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terça-feira, 28 de abril de 2015

Egill Skallagrímsson, o poeta-guerreiro viking

Os vikings eram um povo essencialmente talhado para a arte militar, revelando igualmente um conhecimento invulgar ao nível da navegação marítima (o seu barco Drakkar/Dracar constituía um avanço inovador). Todavia, nesta sociedade de tendência belicista, denotamos a existência especial dum pequeno grupo de poetas-guerreiros: os célebres escaldos. Estes costumavam integrar a corte dos reis escandinavos ao longo da Idade Média.
A maior parte esmagadora destas composições poéticas nórdicas assentava na exaltação ou glorificação dos seus soberanos que até então se tinham evidenciado em batalhas travadas ou noutros feitos prestigiantes dignos de serem recordados para a posterioridade. Em termos característicos, a poesia escáldica albergava um número elevado de estrofes (seguindo a métrica dróttkvætt) com refrão em determinados intervalos, e pautava-se ainda pela aliteração e inclusão de figuras retóricas, uma série de perífrases e metáforas que, muitas vezes,  dificultavam a sua interpretação. Num âmbito cronológico mais preciso, podemos afirmar que esta modalidade poética foi especialmente observada em terras vikings entre os séculos IX e XIII.
Além da arte do verso, os escaldos compunham igualmente crónicas, sagas e outros testemunhos históricos, reportando assim as ocorrências mais marcantes da sua era.
Uma das personalidades que mais se evidenciou na vertente da poesia foi Egill Skallagrímsson, natural de Borg (Islândia) e cuja extensão de vida foi balizada entre os anos de 910 e 990 d. C.. Os seus versos bem como os relatos da sua vida aventurosa foram preservados na "Saga de Egil" composta habilmente por Snorri Sturluson no século XIII.  Ao contrário de muitos outros escaldos, Egill não serviria directamente a qualquer rei nórdico, e até chegaria ao ponto de se tornar fugitivo no decurso do reinado atribulado de Eric I (ou Érico) da Noruega, contudo não deixava de partilhar a mesma tipologia redactorial que marcou a cultura escandinava naqueles tempos. Sabe-se ainda que o seu primeiro poema teria sido escrito quando possuía somente três anos de idade, o que revelava, desde cedo, a sua predisposição para a escrita.
Egill revelava um temperamento bastante difícil, era portador dum perfil ousado e vingativo, pairando em cima dele a suspeita de alguns homicídios entretanto ocorridos. Na sua juventude irreverente, chegará ao ponto de matar o filho do rei Eric I da Noruega, acontecimento que o tornou alvo duma perseguição feroz. Mas Egill revelava igualmente atributos guerreiros excepcionais, derrotando em escaramuças isoladas alguns dos seus acérrimos perseguidores. Além disso, lançou uma maldição aos titulares da coroa norueguesa através duma inscrição gravada num poste em runas mágicas, constando aí a seguinte afirmação:



"Aqui cravo este poste-niðingr e declaro este nið contra o rei Eric e a rainha Gunnhildr. Eu proclamo este nið aos espíritos da terra ali, e à terra mesma, que todos se sintam perdidos, que não se sustentem ou encontrem seu lugar, não até que o rei Eric e  Gunnhildr escapem da terra".

(Notas Adicionais - este ritual de maldição envolveu ainda a utilização duma cabeça de cavalo; refira-se também que a palavra nið nos remete, neste caso, para a injúria ou amaldiçoamento logicamente destinados a um potencial inimigo).



Em abono da verdade, o rei Eric também carregava um passado repleto de sombras e atrocidades que jamais lhe granjeariam qualquer resquício de popularidade. Na Noruega, exerceria uma autoridade déspota e, para reforçar a sua obsessão pelo poder, não hesitará em matar quase todos os seus irmãos, excepto Haakon que se refugiaria na Inglaterra. Daí ter recebido o apelido de "Machado Sangrento" ("Bloodaxe"), o qual atesta o fratricídio até então promovido. A sua mulher - a rainha Gunnhildr (ou Gunhilda) não escaparia sequer à reputação de bruxa, embora seja hoje discutível o seu envolvimento em actos de feitiçaria. Todavia, ocorrerá uma reviravolta inesperada no cenário político. O seu irmão Haakon regressaria às origens para reclamar o trono, e com o apoio da nobreza norueguesa (cansada dos abusos régios e da tirania verificada), forçaria Eric a programar a sua própria fuga para as ilhas britânicas. Tornar-se-ia aí rei da Nortúmbria.
Curiosamente, e no âmbito duma viagem realizada por volta do ano de 948, o nosso poeta-guerreiro islandês Egill Skallagrímsson, então um dos principais detractores do ex-soberano da Noruega, naufragaria ao largo da costa da Nortúmbria (no Nordeste da Grã-Bretanha), episódio que o obrigou a apresentar-se diante da corte de Eric instalada agora naquele estado. Sem grande surpresa, seria imediatamente detido e sentenciado à pena de morte. Neste preciso momento, Egill parecia não ter qualquer hipótese de escapar ao destino traçado até porque Eric não era, nem de perto, um homem misericordioso ou generoso. Todavia, o cativo serviu-se dos seus dotes poéticos e, na noite de véspera da execução, compôs um longo poema de louvor (designado Höfuthlausn; "O Resgate da Cabeça") que seria dedicado ao seu inimigo mortal desde então. Apesar da sua faceta frívola, Eric - o agora governante da Nortúmbria deixou impressionar-se pela recitação dos versos elogiosos de Egill que rematavam uma métrica e rima exemplares, e por conseguinte, optou por anular a decisão anterior, procedendo à libertação do seu prisioneiro. Este episódio revela-nos o verdadeiro impacto duma composição poética que foi determinante para que duas personalidades com um historial repleto de ódio e violência, não alimentassem ainda mais a sua sede mútua de vingança que sempre os norteara.
Outro notável poema de louvor da autoria de Egill intitulou-se Arinbjarnarkvitha (“Lay of Arinbjörn") e foi dedicado, em específico, ao escaldo e seu grande amigo Arinbjørn herse.
Redigiu ainda um poema de teor sentimental - o Sonatorrek - onde lamentava profundamente a morte recente de dois filhos seus (Böðvar e Gunnar), recordava igualmente o falecimento dos seus pais, e acreditava que estaria a ser castigado por Odin (principal deus da mitologia nórdica), e por isso, chega a entrar em "conflito" com este nos seus sábios versos. Contudo, Egill Skallagrímsson encerrará este extenso poema num estado de resignação, conciliação e tranquilidade totais, não deixando de reconhecer e agradecer o dom poético que Odin lhe tinha confiado. Dentro deste contexto, não é de estranhar que integrasse o grupo de berserkers mais afamados de sempre, onde se incluíam os guerreiros nórdicos mais ferozes que haviam jurado fidelidade àquela divindade viking.
Ao longo do seu historial bélico, é importante recordar que Egill terá provavelmente participado na batalha de Brunanburh ocorrida talvez em 937, servindo as hostes vitoriosas do rei de Inglaterra - Athelstan. Também este soberano anglo-saxão foi alvo dum panegírico do poeta islandês - Aðalsteinsdrápa (o "elogio de Athelstan").
Nos últimos anos da sua vida, Egill regressou à Islândia, onde se envolveu, de certo modo, na política local. Teria alcançado os 80 anos de vida, antes de adoecer com gravidade. Suspeita-se que, no seu último acto de violência, terá assassinado o seu servo que o tinha ajudado a enterrar o seu tesouro em prata, de modo a evitar que o mesmo não o viesse a espoliar mais tarde.
De acordo com Christina von Nolcken, especialista em Literatura Medieval, Egill era extremamente talentoso e versado para a escrita, tendo provavelmente convivido com outros poetas do seu tempo e encetado, de algum modo, um esforço tremendo para desenvolver capacidades intelectuais tão invulgares no século X. Simbolizava praticamente o protótipo dos escaldos que conciliavam as suas acções combativas com o peculiar dom do verso.




Sonatorrek
(Excertos em inglês do poema de Egill Skallagrímsson)


My mouth strains
To move the tongue,
To weigh and wing
The choice word:
Not easy to breathe
Odin's inspiration
In my heart's hinterland,
Little hope there.

My sorrow the source
Of the sluggard stream
Mind-meandering,
This heavy word-mead,
Poet's power
Gold-praised, that
Odin from ogres tore
In ancient time. [ . . .]

Could my sword stroke take
Vengeance on the sea-surge,
Bitter ale brewer
None can bend or break,
Could my hand kill
The crushing wave,
With god and goddess
I should grapple.

But I've no strength to subdue
The slayer of my son
Nor the boldness to beat
Down my boy's killer:
Obvious to all,
An old man, unaided,
Helpless, unhappy,
Can hold out no hope.

The rough storm has robbed me
Of my best riches,
It's cruel to recall
The loss of that kinsman,
The safeguard, the shield
Of the house has sailed
Out in death's darkness
To a dearer place. [ . . .]

Forgive his fate
And forget I will not,
Odin not Egil
Enjoys him for ever,
He has stolen my son,
The sapling growth
From my wife's womb,
The warrior-seed.

The spear-god shared
Spoil with me,
My oath was to Odin,
He gave me aid:
Now that maker of mystic
Runes only mocks me,
Voids all my victories,
That breaker of vows.

I'll make offerings to Odin,
Though not in eagerness,
I'll make my soul's sacrifice,
Not suffer silently:
Though this friend has failed me,
Fellow of gods,
To his credit he comforts me
With compensation.

That wolf-killer, that warrior
God, well seasoned in war
Bestowed a bounty
Not to be bettered:
To my art he added
One other gift,
A heart that held
Not craft only: hatred!

The end is all.
Even now
High on the headland
Hel stands and waits,
Life fades, I must fall
And face my own end
Not in misery and morning,
But with a man's heart.






Imagem nº 1 - Egill Skallagrímsson (910-990 d. C.), o poeta-guerreiro ou escaldo que imprimiu brilhantismo na poesia nórdica.
Manuscrito do Séc. XVII, extraído a partir de:
https://en.wikipedia.org/wiki/Egill_Skallagr%C3%ADmsson





Referências Consultadas:

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