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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Pedro I, o derradeiro e prestigiante rei cruzado do Chipre


1- Contexto e a ascensão de Pedro ao trono do Chipre

A dinastia dos Lusignan (de origem francesa) havia sido imposta no Chipre desde os tempos da Terceira Cruzada (1189-1192), quando Ricardo Coração de Leão se apoderou do Chipre (sendo que posteriormente venderia este reino a Guido de Lusignan, soberano cessante de Jerusalém, o qual seria preterido na Terra Santa pelo protagonismo crescente do seu novo rival Conrado de Montferrat) ainda antes de aportar na costa levantina, onde seria bem sucedido na tomada de São João de Acre e nas batalhas de Arsuf e Jaffa. Mas este empreendimento militar só adiou o que aconteceria cerca de 100 anos depois,  quando o último grande bastião (São João de Acre) dos cruzados cai violentamente nas mãos do implacável sultão mameluco al-Ashraf Khalil  em 1291. Pouco tempo depois era extinta, de forma polémica, a Ordem dos Templários, uma organização nuclear da guerra santa cristã. O prestígio das cruzadas já não era tão apelativo, e por isso, os grandes reis da Cristandade começaram a desinteressar-se pelos assuntos inerentes à Terra Santa.
Foi após esse contexto que Pedro nasceu em 1328 na cidade cipriota de Nicósia, e tornar-se-ia mais tarde num dos soberanos mais bem-sucedidos da história daquela pequena, embora estratégica, ilha mediterrânica. Era o segundo filho do rei Hugo IV do Chipre, todavia o falecimento do seu irmão mais velho Guido em 1343 colocou-o no topo da linha sucessão a seu pai, sendo que este ainda reinaria até 1359.
Sobre os seus anos iniciais, pouco se conseguiu apurar. A tradição refere que o ainda infante teria realizado uma viagem secreta à Europa, embora não se conheçam exactamente os detalhes que envolveram este procedimento. Em 1347, é designado conde nominal de Tripoli, cidade portuária que já havia caído em 1289 às mãos dos mamelucos. Tratava-se apenas dum título formal desprovido de qualquer viabilidade governativa ou executiva.
Em 1359, ocorre a morte de Hugo IV e, como consequência, Pedro é coroado na Catedral de Santa Sofia em Nicósia como novo rei do Chipre. Iniciava-se agora um novo ciclo da história cipriota. Hugo havia sido um rei culto, versado na aplicação da justiça e demonstrando interesse pelas artes, literatura e filosofia, mas Pedro debruçava-se sobre novas prioridades, exibindo energia e valentia para empreender campanhas militares na tentativa de travar o avanço muçulmano que era já bastante evidente até no Mar Mediterrâneo. Sonhava ainda com a recuperação de Jerusalém, ele mesmo que em 1360, tinha sido coroado em Famagusta como rei nominal de Jerusalém que tinha deixado de estar na mão dos cristãos desde 1244, quando os turcos corésmios tomaram a Cidade Santa, desde então inalcançável para os cristãos. Por outras palavras, desejava reviver o espírito de cruzada. O Chipre era na altura o posto mais avançado da Cristandade na guerra contra os temíveis turcos.
O primeiro pedido de auxílio adveio do reino arménio da Cilícia que se encontrava em total declínio dado o avanço das forças turcas. Através do envio de frotas, os cipriotas auxiliam imediatamente na defesa bem conseguida de Coricos (cidade portuária arménia que estava a ser sitiada pelos invasores) e ainda aproveitaram tal campanha para conquistar Adália (também conhecida como Antália), uma das importantes fortalezas dos turcos. Por fim, saquearam ainda Myra. Estas acções decorridas entre 1361-1362 favoreciam os interesses dos mercadores cipriotas (estes desejavam tirar proveitos das trocas comerciais com a Ásia Menor) bem como as intenções de segurar um futuro e potencial território de desembarque para uma campanha de elevadas dimensões, o que não veio efectivamente a suceder-se dado o desinteresse das principais forças europeias em lançar uma grande expedição rumo à Ásia Menor.
Efectivamente, veremos Pedro a rumar novamente ao continente europeu em 1362, procurando apoios para a sua causa cruzadística. A viagem bem como as burocracias inerentes obrigaram-no a ficar quase três anos a vaguear pelos reinos cristãos do Ocidente. Pedro foi recebido em pompa e circunstância pelas cortes de França, Inglaterra, Flandres, Polónia e Hungria. Teve ainda uma audiência com o Papa em Avinhão. Mas os resultados foram aquém dos esperados pelo soberano cipriota. É verdade que o rei João II de França revelou algum interesse no projecto cruzadístico, mas faleceria antes de tomar qualquer parte numa potencial expedição. Como se não bastasse, a Guerra dos Cem Anos ocupava os soberanos franceses e ingleses, acrescendo ainda a clara indiferença do imperador germânico. Por conseguinte, Pedro teve de se contentar apenas com uma pequena força de soldados veteranos que zarpou de Veneza e se juntou assim à sua causa. Para alcançar este destacamento limitado mas útil, o rei cipriota teve de mostrar as últimas cartas (que acabara de receber do Oriente) ao Papa Urbano V, alertando que a recém-conquistada Adália estava a ser alvo dum novo ataque turco que visava recuperar esta fortaleza, além disso, há conhecimento do desembarque de algumas forças turcas no norte do Chipre, ilha essa que estava ainda a ser alvo duma terrível peste. Apesar destas desmoralizantes notícias, Pedro I do Chipre prometia retaliar e demonstraria que um rei dum pequeno território jamais poderia ser subestimado pelos principais líderes do mundo daquele tempo.





Imagem nº 1 - O rei Pedro I do Chipre alcançaria várias façanhas no plano militar, embora na vertente diplomática, não tenha reunido os apoios necessários para colocar em marcha os grandes planos que tinha em mente.
Fresco da autoria de Andrea de Bonaiuto (século XIV) num templo de Florença (in Wikipédia)




Imagem nº 2 - As Cruzadas deixaram de ser apelativas no Levante e na Ásia Menor. Neste quadro da autoria de Karl Friedrich Lessing (1808-1880), veja-se um cruzado idoso, isolado e com o estandarte rasgado, juntamente com um cavalo tristonho.
Retirada de: http://forum.paradoxplaza.com/forum/showthread.php?615411-The-Stuff-of-Kings-A-House-of-Burgundy-AAR


2 - A Cruzada de Alexandria (1365)


Depois da aventura europeia, a qual se traduziu em escassos resultados diplomáticos, Pedro passa por Rodes, procurando igualmente o auxílio dos hospitalários para a sua campanha de retaliação. Alguns emires turcos, nomeadamente os de Jonia, temendo que o ataque se dirigisse à Ásia Menor, acordaram imediatamente pagar um tributo ao rei cipriota desde que este não os atacasse. Mas Pedro, ao contrário do que muitos previam, não tinha em mente um novo ataque à costa da Anatólia, mas sim perpetrar uma acção militar num dos territórios mais poderosos do Islão: o Egipto, onde estava enraizada a poderosa dinastia mameluca que havia causado a queda dos últimos redutos cristãos na Palestina, na segunda metade do século XIII. Além disso, o Chipre suspeitava igualmente um ataque iminente dos egípcios ao seu território, e por isso, não desconfiava apenas dos turcos, seus inimigos tradicionais.
O secretismo da expedição determinaria um ponto favorável aos cipriotas e seus aliados (hospitalários e a pequena força de venezianos): o factor surpresa. Ninguém poderia prever a ousadia de tais planos, nem mesmo os espiões ao serviço do sultão egípcio. Pedro iria promover uma guerra preventiva para dissuadir os líderes egípcios de qualquer ambição futura dum potencial ataque aos domínios cipriotas. O alvo estava decidido: a cidade milenar de Alexandria, outrora a capital do Egipto antes do domínio muçulmano.
Estávamos em Outubro de 1365, Pedro apesar de ter desejado mais reforços, conseguiu mesmo assim juntar uma força estimada em 10 mil soldados (entre os quais cerca de 1400 cavaleiros) que integravam uma frota de 165 barcos, de acordo com a projecção do historiador John France. Indiscutivelmente, dispunha de meios suficientes para causar sérios danos a um dos inimigos mais temíveis daquele tempo, mas o seu exército era, em simultâneo, claramente insuficiente para colocar em marcha uma ambiciosa campanha que intentasse tomar o Egipto e recuperar a Terra Santa para os cristãos. Efectivamente, ainda hoje se debate qual fora o principal motivo que conduziu o rei cipriota a esta campanha: terá sido apenas uma acção de guerra preventiva, ou o seu fervor cruzadístico ambicionava mesmo a conquista do Egipto e da Terra Santa, ou será que Pedro desejava apenas forçar um acordo político e comercial benéfico com os egípcios, de forma a inverter o declínio económico do Chipre?
O que se sabe é que no dia 9 de Outubro, as tropas do rei cristão desembarcam diante de Alexandria, surpreendendo os responsáveis daquela cidade. Terá ocorrido imediatamente uma batalha inicial, na qual Pedro I do Chipre liderou com mestria o ataque campal, talvez no exterior da urbe, derrotando os destacamentos militares egípcios de Alexandria. De acordo com alguns cronistas muçulmanos (visão partilhada por Van Steenbergen que abordou este conflito), as forças cristãs criaram vários pontos de diversão, procedendo a desembarques múltiplos e faseados em diferentes espaços da costa alexandrina. Por exemplo, suspeita-se que um importante contingente de cruzados chegou a esconder-se num cemitério até aguardar ordens expressas para auxiliar no ataque final. Esta tese explicaria facilmente a vitória total dos cipriotas que assim atacariam por todas as frentes as forças defensivas que haviam saído em direcção ao porto, ignorando estas a existência de outros destacamentos cristãos que já haviam desembarcado noutros pontos da costa de Alexandria. O cenário de encurralamento dizimou vários soldados egípcios e trouxe o pânico total à cidade. É muito provável que após este cenário de desorganização defensiva, a guarnição egípcia tivesse acabado imediatamente por desertar, sendo que também há a hipótese dos seus elementos terem tombado quando também saíram em defesa da sua urbe. Assim se explicaria a penetração imediata das forças cristãs no interior da cidade, recorrendo à pilhagem durante dois ou três dias (até 12 de Outubro). 
De acordo com manuscritos antigos, teriam tombado 20 mil egípcios e 5 mil foram feitos cativos e destinados posteriormente à escravatura. Todavia, estes números adiantados são interpretados como claramente exagerados. Quanto às baixas do lado cristão, desconhecemos estimativas, mas é provável que tivessem sido reduzidas. Os estragos materiais em Alexandria também foram evidentes, com templos, mercados e até a sua conceituada livraria a pagarem um elevado preço pela ira dos invasores que agora se dedicavam ao saque dos tesouros daquela cidade.
Apesar do êxito imediato, os responsáveis desta cruzada rapidamente se consciencializam que não detêm envergadura militar suficiente para se lançar à conquista do Egipto. Afinal não era verdade que, com forças numericamente bem superiores, o cardeal português Paio Galvão (ou Pelayo Gaitán, para aqueles que defendem as suas origens leonesas) e o rei nominal de Jerusalém - João de Brienne, na Quinta Cruzada (1217-1221), e o soberano francês Luís IX, na Sétima Cruzada (1248-1254), não haviam fracassado estrondosamente quando tentavam rumar ao Cairo, depois de terem tomado a cidade portuária de Damieta? A força conjunta de cipriotas, venezianos e hospitalários de Rodes poderia estar bem organizada, contando com um líder valente e impetuoso, mas não estava seguramente preparada para enfrentar um ciclo de sucessivas e duras batalhas perante exércitos egípcios mais coesos e bem organizados, os quais para além de serem numericamente superiores, contariam ainda com o decisivo conhecimento do terreno. Face a esta realidade incontornável, Pedro sentiu-se impotente, mais ainda quando constatou que os barões que o acompanhavam não o incentivavam sequer a tentar apenas segurar a cidade conquistada nestes dias. Estavam pois ansiosos em deixar solo egípcio com os seus ricos despojos. Entretanto, chegaram rumores de que um importante exército egípcio já rumava em direcção a Alexandrina, factor que terá apressado o abandono da cidade. Em 12 de Outubro, isto é, 3 dias depois de terem tomado a cidade, as forças cristãs deixavam Alexandrina deserta, com muitos edifícios em ruína e sem vários dos seus tesouros...
O sultão egípcio sentiu-se humilhado pelo escândalo, e em jeito de represália, encetou uma perseguição aos mercadores cristãos que desempenhavam o seu ofício no Egipto e na Síria.
Pouco tempos depois, e aconselhado pelo Sumo Pontífice que não tinha conseguido convencer os reis europeus a juntarem-se ao soberano cipriota, o rei Pedro teve de acordar tréguas pouco sólidas com o Egipto, pois existiram, pelo meio, provocações militares mútuas que atrasaram este processo de entendimento.




Imagem nº 3 - A entrada triunfante das forças cristãs em Alexandria.


3- Anos finais e Assassinato


Em 1368, Pedro é novamente visto na Europa, demonstrando uma vez mais o interesse de recrutar novos reforços militares e pedindo desta feita a instauração dum novo dízimo na Cristandade para financiar o seu ambicioso projecto de cruzada que sempre desejara colocar em prática. Tal como das outras vezes, o rei do Chipre teve pouca sorte. Entretanto, os arménios voltaram a solicitar-lhe ajuda, enviando uma delegação de chefes que o encontrariam em Roma, aquando da estadia daquele pelo Ocidente. Sem surpresa, Pedro acedeu novamente aos seus pedidos e prometeu enviar em breve uma armada para combater as forças turcas. Todavia, quando regressa ao Chipre para preparar uma eventual expedição à Ásia Menor, constata que a sua mulher - a rainha Leonor de Aragão não lhe havia sido fiel e como tal, começa a perseguir os favoritos da sua esposa, distanciando-se assim de vários barões influentes e até dos seus irmãos. O isolamento ser-lhe-ia fatal, pois as intrigas internas determinariam o seu fim. Em Janeiro de 1369, seria assassinado à traição nos seus aposentos por um grupo de nobres que tinha conspirado contra a sua pessoa. Foi sucedido pelo seu filho Pedro II que à data do seu falecimento só contava 12 ou 13 anos de idade.
Pedro I do Chipre fora ainda responsável pela fundação da "Ordem da Espada" do Chipre, a qual teoricamente era dedicada ao sonho da recuperação da Terra Santa, embora só se tivesse contentado com incursões marítimas no Mediterrâneo Oriental ou na defesa do território cipriota contra os ataques dos muçulmanos (turcos ou egípcios).





Imagem nº 4 - Ao fim de cerca de 10 anos de reinado, Pedro I do Chipre (1359-1369) acabou por ser alvo duma conjura que resultou no seu assassinato.
Iluminura do século XV - Biblioteca Nacional de França (in Wikipédia)



Referências Consultadas:

  • FRANCE, John - The Crusades and the Expansion of Catholic Christendom, 1000-1714. Taylor & Francis, 2005.
  • HILL, George - A History of Cyprus. New York: Cambridge University Press, 2010.
  • SETTON, Kenneth Meyer (ed.) - A History of the Crusades. Vol. III - The fourteenth and fifteenth centuries. Londres: The University of Wisconsin Press, 1975.
  • http://weaponsandwarfare.com/?p=28223, (Consultado em: 29-09-2014).
  • http://www.cypnet.co.uk/ncyprus/history/lusignan/3pierre1.htm, (Consultado em: 29-09-2014).
  • Wikipédia (embora seja uma fonte electrónica que mereça da nossa parte alguma cautela, dado o facto de qualquer pessoa, com conhecimentos ou não sobre a matéria em questão, poder redigir qualquer artigo, a verdade é que nos artigos sobre Pedro I do Chipre e a Cruzada Alexandrina (versões espanhola e inglesa), extraímos um número, embora limitado, de detalhes que consideramos úteis, até porque na nossa pesquisa, efectuada em círculos próximos, não conseguimos detectar obras e artigos electrónicos que se debruçassem de forma alongada sobre a biografia deste soberano cipriota que acabamos de abordar). Este site poderá ser evidentemente utilizado como uma ferramenta útil, desde que os textos aí citados sejam minimamente credíveis na óptica do utilizador (o que poderá ser atestado com referências citadas ou uma descrição lógica dos acontecimentos que deva bater certo com livros ou outros artigos consultados), o que parece ser o caso, quando estudei este capítulo específico da História do Chipre, um reino sobre o qual não há muita informação nas bibliotecas mais próximas.

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