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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Roberto Bruce, o conde escocês que alcançou o trono

Contexto e Primeiros Anos


Em 1296, as forças do rei inglês Eduardo invadem a Escócia, obrigando João de Balliol a renunciar ao trono escocês (veja-se artigo anterior). Praticamente, durante 10 anos, a Escócia não terá um rei ou governador que realmente tutelasse os assuntos internos (daí o interregnum). É certo que o rei Eduardo procurará, à distância e apesar da resistência nativa, administrar o território em questão, o que claramente se revelou uma tarefa pouco acessível. Evidentemente, houve momentos de grande anarquia e instabilidade que se alastravam pelo território escocês. 
Roberto Bruce, nascido na localidade de Ayrshire em 1274, viverá toda esta conjuntura crítica, acabando por aderir à resistência escocesa, embora tivesse estado inicialmente ao lado dos ingleses quando estes, de certa forma, destronaram John Balliol. Em algum momento, terá chegado a conhecer William Wallace, o herói de Stirling Bridge (1297) e até há historiadores que levantam a hipótese de ter ajudado aquela personalidade a escapar com vida aos ingleses na malograda batalha de Falkirk (1298). Embora não existam certezas sobre este seu movimento em concreto (não está sequer minimamente provada a participação de Roberto Bruce naquela batalha), é consensual que, de algum modo, se terá juntado à revolta dos scots no limiar dos finais do século XIII. Neste contexto, crê-se que terá sido nomeado Guardião da Escócia juntamente com John Comyn, com o qual manterá uma rivalidade tensa. 
Em termos nobiliárquicos, Roberto Bruce era filho de Robert de Brus (Senhor de Annandale) e Marjorie (condessa de Carrick), e destes herdaria então o condado de Carrick e o senhorio de Annandale. No plano militar, Roberto aprendeu rapidamente as técnicas e estratégias que vigoravam na era medieval.
Mas, como veremos, os anos de 1306 e 1307 serão os anos centrais para Roberto iniciar uma nova era na Escócia.



Imagem nº 1 - Roberto Bruce, rei da Escócia (1306-1329), conde de Carrick e senhor de Annandale.



A ascensão de Roberto Bruce


Em 1306, Roberto mata o seu rival John Comyn na Igreja de Dumfries, isto poucas semanas antes da sua coroação enquanto rei da Escócia. Logicamente, a nova figura de proa da resistência escocesa não tinha um temperamento fácil. Em Inglaterra, o ainda rei Eduardo declara-o agora como um fora-de-lei, enquanto o Papa Clemente V o excomungará devido àquele acto. Todavia, nada o impede de se auto-coroar como rei da Escócia na Abadia de Scone para irritação dos ingleses que obviamente não reconheceram o seu novo estatuto. Todavia, Roberto alegava ser descendente do rei David I da Escócia (1084-1153) que havia sido um soberano excepcional e bem-sucedido em termos de desenvolvimento da sua nação.
Mesmo assim, o seu reinado não começa nada bem com as forças inglesas a triunfarem em Methven. A sua esposa bem como as suas irmãs foram aprisionadas, mas o pior ficou reservado para três dos seus irmãos que foram executados. Por seu turno, Roberto desaparece de cena por algum tempo, talvez procurando refúgio seguro na Costa de Antrim (actual Irlanda do Norte).
Em 1307, o rei Eduardo, historicamente conhecido pelo seu estilo implacável no campo bélico, falece já com alguma idade avançada, embora ainda tivesse pretendido dirigir, nesse mesmo ano, uma nova campanha na Escócia. É sucedido pelo seu filho Eduardo II, o qual revelaria ser um rei mais ineficaz no plano militar. É óbvio que este acontecimento jogou completamente a favor de Roberto que conseguiu ressurgir e reerguer-se para os anos decisivos que aí vinham.
A partir de agora, o líder da resistência escocesa, à semelhança dos modelos bélicos anteriormente adoptados pelos rebeldes William Wallace e Andrew de Moray, fomentará as tácticas de guerrilha intensiva, começando a somar vitórias determinantes através da conquista de vários castelos e fortalezas. Em 1314, os avanços já eram bastante significativos, o que levou o rei Eduardo II a reagir imediatamente.



Imagem nº 2 - Robert Bruce esfaqueia, de surpresa, o seu rival John Comyn III de Badenoch numa Igreja. Havia uma forte concorrência entre as famílias Bruce e Comyn pelo poder na Escócia. Por exemplo, os primeiros nunca digeriram bem a escolha de John Balliol em 1292, enquanto os segundos apoiaram o rei escocês que acabaria por ser forçado a renunciar em 1296.
Ilustração da autoria de Henri Félix Emmanuel Philippoteaux in Wikipédia




Imagem nº 3 - Roberto Bruce conquistaria ou recuperaria várias fortificações na Escócia diante dos contingentes ingleses, entre os anos de 1307 e 1314.



A Batalha de Bannockburn e o Génio Militar de Roberto Bruce


As recentes façanhas bélicas concretizadas a partir da determinação e energia de Roberto começaram a comprometer os interesses ingleses na Escócia que assistiram a uma redução abissal dos seus domínios. O rei Eduardo II decide reagir, procurando inverter o rumo da guerra que favoreceria agora as intenções dos independentistas. Por seu turno, os escoceses sabiam que uma vitória decisiva poderia determinar um rombo total nas aspirações dos invasores.
O pretexto para a decisiva batalha visará o controlo do importante Castelo de Stirling que era tutelado, na altura, por uma guarnição inglesa. Ao longo da sua campanha bem-sucedida, Roberto havia juntado reforços de várias povoações que se levantaram contra os invasores e, por isso, chegara ao ponto de possuir uma força suficiente para tentar o assalto àquela fortificação imponente e estratégica. Do outro lado, o rei Eduardo II, ao ter conhecimento da evolução real dos acontecimentos, dirige-se a Norte para aliviar o cerco e impor uma dura retaliação aos rebeldes escoceses. Os ingleses contariam com 25 mil combatentes devidamente equipados. Por isso, tratava-se dum exército poderoso!
Roberto Bruce dispunha apenas duma força avaliada em 9 mil soldados, a qual se posicionará numa inclinação localizada a poucas milhas a sul do Castelo de Stirling, num lugar chamado Bannockburn, onde existia um afluente do rio Forth. Aí aguardariam a chegada dos ingleses. Todavia, Roberto não permite o relaxamento dos seus efectivos, mandando cavar buracos em frente das linhas escocesas, sendo aqueles camuflados com galhos, ramos, folhas e ervas. Era pois uma cilada concebida para fazer tropeçar fatalmente os cavaleiros ingleses.
No dia 23 de Junho de 1314, começam as primeiras escaramuças entre os soldados das forças envolvidas, contudo a batalha só seria realmente travada no dia seguinte.
Mais uma vez, Roberto decide adoptar uma táctica utilizada por William Wallace, ordenando à sua infantaria para que fossem formadas divisões de lanceiros a pé ou piqueiros que deveriam apontar as suas lanças (estavam ainda munidos com os seus escudos defensivos) em todas as direcções exteriores.
As investidas da cavalaria inglesa, embora apoiada em simultâneo pelos seus arqueiros galeses/ingleses tal como acontecera (embora com sucesso) em Falkirk, não conseguem, desta feita, furar as linhas escocesas. Os poucos cavaleiros que conseguem isoladamente penetrar no seu interior, não conseguem voltar atrás e acabam por perecer esmagados pelos escoceses.
A confusão apodera-se entretanto do campo de batalha. Há cavaleiros ingleses em retirada que chocam com aqueles que avançavam rumo às posições defensivas do adversário. Os seus arqueiros atingem acidentalmente muitos daqueles, quando tentavam visar os piqueiros/lanceiros escoceses.
Aproveitando a desorganização inglesa, muitos seguidores escoceses irrompem pelos bosques e atacam a ala esquerda das tropas inglesas.
Com o exército a desagregar-se, Eduardo II decide retirar-se o mais depressa possível, sendo seguido por vários cavaleiros, mas um número considerável destes foram mortos pelos escoceses que os perseguiram posteriormente. Tal como acontecera em Stirling Bridge (1297), a humilde infantaria escocesa que assentava em piqueiros e lanceiros havia levado novamente a melhor sobre a cavalaria pesada inglesa.
O resultado final não deixa margem para dúvidas: 4 mil escoceses pereceram contra mais de 11 mil ingleses que tombaram na batalha. A derrota inglesa fora portanto estrondosa, porque as baixas somadas em Bannockburn duplicavam aquelas sofridas no desastre de Stirling Bridge diante de William Wallace. Neste episódio bélico, muitos nobres ingleses de renome acabaram por cair em combate:


  • Giles de Argentan - Considerado, na altura, um dos cavaleiros mais reputados da Europa, tendo vencido vários torneios nobiliárquicos. Na batalha de Bannockburn, era responsável pela protecção do rei, estando ambos na retaguarda. Quando o rumo da batalha se tornou desfavorável, Giles de Argentan e Aymer de Valence (este último conde de Pembroke) supervisionaram a retirada, em segurança, do rei Eduardo II, escoltando e abrindo caminho, perante o assédio dos escoceses, para que o soberano inglês pudesse escapar. Com a garantia de que o rei estava já a salvo, Giles de Argentan foi dos poucos que regressou à batalha para tentar inverter o rumo, mas acabou por morrer às mãos das forças de Roberto Bruce.
  • Gilbert de Clare - Conde de Gloucester e Hertford
  • Roberto de Clifford - Barão de Clifford
  • Henry de Bohun - Cavaleiro inglês morto por uma machadada de Roberto Bruce, durante um duelo ocorrido na batalha
  • Edmund de Mauley - Senhor de Ascot
  • Pain Tiptoft - Barão de Tibetot
  • John Lovel - Barão de Lovel
  • Robert de Felton - Barão de Felton
  • William le Marshal - Senhor de Marshal
  • John Comyn IV - Senhor de Badenoch. Herdara o nome do seu pai que fora guardião da Escócia e morto por Robert Bruce na igreja de Dumfries em 1306. Todavia, em 1314, e embora sendo escocês de nascimento (facto então que o distingue dos nomes que acabamos de elencar nesta lista), combateu ao lado dos ingleses contra o responsável pela morte de seu pai, mas acabará igualmente por perecer.

É justo mencionar que Roberto Bruce devolveu alguns dos corpos para que as famílias destes cavaleiros pudessem fazer o seu devido luto. Além disso, tratou os cativos de guerra com respeito, libertando-os gradualmente mediante acordos, resgates, trocas de prisioneiros...
A batalha de Bannockburn tornara-se num pesadelo autêntico para os ingleses, o poder de Roberto Bruce cresceu consideravelmente na Escócia e era quase impossível fazer-lhe frente neste preciso momento. Provavelmente, e pouco tempo depois deste combate violento, o Castelo de Stirling cairia automaticamente nas mãos dos escoceses.
É certo que os combates entre ambas as facções prosseguirão nos próximos anos, mas esta vitória representaria um passo crucial rumo ao reconhecimento da independência escocesa. 



Imagem nº 4 - Na batalha de Bannockburn (1314), muitos cavaleiros ingleses acabaram cravados pelas lanças dos piqueiros/lanceiros escoceses.




Imagem nº 5 - Com recurso ao seu machado, Roberto Bruce elimina o cavaleiro inglês Henry de Bohun num duelo travado na batalha.
Retirada de: http://www.thesocietyofwilliamwallace.com/andyhillhouse.htm, (os direitos de todas as imagens retiradas deste site pertencem a Andy Hillhouse).


Derradeiros anos

Roberto Bruce gostava de jogar em diversos tabuleiros, e por isso, decidiu apoiar o seu irmão Eduardo Bruce que se tornou rei da Irlanda (1315-1318), de forma a garantir uma maior pressão sobre os ingleses. Todavia, Eduardo Bruce acabaria por ser morto em batalha em 1318, frustrando assim as intenções de solidificar o seu reinado que se resumiu portanto a um período curtíssimo.
Ainda em 1318, Roberto Bruce conquista Berwick aos ingleses, todavia Eduardo II, rei de Inglaterra, recusava-se a reconhecer o novo soberano da Escócia até porque ainda mantinha ténues aspirações de voltar a recuperar o controlo daquele território.
No ano de 1320, os condes, barões e o parlamento escoceses enviam uma carta ao Papa João XXII, pedindo para que este reconhecesse Roberto I como legítimo monarca. Este documento ficou sobejamente conhecido como a "Declaração de Arbroath". Uma das afirmações mais célebres aí contidas foi a seguinte:

"Enquanto cem de nós de permanecerem vivos, nunca consentiremos, de forma sábia, a submissão ao domínio dos ingleses, pois não é pela glória que lutamos, mas pela liberdade apenas".

No ano de 1324, o Papa reconhecerá Roberto Bruce como rei da Escócia. Dois anos depois, é firmado o Tratado de Corbeil que reforçará a aliança entre escoceses e franceses contra o inimigo que tinham em comum: a Inglaterra. Em 1327, Eduardo II é deposto, aprisionado e até possivelmente assassinado, sendo sucedido por Eduardo III, novo rei de Inglaterra que negociará um sólido acordo de paz (Tratado de Edimburgo-Northampton) com Roberto I da Escócia. Os ingleses comprometeram-se a renunciar a qualquer postura de superioridade sobre os escoceses, para além de aceitarem a independência do reino da Escócia. 
Esta onda de vitórias diplomáticas dos últimos anos, somada aos êxitos militares anteriores, permitiu a Roberto concretizar três objectivos essenciais: expulsar os ingleses, restabelecer a paz e ser reconhecido verdadeiramente como rei. Ele tinha conseguido ser mais bem-sucedido do que muitos outros resistentes escoceses, nomeadamente William Wallace, Andrew de Moray, John Comyn III, entre outros...
Todavia, a saúde de Roberto já não seria a melhor pelos anos de 1327 e 1328, e suspeitava-se que ele teria lepra, a qual lhe iria esgotar gradualmente as forças. A 7 de Junho de 1329, com 54 anos, o rei escocês expirava, deixando para trás o seu grandioso legado que lhe reservará, mais tarde, o estatuto de herói nacional. Faleceria no Castelo de Cardross. Roberto Bruce seria enterrado em Dunfermline, excepto o seu coração que, de acordo com o último desejo deste soberano, teria que ser transportado até à Terra Santa - Jerusalém. O reputado cavaleiro escocês que lutara a seu lado - James Douglas tentou concretizar esta missão árdua, mas terá morrido em Granada quando combatia os mouros, mas o coração de Roberto foi recuperado e recambiado para a Escócia, onde foi colocado na Abadia de Melrose em Roxburghshire. Seria sucedido por David II.



Imagem nº 6 - A estátua de Roberto Bruce no Castelo de Stirling.




Imagem nº 7 - Famosos Escoceses dos séculos XIII-XIV. Nesta imagem, a única excepção ou o intruso é o rei inglês Eduardo I, embora o mesmo tivesse, no seu reinado, logrado o controlo de várias regiões da Escócia. A maior parte esmagadora (senão até todas) das restantes figuras remetem-nos para personalidades que representaram a causa escocesa.




Referências Consultadas:


3 comentários:

  1. Adoro romance histórico e por acaso estou lendo uma série sobre essa fase da história. As informações foram muito úteis. Obrigada.

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  2. Adoro romance histórico e por acaso estou lendo uma série sobre essa fase da história. As informações foram muito úteis. Obrigada.

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  3. Nota-Extra Posterior: Saiu recentemente um filme (com alguma precisão histórica) sobre Robert Bruce, intitulado "The Outlaw King", cuja visualização recomendamos a todos os leitores. Muitos dos episódios aqui relatados neste artigo de 2015 (a sua rivalidade com John Comyn, o assassinato deste último num templo cristão, a derrota em Methven e a fuga de Robert Bruce, a execução de seus irmãos e o aprisionamento da sua mulher, o facto de ter sido declarado fora-de-lei pela coroa inglesa, a táctica de guerrilha com a conquista de castelo a castelo pelos combatentes leais a Robert) surgem no filme. Apenas não fizemos referência à batalha de Loudoun Hill (1307), momento que surge no final do filme (o qual não é uma biografia completa porque se fica praticamente por 1307) e que marca a afirmação de Robert Bruce, o qual com uma força estimada em apenas 600 homens terá conseguido travar uma força inglesa de 3 mil homens (essencialmente cavaleiros) comandada por Aymer de Valence, conde de Pembroke. Todavia, informamos o leitor que o filme não faz referência à batalha de Bannockburn (1314) que foi efectivamente decisiva nesta Primeira Guerra da Independência Escocesa e que é relatada neste artigo.

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