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sexta-feira, 27 de março de 2015

Sá de Miranda - o poeta-arauto da Renascença


1 - Uma Vida ao Serviço da Cultura


Francisco Sá de Miranda nasceu em 28 de Agosto de 1481 na cidade de Coimbra. Outros autores apontam a data de nascimento para o ano de 1495. Era filho do cónego Gonçalo Mendes de Sá e duma dama nobre e solteira - Inês de Melo. A sua infância terá sido vivida na casa dos seus avós em Buarcos. 
Sobre a sua formação literária, pouco ou até nada se apurou até hoje. Teófilo Braga sugere que Miranda terá cursado em Coimbra nas escolas menores do Colégio Monasterial de Santa Cruz (aqui era ministrado o ensino das línguas grega e latina, gramática, retórica e humanidades), frequentando depois em 1505 a Universidade de Lisboa, onde completou o curso de Direito ou Leis. Aí terá conseguido estabelecer uma verdadeira amizade com Bernardim Ribeiro, outro intelectual que daria cartas na literatura nacional.
No ano de 1513, e muito graças à sua ascendências nobre, consegue introduzir-se na corte. Conforme nos elucida José Pereira Tavares (outrora reitor do Liceu de Aveiro), Sá de Miranda terá frequentado os serões do Paço, integrando um grupo que reunia os fidalgos e poetas mais conceituados daquela época. Em 1516, já é associado a ele o título prestigiante de doutor - estatuto muito raro naquele período, dado o sufocante analfabetismo que flagelava a população portuguesa. Algumas das suas "poesias miúdas" (cantigas, esparsas e vilancetes) seriam compiladas e publicadas por Garcia de Resende no seu "Cancioneiro Geral", o que vem, desde cedo, atestar o seu talento e criatividade.
Em 1521, deixa Portugal e ruma a Itália. Os motivos que o levam a esta decisão são variados: desgostos amorosos e as intrigas palacianas que terá testemunhado em Portugal, e a vontade de assimilar a nova corrente artística e intelectual que, desde então, iluminava a região itálica. Durante um período de cerca de cinco anos, Sá de Miranda visitará Milão, Veneza, Florença, Roma, Nápoles e Sicília. Obteve vários conhecimentos da língua e literatura italianas, e conviveu com vultos de elevado gabarito daquele tempo (Pietro Bembo, Sannazaro, Ariosto...). Nos templos e palácios que visitara, logo se deparara com as monumentais obras de Rafael e Miguel Ângelo. Em suma, contemplou uma nova expressão cultural humanista que, desde logo, desejou transportar para Portugal, de modo a elevar o pensamento e as manifestações artísticas nacionais para um patamar bastante superior. 
No ano de 1526 (ou 1527), regressa a Portugal, depois da experiência enriquecedora em solo italiano. Volta a estabelecer-se na sua terra natal - Coimbra, onde permaneceu por algum tempo. De novo terá a hipótese de reentrar no ambiente cortesão, visto que a corte portuguesa tinha deixado Lisboa (devido à peste que grassava) para se instalar temporariamente na Cidade do Conhecimento. 
Em termos de obras concretizadas, Sá de Miranda publica a comédia em prosa - "Os Estrangeiros" no ano de 1528. Nos anos seguintes, apresenta a "Fábula do Mondego" (1528-1529) em forma de canção e a écloga "Aleixo" (1531-1532), estes dois últimos lavrados em língua castelhana.
Entretanto, as intrigas e escândalos do Paço reemergem com veemência. De novo, Sá de Miranda sente-se desiludido e, desta feita, abandonará definitivamente a corte. Esta drástica decisão deve-se igualmente a um diferendo que mantinha com uma personalidade, também ela repleta de genialidade e bem cotada nas altas instâncias do reino - Gil Vicente (considerado o "pai do teatro nacional"). Ambos alimentarão uma relação de ódio assente em provocações mútuas, extremadas pelos seus seguidores. A história desta inimizade será longa e repleta de críticas violentas. Gil Vicente não hesitará em omitir os Sás quando descrevia a nobreza de Coimbra aquando do prólogo duma comédia então realizada naquela cidade. Sá de Miranda que se encontrava na plateia sentiu-se desgostoso com a situação. Mas Gil Vicente não se ficará por aqui, chegando ao ponto de na peça "O Clérigo da Beira" representada na corte em 1529, ter proferido a célebre afirmação - "filho de clérigo és, nunca bom feito farás", palavras que aparentam conferir uma potencial alusão a Sá de Miranda. Este último reage, garantindo que iria continuar a lutar pelos seus ideais que poderiam então fazer carreira em Portugal. Todavia, o poeta, desiludido com os derradeiros acontecimentos, optará por rumar ao Minho, deixando as suas origens (bem como as intrigas) para trás.
Inicialmente, estabeleceu-se na Quinta da Penela (actual São Tiago de Arcozelo - Vila Verde) que pertencia à mulher com quem tinha acabado de contrair matrimónio - D. Briolanja de Azevedo, de nobre procedência, e de elevadas virtudes morais. Todavia, esta residência foi apenas temporária, porque através duma mercê, datada algures nos anos compreendidos entre 1533-1535, o casal fixou-se na comenda de Santa Maria das Duas Igrejas (pertencente à Ordem de Cristo, localizada no actual concelho de Vila Verde) que se situava junto ao Rio Neiva, não muito longe da fronteira com a Galiza. Durante quase vinte anos, Sá de Miranda viverá neste novo lugar uma etapa crucial da sua vida a qual corresponderá a uma intensa actividade literária, encontrando-se ainda rodeado pela doce companhia da sua mulher e filhos. No ano de 1538, redigirá a segunda comédia - "Os Vilhalpandos". Até o cardeal-infante D. Henrique (este viria a ser rei, mais tarde - entre 1578-1580, ao suceder a D. Sebastião) ficaria rendido aos seus textos comediantes, solicitando mesmo exemplares das peças para que as mesmas fossem representadas diante da sua presença. Miranda também produzirá novas éclogas e poesia clássica. Por outro lado, doutrinaria ensinamentos àqueles que desejavam inteirar-se do seu conselho intelectual. 
A partir de 1552 passará a viver na casa e quinta da Tapada (freguesia de Fiscal - Amares) que havia adquirido na totalidade. Parece-nos excessivamente optimista e inclusive imprecisa a transcrição presente na edição da obra "Sá de Miranda - Poesias" de José Pereira Tavares, onde no respectivo prefácio é-nos dito que a Quinta da Tapada se tornou no "templo das musas, cujos oráculos e relevações eram escutados com o maior respeito pelos poetas mais distintos da nova geração, templo, centro do qual partiam os exemplos e os impulsos que brevemente determinaram a nova renascença da poesia portuguesa". Por um lado, é certo que, entre 1551 e 1554, o nosso erudito enviará as suas poesias ao Príncipe D. João (filho de D. João III e pai de São Sebastião), tendo este último solicitado, através duma mensagem bastante honrosa, a consulta das mesmas. Também não negamos que Sá de Miranda recebeu nos seus aposentos dois discípulos seus que desejavam materializar a sua reforma cultural - António Ferreira e Diogo Bernardes. Contudo, a verdade é que a nova realidade não será, nem de perto, um mar de rosas. Apesar do empenho e carinho que dedicou ao seu derradeiro lar, Sá de Miranda viveria em constante dor e sofrimento os últimos momentos que o destino lhe reservara. Não alcançaria sequer a tranquilidade e acalmia que tanto desejava para os seus derradeiros suspiros, e por isso, não é de estranhar que a sua arte criativa tenha diminuído vertiginosamente (são pouquíssimos os textos que nos deixa nesta altura). A principal razão para o seu eclipsar prende-se com uma onda de falecimentos que precipitará o poeta para uma saga interminável de desgostos e infelicidades. Em 1553, o seu filho primogénito tomba em Marrocos, no ano seguinte falece o seu estimado Príncipe D. João, e em 1555, é a vez da sua amada esposa perecer. Em 1557, o infante D. Luís (filho de D. Manuel) e o rei D. João III também conhecem o seu próprio fim. Neste contexto lúgubre, Sá de Miranda não suportará tamanhas amarguras, e em 1558, faleceria igualmente, tendo sido sepultado na Igreja de S. Martinho de Carrazedo (Amares). 




2 - Pensamento e Legado de Sá de Miranda



Não restam dúvidas de que Sá de Miranda introduziu a Renascença Literária em Portugal, abrindo então novos horizontes luzidios e promissores. A sua aventura em Itália inspirou-no a encetar uma vasta reforma cultural no seu reino de origem. As formas antigas tinham de ser substituídas, era necessário explorar as inovações artísticas e procurar novos elementos que restaurassem o esplendor artístico. A sua prioridade assentaria na renovação que achava fundamental dos modelos poéticos portugueses, baseando-se preferencialmente nas influências italianas (técnica métrica, a medida nova - o decassílabo, soneto, terceto, canções, elegias...)
Os versos de Sá de Miranda poderiam não ser perfeitos ou da mais elevada classe, mas não hesitarão em entrar em ruptura com a poesia palaciana da Idade Média, iniciando um novo ciclo ou paradigma nesta modalidade. Segundo nos conta José Pereira Tavares, este intelectual humanista demonstrou que "a língua portuguesa é capaz de se elevar até às concepções mais belas do lirismo moderno, como o Soneto e a Canção de Petrarca, os tercetos de Dante, enlaçados em elegias e capítulos segundo o estilo de Bembo, a oitava rima de Policiano, Boccaccio e Ariosto, e as éclogas de Sanazzaro com os seus versos encadeados e variação melódica dos ritmos".
Sá de Miranda introduziu o soneto na nossa literatura, versificando sobre o desengano na vida terrena e as vãs ilusões. Adoptou ainda o terceto, a oitava rima e as éclogas. Também compôs duas canções, de natureza religiosa - Canção a Nossa Senhora e A Festa da Anunciação de Nossa Senhora
No teatro, sobressaiu o que aparentava ser então uma clara rivalidade mantida com Gil Vicente. Este último, considerado o Fundador do Teatro em Portugal, vivia a glória derivada dos seus autos e comédias (tragicomédias), e é natural que os seus seguidores refutassem a novidade que Sá de Miranda, o fecundo escritor, pretendia fazer vingar no teatro nacional. Mesmo assim, este erudito conimbricense introduziu a comédia em prosa (uma clara novidade) e a defesa intransigente de diversos valores morais.
No campo inerente ao "pensamento poético", é necessário ressalvar que Miranda cultivou diversos temas como: o amor (sobretudo numa primeira parte da sua carreira), a contradição entre a razão e a vontade, a melancolia, o desdém pela vulgaridade, a exortação do heroísmo, o elogio da rusticidade em contraste com a vida artificial na cidade e na corte, a crítica da ganância em torno do ouro, a emancipação das letras humanas clássicas, a defesa do ideal da paz...
Em termos gerais, Sá de Miranda foi responsável pela criação duma nova era que atingiria o seu expoente máximo com "Os Lusíadas" de Luís Vaz de Camões, considerado de certo modo seu discípulo, embora ambos nunca se tivessem conhecido pessoalmente. Ainda como exemplo do seu notável legado, poderemos citar o caso concreto do soneto (introduzido em Portugal por Miranda embora a inspiração original pertença obviamente ao italiano Francesco Petrarca), o qual foi cultivado com grande insistência até aos nossos dias. Camões, Bocage, Antero de Quental, Florbela Espanca, Fernando Pessoa e Sophia de Mello Breyner não hesitaram em experimentar, com mestria e excelência, esta nova estrutura poética.
De acordo com as palavras de Carolina Michaelis, Miranda foi o segundo poeta português (apenas superado pelo épico autor d'Os Lusíadas) mais lido nos séculos XVII e XVIII, merecendo inclusive inúmeras citações e louvores entusiásticos ("bom Sá", "do grão Sá de Miranda", "do grave e docto Sá"). 


Por fim, decidimos apresentar dois poemas da autoria de Sá de Miranda:




Ó Meus Castelos de Vento

Ó meus castelos de vento 
que em tal cuita me pusestes, 
como me vos desfizestes! 

Armei castelos erguidos, 
esteve a fortuna queda, 
e disse:– Gostos perdidos, 
como is a dar tão grã queda! 
Mas, oh! fraco entendimento! 
em que parte vos pusestes 
que então me não socorrestes? 

Caístes-me tão asinha 
caíram as esperanças; 
isto não foram mudanças, 
mas foram a morte minha. 
Castelos sem fundamento, 
quanto que me prometestes. 
quanto que me falecestes! 




Comigo me Desavim

Comigo me desavim, 
Sou posto em todo perigo; 
Não posso viver comigo 
Nem posso fugir de mim. 

Com dor da gente fugia, 
Antes que esta assi crecesse: 
Agora já fugiria 
De mim, se de mim pudesse. 
Que meo espero ou que fim 
Do vão trabalho que sigo, 
Pois que trago a mim comigo 
Tamanho imigo de mim?




Sá de Miranda




O que outros escreveram a seu respeito:



"Sá de Miranda, verdadeiro pai da nossa poesia, um dos maiores homens do seu século, foi o poeta da razão e da virtude, filosofou com as musas e poetizou com a filosofia. Seu muito saber, sua experiência, seu trato afável, e até a nobreza do seu nascimento lhe deram indisputada celebridade a todos os escritores daquele tempo, dos quais era ouvido, consultado e imitado". (Almeida Garrett)




A alma no céu repousa eternamente,
Cheia do que cá tinha merecido.
O nome voando vai de gente em gente,
Com inveja e amor e espanto ouvido.
O corpo fraco jaz aqui somente,
Da alma à força de idade despedido.
A morte desfaz tudo, mas Miranda
Vivo é no céu, e vivo na terra anda.

(Epitáfio de Pedro de Andrade Caminha sobre Sá de Miranda)




É este o Neiva do nosso Sá de Miranda,
Inda que tam pequeno, tam cantado?
É este o monte que foi às musas dado
Enquanto nele andou quem nos ceos anda?


O claro rio onde chorar me manda
Saudosa lembrança do passado?
O monte, o vale, o bosque, o verde prado
Onde suspira Apolo, Amor se abranda?


Aqui na tenra flor, na pedra dura
Escrevi, ninfas, e no cristal puro
Estes versos que Febo me inspirou


Aqui cantava Sá, daqui seguro,
Livre do mortal peso ao ceo voou:
Pastores: vinde adorar a sepultura!

(Soneto da autoria de Diogo Bernardes, seu "discípulo intelectual")








Legendas das Imagens - A primeira imagem exibe-nos um potencial retrato de Sá de Miranda (Biblioteca Nacional de Portugal) e a segunda remete-nos para um poema deste erudito registado em azulejos na casa do Barreiro (Gemieira - Ponte de Lima).  Ambas as gravuras foram extraídas directamente a partir de: http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A1_de_Miranda. A terceira ilustração exibe uma escultura de Sá de Miranda no Parque dos Poetas em Oeiras. A autoria desta escultura é de José Rodrigues, tendo nós retirado a imagem de: http://parquedospoetas.cm-oeiras.pt/?page_id=1288. Por fim, a derradeira gravura apresenta-nos a casa e quinta da Tapada (erguida no século XVI por Francisco Sá de Miranda que aí viveu os seus últimos anos de vida) foi retirada de: http://www.cm-amares.pt/patrimonioconstruido/casadatapada



Referências Consultadas:

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