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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Descobertas arqueológicas prometem mudar radicalmente a história dos Açores


Os potenciais achados pré-portugueses no Arquipélago


"Em certo tempo, o Infante D. Henrique, desejando descobrir logares desconhecidos no Oceano occidental, com o intuito de reconhecer se existiam Ilhas ou Terras firmes além das descriptas por Ptolomeu, mandou caravelas em busca destas terras. Partiram e viram terra ao ocidente tresentas léguas além do cabo - Finis Terrae - e, vendo que eram Ilhas, entraram na primeira, acharam-na desabitada e andando encontraram muitos muitos milhafres ou açores, e outras aves; e passando à segunda, que hoje se chama a Ilha de S. Miguel, que igualmente estava desabitada, acharam muitas aves e milhafres, assim como abundantes nascentes d'agus quentes sulfureas. D'ali viram outra ilha que na actualidade se chama Ilha Terceira, a qual à semelhança da ilha de S. Miguel, estava cheia d'arvores, aves e muitos açores"

Cronista Diogo Gomes de Sintra, 1460



No decurso das décadas de 1420 ou 1430, atribuiu-se a descoberta das primeiras ilhas açorianas a Diogo Silves e Gonçalo Velho respectivamente, embora subsistam dúvidas quanto à real primazia do descobrimento português. É ainda de ressalvar que este processo só terminaria na década de 1450, com a inclusão das ilhas mais ocidentais e consequentemente distanciadas - Flores e Corvo. Todavia, em relação ao estado do arquipélago que haviam descoberto parece haver unanimidade - o cenário totalmente desertificado saltou à vista dos exploradores. Não havia registos da presença humana naquelas ilhas, excepto os açores e milhafres que por aí nidificavam. Por isso, não há dúvidas que quando os portugueses lá chegaram durante a primeira metade do século XV, não haveria qualquer povoação a residir naquelas ilhas.
Todavia, desde cedo, caiu-se na tentação de afirmar que a história dos Açores só começou realmente com a chegada dos portugueses ao arquipélago, algures perdido e dispersado até então no seio do enorme Oceano Atlântico. Contudo, as descobertas recentes remetem-nos para uma ocupação anterior à chegada dos portugueses, colocando assim em causa a visão tradicional. 
Naturalmente, a descoberta duma pia esculpida numa rocha na Grota do Medo (Ilha Terceira), já devidamente analisada por um laboratório norte-americano, promete gerar intensos debates sobre esta problemática nos próximos tempos. De acordo com a datação proposta, a dita peça arqueológica contaria com cerca de 950 anos de existência e remontaria, pelo menos, ao século XI (senão mesmo até antes). Félix Rodrigues, Professor da Universidade dos Açores, já não duvida da importância deste achado, classificando-o como prova duma ocupação pré-portuguesa, salientando ainda que a pia jamais poderia ter sido ali colocada, pois estava presa ao aglomerado rochoso.
Curiosamente, e como nota adicional, seria interessante relembrar que os primeiros (ou primitivos) lavabos conhecidos na História Mundial remontam à Idade Antiga com a sua utilização por parte de cartagineses, romanos e gregos. Na Idade Média, acentuou-se a sua utilização nos lugares de culto cristãos. Só a partir do século XV, é que as pias começam a ser adaptadas frequentemente como peças de mobiliário doméstico.



Félix Rodrigues diz que a estrutura pode até ter mais do que 950 anos, porque "a amostra representa apenas a data em que a pia foi fraturada e não forçosamente a data em que a pia foi construída"

Imagem nº 1 - Na Grota do Medo, apurou-se a descoberta da mencionada pia esculpida em rocha. Félix Rodrigues acredita que poderemos estar perante um complexo megalítico.



Mas esta não foi a primeira nem a única polémica sobre a antiguidade histórica dos Açores. No século XVI, o cronista Damião de Góis descreve a existência duma antiga estátua equestre na ilha do Corvo, a noroeste do cume do vulcão:

"Uma estátua de pedra posta sobre uma laje, que era um homem em cima de um cavalo em osso, e o homem vestido de uma capa de bedém, sem barrete, com uma mão na crina do cavalo, e o braço direito estendido, e os dedos da mão encolhidos, salvo o dedo segundo, a que os latinos chamam índex, com que apontava contra o poente.
Esta imagem, que toda saía maciça da mesma laje, mandou el-rei D. Manuel tirar pelo natural, por um seu criado debuxador, que se chamava Duarte D'Armas; e depois que viu o debuxo, mandou um homem engenhoso, natural da cidade do Porto, que andara muito em França e Itália, que fosse a esta ilha, para, com aparelhos que levou, tirar aquela antigualha; o qual quando dela tornou, disse a el-rei que a achara desfeita de uma tormenta, que fizera o inverno passado. Mas a verdade foi que a quebraram por mau azo; e trouxeram pedaços dela, a saber: a cabeça do homem e o braço direito com a mão, e uma perna, e a cabeça do cavalo, e uma mão que estava dobrada, e levantada, e um pedaço de uma perna; o que tudo esteve na guarda-roupa de el-rei alguns dias, mas o que depois se fez destas coisas, ou onde puseram, eu não o pude saber"

Este relato concreto (e já posterior à descoberta do arquipélago) de Damião de Góis nunca foi oficialmente creditado pela historiografia nacional, o que levantou dúvidas quanto à sua veracidade. Mas dadas as mais recentes prospecções arqueológicas, sentimo-nos na obrigação moral de incluir este testemunho na compilação de todos os indícios sobre a presença humana nos Açores antes da chegada dos navegantes portugueses nas décadas iniciais do século XV.



Imagem nº 2 - Aquando da sua descoberta, a ilha do Corvo teria possivelmente uma sinistra estátua equestre, segundo nos conta Damião de Góis. Esta eventualidade nunca foi corroborada até então pela historiografia nacional.


Mas outros indícios surgiram entretanto - a alegada descoberta em 1749 de moedas fenícias ou cartaginesas na Ilha do Corvo que remontariam talvez ao século IV a. C., também não constituíram, na altura, motivo suficiente para se reconsiderar uma nova teoria sobre uma eventual pré-ocupação.



Moedas fenícias - Açores
Imagem nº 3 - Mero exemplo duma Moeda presumivelmente fenícia (frente e verso), talvez aparentando semelhanças com aquelas que terão sido encontradas no século XVIII na ilha do Corvo.


Também inscrições detectadas numa falésia localizada nas Quatro Ribeiras (Ilha Terceira) motivaram sérias discussões, pois poderão tratar-se de escritos rupestres da Idade Antiga (de novo surge a possibilidade de estarmos a referir-mo-nos a fenícios ou cartagineses).
Ainda recentemente, estiveram igualmente em voga as 140 pirâmides de Madalena do Pico, sendo que se recolheram nas sondagens arqueológicas artefactos aparentemente antigos: anzóis, pontas de metal, ossos, conchas, pesos de redes de pesca, utensílios feitos de basalto, carvões e fragmentos de peças de cerâmica. Todas as pirâmides foram construídas a partir de pedras basálticas de origem vulcânica. Algumas chegam a ter 13 metros de altura e detêm inclusive câmaras no seu interior. O arqueólogo Nuno Ribeiro acredita que estas estruturas poderiam obedecer às mesmas orientações de outras pirâmides, com eventuais motivações astronómicas e disposição de rituais funerários.


Uma das 140 pirâmides estudadas pelos arqueólogos na Madalena do Pico. Foram todas construídas em pedras basálticas de origem vulcânica conhecidas por biscoitos. Algumas chegam a ter 13 metros de altura (o equivalente a um prédio de habitação de quatro andares) e câmaras no seu interior.

Imagem nº 4 - As 140 pirâmides de Madalena do Pico (Açores) continuam a originar várias dores de cabeça aos investigadores. Tradicionalmente datadas entre os séculos XVII-XIX com fins de limpeza de terrenos agrícolas, as sondagens arqueológicas indiciam agora uma maior antiguidade e um funcionalismo distinto daquelas. 
Direitos da Foto: Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica (APIA)



É evidente que no século XIV a potencial existência destas terras começou a ser veiculada a partir de várias lendas que circularam durante o período medieval: até houve portulanos, atlas e cartas desenvolvidos a partir das navegações encetadas por genoveses, florentinos e venezianos (entre outros), os quais começavam a colaborar para um melhor conhecimento da cartografia, ainda que deficiente e imprecisa, do mundo em que estavam então contidos.
As descobertas sobre este enigma poderão não ficar por aqui, e novidades sobre novas peças ancestrais poderão ser conhecidas nos próximos tempos.



Conclusões a retirar


Não é logicamente uma missão acessível procurar teorizar sobre as origens e a configuração deste pré-povoamento, dada a localização dos Açores, arquipélago praticamente situado no meio do extenso Oceano Atlântico. Como é que seria possível a existência duma civilização anterior à chegada dos portugueses, se os meios navais antigos e medievais utilizados, salvo raras excepções (que destacaremos já de seguida), não eram ainda suficientes para encetar uma aventura desta dimensão ou envergadura rumo ao lendário desconhecido?
Propomo-nos a reflectir e a formular potenciais cenários, mas é evidente, que estaremos sempre a entrar num campo essencialmente especulativo.
Dentro deste contexto, Fenícios e Cartagineses, civilizações com tremenda vocação comercial, evidenciaram-se no Mar Mediterrâneo e fundaram as suas colónias na Idade Antiga, e até é possível que se tivessem interessado pela exploração do Oceano Atlântico. Se chegaram efectivamente aos Açores, numa expedição isolada, é claramente discutível se aí teriam permanecido por muito tempo. Talvez se tivesse tratado duma colónia temporária que seria abandonada dada a elevada e inglória distância (e os riscos daí adjacentes) a que a mesma se encontrava das bases civilizacionais. Além disso, e apesar de alguma potencialidade ao nível da produção cerealífera e das plantas tintureiras (como mais tarde, os portugueses testemunhariam) este arquipélago que consistia em pouco mais do que um punhado de pequenas ilhas talvez não fosse bastante apetecível ou rentável do ponto de vista económico para justificar uma exploração contínua de extremo risco e tremendos custos.
Também há-que considerar a hipótese da pirataria (encetada por embarcações cristãs e muçulmanas), visto que há a possibilidade de barcos terem encalhado ou aportado nos Açores devido aos ventos e tempestades que se faziam sentir no oceano, deixando assim as suas ligeiras marcas naquele território.
Por fim, mais duas teses que podem explanar uma eventual ocupação pré-portuguesa. Os normandos ou vikings demonstraram uma actividade intensa na Alta Idade Média, alcançando o seu clímax por volta do ano 1000, quando chegaram ao continente americano, mais concretamente, a território que pertence ao actual Canadá, onde fundaram 3 colónias. Com o seu desenvolvido barco - o dracar, os vikings explorariam de forma ímpar vários pontos do mundo, demonstrando um espírito aventureiro único. Se chegaram aos Açores, não o sabemos, mas se a pia, citada em cima, remontar factualmente ao século XI, então foi esculpida ou, pelo menos, utilizada poucas décadas depois da chegada viking ao continente americano. Também é sobejamente conhecida a arte viking em monumentos megalíticos. Tal como nas colónias criadas no Canadá, e caso tivessem realmente estado nos Açores, não é de estranhar igualmente uma presença, apenas temporária, em espaços longínquos, cujo controlo à distância era quase impossível de manter.
A última, mas não menos importante hipótese poderá remeter-nos para um estabelecimento tribal, à semelhança do que acontecera com o arquipélago das Canárias, sendo que aquele povoamento primitivo "açoriano", a ter realmente existido, deverá ter sido extinto talvez alguns séculos antes da chegada dos portugueses. Como se trataria porventura duma fixação indígena selvática e não muito desenvolvida, entende-se que, ao contrário de outras grandes civilizações, não tivessem deixado sequer ruínas de importantes edifícios. Porém, esta teoria pode ter um entrave que necessita de ser explicado - como é que os indígenas alcançariam este arquipélago localizado no meio do Oceano Atlântico? As suas modestas canoas não seriam, a nosso ver, suficientes para percorrer mais de 2 000 km no seio dum oceano incerto e fustigante. 
Neste momento, é certo que as investigações prosseguem, e da nossa parte, prometeremos continuar a dedicar muita atenção a este tema. Todavia, algo já poderemos concluir, a presença humana no arquipélago é anterior à chegada dos portugueses, mas essa porção remota da história açoriana ainda contém diversas pontas soltas, e por isso, não podemos extrair conclusões exactas sobre como se revestiu essa ocupação pré-portuguesa, pelo que tudo ainda é muito vago, apesar das teorias que procuramos lançar neste artigo.



Imagem nº 5 - O arquipélago dos Açores oculta, no seu interior e ao longo da sua paisagem, vários mistérios sobre a sua história. Afinal, os açores e demais aves não terão sido os únicos "habitantes" daquelas ilhas ao longo dos tempos.



Referências Consultadas:

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