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quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A Ascensão dos Samurais (1180-1185)


Contexto: 

Durante muito tempo, até aos finais do século XII, o Japão não dispunha propriamente de uma força de autoridade a nível local, dependendo claramente do controlo exercido pelas poderosas famílias aristocratas que se distribuíam pelo arquipélago. Pode-se afirmar que, pelo menos, nos derradeiros tempos do período Heian (794-1185), os imperadores e seus auxiliares de governação bem como os generais de sua confiança, negligenciaram largamente a administração das províncias, ignorando todo um clima de insegurança e rebeldia que começava a alastrar-se. 
Murasaki Shikibu, uma das mais notáveis escritoras medievais que viveu entre a segunda metade do século IX e os inícios do século X, já antevia, embora que de uma forma algo dissimulada, a chegada de uma era mais violenta ao seu país, além de criticar o insuportável ambiente das cortes japonesas que fomentavam a intriga e as invejas.
A nação nipónica preparava-se para a chegada de um novo advento, acompanhado de transformações sociais bastante relevantes. 





Mapa nº 1 - O Arquipélago do Japão é composto por quatro ilhas principais: Hokaido, Honshu, Shikoku e Kyushu. Existem muitas mais ilhas, embora de dimensão bem inferior. O mapa exibe ainda a Península Coreana, com a qual o Japão teve um maior contacto (ora por via bélica ou ora mediante trocas comerciais) nestes primeiros tempos. 




1- A origem dos Samurais

A origem dos Samurais é difícil de determinar, embora a sua era hegemónica possa ser balizada no âmbito cronológico pelos historiadores. Os Samurais constituirão efectivamente uma classe militar e feudal com um poder quase ilimitado que se evidenciará no Japão entre os anos de 1185 e 1868 (altura em que ocorre a Restauração Meiji que instalará uma nova forma de governo apologista de reformas mais democráticas e ocidentalizadas, optando ainda por criar um exército à base de recrutas). Podemos dizer que foram quase 700 anos de domínio samurai (683 para sermos mais precisos) mesmo diante da presença de sucessivos imperadores que confiavam na sua lealdade (ou que se sentiam forçados a isso!).
Mas abordemos agora a complexa questão que nos remete para o nascimento desta classe. Como disséramos, não lográmos apurar uma data ou um século próprio para o aparecimento dos Samurais na história do Japão. Sabemos sim que nos períodos Asuka e Nara (abrangem os séculos VI, VII e VIII d. C.) já haveria legislação, mediante a promulgação de códigos imperiais que, baseados no modelo antigo chinês, previam a criação de uma subclasse disciplinada e vocacionada para a arte militar, a qual estaria isenta de impostos embora fosse responsável pela gestão do seu próprio equipamento bélico. Outras leis, mais contraditórias, previam a introdução de um novo grupo de servidores civis que cobraria impostos e administraria com máximo rigor e sentido de organização as pequenas terras que lhes seriam entregues. Ou seja, tal legislação ambígua poderá ter suscitado os primeiros esboços do que seriam, em breve, os samurais. 
Na altura, o Japão ainda não era uma nação verdadeiramente unificada, dado que vários clãs resistiam, através de rebeliões recorrentes, contra o governo imperial estabelecido em Quioto (ou Kyoto). Os imperadores continuarão a insistir em novas leis para fazer prevalecer as necessidades centralistas. Uma dessas medidas, ainda não directamente relacionada com o surgimento dos samurais, preveria a criação do título de “Shōgun”, atribuído pelo imperador àquele que viria a ser o seu braço-direito na governação. Inicialmente, aquele estatuto apenas reconhecia o papel do seu portador enquanto general máximo do exército nipónico, o qual teria de reprimir, pela via militar, os “bárbaros” e os “revoltosos”. Nos primeiros tempos, alturas houve em que esta função não era confiada a ninguém. Contudo, no século XII, a realidade começa a mudar, e os portadores de tal estatuto, designados agora de forma mais recorrente, começam a tornar-se ainda mais poderosos, ao ponto de se tornarem ditadores militares do seu país. Por outras palavras, o imperador japonês, embora fosse o governador legítimo, viria, com o avançar dos tempos, a delegar todos os seus poderes civis, militares, diplomáticos e judiciais no “Shōgun”.
A legislação demonstrava a preocupação de impor a ordem no país, sobretudo pela via militar. Contudo, não serão apenas os códigos criados para travar a insegurança e os confrontos no Japão que ditarão a génese dos samurais. Curiosamente, a própria realidade social favorecerá o surgimento de uma nova aristocracia guerreira, de origens maioritariamente provincianas. Muitos dos senhores feudais, ao sentirem-se ameaçados por eventuais emboscadas ou ataques dirigidos contra as suas terras, começaram a ceder à tentação de possuírem os seus próprios destacamentos ou servidores privados, os quais se especializariam na arte do combate. Esses guerreiros seriam lançados ainda em combate contra famílias aristocráticas rivais e viriam a impor a ordem diante de camponeses que se rebelassem contra o seu senhorio.
Curiosamente, por outro lado, fustigados pela inflação tributária e pela perda de terras de cultivo, também alguns camponeses bem como outros cidadãos de parcas posses iniciariam a sua dedicação aos treinos militares, de forma a protegerem os seus interesses diante dos magistrados imperiais e senhorios que poderiam incomodá-los a qualquer momento. Uma perspectiva diferente, mas que pode explicar igualmente a adesão destes à nova classe militar. 
Também é provável que determinados colectores de impostos ou pequenos membros da aristocracia tradicional/civil tenham aderido à nova tradição. Aliás, as origens sociais dos primeiros samurais serão certamente distintas e obedecerão a contextos múltiplos. Qualquer japonês poderia, naquela altura, ingressar na nova classe emergente, desde que fosse adestrado nas técnicas de combate. Num futuro a médio ou largo prazo, essa possibilidade iria esfumar-se até porque os samurais acabariam por consolidar, nos séculos seguintes, uma lógica de transmissão por sucessão natural, tornando bem mais difícil a adesão de novos candidatos sem ascendência samurai.
Tendo em conta todo o contexto primário que acabamos de narrar, nascerão em breve novos clãs que se fundirão com outros para fazerem frente a famílias aristocráticas tradicionais de larga influência.
Por seu turno, o imperador e outras personalidades proeminentes do próprio Japão não tentaram hostilizar, de todo, este fenómeno, começando inclusive a recrutar alguns destes novos guerreiros. Os clãs samurais (e aqui já podemos usar a designação de forma indiscutível) eram agora uma realidade inequívoca e entranhavam-se cada vez mais no corpo militar nipónico, conseguindo em troca um maior prestígio nos conflitos travados e o seu próprio crescimento económico (mediante recompensa dos senhores ou do próprio imperador). A sua influência acabará, mais tarde ou mais cedo, por chegar à corte, influenciando directrizes políticas. 
Os samurais nasciam assim como resposta à necessidade de uma maior segurança ou protecção militar no país, mas também para atender aos almejos dos “novos guerreiros” que ansiavam por promoção social através do belicismo. 
A sua primeira prova de fogo acontecerá em 1156, altura em que se dá a Rebelião de Hōgen, a qual foi, na verdade, uma autêntica guerra civil. A morte do Imperador Toba em Julho desse ano fez rebentar então uma disputa entre o imperador Go-Shirakawa (que já se havia previamente proclamado como tal) e o imperador Sutoku (o qual se tinha retirado da governação no ano de 1142, mas que tencionava regressar ao trono). Apesar de ambos terem recorrido a guerreiros samurais, a verdade é que o primeiro sairia vencedor, enquanto o segundo seria forçado a exilar-se. Com a vitória do imperador Go-Shirakawa, dois clãs passaram a ganhar maior protagonismo junto do “Trono de Crisântemo”. Os Minamoto e os Taira, compostos essencialmente por guerreiros samurais, tornaram-se agora nas famílias mais poderosas do Japão, e em breve, irão envolver-se num terrível conflito que ditará a hegemonia final de uma delas. 





Imagem nº 1 - A Rebelião de Hōgen (1156) seria a rampa de lançamento de uma nova classe militar: os Samurais.
Gravura antiga que exibe o clima de guerra civil vivido (Domínio Público)




2- A Idiossincrasia dos Samurai

Os primeiros samurais certamente não passariam de guerreiros provincianos que, perderiam vários anos, ou até décadas, a aprimorar as suas capacidades militares e a sua própria disciplina e organização. Muitos destes combatentes pereceriam, talvez por impreparação ou inexperiência inicial, em vários combates diante de assaltantes, bandos, clãs inimigos ou até magistrados que tencionavam fazer-lhes a vida num inferno através da cobrança de mais impostos ou do confisco de terras. Por seu turno, aqueles que sobreviveram, mediante vitória ou uma eventual fuga a um destino cruel, continuaram a treinar de forma a evoluírem enquanto soldados de combate. Todo este percurso adverso foi necessário para que os samurais crescessem e se tornassem, a partir do século XII, na classe militar dominante do seu país.
O que torna fascinante a história destes guerreiros é a forma como estes homens maioritariamente provenientes do mundo provinciano, todos eles carregando consigo histórias e raízes familiares diversas (sendo muitas delas modestas!), conseguiram criar uma classe que faria convergir todo um tipo de características que lhes seriam exclusivas, identificativas e/ou restritas, diferenciando-os não só dos outros grupos da sociedade nipónica, como das restantes civilizações medievais.
Nos seus primeiros séculos de existência, muitos samurais assumiram-se como autênticos cavaleiros que aperfeiçoaram em particular o uso do arco. Também procuraram educar a mente e testar, até ao limite, os movimentos e a resiliência do seu corpo. Com o tempo, as espadas, as lanças e as katanas (estas últimas, serão uma novidade apenas no século XVII) passarão também a ser instrumentalizadas, de forma célebre e heróica, por estes guerreiros. Também adoptarão armaduras que os distinguirão, conjugando a sua estrutura sólida e vigorosa com a necessidade de imprimir uma maior mobilidade. Dessa forma, elas eram feitas de placas de couro e metal pintadas, cuidadosamente unidas por laços de couro ou seda. Os braços e ombros eram protegidos por grandes escudos rectangulares. A parte mais peculiar da armadura, o capacete “kabuto”, tinha a cúpula feita de placas de metal rebitadas, enquanto a parte do rosto e testa era protegida por uma máscara resistente que era, por sua vez, amarrada atrás da cabeça e sob o capacete.
Relativamente à sua conduta e à sua forma de estar na vida, os samurais inspiravam-se no código de honra do “Bushido” (“O Caminho do Guerreiro”) que, imbuído de uma vocação confucionista, valorizava a lealdade, a sabedoria, a frugalidade, a coragem, o auto-controlo, a aceitação dos sacrifícios, o espírito marcial, a humildade e o próprio sentido de justiça. 
Um samurai ou “bushi” deveria ser sempre fiel ao seu daimyo (senhor feudal), shogun e/ou imperador, estando preparado para a morte em qualquer circunstância. Em troca, os seus senhores garantiriam o seu sustento financeiro e a preservação da sua posição social. Um samurai não se deveria render ou proceder a uma fuga covarde porque tal seria motivo de desonra. Muitos sabendo que estavam encurralados e em clara inferioridade numérica, preferiam combater até ao último fôlego ou concretizar o seu próprio suicídio (“seppuku”), visto por muitos sábios orientais da altura como um acto corajoso e digno. O samurai também deveria defender o lado da justiça e ter compaixão diante dos inimigos submetidos bem como dos mais fracos, algo que nem sempre acontecia na prática, dados os recorrentes episódios de violência e opressão que vigoraram durante a extensa era dos samurais. 
Contrastando com a realidade dos guerreiros disseminados pelo mundo restante, os samurais foram ainda incentivados pelo Código de Ética a conhecerem o seu próprio idioma, passando a saber ler e escrever. Uma ferramenta que certamente ajudou a manter a longevidade da sua influência. 
O guerreiro aceita a possibilidade da sua morte estar iminente e, por isso, vive o presente sem se preocupar com o amanhã, e não cede a prazeres secundários de forma excessiva ou até à própria preguiça.
Como é lógico, nem tudo foi um mar de rosas. É claro que neste regime feudalista, houve certamente samurais que não honraram o seu código de honra, perpetrando a destruição e a morte em aldeias, vilas ou cidades onde residiam os seus inimigos. Também beneficiaram da exploração sobre o mundo rural, recebendo géneros alimentícios e outros bens da parte dos agricultores. Mas essa era a exigência de um período turbulento e obscuro que não hesitaria em dizimar qualquer elite guerreira, se esta se revelasse demasiado pacífica, benevolente ou harmoniosa. E no arquipélago nipónico, o combate era quase um procedimento sagrado e as artes marciais um sacramento para qualquer japonês que sonhasse em progredir socialmente. 





Imagem nº 2 - Os Samurais seguiam um código de honra: o "Bushido"
Retirada de: https://www.realmofhistory.com/2017/06/30/samurai-scroll-blinding-powder-fight-stealth/, (também presente na plataforma Venngage).




Tabela nº 1 - A Pirâmide Social do Japão nos tempos do feudalismo medieval. No topo, estava o Imperador Nipónico, depois seguia-se o Shogun (o general máximo ou ditador militar) e os Daimyos (ou Dyamios, Senhores das terras). Os samurais vinham depois e serviam os interesses militares destes todos. Os Ronin também eram guerreiros samurais, embora não comprometidos com qualquer senhor ou nobre (ou porque este morrera ou porque os dispensara das suas obrigações). Na base da pirâmide, estavam os agricultores, pescadores, artesãos e mercadores (todos juntos representavam mais de 90% da população).




3- A Rivalidade dos Dois Clãs Samurais: As Guerras Genpei (1180-1185)

3.1- As Batalhas de Uji e Kurikara

Nos anos subsequentes à Rebelião de Hōgen (1156), foram os Taira que, mais instalados na zona ocidental do arquipélago, conseguiram ganhar maior influência junto do “Trono de Crisântemo”, mediante a realização de alguns casamentos com membros da família imperial. Desconfiados face à sua crescente intromissão na administração do país, os Minamoto (o então clã arqui-rival) desejam agora inverter essa realidade que se foi tornando cada vez mais nítida e não hesitarão em recorrer aos métodos bélicos. 
Em 1159 ou 1160, rebenta a Rebelião Heiji, com altos membros do clã Minamoto a assaltar e a causar sérios estragos no Palácio Sanjō, raptando o "semi-aposentado" imperador Go-Shirakawa e o seu filho Nijō (este último já nomeado imperador pelo pai que renunciara recentemente a seu favor). O clã Taira viria em socorro da causa imperial e, após vários enfrentamentos travados em cada aposento, acabaria por derrotar os Minamoto, enquanto o imperador e o seu filho conseguiram escapar, no momento certo, do seu cativeiro. Os Minamoto foram banidos e exilados pelo imperador japonês e deixaram assim de ocupar cargos de elevada importância. Contudo, a guerra ainda nem sequer começara verdadeiramente, e as conspirações voltariam a ser o prato do dia alguns anos depois. 
Os Minamoto reagiriam, é certo, e os Taira voltariam a ser chamados para procurar defender o status quo que lhes era favorável. 
Entre 1180 e 1185, as duas famílias voltariam a abrir hostilidades, fazendo com que o Japão atravesse um conflito sangrento. As Guerras Genpei (“Genpei War”) duraram cinco anos e causaram uma razia no arquipélago. Quanto aos samurais, podemos afirmar com convicção que estes dificilmente não sairiam vencedores deste enfrentamento, dado que encabeçavam e representavam o poderio militar de ambas as facções. E as histórias e demais narrações lendárias da sua participação neste cenário militar irão fortalecer ainda mais o seu carisma colectivo. 
Ao todo, serão quatro as grandes batalhas travadas entre os Minamoto e os Taira. 
A primeira, a Batalha de Uji, será travada a 23 de Junho de 1180, quando Minamoto Yorisama procurou oferecer protecção ao príncipe Mochihito (visto como candidato favorito ao trono imperial pelos Minamoto, mas perseguido pelos Taira que o viam como uma ameaça) e encetar imediatamente uma revolta que começou a ser preparada a partir do Mosteiro de Miidera (em Uji, Quioto). Contudo, o destacamento de Yorisama era composto em grande parte por monges-guerreiros, além de ser bastante reduzido numericamente (não superaria os 1000 homens). Por seu turno, os Taira avançaram com um exército constituído por 28 mil cavaleiros. Esta conjuntura militar adversa forçou Minamoto Yorisama  e os seus homens a recuarem para sul, mas sempre com os Taira a persegui-los e a flagelá-los com “nuvens de flechas”. Entretanto, os Minamoto pararam, por um pouco, junto de uma ponte que existia sobre o rio Uji, e procuraram logo sabotar a passagem dos seus inimigos que, à noite ou de madrugada, iriam ter que atravessá-la. Nesse sentido, foram destruídas várias das tábuas que materializavam a passagem superficial da ponte. Quando lá chegaram, os samurais do clã Taira tentaram valorosamente atravessar a ponte que contava agora com um “passadiço repleto de buracos rectangulares”, mas logo reconheceram que teriam de recorrer a outra alternativa. Dentro deste contexto, decidiram atravessar o rio a nado juntamente com os cavalos, uma performance heróica que não impediu ainda assim o registo de um número ainda que reduzido de baixas. O exército de Taira, depois de alcançar a outra margem, continuou assim a sua perseguição, enquanto Yorisama “entrincheirou-se” no templo de Byodo-in, onde os seus filhos estariam dispostos a ajudá-lo na resistência. Mas a batalha estava perdida, os homens do clã Taira estavam em grande número, e Yorisama, após escrever um poema nostálgico de despedida (o qual traduziremos agora dada a sua curta extensão: "Como uma árvore fóssil, De onde não colhemos flores, Triste tem sido a minha vida, Não predestinou frutas para produzir"), tornou-se no primeiro grande samurai a cometer suicídio (“seppuku”) para não ser capturado pelos inimigos, passando a ser um exemplo a seguir pela classe durante vários séculos. Por seu turno, o Príncipe Mochihito também não teve melhor sorte: foi capturado e prontamente executado pelos Taira. 
Os Minamoto tinham sofrido uma pesada derrota, mas não desistiram da sua causa, e três anos depois, conseguiram virar a guerra a seu favor na Batalha de Kurikara, como iremos relatar em seguida.
Nos dias iniciais de Junho de 1183, Minamoto Yoshinaka lançou então uma rebelião na zona central montanhosa do Japão. Conscientes da nova ameaça, os Taira enviaram uma força expedicionária. O seu comandante era Taira Koremori, um nobre que era filho de um grande guerreiro. Os progressos da sua força são relevantes inicialmente e conseguem abafar, numa primeira fase, os poucos focos de resistência que iam encontrando. Conseguem entrar inclusivamente na passagem montanhosa de Kurikara, mas Minamoto Yoshinaka acompanhado pelo grosso das suas forças obriga os Taira a pararem ali, de forma a anunciar o enfrentamento iminente. Nesse momento, os Minamoto tomaram a iniciativa da batalha, promovendo duelos de flechas e desafios individuais entre os cavaleiros de ambas as facções. Os Taira aderiram entusiasticamente a este tipo de lutas clássicas samurais. Contudo, desconheciam que um destacamento das forças de Minamoto Yoshinaka havia percorrido, de forma sorrateira e dissimulada, os caminhos sinuosos e ominosos da montanha, de forma a atacarem, de surpresa, a retaguarda dos Taira. Como sinal do ataque final, o líder dos Minamoto neste conflito liberou uma manada de bois que cruzariam o desfiladeiro. Estes animais traziam tochas acesas nos chifres fazendo com que a sua fuga ocorresse de forma enraivecida e descontrolada. O pânico e o sofrimento dos animais foi suficiente para desorganizar as forças de Taira Koremori que se encontravam no caminho. Alguns samurais dos Taira caíram mesmo do vale, vítimas da fúria da manada indomável, e como golpe final, os Minamoto atacaram prontamente a vanguarda e a retaguarda (ambas já completamente dispersadas) das forças Taira. Muitos destes caíram em combate, outros procuraram fugir por uma sarjeta estreita (mas a maior parte cairia no precipício). Poucos seriam os samurais de Taira que sobreviveriam à batalha. O próprio Taira Koremori conseguiu fazer parte da minoria de sobreviventes, e só ele sabe como foi possível escapar diante da chuva de flechas, dos bois irados e dos caminhos traiçoeiros da montanha. Mas a verdade é que a partir de agora, o outro clã samurai, os Minamoto, virava a guerra a seu favor e, em breve, entraria triunfantemente na capital imperial – Quioto, enquanto os Taira e o imperador Antoku (era uma criança ainda) tiveram que retirar-se preventivamente para Shikoku.





Imagem nº 3 - Os Taira levariam a melhor sobre os Minamoto na Batalha de Uji (1180). Nesta representação, veja-se a célebre ponte desfalcada de tábuas, com um samurai dos Minamoto a enfrentar corajosamente os soldados do clã Taira que, em superioridade numérica, queriam atravessar a passagem.





Imagem nº 4 - A Batalha de Kurikara (1183), travada nas zonas montanhosas centrais do Japão, mudaria o curso da guerra, fazendo com que os Minamoto ganhassem vantagem na frente terrestre.





3.2 – As batalhas de Mizushima e Dan no Ura

Graças ao triunfo na batalha de Kurikara, os Minamoto apoderaram-se da região central do Japão, enquanto os Taira reforçaram os seus meios militares em três bases marítimas estratégicas do “Mar Interior do Japão (Seto)”. A mais importante dessas bases, conhecida como Yashima, localizava-se na ilha de Shikoku, centro de operações agora escolhido pelos altos membros da família Taira e pelo imperador Antoku. 
O herói de Kurikara, Minamoto Yashonaka, iniciou um novo empreendimento belicista de forma a destruir a base que ainda conferia superioridade militar, no plano naval, aos Taira. Para isso delegou a liderança da expedição ao seu general Yada Yoshiyasu que partiria da ilha vizinha de Mizushima, dentro do Mar Interior do Japão, de forma a atacar Shikoku. Em jeito de reacção, Taira Tomomori e Taira Noritsune partiram com a sua frota, indo ao seu encontro de forma a travar as suas aspirações. 
Em termos de experiência na guerra marítima, os Taira pareciam ter mais histórias e aventuras para contar, visto que já haviam expulsado e eliminado piratas que ameaçavam a costa japonesa. Por seu turno, o clã Minamoto nunca se tinha habituado a combates navais. 
No dia 17 de Novembro de 1183, isto é, cinco meses depois da batalha de Kurikara, ambas as facções voltam a encontrar-se, não junto a um templo ou a um palácio, nem tampouco numa montanha, mas em alto mar.  
Os Taira ligaram os seus barcos através de pranchas ou tábuas amarradas e esticadas de forma a proporcionar uma plataforma plana de combate, tal como os samurais de ambas as castas desejariam. Usando as mesmas técnicas do costume, a batalha envolveu arqueiros e espadachins samurais das duas castas que assim abordaram os navios uns dos doutros. Muitos dos combates foram travados no “palco de batalha” improvisado em cima do alto mar. Ambos os lados sofreriam baixas consideráveis (muitos dos feridos morreram inclusivamente afogados), e a batalha duraria horas. A experiência dos Taira no domínio marítimo falaria, desta feita, mais alto, tendo provocado a desintegração da frota dos Minamoto, cuja hegemonia se vislumbrara ultimamente apenas na frente terrestre. 
Apesar do último desaire, os Minamoto continuariam a assolar as bases militares dos Taira, embora sempre que possível o fariam por terra, não tentando envolver grandes incursões marítimas. E a verdade é que, entre 1183 e 1185, acumularam novas vitórias em terra, derrotando as forças leais ao clã Taira que perdeu inclusive a maior parte das bases e entrepostos militares que detinha. A guerra parecia estar próxima do fim, e o desaire naval anteriormente ocorrido algures entre Mizushima e Shikoku fora apenas um acidente de percurso dos Minamoto.
Por seu turno, os Taira procuraram refúgio numa ilha ocidental do Mar Interno do Japão (Mar de Seto), já nas proximidades do Estreito de Shimonoseki que separa duas das quatro ilhas nipónicas então existentes: Honshu e Kyushu. 
Tendo colmatado muitas das suas lacunas e aperfeiçoado o seu conhecimento estratégico em matérias navais, os Minamoto sentiram-se agora preparados para enfrentar os Taira numa nova grande batalha marítima que decorrerá durante os dias 24 e 25 de Abril de 1185. Ao saber da investida da frota inimiga liderada por Minamoto Yoshitsune, os Taira, de tal forma confiantes em novo sucesso, prepararam os seus barcos e não hesitaram em trazer consigo o imperador Antoku, na altura uma criança com apenas 7 anos. 
Numa primeira fase, a batalha naval começará mesmo em frente da Praia de Dan no Ura, mas a maré e os ventos logo obrigarão ambas as facções a afastarem-se da costa, sendo assim travada no mencionado Estreito de Shimonoseki. E as coisas começam a correr mal aos Taira que são imediatamente traídos por um dos seus generais que decide abraçar a causa dos Minamoto. Por seu turno, e à medida que os combates sangrentos iam acontecendo, Minamoto Yoshitsune evidencia-se em grande plano nos combates, saltando para dentro dos barcos adversários e causando a destruição do inimigo. A derrota era inevitável. Praticamente quase todos os altos membros da Família Taira foram mortos em combate ou suicidaram-se. A própria avó do imperador pegou na criança ao colo, e do seu navio, atiraram-se ao mar, provocando os seus suicídios por afogamento. 
Rezam as lendas posteriores que muito dos espíritos dos samurais Taira mortos em combate reencarnaram, desde então até hoje, nas almas dos caranguejos com cara de guerreiro que habitam em toda a costa. Muitas histórias de avistamentos de fantasmas foram curiosamente desenvolvidas em torno do desaparecimento brusco desta linhagem poderosa. 
Os épicos combates travados entre os samurais de ambas as facções e os seus feitos incríveis nas batalhas ocorridas em terra ou no mar, fortaleceu o seu impacto lendário que iria perdurar por longos séculos. 
Os Minamoto que, antes das Guerras Genpei (1180-1185), pareciam estar descredibilizados, recuperaram o seu anterior prestígio e assumiram, pela primeira vez, o domínio no Japão, o qual manterão intacto até 1333. Daí nascerá o “Shogunato Kamakura”, uma espécie de ditadura militar, mas que será benéfica para os samurais, dado que passarão a ser classe dominante do país, depois de terem sido considerados por muito tempo como um grupo inferior à aristocracia tradicional. Por seu turno, e na época imediatamente posterior às Guerras Genpei, os imperadores estarão à mercê dos caprichos dos shoguns





Imagem nº 5 - A Batalha Natal de Muzishuma (1183) contou com a particularidade de terem sido proporcionadas plataformas que, imitando as superfícies terrestres, permitiram os duelos e os confrontos entre os samurais de ambas as facções. Os Taira manteriam ainda a sua supremacia marítima na costa japonesa.
Direitos: Wayne Reynolds (?), também presente na Plataforma Pinterest




Local: Estreito de Shimonoseki (Perto da praia de Dan no Ura)
Data: 24/25 de Abril de 1185
Forças Beligerantes
Clã Minamoto
Clã Taira
Comandantes, Generais, Protagonistas
Minamoto no Yoshitsune
   Taira no Munemori †
   Taira no Tomomori †
  Imperador Antoku †
Número de Combatentes/Navios
850 navios
Exército poderoso (não contabilizado)
500 navios
Exército poderoso (não contabilizado)
Baixas Estimadas:
Milhares (?)
Milhares (?)
Resultado: Depois dos sucessos na frente terrestre, o Clã Minamoto acabou com a hegemonia naval da família Taira, e assumiu finalmente o controlo do Japão. Esta batalha épica seria recordada muito por causa dos combates fascinantes e entusiásticos travados entre os samurais de ambas as castas.

Tabela nº 2 - Dados relativos à Batalha decisiva de Dan No Ura (1185).





Imagem nº 6 - O mar junto à costa de Dan no Ura (1185) ficou bravo, acompanhando a fúria presente nos combates que envolveram os samurais dos clãs Minamoto e Taira.
(Clicar em cima para visualizar melhor a gravura)





Imagem nº 7 - Os Taira sairiam arruinados do conflito naval ocorrido no Estreito de Shimonoseki. Além de perderem quase todos os seus principais familiares (morte em combate e actos sucessivos de suicídio), os Taira não conseguiram proteger o Imperador Antoku, ainda uma criança, que acabaria por morrer afogado nas águas daquele mar indomável. A avó pegara na criança e atiraram-se os dois para uma morte certa.
(Clicar em cima para visualizar melhor a gravura)




O século seguinte

No século XIII, o Japão enfrentará a mesma ameaça que regiões como a China, a Rússia, o Médio Oriente e a própria Europa Oriental enfrentavam. Tratava-se do fenómeno da expansão dos mongóis que chegaram também a fazer mira sobre o arquipélago nipónico. 
Kublai, o grande Khan dos Mongóis, queria dar seguimento ao império então edificado pelo seu avô, o inigualável Genghis Khan (1162-1227). Em 1263, e após uma guerra bastante violenta, torna-se imperador da China. Nos anos de 1274 e 1281, os mongóis e os seus novos vassalos chineses lideraram grandes expedições pelo mar de forma a atingir o sudoeste do Japão. A ameaça era real, e os samurais presentes em Kyûshû encontravam-se numa clara inferioridade numérica para fazer frente a esta ameaça. Por incrível que pareça, em ambas as situações, os japoneses sobreviveram a essas tentativas, não tanto graças aos samurais (desta vez, e apesar de terem participado em alguns combates valorosos contra os mongóis junto ao litoral, não podemos atribuir-lhes de todo tal mérito vitorioso) mas sobretudo porque os ventos divinos jogaram a seu favor. Em ambas as tentativas de invasão, tufões e tempestades dizimaram boa parte da frota chinesa-mongol, impedindo que estes pudessem alcançar, com sucesso, o Japão. Em ambas as tentativas, alguns navios mongóis que transportavam determinados destacamentos ainda desembarcaram, em condições muito adversas, em terra, visando em particular os altos muros da Baía de Hakata. Chegaram até a travar-se ferozes combates na costa, mas não havia dúvidas de que o mar havia sido o principal inimigo dos mongóis que tiveram então de abandonar os projectos de conquista do Japão. O Japão só voltaria a ser invadido apenas no decurso da Segunda Guerra Mundial (1938-1945) pelos norte-americanos.
Curiosamente, os sacerdotes de Shintô que haviam zelado pela protecção do seu povo e estimulado a adoração de deuses na sua terra perante aquela ameaça séria, acabaram por ser recompensados com múltiplas doações. 
Ainda no século XIII, é justo realçar que muitos samurais aderiram aos ensinamentos da escola budista de Zen. E uma vez mais foram chamados a intervir em alguns conflitos entre clãs que procuravam ganhar protagonismo no seio imperial. Tal como no século anterior, os samurais consolidavam o seu prestígio e poderio militar no arquipélago. Os imperadores e os grandes clãs necessitavam deles mais do que nunca para os desafios do futuro. E assim o será até 1868, altura em que a Revolução Meiji renegará o seu papel, preferindo adoptar uma nova estrutura militar e uma visão política mais secular para o Japão. Em declínio, os samurais procuraram revoltar-se, mas cerca de 20 mil perderiam a vida na Rebelião de Satsuma (1877), sendo derrotados pelo exército do Imperador Meiji (este quase quatro vezes superior no plano numérico) que, ainda assim, perdeu mais de 6 mil soldados e registou mais de 9 mil feridos. O fim de uma era encontrava-se traçada para os samurais. O novo Exército Imperial Japonês seria doravante formado por conscritos independentes da classe social. E já nada nem ninguém poderia mudar o rumo da história. O feudalismo, as práticas e tradições antigas do País do Sol Nascente já não se coadunavam com os ventos modernos. 




Imagem nº 8 - Os ventos divinos salvaram o Japão de uma potencial invasão mongol (segunda metade do século XIII). Os samurais nipónicos ainda tiveram que enfrentar alguns destacamentos mongóis isolados que desembarcaram na costa, mas os tufões tinham ajudado, em simultâneo, a destruir a maior parte da frota chinesa-mongol, perdendo esta a capacidade de efectuar um desembarque eficiente e um ataque consistente ao arquipélago.




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