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terça-feira, 24 de julho de 2018

Nelson Mandela, o homem, a causa e a luta (a epopeia contada por Jack Lang)


"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar".  

(Nelson Mandela, 1918-2013)



Nota introdutória: Apresentamos neste artigo uma recensão crítica de uma obra biográfica sobre Nelson Mandela que havia então sido escrita por Jack Lang. A autora do texto que apresentamos em seguida é Mariana Henriques, licenciada em Ciência da Informação pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que assim teve a oportunidade de analisar o trajecto de vida deste homem ímpar então exibido naquele livro. 


Apresentação geral do autor da obra


A obra “Nelson Mandela – Uma Lição de Vida” da autoria de Jack Lang apresenta-nos a história de uma célebre personalidade que se evidenciou no combate ao regime do Apartheid, o qual vigorou na África do Sul em meados e até inclusive na segunda metade do século XX.
Este livro espelha a luta da população negra contra a discriminação racial a que estavam sujeitos perante a asfixiante supremacia dos homens brancos. Nelson Mandela (1918-2013) foi a voz desse povo humilde e oprimido que tentava libertar-se da tirania, exploração e injustiça. O seu exemplo de vida foi determinante para que fosse concretizado o sonho de uma sociedade sul-africana livre e democrática, onde todas as pessoas pudessem usufruir dos mesmos direitos e conviver mutuamente. Dentro deste contexto, a obra insere-se na temática da liberdade, retratando um processo lento, e por vezes, bastante penoso que permitiu à África do Sul alcançar os princípios civilizacionais modernos. 
O autor deste livro é Jack Lang (nascido em 1939) que, durante a sua carreira profissional, foi professor de Direito Público, membro e presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros na Assembleia Nacional Francesa, Ministro da Cultura (entre os anos de 1981 e 1986 e, de novo, entre 1988 e 1992) e deputado no Parlamento Europeu. Este político francês confessou na sua obra que, durante a primeira vez em que assumiu a pasta da Cultura, mobilizou os meios artísticos franceses e internacionais com a finalidade de promover a causa dos negros sul-africanos. Neste âmbito, podemos observar que o autor conheceu bem de perto a realidade tenebrosa que chegou a verificar-se na África de Sul, tendo desempenhado esforços no sentido de apoiar os resistentes daquele regime nefasto que vigorava impunemente. 
No que diz respeito à estrutura da obra, podemos afirmar que esta se encontra constituída por: capa, folha de rosto, índice geral, prefácio (da autoria de Nadine Gordimer - escritora laureada com o Prémio Nobel da Literatura em 1991), prólogo, cinco actos/capítulos , anexos. Os primeiros quatro capítulos estão associados a quatro figuras míticas (Antígona, Espártaco, Prometeu, Próspero) que, por seu turno, ilustram o percurso dramático de Nelson Mandela até à conquista da liberdade. No quinto e último ato, temos referência ao “rei Nelson”, fundador de um país livre que soube extrair a mais importante lição da tragédia. Ao nível das ilustrações, encontramos fotografias a preto e branco e a cores em páginas não numeradas que se situam a meio da obra. Assim sendo, temos imagens de Nelson Mandela a discursar, a receber o Prémio Nobel da Paz em Oslo (1993), o seu juramento enquanto novo Presidente da África do Sul (1994), entre outras fotografias.
No que concerne ao paratexto, ressalvamos o facto de a capa exibir o rosto sorridente de Nelson Mandela acompanhada pelo título, autor da obra, editora e redator do prefácio. Na folha de rosto voltamos a ter acesso aos mesmos elementos embora seja ainda acrescentada a autoria da tradução (Francisco Agarez) bem como o local e a data da produção desta nova edição portuguesa que se sucede à anterior e original versão francesa. A lombada é preenchida por um fundo acastanhado, ressaltando, mais uma vez, aos olhos do leitor o título, o autor da obra e a respetiva editora. Na contracapa encontramos uma breve descrição produzida pelo autor Jack Lang, sintetizada em três pequenos parágrafos onde é engrandecida a personalidade e o afinco de Nelson Mandela no combate às injustiças cometidas contra os negros, bem como é revelado o seu amor pela tolerância e democracia. Apesar de o livro não dispor de posfácio, bibliografia e glossário, a verdade é que o mesmo contém algumas notas de fim utilizadas para citar as origens das informações reportadas ao longo desta biografia. 




Imagem nº 1 - Jack Lang foi Ministro da Cultura de François Mitterrand. Foi responsável pela elaboração da biografia - "Nelson Mandela - Uma Lição de Vida".




A Estrutura Mitológica da Obra

A obra de Jack Lang começa com um breve prefácio (p. 9-11) da autoria da Prémio Nobel da Literatura – Nadine Gordimer (1923-2014). Esta conceituada escritora recordou, numa clara alusão a Nélson Mandela, “as condições interiores que o homem teve de ultrapassar e resolver para cumprir o seu primeiro objetivo: combater a opressão de um ser humano por outro”.  Nadine compara a vida de Madiba a um drama, onde ele teve de encarnar o destino daqueles que o antecederam e foram investidos de missões idênticas. 
Dentro deste contexto, no primeiro acto do livro de Jack Lang  (p.25-66), Nélson Mandela será equiparado a Antígona, personagem da obra do dramaturgo grego Sófocles, visto que, à semelhança desta figura mitológica, cumprira inicialmente as leis da nação, mas um dia teve de as violar, por considerá-las aberrantes e maquiavélicas, representando estas um elevado prejuízo ético e moral ao seu povo.
No segundo acto ou capítulo (p.67-99), Nélson Mandela deixa praticamente de lado os seus serviços de advocacia (sector onde se destacara durante a sua carreira profissional), para se tornar chefe dum bando de revoltosos contra as forças do regime, assumindo assim os traços do célebre gladiador Espártaco que, na Idade Antiga, encabeçara uma revolta servil contra a exploração e opressão promovidas por Roma. 
Por seu turno, o terceiro acto (p. 101-141) apresenta-nos o calvário do biografado que passou 27 anos em cativeiro, depois de ter afrontado corajosamente o regime do Apartheid. Tal como Prometeu, vulto mitológico que defendia os interesses da Humanidade e que, segundo a lenda, foi agrilhoado a um rochedo por ter desejado entregar aos homens o fogo libertador (o qual teria sido roubado aos deuses helénicos, gerando assim a ira de Zeus que o castigaria), também Madiba sofreria um terrível martírio por ter cometido o “pecado” de abraçar a liberdade e repudiar a tirania, contrariando as directivas superiores ou estatais.
No quarto acto (p. 143-186), Mandela é um homem renascido e assume o papel triunfante de Próspero, benfeitor dos homens e vencedor de Calibã, evitando uma guerra civil e o caos no seu país. 
Por fim, no derradeiro ato (p. 187-211) – isto, é o quinto – Nélson já não é equiparado a nenhuma personagem lendária, mas é sim caracterizado como o “rei fundador” de um país finalmente livre e igualitário para assim personificar uma nação “arco-íris”.  
Expostas estas originais comparações que acompanham o livro de Jack Lang e que realçam o percurso heróico de Nélson Mandela, é altura então de abordarmos, de forma sucinta, a narração biográfica que a obra de Jack Lang imprime a respeito desta personalidade que marcou uma era na História Mundial.




Imagem nº 2 - O percurso de Nelson Mandela motivou comparações por parte de Jack Lang com algumas figuras mitológicas do Período Antigo.




Nélson Mandela, a sua formação

Nélson Mandela, sob o nome original de Rohhaba, nasceu na pequena vila de Mvezo (região do Transkei, África do Sul) a 18 de Julho de 1918. Era filho de um importante conselheiro que servia o rei tribal de Thembu. Nascera assim no seio do clã “Madiba”. Durante a sua juventude, interessou-se particularmente pelas histórias e lendas dos povos negros antepassados que teriam chegado a viver em harmonia naquela região, antes da chegada dos colonizadores. Em 1930, teve conhecimento da morte do seu pai, ficando por algum tempo sob supervisão educativa do soberano thembu – Jongintaba.
Em termos de formação escolar, o biografado realizaria os seus primeiros estudos em Qunu, onde uma professora decidiu atribuir-lhe o nome cristão de Nélson que seria certamente mais pronunciável do que o seu complexo nome de nascimento. Mandela frequentaria ainda o colégio de Clarkebury que era, na altura, o melhor estabelecimento de ensino para os africanos da região do Transkei. De acordo com as descrições da época, ele era inicialmente um aluno aplicado, embora não brilhante. Mesmo assim, conseguiria evoluir ao ponto de ingressar na Universidade de Fort Hare. No entanto, seria expulso devido ao seu envolvimento num protesto estudantil. Quando regressa ao palacete do dignatário tribal e seu tutor, é recebido com uma enorme reprimenda por parte deste que ameaça impingir-lhe um casamento com uma mulher por si escolhida, caso não ponderasse voltar atrás na sua insubordinação universitária. Encurralado, Nélson Mandela não hesitaria em fugir para Joanesburgo, à procura de iniciar uma carreira profissional que lhe permitiria a sua própria subsistência. Estávamos no ano de 1941. Naquela conceituada cidade, começará por ser vigilante noturno numa sede de minas de ouro, mas é um ofício que exercerá por muito pouco tempo. Depois, e por intermédio de Walter Sisulu (um agente imobiliário que acaba de conhecer e com o qual manterá uma amizade para a vida), conseguirá entrar numa importante sociedade de advogados da cidade que era liderada por três judeus Lazar Sidelsky, Witkin e Eidelman. Como Mandela não havia terminado ainda os seus estudos, teve então de se contentar em redigir apenas contratos destinados aos negros, nomeadamente relacionados com processos de empréstimos e de hipotecas. No decurso da experiência vivida nesse escritório, o novo funcionário nunca seria discriminado pela sua cor, apesar de auferir um ordenado simbólico de duas libras por mês. 
Em 1943, Mandela matricula-se na nobre e antiga Universidade de Wittwatersrand, onde estudaria até 1949 com o intuito de conquistar os novos galões de advogado. No ano de 1944, conheceu Evelyn Mase, prima de Walter Sisulu, por quem se apaixonaria e contrairia matrimónio. Quando se conheceram, Evelyn aparentava ser uma mulher empenhada e trabalhadora que tinha vindo para Joanesburgo estudar Enfermagem. No entanto, era alérgica à política, factor que explicaria mais tarde o divórcio (ocorrido então em 1958). Mesmo assim, é de realçar o facto de o casal ter gerado quatro filhos (dois rapazes e duas raparigas). 





Imagem nº 2 - Nelson Mandela demonstrou um interesse imediato pela área da advocacia. Foi aí que se aperceberia do regime legal injusto que vigorava no seu país.
Retirada do Jornal Inglês The Telegraph



A resistência ao regime

Nos seus primeiros 25 ou 30 anos de vida, Mandela deparou-se gradualmente com a realidade social que girava em seu torno e que radicava em inúmeros preconceitos raciais. Podemos dar alguns exemplos desse atormentante cenário que era vivido na África do Sul e que piorou bastante entre as décadas de 1940 e 1980. O regime do Apartheid codificou, sob a forma de leis injustas, a superioridade total do homem branco face a mestiços, indianos e negros. Por outras palavras, os melhores cargos estavam reservados aos brancos, os únicos que poderiam desempenhar funções administrativas no Estado. Todavia, vigoravam outras imposições que eram ainda mais humilhantes para os negros. Estes não poderiam almoçar nas cantinas reservadas aos brancos, eram muitas vezes expulsos de espaços públicos, tinham acesso condicionado (mediante apresentação dum passe) aos autocarros, era-lhes vedada a utilização de casas de banho públicas e muitos eram ainda relegados para os dormitórios das minas ou para os bairros de lata. Por outro lado, seriam proibidos os casamentos inter-raciais (lei de 1949) e foram igualmente estabelecidos bantustões (mini-estados negros que acolheriam grandes deportações de africanos). O Apartheid promovia um sistema legal racista, e não hesitava em reagir com mão-de-ferro perante qualquer rebelião sucedida. O regime contava ainda com dois aliados “involuntários” – a religião cristã (a promessa bíblica do Paraíso noutra vida era a terapia ideal para que a esmagadora maioria da população se submetesse aos sacrifícios do presente) e a passividade internacional (apesar de muitos países censurarem as transgressões verificadas na África do Sul, a verdade é que não desejavam intrometer-se nos assuntos duma nação alheia).
Os grupos políticos opositores ao regime ditatorial sul-africano eram essencialmente dois: o Partido Comunista e o ANC (Congresso Nacional Africano – fundado em 1912). Apesar de Mandela ter admirado o activismo de muitos militantes comunistas e de até ter mantido conversações secretas com estes, a verdade é que ele não subscreveria as teorias de Karl Marx. Por isso, acabou por aderir ao ANC. No seio dessa facção política, testemunhou inicialmente muita apatia e inclusive falta de coragem de alguns dos seus representantes. A sua entrada no partido foi uma lufada de ar fresco para a causa da igualdade inter-racial. Assim sendo, e mediante a sua crescente influência, Nélson convenceu o ANC a enveredar por um programa de acções mais radicais e eficazes (por exemplo, através da convocatória de greves ou de manifestações massivas), dado que as anteriores tentativas de diálogo e de pressão se tinham traduzido em resultados quase nulos. 
Em 1952, Mandela promoverá, juntamente com outros líderes da resistência ao regime, uma campanha de desobediência civil contra seis leis injustas  que haviam sido promulgadas. Será condenado a uma pena de nove meses de trabalhos forçados, embora suspensa por dois anos. Por essa altura, fundará em parceria com Oliver Tambo, a primeira sociedade de advogados negros na África do Sul. 
Todavia, Nélson seria alvo de interdição política – isto é, vítima duma nova norma promovida ardilosamente pelo Apartheid (o “ban”) que consistia, através dum decreto do Ministro da Justiça, no banimento definitivo de um cidadão da actividade política, sendo que a decisão não era sequer passível de defesa ou recurso. Em caso de desrespeito desta exclusão deliberada, o visado poderia ser detido por tempo indeterminável e sem direito a qualquer julgamento. Curiosamente, e apesar de ter sido vítima desta manobra legal maquiavélica, Mandela não desistirá de lutar pelos seus ideais políticos, mantendo a mesma postura que iria culminar, pouco tempo depois, num cativeiro prolongado.
No ano de 1955, o biografado será novamente detido por algum tempo, recaindo sobre ele a acusação de traição. A sentença conhecida, apenas em 1961, iliba-o por falta de provas. Pelo meio, Mandela contrai o seu segundo casamento com Winnie Madikizela (ocorrerá em 1958), uma assistente social que o apoiará incondicionalmente na sua luta política e que lhe dará duas filhas. O casal iria divorciar-se apenas em 1996. 
Por outro lado, em 21 de Março de 1960, a polícia estatal disparou perante uma população desarmada que protestava em Shaperville, causando 69 mortos, incluindo mulheres e crianças. O regime sul-africano decretou estado de emergência e ilegalizou o ANC e o Congresso Pan-Africano a 8 de Abril. O cenário tornara-se tenso e irrespirável. 
Com o partido na clandestinidade, Mandela e os seus companheiros de luta irão promover uma série de explosões a 16 de Dezembro de 1961, que não causarão mortes (excepto a de um detonador) embora tenham gerado estragos materiais de monta. No momento em que este ataque ocorre, Nélson já tinha sido incumbido de liderar o recém-criado braço armado do ANC – “Spear of the Nation” (“A Lança da Nação”).
Em Janeiro de 1962, e sob uma falsa identidade, deixa secretamente a África do Sul, e viaja pelo continente africano e chega igualmente a visitar Inglaterra, onde obtém apoio para a sua causa. Nas suas passagens por Marrocos e Etiópia, receberá formação militar para que pudesse assim comandar com distinção o pequeno exército que o ANC havia montado para resistir à perseguição do regime e que actuaria sob forma de guerrilha. Poucos meses depois retornaria à África do Sul, onde seria, em breve, identificado e detido quando se deparara com uma barreira policial na estrada em que seguia.





Imagem nº 3 - Nelson Mandela foi obrigado a adoptar tácticas mais duras para enfrentar a repressão do Apartheid contra os negros.
Retirada do Jornal Inglês The Telegraph



Julgamento e Cativeiro 

Mandela seria acusado de ter deixado a nação sem qualquer permissão e de ter incitado os operários à greve, acabando por ser condenado a cinco anos de prisão. Mas o pesadelo não terminaria por aqui. O regime descobriria entretanto uma fazenda secreta em Rivonia, onde se achavam os planos e os segredos dos activistas do ANC e do Partido Comunista. As autoridades desvendaram igualmente a organização do braço armado que supostamente seria tutelado por Mandela. Este seria, juntamente com mais alguns arguidos, acusado de sabotagem e de promover um golpe de estado, o que poderia originar a sua condenação à forca. 
Durante o julgamento de Rivonia (1963-1964), Nélson defender-se-á com bravura, não hesitando em denunciar um sistema legal injusto, e discursando, em simultâneo, que estava disposto a morrer pelos ideais duma sociedade livre e democrática, em que todos pudessem viver com harmonia e com as mesmas oportunidades. Apesar de poupado à pena de morte, Nélson seria condenado a prisão perpétua juntamente com outros seis arguidos (incluindo Walter Sisulu). Começariam então 27 anos sombrios de cativeiro, passados maioritariamente em Robben Island (ilha inóspita localizada perto da Cidade do Cabo), onde teve de suportar inúmeros trabalhos forçados e as injúrias dos guardas que o vigiavam . 




Imagem nº 4 - Durante vinte e sete anos de cativeiro, Nelson Mandela foi sujeito a trabalhos forçados e a vários insultos por parte de guardas mais severos. Primeiro, esteve durante vários anos detido em Robben Island, e depois, ainda seria transportado para uma cadeia em Tokai, Cidade do Cabo. O seu espírito de sacrifício aliado à nobreza da causa sensibilizaria rapidamente o mundo. Muitas personalidades começaram a exigir a sua libertação e um novo paradigma na África do Sul.




A Libertação e o Triunfo da sua Causa

Finalmente, a 11 de Fevereiro de 1990, poucos dias depois da legalização do ANC, do Partido Comunista e do Congresso Pan-Africano (por iniciativa do Presidente Willem de Klerk ), Mandela seria libertado, recomeçando as conversações para acabar de vez com o Apartheid que estava já, na altura, obsoleto e “cercado” pela comunidade internacional. Em 1991, Mandela torna-se presidente do ANC, substituindo o seu amigo Oliver Tambo. No ano de 1993, receberia juntamente com o presidente sul-africano De Klerk o Prémio Nobel da Paz. A história na África do Sul estava a ser reescrita. Os novos sistemas legislativos pautavam-se agora pela modernidade, eliminando os últimos resquícios de eventuais códigos raciais.
Em 10 de Maio de 1994, Nélson Mandela tornou-se no Primeiro Presidente da África do Sul  a ser democraticamente eleito, cumprindo as suas funções com dignidade e amor ao seu povo, não excluindo ninguém pela sua raça ou pelas convicções religiosas/partidárias. Em 1998, casou-se com a conhecida dama moçambicana Graça Machel, a sua terceira mulher. Contava na altura com 80 anos. Durante a década de 90, criou ainda fundações destinadas a apoiar causas nobres .
Agora no topo e venerado por todos (negros, mestiços, brancos…), Nélson jamais recorreria a qualquer forma de vingança pelos vexames a que foi sujeito. A sua retribuição consistiria na tolerância e no respeito pelo próximo.  
Apesar de tal não ser retratado no livro de Jack Lang (publicado em França em 2004, e com a edição portuguesa a ser de 2005), Nélson Mandela morreria na sua casa em Joanesburgo a 5 de Dezembro de 2013 (contava então com 95 anos de idade), deixando um legado incontornável que valorizaria a liberdade em detrimento da opressão. Afinal, a longa luta que levara ao cabo da sua vida foi recompensada pelo descanso final vitorioso.
Depois da obra retratar detalhadamente a vida de Nélson Mandela, seguem-se por fim os anexos (p. 215-230) que são compostos por três documentos, a saber: a “Declaração de Nélson Mandela no banco dos réus, em sua defesa, na abertura do julgamento de Rivonia”, o “Discurso de Aceitação do Prémio Nobel” e o “Discurso de Nelson Mandela perante a multidão que se concentrou na Cidade do Cabo, no dia da sua libertação”.





Imagem nº 5 - Após o calvário, seguiu-se a bonança. Mandela seria libertado numa conjuntura mais estável. O Apartheid estava descredibilizado. A sua reintegração social e política foi essencial para a recriação de um Estado mais justo e igualitário. Sentou-se com homens negros e brancos. Não procurou vinganças, desejou sim criar pontes e harmonia para um futuro mais risonho na África do Sul. Seria mesmo Presidente da África do Sul entre 1994 e 1999.



Análise crítica e recomendação da obra

A partir da leitura da obra de Jack Lang, os leitores ficam a conhecer de forma mais detalhada o lado humano e fraterno de Nelson Mandela bem como a sua visão política e social. Este homem humilde conseguiria transmitir os seus nobres ideais através de uma postura convicta e eloquente. Apesar de ter permanecido vinte e sete anos em cativeiro (onde foi submetido a trabalhos forçados), Madiba acabaria por testemunhar o triunfo da integridade dos negros sul-africanos, os quais haviam suportado infindáveis sofrimentos nos tempos brumosos do Apartheid. Além disso, Mandela renunciou a qualquer cenário de vingança face aos homens brancos (estes tinham sempre constituído uma minoria) porque era fiel aos valores da justiça e da igualdade humana, sendo que estes princípios superiores se configuravam alheios à natureza racial ou étnica das comunidades. 
A obra contém algumas virtudes que a tornam recomendável para os jovens que demonstram um particular interesse pelas temáticas da liberdade, dignidade humana, paz e nobreza da arte política . O facto da biografia se associar a quatro personagens de conotação dramática torna o livro ainda mais original visto que reflete igualmente os sacrifícios históricos e/ou mitológicos que foram necessários em todo este percurso complexo que, por fim, culminaria na implantação da liberdade nas civilizações modernas. 
Todavia a obra também apresenta alguns pontos mais discutíveis. A leitura do livro acaba, às vezes, por ser algo pesada, isto é, de difícil interpretação, visto que o autor recorre a um vocabulário nem sempre acessível. Em certos trechos, a informação acaba por não ser tão esclarecedora devido à ausência de potenciais elementos informativos complementares. Por fim, o autor comete exageros narrativos ao recuar e avançar demasiado no tempo, não seguindo uma ordem cronológica ou linear dos acontecimentos que deveria ser aconselhável numa biografia. 
Não obstante, a obra não deixa de ser interessante e pedagógica porque é transmitido um modelo de conduta que deve ser seguido por todos aqueles que venham assumir funções políticas ou sociais de elevada importância. E claro o seu modelo singular é digno da personalidade que se pretende homenagear. Aliás, para quem deseje conhecer este herói mundial, esta é mesmo uma das leituras obrigatórias.


Referência Bibliográfica:

  • LANG, Jack – Nélson Mandela. Uma Lição de Vida. Trad. Francisco Agarez. 1ª Edição portuguesa. Lisboa: Editorial Bizâncio, 2005.

Artigo/Trabalho da autoria de Mariana Henriques
Licenciada em Ciência da Informação
Faculdade de Letras da Universidade do Porto


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