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domingo, 10 de agosto de 2014

Nezahualcóyotl, o rei sábio de Texcoco (1429-1472)

Cada cidade do Vale do México detinha o seu próprio soberano e dinastia específica, embora existisse o tlatoani (imperador asteca), senhor de Tenochtitlán, que se destacava nesta conjuntura social. No início do século XV, o Império Asteca ainda percorria um caminho promissor de expansão territorial, procurando alcançar o seu auge em breve.
Neste contexto de indefinição, encontramos Texcoco que era uma cidade-estado independente que viria a ser governada por Nezahualcóyotl (ou Nezahuatlcóyotl, como já havíamos designado num artigo anterior), soberano que se distinguiria dos demais pela sua visão política e cultural.
Teria nascido em Texcoco, talvez por volta de 1402, e era filho de Extlilxóchitl, sexto senhor dos chichimecas e soberano daquela cidade (1409-1418), e de Matlalcihuatzin, filha do segundo imperador asteca e senhor de Tenochtitlán - Huitzilíhuitl.
Apesar de ter acedido a uma educação cultural muito válida, o príncipe não conheceria uma juventude de sonho, chegando a ter de abandonar a sua cidade natal, pois seria perseguido pelo usurpador Tezozómoc (senhor dos tepanecas da cidade de Azcapotzalco que se apropriara de Texcoco, matando o pai de Nezahualcóyotl em 1418 e governando até 1427, ano do seu falecimento) e pelo seu filho sucessor e déspota - Maxtla. Ambos soberanos procuraram armar-lhe várias ciladas e emboscadas para o neutralizar, mas Nezahualcóyotl, muitas vezes advertido antecipadamente pelos seus seguidores ou através do disfarce que adoptava para recolher informações no interior das povoações, soube sempre tomar a decisão mais cautelosa ou sensata para não dar esse prazer aos seus inimigos que haviam derrubado ilegitimamente o seu pai do trono de Texcoco.
Mesmo assim, não deixará de lutar por aquilo que deveria ser seu por direito. Em breve, organizaria uma força vasta para enfrentar a tirania tepaneca de Maxtla. Nezahualcóyotl consegue vitórias importantes em Otumba e Acolman, antes de tomar Texcoco em 1429, a cidade-estado que sempre reivindicara como sua por herança paterna.
Firmou um acordo com Itzcoatl (4º tlatoani de Tenochtitlán/imperador asteca) e Totoquilhuaztli (senhor de Tlacopan) e assim através da conjugação dos esforços militares destes três soberanos conseguiriam destruir a poderosa cidade tepaneca de Azcapotzalco e apoderar-se das suas províncias tributárias, acabando Maxtla por ser morto, muito provavelmente às mãos de Nezahualcóyotl que assim vingara a morte do seu progenitor. Neste episódio, formou-se então a Tripla Aliança, uma onda de compromissos firmada entre estas três cidades-estado já discriminadas, o que enriqueceu certamente a causa imperial cujo centro natural acabaria por se situar em Tenochtitlán, sobretudo pelo destaque e desenvolvimento que conheceria nas décadas seguintes.
Nezahualcóyotl reinou, por mais de 40 anos e com sabedoria, a cidade de Texcoco. Para além dos seus sucessos no campo militar, este soberano tornou-se num claro modelo de liderança, espelhado em vários vectores da sua governação:

  • Exibiu manifestações poéticas (e filosóficas), evidenciando ainda uma grande paixão pela natureza. Conservaram-se miraculosamente 30 composições poéticas da sua autoria, nas quais se abordam várias temáticas: a fugacidade da vida e a inevitabilidade da morte, o além-vida, a valorização da flor e do canto, o enigma do homem face ao Criador. Nos seus poemas, apresenta-nos ainda a sua visão sobre a filosofia da vida e a sua dimensão ética.
  • Fomentou as reuniões de intelectuais, 
  • Mandou cultivar jardins botânicos e zoológicos.
  • Privilegiou intervenções urbanas e construções de importantes edifícios, demonstrando um interesse notável pela arquitectura. Assim foram erguidos a seu mando: palácios, templos, monumentos, portentosos aquedutos, calçadas... Seria mesmo ele o responsável (ou mentor) pela construção dum notável dique de pedra e madeira com a extensão de 16 Km em Tenochtitlán, a pedido do tlatoani Moctezuma I (este sucedeu a Itzcoatl em 1440), com a finalidade de impedir inundações na capital asteca que se encontrava rodeada pelo Lago Texcoco.
  • Instituiu conselhos ou organismos próprios inerentes à instrução pública, guerra e fazenda.
  • Expediu mais de 80 leis, exigindo a lealdade ao Estado e a prática de bons costumes.
  • Promoveu, sempre que possível, o respeito pela vida animal e pelas árvores.
  • Desenvolveu uma teoria inovadora de que só existiria um Deus verdadeiro, e não múltiplas divindades como reivindicava habitualmente a tradição religiosa adoptada naquela região, ao qual lhe concedeu o nome de Tloque Nahuaque. Era pois monoteísta, contrariando a tendência generalizada no continente americano pré-colombiano.
  • Demonstrou um perfil misericordioso e generoso, embora não tolerasse os delitos mais graves, sobretudo aqueles que eram cometidos pela alta nobreza ou pelos círculos mais próximos que deveriam pois dar o exemplo.

Ao fim de 70 anos de intensa actividade, faleceria em 1472 na terra que o viu nascer, crescer, aprender, lutar, reinar, engrandecer, ensinar e deixar este mundo - Texcoco. Apesar de nunca ter sido imperador asteca (Nezahualcóyotl nem sequer teria raízes astecas, pois era oriundo da tribo dos acolhuas), visto que jamais governou a grande cidade de Tenochtitlán, contribuiu para que se inaugurasse uma época de esplendor no Vale do México. 
A sua elevada sabedoria traduziu-se num caso peculiar, porque normalmente os tlatoanis de Tenochtitlán e demais soberanos das cidades-estados do continente americano privilegiavam sobretudo as políticas belicistas que se baseavam na expansão territorial.
Nezahualcóyotl não foi pois um rei vulgar duma cidade-estado da América Central, ele serviu a causa do seu povo com grandeza, heroísmo e sapiência. Demonstrou que o prestígio também poderia ser alvejado no plano cultural.




Imagem nº 1 - Retrato de Nezahualcóyotl, soberano de Texcoco, cuja erudição surpreendeu muitos dos investigadores europeus. Poeta, Filósofo, Humanista, Legislador, Arquitecto, Naturalista e Estadista.





Imagem nº 2 - Estátua do rei-poeta e legislador na cidade mexicana que herdou o seu nome.
Retirada de: http://www.flickriver.com/photos/30453485@N03/3463366514/, (foto da autoria de José Reséndiz em Neza).


Um  Pequeno Poema de Nezahualcóyotl sobre o louvor à Natureza

Eu amo o canto do rouxinol, 
Ave de quatrocentas vozes. 
Eu amo a cor de jade, 
e o enervante perfume das flores, 
mas o que eu mais amo é meu irmão, o homem.




Imagem nº 3 - A Natureza venerada e estimada por Nezahualcóyotl.
Retirada de: http://algarve-saibamais.blogspot.pt/2009/11/verde-e-cor-da-natureza.html




Referências Consultadas:

2 comentários:

  1. Nota extra - No primeiro verso do poema citado de Nezahualcóyotl, optamos pela utilização do termo rouxinol ("eu amo o canto do rouxinol") em vez do término "cenzontle" que não conhece uma tradução certeira para a língua portuguesa e o qual designa, de acordo com investigadores, uma espécie de "rouxinol americano", também conhecido pelo seu fantástico canto.
    Tendo em vista a fácil compreensão do poema, optamos então por utilizar o vocábulo "rouxinol" das Américas, conhecido na língua espanhola como "cenzontle", e na língua inglesa como "mockingbird".

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  2. As datas presentes no título (1429-1472) correspondem à balização cronológica do seu reinado em Texcoco.

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