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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

William Wallace, o rebelde escocês que desafiou a Inglaterra


1- Os primeiros passos

Nascido por volta de 1270, talvez em Elderslie, no condado escocês de Renfrewshire, William provinha do seio duma família da pequena nobreza rural. De resto, pouco ou nada se sabe sobre os seus primeiros anos de vida.
Em 1296, o rei inglês Eduardo (o mesmo que, como tínhamos observado no artigo anterior, resistira a um atentado contra a sua pessoa quando liderava a Nona Cruzada direccionada ao Levante) decide invadir a Escócia e tenta impor o seu domínio, recorrendo mesmo à via militar para tentar evitar ou, na pior das hipóteses, abafar as rebeliões. Nesse ano, os ingleses são bem sucedidos na conquista de Berwick e na batalha de Dunbar, o que obrigará o rei escocês John Balliol (1292-1296)  a abdicar da coroa e mais tarde a procurar exílio na França. De acordo com alguns historiadores, esta invasão poderá ter-se devido ao facto da Escócia se ter recusado a apoiar a Inglaterra nas acções bélicas contra a sua arqui-rival França, aliás terá existido mesmo um pacto secreto entre escoceses e franceses, conhecido como a Auld Alliance, o que deverá ter irritado o rei inglês Eduardo que não perdoou tal ousadia, quando teve conhecimento pelos seus informadores da existência de tais acordos. Todavia, também não é menos verdade que Eduardo sempre desejara controlar os assuntos da vizinha Escócia, e quando instalou John Balliol no trono escocês em 1292 como resultado duma crise de sucessão (a rainha Margarida tinha deixado o trono vacante em 1290), esperava que este soberano lhe fosse inteiramente obediente, o que não veio efectivamente a acontecer para fúria do rei inglês.
Em termos práticos, a Escócia atravessará agora uma fase de grande anarquia. A harmonia tinha sido substituída pela agitação. Inevitavelmente, as primeiras escaramuças e confrontos começam. Nem todos aceitam a nova realidade de subjugação face à Inglaterra.
É neste contexto que William Wallace se sobressairá, tomando a cidade escocesa de Lanark (que já era tutelada pelos ingleses) em Maio de 1297. Ele lidera a rebelião que causará mesmo a morte do xerife inglês que estava incumbindo de controlar aquela terra, em nome do rei de Inglaterra. Este acto revoltoso foi inicialmente subestimado pelos comandos invasores que apenas encaravam William e seus seguidores como perigosos arruaceiros ou foras-de-lei, contudo sem grande margem de progressão para façanhas notáveis em termos militares. Todavia, é certo que William começava a ganhar admiradores e adeptos, e engrossaria portanto o número de combatentes que estariam dispostos a lutar até à exaustão contra os ingleses. 
Entretanto as localidades de Fife e Pertshire também são recuperadas pelos escoceses, tendo aí William derrotado e expulsado guarnições superiores e modernas de ingleses. Com cerca de 27 anos contados na altura, ele já começava a ser visto como um herói para o seu povo que não admitia ser explorado por estrangeiros. 
As rebeliões escocesas prometiam pois enfraquecer, ao máximo, o domínio inglês na Escócia. 




Imagem nº 1 - Os confrontos entre ingleses e escoceses foram numerosos na Idade Média.
Retirada de: http://www.educationscotland.gov.uk/scotlandshistory/warsofindependence/andrewmoray/




Imagem nº 2 - William Wallace, visto como um fora-da-lei que se movia nos bosques da Escócia. Ele promoverá as tácticas de guerrilha.
Retirada de: http://www.thesocietyofwilliamwallace.com/andyhillhouse.htm


2 - A Batalha de Stirling e o auge de William

Normalmente, as batalhas são comummente conhecidas pelo número de baixas militares e até civis que são então registadas e até "repartidas" entre os lados envolvidos no campo bélico. Todavia, aquelas também concediam imenso prestígio, sendo capazes de mundializar o nome de comandantes ou generais, até então quase reduzidos ao anonimato e que poderiam assim alcançar o seu momento de glória na História. Na Idade Média, as grandes batalhas eternizavam os nomes dos seus vencedores, exaltando a sua bravura e conhecimento táctico.
Até à Batalha de Stirling, William Wallace era apenas um resistente habilidoso que só contava com 2 ou 3 vitórias a nível regional, derrotando com mestria alguns destacamentos bem organizados, mas nunca enfrentando um verdadeiro exército inglês que, à partida, contaria com muitos mais efectivos e que estaria seguramente mais bem armado e disciplinado para poder assim anular a resistência escocesa. William terá pois uma oportunidade decisiva que se pode traduzir num destes dois resultados possíveis - ficar na história da Humanidade como um vitorioso inesperado e alcançando aqui um invejável pedestal, ou nunca sair do patamar discreto dum mero ou vulgar guerreiro que combatera por uma causa, sem nunca ter logrado grandes façanhas.
As rebeliões começaram a preocupar os altos dirigentes ingleses que supervisionavam a invasão da Escócia e, por isso, prepararam uma armada, constituída entre 8 a 12 mil soldados, com alguns cavaleiros, para refrear o ambiente explosivo e punir assim os resistentes. Por seu turno, os escoceses apenas conseguem reunir cerca de 2 300 homens, nem todos totalmente bem equipados para a batalha que iria decorrer em Stirling Bridge. A vantagem militar, tanto a nível numérico como em termos de armamento, estaria claramente do lado dos ingleses que tinham tudo para triunfar.
A limitada força escocesa, liderada por William Wallace e Andrew de Moray (este último, outro líder proeminente da resistência escocesa), teria seguramente uma missão hercúlea.
No dia 11 de Setembro de 1297, os ingleses, comandados pelo conde de Surrey (John de Warenne) e pelo tesoureiro da administração inglesa da Escócia (Hugh de Cressingham), procuram atravessar o rio Forth através duma ponte estreita de madeira quase já defronte das linhas escocesas. Por seu turno, os escoceses que observavam os cavaleiros ingleses a partir duma ladeira ou colina, dirigem-se igualmente rumo à ponte de Stirling, preparados para tirar proveito das suas lanças e doutros objectos de arremesso. Tecnicamente, a acção dos lanceiros (spearmen) escoceses será perfeitamente executada, causando várias baixas e inclusive desorganização e pânico totais no exército inglês que vislumbraria a sua cavalaria pesada a ser então humilhada. Muitos procuraram desesperadamente recuar, utilizando a ponte como meio de fuga, acesso que não foi facilitado pelos escoceses que procuravam cortar as saídas ao inimigo. Alguns conseguem escapar ao massacre mergulhando e nadando rumo à outra margem do rio Forth, enquanto outros completamente encurralados foram abatidos, e outros afogaram-se ainda naquele meio pantanoso. O conde inglês John de Warenne consegue retirar-se são e salvo com mais alguns cavaleiros e arqueiros, mas para escapar, teve de mandar incendiar a ponte de forma a evitar a perseguição escocesa. Menos sorte, teve o tesoureiro Hugh de Cressingham que foi esfolado vivo. Cerca de 5 mil efectivos que incorporavam as forças inglesas haviam tombado nesta sangrenta batalha.
Também no lado de escocês, há algumas baixas a registar. Andrew de Moray, o segundo líder conceituado dos escoceses depois de William Wallace, é ferido fatalmente na batalha, acabando por falecer dois meses depois. Embora não tenhamos encontrado nenhum autor que se refira ao número de baixas sofridas pelos escoceses, cremos que estes poderão ter sofrido entre 500 a 1000 baixas, uma estimativa que consideramos lógica para um pequeno exército vitorioso composto por pouco mais do que 2 000 homens.
William Wallace tinha finalmente alcançado uma vitória invulgar, derrubando um numeroso exército inglês que foi incrivelmente anulado, e muito provavelmente, logo após esta façanha, ele teria recuperado para os escoceses o domínio do castelo de Stirling.
Agora sim esta derrota será levada a sério pela Coroa Inglesa que reconhecerá a existência dum claro inimigo em solo escocês. Já não se tratava pois dum caso de rebeldia isolada, mas de uma resistência muito mais organizada que desafiava assim os interesses de Londres.



Imagem nº 3 - Os cavaleiros e soldados ingleses, a maior parte em vão, tentam retirar-se a partir da ponte de Stirling. 




Imagem nº 4 - As forças escocesas (destaque para os seus lanceiros a pé) acabarão por levar a melhor nos combates travados junto à ponte de madeira de Stirling.
Retirada de: 
http://www.educationscotland.gov.uk/scotlandshistory/warsofindependence/battleofstirlingbridge/




Imagem nº 5 - A marcha de William Wallace, seguido pelos lanceiros escoceses.
Retirada de: http://www.thesocietyofwilliamwallace.com/andyhillhouse.htm




Imagem nº 6 - Andrew de Moray, a segunda personalidade notável da batalha de Stirling Bridge que combateu ao lado de William Wallace contra os ingleses. Andrew acabaria por sucumbir posteriormente aos ferimentos da batalha.
Retirada de: http://www.thesocietyofwilliamwallace.com/andyhillhouse.htm




Imagem nº 7 - As lanças foram letais para travar a cavalaria pesada inglesa em Stirling.
Retirada de: http://www.thesocietyofwilliamwallace.com/andyhillhouse.htm



3- A Batalha de Falkirk: o Declínio do Guardião da Escócia

Em Novembro de 1297, William Wallace concretizará raides no Norte da Inglaterra, causando o pânico em Northumberland e Cumberland. Nesse fim de ano, também seria ordenado cavaleiro. Indubitavelmente, 1297 havia sido o ano de afirmação desta personalidade com vitórias em todos os confrontos travados com os ingleses. Seria juntamente com o recém-falecido Andrew de Moray: o Guardião da Escócia.
Mas os ingleses desejavam voltar às vitórias de 1296, e por isso, agirão energicamente em 1298, mais concretamente em Julho. O rei Eduardo acompanhará desta vez o seu exército, rumando a Norte para enfrentar os escoceses. Desta feita, contará com 15 mil guerreiros, entre os quais 2 500 cavaleiros e 12 500 homens de infantaria (aqui também estavam incluídos arqueiros ingleses e galeses).
William Wallace, reconhecendo a superioridade militar do adversário, procurará, a todo o custo, evitar um combate em campo aberto, preferindo actuar em regime de guerrilha e de emboscada. Os resistentes apenas estavam estimados em 6 mil combatentes: 1 000 cavaleiros e 5 000 soldados de infantaria (e entre estes últimos, destacamos novamente os lanceiros a pé e ainda alguns arqueiros).
Na manhã do dia 22 de Julho de 1298, William ordenou a formação de 4 corpos de piqueiros/lanceiros a pé que se dispunham em forma circular, voltados para fora com as suas lanças exteriores prontas a atacar os ingleses. Nos espaços vazios entre as divisões circulares, e assim mais protegidos, estavam os arqueiros que disparavam as flechas sobre o inimigo. Ninguém pode negar que William foi dos comandantes medievais que mais explorou o uso da lança e das armas de arremesso (por ex: flechas ou até pedras) na arte bélica, em detrimento da cavalaria pesada que era simultaneamente tão apreciada e temida naqueles tempos por vários generais de guerra.
As 4 formações escocesas travarão com sucesso as primeiras investidas da cavalaria pesada e dos infantes ingleses. Todavia, não terão a mesma sorte quando os arqueiros e besteiros ingleses, os melhores do reino que serviam assim o rei Eduardo, lançaram autênticas chuvas de flechas, causando a mortandade nas forças adversárias. Enquanto as setas caíam sobre os escoceses, o rei inglês ordenou uma nova carga da cavalaria pesada, esta seguramente muito mais bem sucedida do que as anteriores que rompeu assim as disposições dos lanceiros/ piqueiros escoceses.
Eduardo tinha a vitória na mão. Os escoceses fugiam para os bosques mais próximos para não serem capturados. William Wallace consegue escapar, mas muitos dos seus leais companheiros não tiveram essa possibilidade, tombando perante as flechas mortíferas ou a fúria dos cavaleiros ingleses.
As baixas foram consideráveis de ambos os lados. As tropas de William Wallace perderam cerca de 2 mil homens. O mesmo número parece ter sido visível nas forças inglesas, talvez devido ao sucesso inicial dos lanceiros escoceses que travaram as primeiras investidas malogradas das tropas de Eduardo.



Imagem nº 8 - Na batalha de Falkirk, os ingleses, liderados pelo rei Eduardo, romperão, após algumas tentativas, as disposições tácticas dos piqueiros/lanceiros escoceses. William Wallace consegue escapar por uma unha negra aos seus adversários que o desejavam capturar vivo ou morto.




4- Anos Finais e Execução

A derrota em Falkirk parecia ter travado o ímpeto de William Wallace que esteve muito perto de ser detido pelos ingleses nessa batalha que correu de forma desfavorável aos seus interesses. Ele renunciará ao título de Guardião da Escócia talvez em detrimento de Robert Bruce (conde de Carrick e reputado cavaleiro) e John Comyn (Senhor de Badenoch e Lochaber), outros conhecidos defensores da causa independentista escocesa.
Mas o nosso biografado não abandonará definitivamente a sua missão de liberar a nação escocesa. Por isso mesmo, empreenderá uma viagem a França, procurando o apoio militar destes para combater os ingleses. Retornará em 1303 à Escócia. Nestes anos, Robert Bruce e John Comyn haviam celebrado acordos de tréguas com o rei Eduardo, todavia nos termos firmados não estava garantida a protecção de William Wallace, o qual se tornou um alvo do soberano inglês que oferecia uma elevadíssima recompensa em dinheiro a quem assassinasse ou capturasse esta personalidade.
Em Agosto de 1305, William é capturado perto de Glasgow e transportado para Londres, onde seria julgado por traição. Em vão, o agora prisioneiro e réu, praticamente sem direito a defesa, tentará argumentar que nunca tinha prestado lealdade ao rei inglês porque não reconhecia os domínios daquele na Escócia. Todavia, a sede de vingança era grande, e William enfrentaria uma execução cruel que foi concretizada imediatamente a 23 de Agosto de 1305. Foi pendurado, amarrado, torturado, mutilado, esquartejado até ao golpe fatal. A sua cabeça foi colocada na ponte de Londres, os seus membros em Newcastle, Berwick, Stirling e Perth.
Claramente, Wallace havia irritado profundamente a Coroa Inglesa, pelo que a sua condenação foi muito saboreada pelos altos dirigentes ingleses.
Todavia, a morte deste protagonista não significou o fim das pretensões escocesas. Roberto Bruce, mais tarde Roberto I da Escócia, será também um herói nacional para o seu povo, pois  ele continuará com a guerra da independência, causando vários dissabores às tropas inglesas, nomeadamente na batalha de Bannockburn (1314), onde aplicará uma estrondosa derrota às forças de Eduardo II (filho do rei Eduardo I, este já falecido em 1307).



Imagem nº 9 - William Wallace nunca desistira da sua causa, sendo um dos nomes incontornáveis nas Guerras da Independência Escocesa.




Imagem nº 10 - A execução cruel e indigna de William Wallace em 1305.




Imagem nº 11 -  Roberto Bruce (futuro Roberto I da Escócia) restaurará a independência. Nesta imagem, ele levará melhor no duelo fatal com o conceituado cavaleiro inglês Henry de Bohun que tombará no âmbito da batalha de Bannockburn (1314).





Referências Consultadas:




Notas extra:

1- Quando utilizamos o termo lanceiro, não estamos a fazer referência aos cavaleiros que lutavam com lanças (pois estes também são designados de lanceiros), mas sim neste caso em concreto aos soldados que combatiam a pé com uma lança (também por vezes identificados como piqueiros). (Veja-se: http://www.dicionarioinformal.com.br/lanceiro/)

2 - William Wallace inspirou o célebre filme Braveheart, protagonizado pelo actor Mel Gibson.

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