pressão ou aos massacres dos hunos.
Os líderes desta corrente migratória aterradora não hesitavam em participar em qualquer conflito que lhes granjeasse infindáveis recompensas através do saque das terras futuramente conquistadas. Mas Átila queria bem mais do que isto, e por isso, tinha em mente uma meta mais ambiciosa do que os seus predecessores (Rugila e Bleda - este último era irmão de Átila e governou com sua parceria até 445): tornar-se senhor dum novo e vasto império que incorporaria igualmente todos os domínios romanos.
Ao longe já se ouvem os cascos dos cavalos, os gritos apoderam-se das ruelas das urbes, muitos camponeses e artesãos fogem a sete pés, outros batem repetidamente os sinos das torres de modo a alertar a comunidade para o perigo fatal que sobre eles agora recai, os monges entrincheiram-se dentro das longas portas dos cenóbios, as crianças choram de pavor, uma guarnição corajosa prontifica-se à defesa mas é constituída por membros insuficientes que serão facilmente atropelados pelo poderio do inimigo.
Sim, são os hunos que aí vêm para desempenhar a sua trilogia funcional: combater, destruir e saquear! Mas não estão sozinhos: com eles vem Átila, o líder implacável que parece ter sido mesmo associado por alguns cristãos à figura do anti-Cristo narrada no Novo Testamento. O medo era, mais do que nunca, real e não poupava sequer os povos germânicos, inicialmente pagãos ou possuidores da sua própria religião politeísta.





Imagem nº 1 - Átila (406-453 d. C.) foi o soberano mais poderoso dos hunos, e o homem mais temido do século V.
Retirada de: http://www.ancient.eu/image/3047/, (Todos os direitos - Conifer Games).




A invasão ao Ocidente e a Batalha dos Campos Cataláunicos (Chalons)


Átila assumiu a liderança exclusiva do povo huno em 445, aquando do falecimento polémico do seu irmão Bleda (assassinado por Átila num duelo ou terá sido antes vítima de morte natural?) com o qual governava em parceria desde 434. 
Entre 447 e 448, o novo soberano único e incontestável assedia a Europa Oriental, em concreto a região dos Balcãs. Destacamentos romanos são imediatamente varridos pelas forças hunas que acabam de penetrar pela Mésia. O seu avanço chega mesmo a ameaçar a integridade de Constantinopla, cujos esforços de protecção tiveram de ser espremidos ou redobrados até à exaustão. Pelo caminho, os homens de Átila incendeiam aldeias, aniquilam comunidades, degolam donzelas e até monges. Contudo, o líder huno, talvez atraído por um plano mais apelativo, mudou de ideias e pausou as hostilidades, exigindo em troca ao imperador romano do Oriente o pagamento dum tributo anual em ouro além da cedência duma determinada área territorial. Em abono da verdade, estes acordos também eram do agrado dos hunos que assim obteriam receitas significativas para a sua sobrevivência.
No Império Romano do Ocidente, o contexto é de tal forma complexo que Átila sente-se tentado em participar no xadrez geopolítico. As intrigas acumulavam-se e o soberano huno queria também tirar proveitos do ambiente que aí se vislumbrava. O pretexto para tentar legitimar a sua intervenção surgiria muito em breve.
Honória, um princesa romana e irmã do imperador do ocidente - Valentiniano III, foi detida depois de se ter envolvido reprovadamente com um funcionário da corte. Contudo, ela pensou logo em pedir auxílio a alguém que a pudesse libertar, redigindo uma carta para tal fim. E que rival poderia naquele tempo ombrear com o estatuto do seu irmão? Sem dúvida, Átila - o rei mais poderoso e temido entre os bárbaros! O soberano huno nem sequer hesita em programar uma nova campanha. Todavia, interpreta a mensagem de Honória como um pedido "indirecto" de casamento, o que lhe colocava na posição de reivindicar uma fatia generosa do Império através dum eventual dote. Mas Átila quer mais: quer metade do Império Ocidental! E para materializar este objectivo, 300 mil homens (segundo algumas estimativas) estão dispostos a marchar atrás de si para assim reclamarem o que lhes poderia vir a pertencer por direito. Além deste incidente de cariz diplomático, é necessário ter igualmente em conta que havia uma rivalidade feroz entre hunos e visigodos (estes últimos antes de serem expulsos pelos francos e de se fixarem definitivamente na Hispânia, tinham criado um reino no sudoeste da Gália com a capital em Toulouse) e o rei vândalo Genserico parece ter estimulado ainda mais as intrigas entre ambos os povos, atraindo a ira huna sobre aquele povo bárbaro já instalado no ocidente. As desavenças derivadas na sucessão real dos francos (outro povo bárbaro) também podem ter estado na génese da invasão huna. A guerra e a carnificina iriam recomeçar no ano de 451.
Os hunos invadem a região do Vale do Reno, deixando um inenarrável rasto de destruição. Cidades como Reims, Mainz, Estrasburgo e Colónia não foram poupadas aos instintos maquiavélicos. Posteriormente, Átila avançou sobre a Gália, provocando o êxodo imediato da população. Muito em breve, se lançará a caminho de Orleães (Aurelianum). Os hunos não estão sozinhos e são apoiados por aliados nas suas fileiras, mormente ostrogodos, burgúndios, gépidas, rúgios e alguns francos (talvez dissidentes).
Por seu turno, o general latino Flávio Aécio fica incumbido de organizar um poderoso exército de resistência que reunirá romanos, visigodos (com a presença do seu soberano - Teodorico), bretões, saxões, alanos, burgúndios e também um número aceitável de francos. Esta política de alianças reflecte a preocupação de todos estes povos em travar a avalanche huna. Estava em causa o futuro da Europa.
Neste ano atribulado de 451, o comandante romano Flávio Aécio e o rei visigodo Teodorico I surpreendem os hunos quando estes se encontravam a cercar Orleães. A confederação euro-asiática retirou-se para campo aberto de modo a encarar o recém-chegado exército ocidental. Todavia, os próprios sacerdotes hunos (de vocação pagã) começaram a augurar uma derrota estrondosa que estaria reservada aos homens de Átila, presságio que decerto terá contribuído para a desmoralização dos seus combatentes. Mesmo assim, a batalha iria ser longa e cruel, gerando uma mortandade sem limites.
Ambas as facções, estimadas em forças que rondavam entre as 50 e 80 mil unidades, tentam alcançar o cume duma colina que concederia uma clara vantagem posicional. A batalha torna-se extremamente confusa com uma correria desenfreada, mas são os romanos e os visigodos que acabam por atingir aquela inclinação geográfica. A vanguarda do exército huno desorganiza-se e perde qualquer espécie de iniciativa. A disciplina dos soldados romanos e combatentes aliados permitiu segurar uma disposição ofensiva bastante interessante que gradualmente destroçaria as tropas hunas. Átila, o soberano huno, chega mesmo a ficar encurralado no seu acampamento e terá presumivelmente planeado cometer suicídio. Contudo, Flávio Aécio terá permitido que o referido rei e as suas restantes tropas sobreviventes pudessem retirar-se. Não se conhecem bem as motivações de Aécio para a tomada desta decisão, mas não é de descartar que tivesse pensado em Átila como um aliado importante em futuras campanhas, até porque as alianças forjadas com os bárbaros eram pouco credíveis e conheciam uma duração limitada. Se foi este o raciocínio do general romano, então o futuro trataria de desmistificar essa ilusão. Após esta derrota, Átila desaparecerá num ápice e consigo levará quase todo o seu povo para o adormecimento eterno. Só teremos notícias dele apenas para os dois anos posteriores à batalha dos Campos Cataláunicos (ou de Châlons; a qual acabamos então de narrar aqui duma forma geral).
Graças a esta vitória decisiva que anulará consideravelmente a ameaça huna, Aécio conquistou o título honorífico de "o último dos romanos". Há mérito táctico do vencedor que conseguiu salvaguardar, em parte, os rumos da civilização ocidental diante duma corrente migratória belicista e selvática. O confronto foi violento, tendo os romanos falado em "Cadavera vero innumera" o que atesta a carnificina que ceifou as vidas de milhares de combatentes. Nem o próprio rei visigodo Teodorico escapou com vida, apesar da vitória diante dos hunos. Muitos acreditam que esta foi mesmo a maior batalha do Mundo Antigo, porém esta é uma análise subjectiva que poderá ser formulada por qualquer historiador.




Local: Châlons (Batalha dos Campos Cataláunicos)
Data: 451
Forças Beligerantes


Império Romano
Visigodos
Francos
Burgúndios
Bretões
Saxões


Hunos
Ostrogodos
Rúgios
Gépidas
Alanos
Francos (alguns)
Comandantes/Generais
Flávio Aécio (general romano)
      Teodorico (rei dos visigodos)
Átila (rei dos Hunos
Número de Combatentes
Entre 50 000 – 80 000
Entre 50 000 – 80 000
Baixas Estimadas
Indeterminadas mas talvez na ordem dos milhares.
Indeterminadas mas talvez na ordem dos milhares.
Resultado:  A ocupação de pontos estratégicos no terreno, nomeadamente o cume duma colina, favoreceu a coligação de tropas ocidentais lideradas por Flávio Aécio que derrotaram o exército, também ele heterogéneo, encabeçado por Átila. A batalha praticamente fez eclipsar as intenções hunas de impor o seu domínio sobre o Império Romano do Ocidente.

Tabela nº 1 - As estatísticas e os protagonistas da batalha dos Campos Cataláunicos.





Imagem nº 2 - Os hunos lutavam maioritariamente montados a cavalo munidos com arcos e flechas. Acabariam igualmente por adoptar o escudo defensivo.
Retirada de: http://www.illustrationartgallery.com/acatalog/info_EmbletonAtilla.html, (ilustração da autoria de Ron Embleton)




A derradeira campanha huna - o flagelo em Itália


Apesar do prestigiante feito, o comandante romano Flávio Aécio cometera um erro crasso ao permitir a retirada de Átila e dum número ainda considerável de guerreiros hunos que conseguiram sobreviver às incidências da batalha cruel travada no Norte da Gália. Com uma força naturalmente inferior, os hunos invadiram a Itália em 452, arrasando várias terras, incluindo Milão que foi saqueada e incendiada. O soberano huno voltava a exigir a mão da princesa Honória bem como a fatia territorial do Império que achava ser sua por direito. O imperador latino Valentiniano III não sabia o que fazer - o exército romano já não tinha sequer meios naquela altura para proteger a região itálica. A cerca de 200 km de distância de Roma, Átila já se sente tentado pelos tesouros da capital imperial. Terá montado inclusive um acampamento, contudo o líder huno nunca atacou a cidade, uma opção polémica e ainda hoje debatida pelos escolares e investigadores científicos. O que levou então Átila a mudar de ideias? Não queria ele tornar-se senhor do Império Romano? Porque desistira do casamento com Honória?
De acordo com uma lenda (cujo grau de veracidade é discutível), o Papa Leão I teria ido ao encontro de Átila, pedindo clemência ou o fim da ofensiva destrutiva. Segundo esta narrativa, o soberano huno teria sido demovido pelas palavras bem escolhidas por parte do Sumo Pontífice. Se este encontro realmente aconteceu, é ainda hoje uma problemática que permanece como um dos maiores mistérios da História Universal. O que sabemos é que o exército euro-asiático acusava já um desgaste excruciante. A marcha tinha sido longa e penosa com muitos combates travados durante o trajecto. O número de guerreiros nas hostes de Átila diminuía gradualmente. As doenças também infernizaram as hordas hunas, e o acesso aos recursos alimentares era bastante limitado. O cansaço e a ausência de resultados bélicos determinantes terão feito com que Átila abandonasse a campanha em Itália, tentando fazer a inversão de marcha rumo às origens de Leste, mais concretamente ao seu palácio além-Danúbio. Se o Papa Leão teve também influência suficiente para o dissuadir dos seus planos de invasão, nunca o saberemos com a devida certeza absoluta!
No regresso ao Leste, os hunos já orquestravam um novo plano de ataque a Constantinopla porque o novo imperador romano do Oriente - Marciano tinha deixado de pagar o tributo anual de ouro que havia sido acordado no passado. Todavia, a morte surpreendeu Átila que, em 453, pereceu duma hemorragia estomacal no âmbito dos festejos de celebração da sua derradeira boda (contraída com a goda Ildico). Ao longo da vida, Átila teve várias mulheres e sempre privilegiou eventos festivos, dedicando a sua especial cobiça por metais preciosos (por ex: o ouro). Todavia, o seu modus vivendi esfumou-se intempestivamente.
Átila foi enterrado num sarcófago triplo - de ouro, prata e ferro, juntamente com o botim das suas vitórias bélicas. Os que participaram no funeral auto-executaram-se ou trespassaram-se mutuamente, de modo a manter o sigilo total sobre a localização do enterro.
Conforme nos conta Michael Kulinowski, “o império de Átila desmoronou quase imediatamente. Ele tinha vários filhos que lutaram entre si por partes de seu legado. Isso deu aos povos conquistados, como os ostrogodos, a oportunidade para se rebelar. Em uma série de batalhas, os filhos de Átila foram vencidos pelos revoltosos”.






Imagem nº 3 - O encontro entre a delegação papal de Leão I e Átila - o rei dos hunos.
Fresco da autoria de Rafael Sanzio, (1514) no Palácio Pontifício de Roma





Imagem nº 4 - Medalha de Bronze do Renascimento que exibe o retrato de Átila. Pode ler-se na inscrição "Atila, Flagelum Dei"






Imagem nº 5 - Outra representação possível de Átila.
Pintura da autoria de Eugene Ferdinand Victor Delacroix





Mapa nº 1 - Os domínios hunos (marcados a cor lilás) na Europa Oriental durante os séculos IV e V.





Referências Consultadas:


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